domingo, 31 de maio de 2020

GRAMÁTICAS DO BRASIL CONTEMPORÂNEO


José Paulo


No ponto-de-partida teórico dessa nova leitura da história do Brasil contemporâneo encontramos a ideia de <gramática>, de Gramsci:
“Poder-se-ia esboçar um quadro da <gramática normativa> que opera espontaneamente em toda sociedade determinada na medida em que ela tende a unificar-se seja como território, seja como cultura. Ou seja, na medida em que nela existe uma camada dirigente cuja função seja reconhecida e seguida. O número das <gramáticas espontâneas> ou ‘imanentes’ é incalculável; pode-se dizer, teoricamente que cada pessoa tem sua própria gramática. Não obstante, ao lado desta desagregação de fato, deve-se sublinhar os movimentos unificadores, de maior ou menor amplitude, seja como área territorial, seja como ‘volume linguístico’. As ‘gramáticas normativas’ escritas tendem a abarcar todo um território nacional e todo o ‘volume linguístico’, a fim de criar um conformismo linguístico nacional unitário que, outrossim, coloca num plano mais elevado o ‘individualismo’ expressivo, já que cria um esqueleto mais robusto e homogêneo para o organismo linguístico nacional, do qual cada indivíduo é o reflexo e o intérprete. (Gramsci: v. 3: 2343).  
A história é uma plurivocidade de gramática, que dá a ela, história, uma aparência anarcogramatical. Ao contrário, a gramática hegemônica é o laço social contrário ao anarcogramaticalismo desagregador do significante sociedade nacional.   
A hegemonia gramatical faz pendant com uma classe dirigente que surge nos momentos de transformação da história nacional associada à história internacional. Identificar o ponto de não retorno da gramática hegemônica é o método mais seguro no estudo da história nacional.
O ponto-de-partida histórico da gramática do Brasil contemporâneo é a revolução econômica da corporação capitalista multinacional?
Na política, a Constituição 1988 é o ponto-de-partida da nossa contemporaneidade gramatical de uma ordem corporativa?
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Para falar da gramática constitucional é preciso dizer que ela é um plurivocidade de gramática. Assim, as gramáticas necessitam do STF para interpretar as frases e orações constitucionais, atualizando-as. 
Para atualizar a gramática constitucional 1988, falo do Artigo 142 objeto de uma luta gramatical entre o STF e o presidente da República, Jair Bolsonaro. Este usa a leitura do jurista Ives Gandra de que as Forças Armadas podem agir, constitucionalmente, como o velho <poder moderador> monárquico.   
Artigo 142. As Forças Armadas constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
A oração fala da garantia dos poderes constitucionais. Na realidade empírica natural, garantia pode ser atribuição do Estado de polícia. Os constituintes fizeram um texto conservador de viés autoritário ao militarizar a garantia do funcionamento dos poderes republicanos.  Trata-se de uma excrecência da gramática da ditadura militar na Constituição democrática 1988.  Na própria Constituição não acontece uma ruptura clara, evidente e devastadora com a ditadura militar.  
Por iniciativa de qualquer dos poderes republicanos, as F.A. podem funcionar como <poder moderador> na garantia da lei e da ordem. Na atual conjuntura política, Bolsonaro quer usar o Artigo 42 no seu discurso <transição ao regime autoritário> por via pacífica.  Como os juristas dizem, Bolsonaro quer constitucionalizar a ruptura autoritária na democracia 1988. 
Bolsonaro usa a leitura jurídica do artigo 42 para desenvolver a sua gramática política pessoal. Como diz Gramsci, a realidade é feita de uma plurivocidade de gramática, incluindo as gramáticas dos indivíduos.
A ambiguidade gramatical do Artigo 42 encontra-se no palco principal do conflito aberto entre Bolsonaro e o STF e o mundo jurídico da sociedade civil. Como há ambiguidade, cabe ao pleno da Corte interpretar a Constituição e pôr um fim na ambiguidade. Se Bolsonaro usar ao artigo 142 para um agir político, envolvendo a cúpula das F. A. como poder moderador, ele faz das F.A. um poder aconstitucional. Ele põe estas forças republicanas na ilegalidade gramatical constitucional.
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Escrever sobre a gramática do Brasil não é uma tarefa fácil, se se é leigo no estudo teórico e empírico das gramáticas. A essa minha leitura do Brasil se realiza após várias interpretações, minhas, da história do Brasil moderno. 
A revolução econômica da corporação capitalista multinacional é o signo da gramática econômica do Brasil da contemporaneidade.  Trata-se de um novo começo de leitura do Brasil.
No livro “Subdesenvolvimento hoje”, estabeleci um princípio de funcionamento da gramática da história:
“Fatos estão fora da interpretação da realidade histórica. A realidade não é feita de fatos, e sim de artefatos. Há que dizer um fato para que ele exista como artefato. (Lacan. S. 18:15). A gramática da história trabalha com a realidade definida como conjunto de artefatos”. (Bandeira da Silveira. 2019b: 257).
Leitura de uma determinada camada de significações do Brasil da contemporaneidade pode ser dita, assim:
“Uma república rural, oligárquica, capitalista foi hegemônica até o surgimento da república urbana, industrial paulista do capitalismo subdesenvolvido industrializado. A Constituição 1988 é a gramática da burguesia industrial, urbana, paulista. A gramática econômica da burguesia rural, industrial de hoje está destruindo a Constituição 1988. Hoje, temos um Congresso que é um efeito da gramática econômica da burguesia rural, industrial, amazônica, que avança sem controles do Estado-cientista sobre a Amazônia”. (Bandeira da Silveira. 2019: 263).
Esta leitura da gramática do Brasil contemporânea é incompleta. Outros artefatos precisam ser acrescentados por uma nova leitura:
“Os campos de poderes/saberes (econômico, político, cultural) constituem os artefatos por onde começar a interpretação da história. Os sujeitos individuais e institucionais existindo no campo de poderes/saberes são os artefatos que atualizam a gramática da história, gramática que articula as formações sociais”.  (Bandeira da Silveira. 2019b: 257-258).
O campo de poderes/saberes da contemporaneidade tem como artefatos, além dos já mencionados, a corporação capitalista multinacional, o capitalismo burocrático de Estado, a corporação científica dos cientistas e instituições de ciência e a universidade estatal nacional ou local, corporativas. Corporações de juízes e militares se integram à ordem corporativista das multinacionais constitucionalizadas pela Constituição 1988. O mundo do trabalho das corporações multinacionais foi a base econômica de governos de esquerda que entram em colapso com a crise do modelo corporativo capitalista das multinacionais, cujo signo é a desindustrialização urbana do país.
Um artefato do modelo da contemporaneidade é o capital corporativo da sociedade de comunicação cibernética. Trata-se de uma ruptura com o modelo multinacional que tem no Príncipe eletrônico seu grande fenômeno de cultura política nacional.
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A nacionalização do Príncipe cibernético se faz na junção da economia com a política. Falo dessa realidade.
A pré-condição para a existência do Príncipe cibernético infame é o país ser parte da acumulação ampliada mundial de capital do departamento 4, departamento do capitalismo corporativo cibernético da sociedade de comunicação. É o caso do Brasil.
O Príncipe infame é a capacidade para produzir o mal na política. A insídia e a intriga são parte da narrativa digital na política infame O Príncipe é <amari aliquid>, sinistro, impiedoso, virulento, imoral no mundo cibernético.
Em 2019, surgiu o Príncipe cibernético amari aliquid no Brasil. Trata-se do discurso político <transição ao regime autoritário>. A família de Bolsonaro pilota o Príncipe infame.
As notícias falsas (Fake News) são a parte substancial da gramática cibernética do nosso Príncipe. As Fake News bolsonaristas foram usadas para eleger Bolsonaro presidente da República. A oposição oficial acreditava que era só um fenômeno eleitoral. E não é! Trata-se de um fenômeno político cibernético tout court.
O Príncipe infame virou o “gabinete do ódio” digital no Palácio da Alvorada. As manifestações de rua da massa bolsonarista aparecem com uma espécie de simulacro de simulação de populismo de direita do Príncipe. Ele passou a descarregar todas as suas baterias no STF. O Príncipe é uma máquina de guerra política cibernética cujo objetivo é aterrorizar as altas cúpulas do aparelho de Estado e da sociedade civil, como o jornalista W. Bonner e o apresentador conservador da televisão Datena, por exemplo.
A presença do Príncipe infame cria e recria a atmosfera pestilenta de que o país vive uma crise política natural. De fato, o país vive uma crise política cibernética. Nesta crise, a luta entre os ramos do aparelho (de Estado e dentro do aparelho de Estado) significa que a governabilidade existe como governo em colapso. Há uma suspensão do governo como direção intelectual, moral e política da nação.
O Brasil vive uma época de prodigalidade infame na política. Bolsonaro ombreia com Trump na ocupação do lugar do Príncipe infame na política mundial. De fato, a capacidade de produção do mal político (e econômico) de Bolsonaro é infinitamente maior do que o de Trump.
Na linguagem real da política mundial, o Príncipe cibernético e o discurso político cibernético são parte da hegemonia do capitalismo corporativo cibernético mundial.
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“Todo hecho es ya teoría, dice Goethe. (Hegel: 23).
Todo fato é já gramática da história. O fato histórico é artefato, pois, a realidade dos fatos só existe em um dizer de um discurso e como fato de um outro discurso como espelho da realidade. 
O Príncipe do século XXI é um artefato cibernético na realidade dos fatos. Tal artefato é parte das gramáticas da história econômica do capitalismo corporativo cibernético mundial. Para evitar o anarcoempirismo na leitura da política da contemporaneidade se faz necessário trabalhar com artefatos cibernéticos: discurso político cibernético, Estado-Cientista cibernético etc.  
A sociedade de comunicação cibernética abre a porta para o Príncipe cibernético, que substitui a hegemonia política do Príncipe eletrônico. A sociedade em tela é o lugar da acumulação ampliada capitalista mundial de capital cibernético (ou digital na linguagem vulgar). Então, a questão da hegemonia deve ser vista a partir do campo de poderes/saberes cibernético.
No campo em tela, a nova ordem mundial faz a junção do Ocidente com o Oriente, do país desenvolvido com o país subdesenvolvido, da sociedade moderna ou tradicional com a sociedade cibernética.
A covid-19 fez nascer o Príncipe cibernético mundial como Estado-cientista cibernético, natural. A forma acabada do Estado-cientista encontra-se na China em aliança com a OMS. Por isso, Donald Trump fala de uma OMS chinesa.
Como já vimos o Príncipe cibernético tem suas formas nacionais. Nas Américas, ele existe como Príncipe infame capaz de praticar o genocídio covidiano, com um  Donald Trump envergonhado e, especialmente, com um Bolsonaro.
A gramática cibernética regula um campo de poderes/saberes cibernético mundial e, em certos casos, nacional. Não há como fazer a leitura da história da contemporaneidade sem a presença, em determinados países, da gramática da política cibernética.
Um país pode ser um atraso por sua história econômica subdesenvolvida e avançado pela simples existência em seu território da gramática do capitalismo corporativo cibernético da comunicação:
“O essencial é o entrelaçamento da sociedade do conhecimento com a sociedade industrial. Baseada no trabalho simbólico, a sociedade do conhecimento é antiprodução na produção que gerou o capitalismo globalizado e a sociedade industrial cyber. Trata-se de uma revolução no capitalismo que fez do Ocidente o centro de uma sociedade pós-capitalista e do Oriente asiático o espaço de uma nova formação social capitalista industrial cyber”. (Bandeira da Silveira. 2019a: 150).
O Estado-cientista surge como antiprodução; ele conduz o subdesenvolvimento chinês para a sociedade industrial corporativa cibernética desenvolvida sob a hegemonia do capitalismo corporativo de Estado; o modelo chinês aparece como a via de desenvolvimento para os grandes países subdesenvolvidos com indústria corporativa cibernética da sociedade de comunicação.
O Príncipe infame cibernético é um uso estratégico de uma coalizão reacionária do campo da direita para tomar o poder político e conservá-lo. Esse Príncipe unifica o campo da direita que desenvolve fenômenos como o <capitalismo criminoso> (Platt)  e o  <kriminostat> (Virílio). Ele tem na sua retaguarda o Príncipe eletrônico que existe como representante do capitalismo subdesenvolvido neoliberal.
O campo da esquerda e o campo progressista ainda não tomaram consciência que o inimigo é a aliança espúria do Príncipe cibernético com o Príncipe eletrônico:
“Na atualidade, o campo de poderes econômico tem duas redes-centros que atravessam países capitalistas subdesenvolvidos e tentam invadir as fronteiras econômicas dos países desenvolvidos. São eles: o <Kriminostat>, (Virilio: 54-55) e o <capitalismo criminoso>, especialmente da lavagem de dinheiro. (Platt: 45). 
No Brasil, uma burguesia tribal (Maffesoli: 147) africanizada neoliberal (Bandeira da Silveira. 2019a: 191-202) se tornou o centro social do campo de poderes econômico neoliberal. Ela conduz o país direto para o desenvolvimento (aprofundamento) do capitalismo subdesenvolvido neoliberal caboclo”. (Bandeira da Silveira. 2019b: 235).
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A transição ao regime autoritário é a estratégia de Bolsonaro e seus generais agora com reforço do Centrão (coalizão de partidos reacionários oligárquicos) e maioria do empresariado nacional e local, rural e urbano.  Contra essa coalizão reacionária do capitalismo subdesenvolvido neoliberal se levanta a corporação jurídica da sociedade civil. Esta ocupa o proscênio do palco da oposição oficial.
Aa contradição agônica na política recebe um involucro jurídico. O mundo jurídico passa a agir como uma força prática da política nacional contra a estratégia transição ao regime autoritário via golpe de Estado, ou tutela militar do poder civil pelo poder dos generais e quejandos! 
As contradições do regime 1988 exigem uma solução democrática em sua solução. O campo da direita no poder político com Bolsonaro (ou bolsonarismo sem Bolsonaro) se define como a única alternativa de poder à esquerda petista.
O país se encontra e um beco sem saída, pois, a derrota do bolsanarismo sem Bolsonaro (efeito do impeachment) depende da esquerda e progressistas pensarem um modelo econômico utópico para retirar o Brasil do subdesenvolvimento neoliberal.
A esquerda não se define como teoria em posse de uma gramática do Brasil da contemporaneidade. Assim, ela é não-contemporânea do presente e do futuro.
A formação de uma frente política requer uma gramática que cimente essa política como força prática da história do presente e do futuro pós-covid-19.
Então, a maioria do Brasil espera por essa força prática gramaticalizada.  
      
  
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Gramáticas do capitalismo. Lisboa: Chiado Books, 2019a
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Subdesenvolvimento hoje. Lisboa: Chiado Books, 2019b
GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. V. 3. Torino: Einaudi, 1977
HEGEL. Lecciones sobre la filosofia de la historia universal. Madrid: Alianza Editoria, 1980
LACAN, Jaques. O Seminário. Livro 18. De um discurso que não fosse semblante. RJ: Zahar, 2009
MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político. A tribalização do mundo. Porto Alegre: Sulina, 1997
PLATT, Stephen, Capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017
VIRILIO, Paul. Vitesse et politique, 1977   
    

    

  

      



quinta-feira, 21 de maio de 2020

ORDEM DA COMUNICAÇÃO CIBERNÉTICA MUNDIAL


José Paulo 


DO CAPITAL ELETRÔNICO AO CAPITAL CIBERNÉTICO

Em Marx, temos o departamento 1 (o capital de meios de produção, de bens de consumo produtivos) e o departamento 2 (do capital de produção de bens de consumo improdutivos). Com Rosa, se acrescenta o departamento 3: de bens da circulação, produção de dinheiro. (Rosa: 73).   
Com o capitalismo globalizado corporativo cibernético se acrescenta à divisão do trabalho capitalista mundial o DEPARTAMENTO 4. Trata-se do departamento de capital corporativo cibernético em dois espaços econômicos em junção e disjunção: capital produtivo corporativo cibernético e capital corporativo cibernético da sociedade de comunicação. 
Depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos desenvolvem a sociedade de comunicação fazendo pendant com a sociedade do espetáculo, de um Guy Debord. A sociedade de comunicação é o lugar do capital eletrônico da publicidade capitalista que usa o excedente crescente do capitalismo monopolista na <campanha de vendas>. (Baran: 1974:119):
“Há dúvidas sérias quanto ao valor dos programas artísticos apresentados pelos meios de comunicação de massa e servindo direta ou indiretamente como veículos de publicidade; mas não há dúvida de que todos eles poderiam ser apresentados aos consumidores a um custo incomparavelmente menor do que estes são obrigados a pagar através da publicidade comercial”. (Baran. 1974: 126).
A lógica da venda tem autonomia em relação à lógica do entretenimento:
“O objetivo de um comercial não é <divertir> o telespectador, e sim <vender> para ele. Horace Schwerin conta que não existe correlação entre as pessoas gostarem dos comerciais e <serem convencidas a comprar> por eles”. (Ogiluy. 2003: 147).
A lógica da publicidade dominante dos mass media se define como um regime de imagens eletrônico:
“Nos primeiros tempos da televisão, cometi o erro de confiar nas palavras para fazer a venda. Eu estava acostumado com o rádio, onde não existia imagem. Agora sei que na televisão você tem de fazer com que as <imagens> contém a história. O que você <mostra> é mais importante do que o que você <diz>. Palavras e imagens devem caminhar juntas, reforçando-se mutuamente. A única função das palavras é explicar o que as imagens estão mostrando”. (Ogiluy. 2003:148)

Associada à um regime de imagens eletrônicas, a <lógica do mostrar>a mercadoria aparece como espetáculo:
“ 37. O mundo presente e ausente que o espetáculo <faz ver> é o mundo da mercadoria dominando tudo aquilo que é vivido. E o mundo da mercadoria é assim mostrado <como ele é>, pois seu movimento é idêntico ao <distanciamento> dos homens entre si e em relação a tudo que produzem”. (Debord: 36).
A sociedade do espetáculo não existiria sem o capital eletrônico:
“4. O espetáculo não é um conjunto de imagens, e sim uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. (Debord: 16).
O capital eletrônico, também, articula e regula a sociedade de informação. (Wolton: 19):
“existe correlação rigorosa e necessária entre os dois, na medida em que a informação é diretamente destruidora ou neutralizadora do sentido e do significado. A perda de sentido está diretamente ligada à ação dissolvente, dissuasiva, da informação, dos medias e dos mass media”. (Baudrillard. 1981:120).  
A sociedade de comunicação é aquela da compreensão mutual à distância (mediada pela técnica ou capital da comunicação) que supõe se apresenta como <comunicação normativa> pois supõe a existência de regras, de códigos e símbolos (Walton:17). Trata-se da <gramática da comunicação>. 
Uma <comunicação funcional > é a razão comunicacional instrumental do capital <tout court>, deslizando nas trocas de bens e serviços, fluxos econômicos, financeiros e de administração econômica. (Wolton: 17). Temos aí uma gramática da economia.  
A vida cotidiana muda radicalmente com a internacionalização do capital eletrônico nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
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Como indústria da comunicação, o capital eletrônico é o motor da <mundialização da comunicação> como liame social da sociedade ocidental e extremo-ocidental da <sociedade moderna individualista de massa>. (Wolton: 98-99). O capital eletrônico cria e recria as aparências de semblância de que a vida dos países desenvolvidos é igual a dos países subdesenvolvidos.
Na América Latina, a passagem do subdesenvolvimento tradicional para o subdesenvolvimento com sistema industrial produz a atmosfera de uma tela gramatical eletrônica na qual o subdesenvolvimento desaparece como representação da realidade dos fatos. Depois, o capitalismo neoliberal usou a publicidade nos mass media para falar em <países em desenvolvimento> no lugar de países subdesenvolvidos. 
O princípio do igualitarismo entre os receptores vale também como princípio de igualitarismo entre nações na representação e visibilidade dos países na mundialização da indústria da comunicação.
A propósito, a televisão entra nos lares de todas as classes sociais e classes de idade.  E ela os trata como um único público, um público homogêneo. Ela trata os indivíduos como homólogos da soberania popular na qual as classes se dissolvem no voto, mas não na representação política produzida pelo voto.
Quem a televisão representa na política? A audiência ou o capital na política? Os mass media se articulam pela gramática econômica da indústria de comunicação. Tal gramática faz da televisão um centro do campo de poderes da mundialização do capital eletrônico existindo nacionalmente. Não há internacionalização tout court do capital eletrônico como centro de poderes econômico dos países desenvolvidos de uma mundialização da indústria da comunicação, voltada para a acumulação capitalista mundial. Os mass media significam uma nacionalização do capital eletrônico, uma indústria de comunicação nação a nação.
No entanto, a <ideologia da comunicação mundial> é um artefato econômico que organiza a hegemonia do <capitalismo corporativo das multinacionais> nos países dependentes industriais da América Latina. Tal ideologia foi e é fundamental no estabelecimento e aprofundamento do capitalismo neoliberal subdesenvolvido em países com sociedade industrial em colapso.  
Aliás, a ideologia da comunicação mundial é um fenômeno de ocultação da articulação dos grandes países subdesenvolvidos pelo <capitalismo criminoso> (Platt: 19, 45, 101)  e <criminostat> (Virilio: 55).
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O príncipe eletrônico se caracteriza pela intervenção dos mass mediia na eleição presidencial. No Brasil, a eleição de Bolsonaro teve a intervenção da televisão como ação de uma unidade política de um campo de poderes da direita.
O príncipe cibernético emerge na crise da covid-19. Ele é a unidade de uma ação política que tem como forças o capitalismo corporativo cibernético, o Estado-cientista cibernético natural, as elites científicas de países desenvolvidos com sociedade industrial cibernética (China no proscênio), a OMS e elites políticas nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Alguns países se recusam a seguir a orientação científica e política do príncipe cibernético. A hegemonia deste culmina com a primeira Assembleia Mundial da Saúde, em 2020, com centenas de governos. As políticas nacionais fora da hegemonia em tela são representadas como política genocida.
O príncipe cibernético aparece em uma mudança radical do discurso político.
O discurso político é a junção de fantasia (imaginação) e realidade dos fatos. Então, é fácil constatar que a covid-19 alterou a estrutura do discurso político contemporâneo.
O tempo do discurso foi alterado. O tempo se desarticula da vida presencial e assume a forma de um tempo de uma fantasia cibernética. O espaço existe virtualmente e já parece como natural o funcionamento digital da política.
Em maio, ocorre uma ASSEMBLEIA MUNDIAL DA SAÚDE DIGITAL como fato e artefato do príncipe cibernético.
O discurso político tem como fenômeno principal o Estado-cientista no lugar do capital. Trata-se do Estado-cientista, cibernético, natural. A Assembleia da saúde da ONU reúne centenas de países para discutir estratégia e táticas de combate à pandemia.
Como discurso político, o capitalismo globalizado (ou globalização econômica) foi substituído pela <globalização do discurso político>, como príncipe cibernético. Nesta globalização, o Estado nacional tem como tangente o <modelo corporativo cibernético>.
A adaptação biológica e/ou espiritual ao discurso político atual é algo tão novo e desconhecido, desconcertante, que os governantes e população em geral se mostram hostis uns com os outros. A estratégia de “isolamento social” é um fenômeno que salva vidas, mas, também, põe e repõe novos problemas para o ser humano – problemas excruciantes.
Como pensar a existência de um campo de afetos sem o contato físico do cotidiano? A própria ideia de relação social é posta em questão. Estaríamos frente a frente com o fim da sociedade como fonte de carinho inesgotável? A sociedade pode existir com um campo de afetos do prisioneiro? O discurso político cibernético é aquele da penitenciária digital globalizada.
O avesso do discurso do prisioneiro cibernético é o risco de morte que implode o sistema de saúde público e privado. Jamais a vida humana dependeu tanto de seus governantes em nível mundial. Do príncipe cibernético.
“Navegar é preciso, viver não é preciso”. Hoje, viver tem que ser preciso. A vida depende da engenharia cibernética na planificação da política e da sociedade. Ou, o deixar correr o barco sem engenharia poderá ser a opção dos povos que não suportarem o ser do discurso político do príncipe cibernético da terceira década do século XXI.
Há um novo sujeito na gramática da política do contemporâneo. É o sujeito como prisioneiro de uma penitenciária cibernética globalizada. Neste tempo político, a liberdade de ir e vir não é mais garantida pelos direitos fundamentais individuais das Constituições democráticas.
O campo do (s) sujeito (s) encontra-se aturdido.  
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Com o príncipe eletrônico, a mesma mensagem dirigida a todo mundo nunca é recebida da mesma maneira. A televisão tem um centro de transmissão de mensagens. É o capital eletrônico dividido em partes de si contra partes de si como indústria da comunicação.
O príncipe cibernético é um ciberespaço anárquico, pois não tinha um centro hegemônico discursivo até a sociedade covid-19 em colapso. Já apontamos a natureza do príncipe cibernético. A hegemonia do príncipe eletrônico é nacional e do príncipe cibernético globalizada.
A globalização da sociedade de comunicação corporativa de massa se realiza através do príncipe cibernético.
O príncipe eletrônico é feito de capital eletrônico e receptores ou audiência. Ele funciona pelas aparências de semblância do princípio da igualdade entre os receptores como se fosse equivalente ao fenômeno da soberania popular.  
Assim como o princípio da igualdade da soberania popular (um homem um voto) só existe na teoria democrática, não existe na realidade política, o princípio da igualdade entre os receptores só existe na teoria da comunicação.
O campo dos receptores-sujeito é heterogeneamente desigual, pois, ele funciona como leituras da mensagem que o capital eletrônico dirige a ele. O receptor é um intérprete da mensagem da televisão, que se comporta como um sofista. Ela é capaz de enviar uma mensagem política a favor de Bolsonaro e depois enviar uma mensagem contra Bolsonaro. Ela é capaz de atacar Bolsonaro com mensagens que são o inverso das mensagens de defesa de Bolsonaro. O príncipe eletrônico é um sofista.
A televisão se dirige a todas as classes sociais e classes de idade. Trata-se de uma ilusão da televisão querer satisfazer todo mundo. Eis a ilusão do princípio da igualdade se o sujeito faz parte do príncipe eletrônico. A televisão quer tocar todo mundo. (Wolton: 103).
O <Grande público>do príncipe eletrônico faz deste o Grande Outro lacaniano no lugar da soberania popular do sufrágio universal?
O ciberespaço não tem o Grande Outro? o cibernauta se dirige ao ciberespaço como um campo simbólico no qual ele fala com um Deus mortal que substitui o Deus mortal de Hobbes: o Estado. (Hobbes: 110)
O príncipe cibernético é o Deus mortal no qual o cibernauta fala com Deus sobre seus problemas e os problemas da realidade. Trata-se de um campo anarco-empirista das mil repúblicas autorais que desenha uma plurivocidade de realidade dos fatos imaginários e reais.
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O príncipe cibernético é um fenômeno que emerge como parte do departamento 4 do capitalismo corporativo mundial. O departamento 4 é formado pelo capital corporativo produtivo cibernético e pelo capital corporativo da sociedade de comunicação cibernética.
O capital corporativo produtivo cibernético existe na sociedade industrial cibernética que tem como polo mais dinâmico de acumulação capitalista países da Ásia oriental.
O capital corporativo da comunicação cibernético faz laço entre os países desenvolvidos e os países subdesenvolvidos. Há um subdesenvolvimento com capital corporativo cibernético da comunicação. Este funciona como motor de acumulação capitalista do capitalismo corporativo mundial privado.   
A covid-19 não significou uma crise para o capital cibernético da comunicação. Ao contrário, ele aparece como motor dinâmico da acumulação do capitalismo corporativo cibernético privado mundial.
 A nova ordem capitalista vai se construindo como ordem capitalista da comunicação cibernética mundial - tendo como fenômeno principal a hegemonia planetária do príncipe cibernético.
O capital corporativo cibernético faz a junção da estrutura econômica com a superestrutura ideológica; junção do Ocidente com o Oriente; junção dos países desenvolvidos entre si e destes com os países subdesenvolvidos.
Na covid-19, o Estado-cientista cibernético natural existe como uma nova espécie de Estado, ainda não gramaticalizado pelas ciências humanas dos países desenvolvidos.
Pouco se sabe sobre a gramática do Estado-cientista e sobre a estrutura e natureza do príncipe cibernético nos países desenvolvidos.  Talvez, o fato dessa forma acabada do Estado-cientista ter sido criada na China venha dificultando a gramaticalização ocidental dele.
Nos Estados unidos, a elite americana fala na criação de uma sociedade cibernética como estrutura da vida do dia-a-dia. A universidade de Cambridge já fala de um ano levo em 2021 totalmente digital, se até lá não for produzida uma vacina contra o novo corona-vírus.
Há um milenarismo cibernético se apossando do mundo da vida concreto?  Mundo concreto definido pela fenomenologia (Pizzi: 17).

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Capitalismo corporativo mundial. RJ: Papel & Virtual, 2002
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. gramáticas do capitalismo. Lisboa: Chiado Books, 2019
Bandeira da Silveira, José Paulo. Subdesenvolvimento hoje. Lisboa: Chiado Books, 2019  
BARAN E SWEEZY, Paul e Paul. Capitalismo monopolista. RJ: Zahar Editores, 1974
BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et simulation. Paris: Galilée, 1981
DEBORD, Guy. La Société du spectacle. Paris: Gallimard, 1992
HOBBES. Leviatã. Pensadores. SP: Abril Cultural, 1974
OGILUY, David. Confissões de um publicitário. RJ: Bertrand Brasil, 2003
ROSA LUXEMBURGO. A acumulação do capital. RJ: Zahar Editores, 1970
VIRILIO, Paul. Vitesse et politique. Paris: Galilée, 1977
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017
PIZZI, Jovino. O mundo da vida.  Brasil: Unijui, 2006
WOLTON, Dominique. Penser la communication. Paris: Flammarion, 1997
   


         
     
  

sexta-feira, 15 de maio de 2020

DO PRÍNCIPE CIBERNÉTICO


José Paulo



A universidade nas Américas se debruçou sobre o modelo político corporativista na época da passagem das economias subdesenvolvidas para as economias industriais na América Latina. Alfred Stepan apareceu como um autor de ponta desse debate pública procedural.
No que me diz respeito, extraio de Stepan uma instituição econômica corporativista presente na passagem do subdesenvolvimento sem indústria para o subdesenvolvimento com sociedade industrial. A elite subdesenvolvida usou o modelo econômico corporativista (a junção de elites técnicas, militares e multinacionais) para construir um modelo econômico industrial dependente:
“Isto é assim precisamente porque muitas das novas elites que Wiarda considera como desfiando o corporativismo cultura, tais como técnicos, os militares orientados para o desenvolvimento, até as corporações multinacionais (Stepan. 1980: 81), encontram um caminho “político útil para seus projetos de desenvolvimento orientados em relação às crises”. (idem: 81).
O modelo econômico corporativista industrial dependente exigia que as elites usassem o poder político para reconstruir a sociedade civil segundo novas linhas de gramática social. A paz social com o mundo do trabalho é o elemento basal da gramática ao lado da abertura econômica para o desenvolvimento das forças produtivas. O capitalismo privado corporativo estrangeiro e o capitalismo burocrático de Estado se constituem como as duas grandes forças históricas da gramática capitalista em tela. (Stepan: 82).
Um outro elemento é a criação de grupos econômicos de composição da demanda de bens de consumo duráveis. Assim, o capitalismo corporativista se define como um capitalismo para a minoria da sociedade, excluindo enormes massas da sociedade de consumo. Devemos falar de uma classe media corporativista?
No entanto, temos aí um capitalismo corporativista inclusivo, capitalismo com hegemonia, pois, ele cria um bloco no poder das classes dominantes com massas de apoio, integradas na hegemonia. (Stepan. 1980: 77). A sociedade corporativista capitalista se distingue das velhas sociedades tradicionais baseadas na coerção clânica e/ou estatal.
Uma ligação do capitalismo corporativo subdesenvolvido com o capitalismo corporativo mundial do presente encontra-se na estrutura do <capitalismo de compadrio> que é uma forma reinventada de estrutura clânica.
O capitalismo corporativo das multinacionais foi reinventado como capitalismo corporativo subdesenvolvido na formação social latino-americana. A corporação multinacional não tem a mesma função econômica no país desenvolvido e no país subdesenvolvido. Nesse último, ela se torna tecnologicamente atrasada; a técnica industrial se desliga do desenvolvimento das forças produtivas e da produtividade do trabalho como veículo de estabelecimento do preço dos bens industriais. A sociedade industrial não faz pendant com uma sociedade de consumo para a maioria da classe trabalhadora e classe média. Por exemplo, a classe média baixa é excluída do mercado de bens de consumo duráveis como o do automóvel e outros bens de consumo de luxo.    
Qual é o lugar da hegemonia no capitalismo corporativo mundial?  
A gramática capitalista corporativista possui uma ideologia na qual o bem-estar do grupo corporativista toma o lugar da ideologia liberal baseada no bem-estar do indivíduo. (Stepan.1980:86-87). Na gramática em tela, a corporação capitalista assume o lugar do estado-nação. Há uma mudança na passagem do capitalismo corporativista da multinacional para o capitalismo corporativista mundial. Neste, a corporação capitalista mundial assume, na economia mundial o lugar do estado-nação (ersatz de estado-nação) no processo de globalização do capitalismo corporativo globalizado.
O desenvolvimento da medicina privada corporativa é um domínio empírico onde a corporação capitalista passa a funcionar como ersatz de estado-nação pela lógica de aliar fazer o bem-comum corporativo com obtenção de lucro, enfim, de reprodução ampliada de capital corporativo. Na Europa, a corporação capitalista como ersatz de estado-nação é uma história econômica de destruição do capitalismo social e seu Estado-nação do bem-estar individual da sociedade salarial.   
O caso chinês altera o modelo capitalista corporativo mundial. A China faz a passagem do subdesenvolvimento para o desenvolvimento associando o capitalismo corporativo de Estado (CCE) com o capitalismo corporativo privado. O CCE substitui o capitalismo burocrático de Estado e altera a natureza da planificação. A planificação socialista cede seu lugar para a planificação capitalista. Com a China, o Estado-nação volta a ter uma posição estratégica na acumulação de capital através da aliança do CCE com o Estado-cientista cibernético, natural.   
 No século XXI, a União Europeia se estabelece como uma política voltada para a globalização do capitalismo corporativo privado neoliberal. O modelo corporativista europeu não tem CCE e/ou Estado-cientista cibernético, natural.
A crise sanitária da covid-19 leva a elite europeia a pensar a construção de um nomo modelo econômico com CCE e Estado-cientista. Trata-se de uma ruptura com a história econômica europeia do americanismo neoliberal.
A elite europeia dominante será capaz de adotar um modelo de capitalismo corporativo oriental?
A hegemonia do modelo capitalismo corporativo oriental sobre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos se materializará com o capitalismo europeu utópico oriental pós-covid-19 como a forma do capitalismo globalizado na terceira década do século XXI, no Ocidente e Oriente.   
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Uma característica do Capitalismo corporativo mundial é a transformação do campo de poderes mundial regulado pela dialética capital versus trabalho. Simplificando o funcionamento do campo de poderes, o trabalho deixa de ser um centro de lutas contra o capital cibernético. A luta de classes desaparece da sociedade capitalista que abole a necessidade de controle político do trabalho pelo Estado. (Stepan: 94).
Aliás, a luta de classes desaparece na sociedade capitalista subdesenvolvida industrial relacionada a dois fenômenos. O primeiro é a diminuição da sociedade industrial. O segundo é a emergência do <príncipe cibernético>.
Nos países desenvolvidos a luta de classes deixa o centro do palco com o desenvolvimento da sociedade industrial corporativa cibernética seu príncipe cibernético.
A história econômica mundial do capitalismo globalizado cibernético altera a gramática do capitalismo corporativo mundial, pois há o deslocamento do capital cibernético produtivo do ocidente para a Ásia oriental.
A história econômica oriental industrial do século XXI é aquela do príncipe cibernético no lugar da política das classes sociais.
O problema político do capitalismo corporativo mundial cibernético globalizado diz respeito à existência e funcionamento na sociedade civil mundial do príncipe cibernético como política de uma hegemonia, fortemente, sedutora e de coerção tendendo para o grau zero.
A ideia de <inteligência coletiva mundial> é um outro nome para o príncipe cibernético:
“Mas é preciso também entender a inteligência no sentido de união e conformidade de sentimentos. A inteligência coletiva também pressupõe, portanto, a capacidade de criar e de desenvolver a confiança, a aptidão para tecer laços duráveis. Ora, o ciberespaço oferece um poderoso suporte de inteligência coletiva, tanto em sua faceta cognitiva como em seu aspecto social. Já falei bastante a respeito do tema da inteligência coletiva neste livro e irei abordá-lo uma última vez para terminar este capítulo. É com a escolha desse caminho, que representa aquilo que a cibercultura tem de mais positivo para oferecer nos planos econômico, social e cultural, que os Estados poderão <recuperar em potência real e na defesa dos interesses de suas populações> aquilo que perdem pela desterritorialização e pela virtualização”. (Levy: 213). 
O príncipe cibernético é uma forma de plurivocidade da realidade, pois, ele é político, econômico e cultural, simultaneamente. Em Gramsci, a ideia do príncipe moderno é o partido político no lugar do <condottiero>:
“O caráter fundamental do <Príncipe> consiste em que ele não é um trabalho sistemático, mas um livro ‘vivo’ em que a ideologia política e a ciência política fundem-se na forma dramática do ‘mito’. Entre a utopia e o tratado escolástico, as formas através das quais se configurava a ciência política até Maquiavel, este deu à sua concepção a forma fantástica e artística, pela qual o elemento doutrinal e racional incorpora-se num <condottiero>, que representa plasticamente e antropoformicamente o símbolo da vontade coletiva. O processo de formação de uma determinada vontade coletiva, para um determinado fim político, é representado não através de disquisições e classificações pedantescas de princípios e critérios de um método de ação mas como qualidade, traços característicos, deveres, necessidades de uma pessoa concreta, tudo o que faz trabalhar a fantasia artística de quem se quer convencer e dar forma mais concreta às paixões políticas. O Príncipe de Maquiavel poderia ser estudado como uma exemplificação histórica do ‘mito’ soreliano, ou melhor, de uma ideologia política que se apresenta não como fria utopia, nem como raciocínio doutrinário, mas como uma criação da fantasia concreta que atua sobre um povo disperso e pulverizado para despertar e organizar a sua vontade coletiva”. (Gramsci. V. 3: 1555).
O primeiro fenômeno de formação de uma vontade coletiva cibernética é a política do Estado-cientista cibernético, natural (OMS, China) para combater a covid-19. Temos a produção de uma ideologia cibernética mundial como fantasia concreta que atua sobre povos dispersos e pulverizado para despertar e organizar sua vontade coletiva na luta contra a covid-19:
“Acrescentemos que esse novo espaço de comunicação é suficientemente vasto e tolerante para que projetos que apareçam mutuamente exclusivos sejam executados simultaneamente ou mostrem-se <também> complementares”. (Levy: 216).  
A plurivocidade em rede da história econômica do príncipe cibernético é um fenômeno de uma realidade mundial:
“Se é verdade que a rede tem tendência a reforçar ainda mais centros atuais de potência científica, militar e financeira, se é certo que o <cyberbusiness> deve conhecer uma expansão vertiginosa nos próximos anos, ainda assim não podemos, como muitas vezes faz a crítica, reduzir o advento do novo espaço de comunicação à aceleração da globalização econômica, à acentuação das dominações tradicionais, nem mesmo ao surgimento de formas inéditas de poder e de exploração. Pois o ciberespaço também pode ser colocado a serviço do desenvolvimento individual ou regional, usado para a participação em processos emancipadores e abertos de inteligência coletiva. Além disso, as duas perspectivas não são, necessariamente, mutuamente exclusivas. Podem até mesmo, em um universo cada vez mais interconectado e interdependente, apoiar-se uma na outra. Como mostrarei, todo o dinamismo da cibercultura está relacionado ao entrelaçamento e à manutenção de uma verdadeira dialética da utopia e dos negócios”. (Levy: 227).
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A hegemonia cibernética do capitalismo corporativo cibernético mundial abrange países desenvolvidos e subdesenvolvidos. As grandes corporações cibernéticas da sociedade de comunicação se constituem como o aspecto da integração cibernética entre Ocidente e Oriente, países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Os EUA é um centro econômico da sociedade de comunicação cibernética. Países como China e Rússia falam de uma dominação cibernética da América sobre o planeta. Assim, procuram bloquear o funcionamento da corporação cibernética do americanismo neoliberal da comunicação em suas nações.
Com a crise da covid-19, a hegemonia do capitalismo corporativo cibernético do americanismo neoliberal é posta em questão. No Entanto, na América Latina, a hegemonia em tela não sofre abalos ensurdecedores, como na Europa.
A hegemonia cibernética põe e repõe o problema da desterritorialização do Estado nacional moderno:
“De fato, o ciberespaço é desterritorializante por natureza, enquanto o Estado moderno baseia-se, sobretudo, na noção de território”. (Levy: 210).
A liberdade de expressão se desterritorializa e põe em xeque o Estado como poder legislativo coativo e de controle sobre a liberdade do exercício do pensamento publicado. (Levy: 210-211).
Portanto, um campo de luta do século XXI é aquele entre o Estado e o príncipe cibernético. Por isso, a China tem as suas próprias corporações cibernéticas da comunicação. O PCC procura através do Estado nacional manter um controle relativo sobre o príncipe cibernético asiático.
A corporação capitalista cibernética da comunicação funciona como ersatz de estado-nação. Isto põe o problema do centro de poder e centralização no campo de poderes/saberes cibernético.
A hegemonia cibernética não tem um centro ideológico como a hegemonia do Estado moderno feita no espaço procedural do intelectual hegemônico. A hegemonia cibernética se realiza como anarco-hegemonia, anarco-empirismo. Isso põe o problema da legitimidade nacional da hegemonia em tela.
O conflito entre o príncipe cibernético e a política nacional aparece de forma macabra na política de Bolsonaro contra a orientação intelectual e moral do Estado-cientista contra a covid-19.
O Brasil faz a política do subdesenvolvimento econômico caminhando para uma desvinculação total do capitalismo corporativo mundial? O projeto de capitalismo subdesenvolvido neoliberal é o projeto da governabilidade da elite bolsonarista que controla o parlamento e o <príncipe eletrônico>, do sociólogo marxista Octavio Ianni.
A contradição crescente entre o príncipe cibernético e o príncipe eletrônico na luta pela hegemonia nacional é um fenômeno que faz pendant com a contradição entre o príncipe cibernético e o Estado nacional.
 O modelo oriental de capitalismo corporativo se define pela aliança entre o capitalismo corporativo privado mundial e o capitalismo corporativo de Estado. Tal modelo redefine o lugar do Estado nacional na história pós-covid-19.
Na nova história mundial, o príncipe cibernético fará parelha com a hegemonia restaurada do Estado nacional. Um exemplo desse acontecimento, é a nova forma e capitalismo globalizado corporativo que surge na elite europeia. A elite europeia parece estar convencida que o melhor é adotar o modelo oriental de capitalismo corporativo mundial.
A Europa surge como a nova fronteira e continente econômico de desenvolvimento das forças produtivas cibernéticas e, portanto, como território de reprodução ampliada de capital cibernético e acumulação mundial do capitalismo corporativo mundial.  
Uma revolução europeia no domínio do capitalismo corporativo cibernético da sociedade de comunicação significará uma transformação formidável do príncipe cibernético.

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Capitalismo corporativo mundial. RJ: Papel & Virtual, 2002
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Gramáticas do capitalismo. Lisboa: Chiado Books, 2019
GRAMSCI, Antonio. Quaderni del carcere v. 3. Torino: Einaudi, 1977
LEVY, Pierre. Cibercultura. SP: Editora 34, 1999
STEPAN, Alfred. Estado, corporativismo e autoritarismo. RJ: Paz e Terra, 1980