José Paulo
“O monarca, ao declarar o povo sua propriedade privada se
limita a expressar que o proprietário privado é rei”. (Marx.1982: 502).
Marx diz que a cultura política patrimonialista é uma
plurivocidade de relação entre Príncipe, povo nacional e propriedade privada. O
soberano vê o povo nacional como sua propriedade privada. A cultura política
monárquica tem sua gramática patrimonialista. Contra tal gramática do ancien
regime, se levanta a emancipação política, a desintegração do Estado teológico
[o Príncipe ungido por Deus], e a construção do Estado político secular. Este é
um problema posto na atualidade do campo político estético brasileiro.
Marx fala da tela gramatical estético/política grotesca de
Rabelais, e segue:
“E que este ecletismo chegará a alcançar alturas até hoje
insuspeitadas o garante a glutonaria estético política de um monarca alemão que
aspira representar, senão a persona do povo, pelo menos em sua própria persona,
senão para o povo, ao menos para si mesmo, todos os papéis da monarquia, a
feudal e a burocrática, a absoluta e a constitucional, a autocrática e a
democrática”. (Marx. 1982:499).
A conciliação barroca (Hatzfeld: 61) no Príncipe alemão
antecipa o conceito de Estado de Gramsci:
Estado integral = hegemonia encouraçada de coerção. Estado ou
sociedade política e sociedade civil; ditadura e hegemonia; aparelho de coerção
[exército, polícia, administração, tribunais, burocracia etc.] e aparelhos de
hegemonia [culturais, políticos, econômicos]; governo [Estado em um sentido estreito]
e Estado integral; Estado como aparelho de poder e consenso; dominação e
direção. (Buci-Gluksmann: 114)
2
Marx diz:
“É certo que a arma da crítica não pode substituir a crítica
das armas, que o poder material tem que ser derrocado pelo poder material,
porém também a teoria se converte em um poder material quando ata as massas”.
(Marx.1982: 497).
Marx fala da crise catastrófica do campo político, crise da
tela gramatical dos fenômenos estético/políticos. Como pensar o desatar
gramatical entre o Príncipe e a multidão?
Antes de continuar, Marx é o jogador de qual jogos de
linguagem? Ele joga com a gramática do campo político/estético. Assim, a crise
do campo é um colapso da razão gramatical:
“Onde a nossa linguagem nos permite supor um corpo e nenhum
existe, aí, gostaríamos de dizer, está um espírito”. (Wittgenstein: 202).
A definição de Príncipe vai além do grotesco do corpo
realmente existente; O Príncipe existe em um espírito monárquico, soberano, o
jogador soberano dos jogos de linguagens do campo político. Como se alcança a
crise catastrófica do campo político da antiga gramática? Quando fica claro
para a multidão que a gramática do <querer dizer> do Príncipe não é
análoga à da expressão <representar-se uma coisa na mente> do soberano.
Assim, a revolução social se apresenta como um direito natural dos inimigos do
Príncipe. No entanto, é qualquer revolução política? Pode -se pôr qualquer
coisa no lugar do soberano legítimo por hereditariedade?
Hegel:
“uma mudança pela qual o indivíduo, como efetividade especial
e como conteúdo peculiar, se opõe àquela efetividade universal. Essa oposição
vem a tornar-se crime quando o indivíduo suprassume essa efetividade de uma
maneira apenas singular; ou vem a tornar-se um outro mundo – outro direito,
outra lei e outros costumes, produzidos em lugar dos presentes – quando o
indivíduo o faz de maneira universal e, portanto, para todos”. (Hegel: 194).
O indivíduo é o Príncipe da antiga gramática para o Um ou
para poucos, ou da nova gramática para todos. A democracia é a gramática para
todos e a ditadura o seu contrário. No entanto, o colapso da antiga gramática
pressupõe, como na revolução alemã, uma classe social especial:
“Porém, na Alemanha, não há classe especial que possua a
consequência, o rigor, audácia e a intransigência necessários para converter-se
no representante negativo de toda a sociedade. Todas elas carecem, assim mesmo,
da grandeza da alma que, sequer fosse momentaneamente, pudera identificar a
alguma coisa com a alma do povo, do gênio que infunde ao poder material o
entusiasmo do poder político a intrepidez revolucionária capaz de jogar na cara
do inimigo as retas palavras: “Não sou nada, tenho direito a tudo”. (Marx.
1982: 500).
Para existir a gramática revolucionária é preciso nomear o
Príncipe moderno:
“um nome próprio em sentido habitual, é por exemplo, a
palavra <Nothung>. A espada Nothung consiste em partes numa determinada
composição. Se estas partes se compõem de outra maneira, então, Nothung não
existe. Mas, no entanto, a proposição <Nothung tem uma lâmina fina> tem
obviamente sentido, esteja Nothung ainda inteira ou já partida. Mas se
<Nothung> é o nome de um objeto, então, este objeto não existe se Nothung
está partida; e assim como ao nome não corresponde nenhum objecto, então o nome
deixaria de ter denotação”. (Wittgenstein. 1987: 204-205).
Nothung é o Principe,
o soberano da gramática antiga que quebrou. E há a nova gramática, pois não há
vazio no campo político e sim substituição de uma tela gramatical por outra. A
não ser que impere o reino da anarquia:
“Mas então ocorreria na proposição <Nothung tem uma lâmina
fina> uma palavra sem qualquer denotação e por isso a proposição deixaria de
ter sentido. Mas, no entanto, a proposição tem sentido; logo às palavras que
nela ocorrem tem que corresponder sempre qualquer coisa. Assim, em virtude da
análise do sentido, a palavra <Nathung> tem que desaparecer e em
substituição têm que aparecer palavras que sejam os nomes dos objetos simples.
Chamaremos a estas palavras, como é justo, os nomes autênticos”. (Wittgenstein.
1987: 205).
Na democracia representativa, trata-se de um soberano
qualquer, um soberano singular autêntico, um jogador instituído por um agente
público, ou seja, a soberania popular. O jogador é uma espada que poder ter a
lâmina partida, pois esta pode ser substituída, o jogador é fungível. Assim,
abre-se as comportas da crise catastrófica do presidencialismo/cesarista com
grau zero de estética política. Então, o Principe fungível não existe como
espírito da gramática do campo político, e aí, também, não existe um corpo singular
que se possa pressupor como corpo político da nação. Sobretudo, a gramática do
jogo de linguagem da política não ata a multidão.
A
REVOLUÇÃO DA QUESTÃO DO ESTADO
A questão do fim do Estado está posta no campo político
mundial. Com efeito, o Estado nacional aparece e desaparece no discurso
político. Marx fala do Sol ilusório e Hannah Arendt do Sol como aparências de
semblância (Arendt: 31). O Estado é o Sol ilusório como forma ideológica, ou
melhor, como aparências de semblância. Marx fala da política e do direito como
forma ideológica. (Marx. 1974: 136). A forma ideológica é um agente de produção
de ilusão. Mas, o direito pode ser uma cultura objetiva como a medicina.
(132-133). Já a política produz ilusão, mas é um poder administrativo do sonhar
barroco acordado, como revela Calderon de La Barca.
O jovem Marx fala do Estado:
“Acaso há no mundo, por exemplo, um país que compartilhe de
um modo tão simplista como a Alemanha que se chama constitucional todas as
ilusões do Estado constitucional, sem compartilhar nenhuma de suas
realidades?”. (Marx. 1982: 499).
O Estado é a cultura política do Sol ilusório e realidades
das quais fala Gramsci. Ele é realidade material (aparelho, violência) ele é
realidade virtual [que se atualiza ou não] como: dominação e hegemonia,
consenso e coerção, ditadura e democracia etc. O Estado como Sol ilusório
aparece como uma estrutura de ficção, e como realidade, ele é banho de sangue,
carne, osso, vísceras etc. Ele é a verdade, insisto, como estrutura de ficção
(Lacan: 186) no campo político/estético. Michel Foucault e Deleuze falam do fim do
Estado nacional na Europa da União Europeia. Giddens e René David falam de um
Estado com quatro poderes nos EUA e Inglaterra: poder governamental, judicial,
legislativo e poder administrativo do general intellect gramatical. Enfim, o
Estado da tela gramatical aparece no campo político como um fenômeno estético
que se exauri como sujeito gramatical político. O futuro bate à porta.
4
A tela gramatical estética regula o campo dos fenômenos políticos:
“’Mesmo quando se concebe a frase como imagem do estado de
coisas possível e se diz que ela mostra a possibilidade do estado de coisas,
então, no melhor dos casos, a frase pode fazer o que faz uma imagem pintada ou
plástica, ou um filme; e ela, em todo caso, não pode colocar o que não se dá.
Portanto, depende inteiramente de nossa gramática o que é [logicamente] dito
possível e o que não é, a saber, o que ela autoriza?’”. (Wittgenstein. 1975:
148).
O que a tela gramatical estética está autorizando no campo
político mundial?
ARENDT, Hannah. A vida do espírito. RJ: UFRJ, 1992
BUCI-GLUCKSMANN, Christine. Gramsci et L’État. Paris: Fayard,
1975
HATZFELD, Helmut. Estudos sobre o Barroco. SP: Perspectiva,
1988
HEGEL. Fenomenologia do Espírito. Parte 1. Petrópolis: Vozes,
1992
LACAN, Jacques. O Seminário. livro 16. De um Outro ao outro.
RJ: Zahar, 2008
MARX. Os Pensadores. SP: Abril Cultural, 1974
MARX. Carlos Marx e Federico Engels. Obras Fundamentales. Volume
1. Marx. escritos da Juventude. México: Fondo de Cultura Económica., 1982
SIMMEL, Georg. Philosophie de la modernité. Paris: Payot, 1989
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. SP: Abril
Cultural 1975
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado lógico-filosófico.
Investigações filosóficas. Lisboa: Gulbenkian., 1987
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