sexta-feira, 26 de abril de 2024

DOMINAÇÃO.

 

José Paulo 

 

 

A sociologia política weberiana fala, sistematicamente, da dominação:

"Segundo a definição já dada, chamamos <dominação> a probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas [ou todas] dentro de determinado grupo de pessoas. Não significa, portanto, toda espécie de possibilidade de exercer <poder> ou <influência> sobre outras pessoas. Em cada caso individual, a dominação [<autoridade>] assi8m definida pode basear-se nos mais diversos motivos de submissão: desde o hábito inconsciente até considerações puramente racionais, referentes a fins. Certo mínimo de vontade de obedecer, isto é, de interesse [externo ou interno] na obediência, faz parte de toda relação autêntica de dominação”> (Weber: 170).

Se o leitor observar bem o texto acima, verá que falta algo. O quê?

Marx diz:

“Os homens fazem sua própria história, porém não a fazem como querem; não a fazem sob circunstância de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”. (Marx. 1974: 335).

Em Weber falta o cérebro que contém a tradição ou hábitos inconscientes como estrutura de dominação. As regiões do cérebro se constituem como estrutura de dominação desde a Caverna?

Freud fala de aparelho psíquico. Vocábulo que corresponde à época das relações técnicas de produção do mercantilismo do capital europeu. Hoje, tela é o vocábulo que corresponde as relações técnicas de produção do mercantilismo do capital cibernético do celular. A tela gramatical é da época da escrita, da língua como escritura. A tela linguística é uma especificidade de tela gramatical.

O cérebro humano se constitui como plurivocidade de tela gramatical da tela natural à tela cultural. Para existir acultura precisa se encontrar no cérebro. A tradição é tela gramatical da civilização rural; a tela gramatical ideológica é da civilização urbana e rural. Na tela moderna, fenômenos distintos na história universal aparecem como formas ideológicas:

“as formas jurídica, política, religiosa, artística ou filosófica, em resumo , as formas ideológicas [...].

Bem! As formas ideológicas necessitam ser postas no cérebro dos vivos para existir como a tradição. No caso da forma ideológica o agente que põe e repõe ela no cérebro é a instituição. O que é a instituição?

“Na terminologia indicada [...] os <signos> implícitos em <significação> não devem ser equiparados a <símbolos>. Muitos autores tratam os dois termos como equivalentes, mas eu considero os símbolos, interpolados em ordens simbólicas, como uma dimensão principal do <agrupamento> de instituições. Os símbolos coagulam os <excedentes de significado> implícitos no caráter polivalente dos signos; eles unem aquelas interseções de códigos que são especialmente ricas em diversas formas de associação de significados, operando ao longo dos eixos da metáfora e da metonímia. As ordens simbólicas e os modos de discurso associados são um importante locus institucional da ideologia”. (Giddens. ‘1989: 26).

A instituição é um fenômeno do campo simbólico ao lado de: signo, símbolo, imagem, alegoria, fantasia, ideologia, cultura, tela. O campo simbólico une o campo político do indivíduo ao campo político da sociedade. Sair da caverna de Platão é mergulhar na cultura via educação. (Platon: 1101).

O que é a alegoria da Caverna?

A instituição faz pendant com constituição, que provém do verbo constituere: instituir, fundar”. (Sartori:13). Instituir qual fenômeno? Na civilização grega é instituir uma forma de governo. A forma de governo é sempre uma tela gramatical em um campo político civilizado?    

        

     

Do Espírito ao Capital? posmoderno e novo moderno

 

José Paulo 


 

O Espírito absoluto surge na história original do povo judeu, é um povo com consciência histórica superior (Hegel. 1955. V. 1: 4) a todos os outros povos do Ocidente e do Oriente.

Em Freud, a sublimação   guarda uma certa analogia com as aparências de semblância de Hannah (Arendt; 31) a as mediações da cultura hegeliana:

“O começo da cultura e do esforço para emergir da imediatez da vida substancial deve consistir sempre em adquirir conhecimentos de princípios e pontos de vista universais. Trata-se inicialmente de um esforço para chegar ao pensamento da Coisa em geral e também para defendê-la ou refutá-la com razões, captando a plenitude concreta e rica segundo suas determinidades, e sabendo dar uma informação ordenada e um juízo sério a seu respeito. Mas esse começo da cultura deve, desde logo, dar lugar à seriedade da vida plena que se adentra na experiencia da Coisa mesma. Quando enfim o rigor do conceito tiver penetrado na profundeza da Coisa, então tal conhecimento e apreciação terão no diálogo o lugar que lhes corresponde”. (Hegel. 1992: 23).

A cultura europeia teve seu começo na antiguidade grega. A episteme e sua arquitetura conceitual platônico/aristotélica podem ser considerados o começo da cultura mundial? Ou o começo é o povo judeu? Se a Coisa em si é a realidade realmente existente de uma plurivocidade de tela gramatical de um campo político/estético/jurídico, eis que o início é grego e romano? Greco-romano. A tela gramatical abrange do universal da forma de governo [o um] ao particular [obras e práticas políticas] e ao singular como Xantipa de Platão, esta como o molecular institucionalizado/casamento no campo simbólico político do indivíduo e/ou sujeito.                       

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Já é uma platitude dizer que no final do século XX as vanguardas da política e da arte declinam. Nesse vazio, fenômenos como globalização pós-moderna e mercantilismo do capital multinacional assumem o proscênio do palco da história Ocidente/Oriente. No lugar da vanguarda aparece um general intellect barroco. Um campo de ideologias heteróclitas aparece como efeito das relações técnicas de produção cibernéticas. Ao lado das ideologias pós-modernas heteróclitas, uma plurivocidade de tela gramatical faz pendant com a tela cibernética no campo político mundial.

A foraclusão ou extração violenta de linguagem na cultura feita, por exemplo, pelo FMI como o vocabulário argentino/brasileiro/marxista estadunidense do subdesenvolvimento e, também, de certos entes da cultura europeia milenar, tudo isso é gramaticalizado como um fato natural. Quer se evitar a coisificação da gramática europeia de fenômenos culturais como: sujeito, alma, consciência, espírito e pessoa. (Derrida: 26). No país subdesenvolvido da cultura não-soberana das Américas, os agentes em geral se viram como podem com esse novo cosmopolitismo pós-modernista. No campo das ideologias do direito, a exclusão do ente pessoa é o impensado. (Derrida: 22). O campo do impensado dos fenômenos novos da globalização ´pós-moderna gera um anarco/empirismo que se apossa da universidade e do jornalismo. Fala-se, então, de pós/verdade, fim da verdade, seja factual, seja de qualquer tela gramatical. O agir/poder estratégico torna-se a estrutura de dominação generalizada. Então é um vale tudo: mentir, enganar, simular, dissimular, assassinar, ser iníquo e, sobretudo, produzir ilusão em discurso infrapolítico na internet. A liberdade pós-moderna confronta o aparelho de Estado/legislação penal como estratégia da extrema direita, isto é, como meio de ascender ao governo nacional e local. Assim, o antigo vocabulário ocidental cai em desuso:

“Esses termos e esses conceitos não têm lugar numa analítica do Dasein, que procura determinar o ente que somos. Heidegger anuncia então que vai evitá-los (vermeiden). Para dizer o que somos, quem somos, parece indispensável evitar todos os conceitos da série subjetiva ou subjetal: em particular o de espírito”. (Derrida: 26).        

Heidegger aparece como o hegemonikon ou eu político do campo simbólico político Ocidente/Oriente, excetuando claramente a China.

A ciência política literária de Heidegger dos jogos de gramática da filosofia cosmopolita europeia é uma verdadeira Parúsia, a segunda vinda de Jesus ao Ocidente. O arrebatamento heideggeriano chegou, inclusive, na revolução teológica iraniana antiocidental e aparece, nas entrelinhas, em maio de 68 na Europa.

A pós-modernidade cria e recria um campo diabólico infrapolítico. O extraordinário é o declinar dos fenômenos da mediação cultural hegeliana e das aparências de semblância autêntica de Hannah Arendt. A crítica da gramática do cérebro se faz necessária, pois, a infrapolítica se estabelece por uma relação imediata do cérebro do líder posmoderno com o cérebro da multidão pós-moderna. Entes heteróclitos começam a ser eleitos nas Américas: Donald Trump. Bolsonaro, Milei, Bukele, Tarcísio em São Paulo, Ronaldo Caiado no centro-oeste. O bolsonarismo surge como uma criação do cérebro de Jair Messias Bolsonaro e do cérebro de Michel Temer, generais do Haiti E, sobretudo, do cérebro do ministro da Justiça de Michel Temer emerge do real o Estado posmoderno policial cesarista, que se desenvolve no governo de Bolsonaro. No Tennesse, o parlamento local faz uma lei para armar professores e funcionários de escolas. No governo de Bolsonaro, leis de liberação total de armas de fogo para a população civil anunciam, como no estado americano supracitado, a guerra civil institucionalizada e generalizada.            

A tela de gosto hegeliana se torna no território pós-moderno o impensável:

“Esta obra é dedicada à estética, quer dizer: à filosofia, à ciência do belo, e, mais precisamente, do belo artístico, pois dela se exclui o belo natural. Para justificar esta exclusão, poderíamos dizer que a toda ciência cabe o direito de se definir como queira, não é, porém, em virtude de uma arbitrária decisão que só o belo artístico é o objeto escolhido pela filosofia”. (Hegel. 1993: 2).

Hegel já trabalhava com a ideia de tela plástica (Hegel. 1955. V. 2: 47), tela de gosto, tela estética.   

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A pós-modernidade já aparece como um estilo anacrônico, isto é, como gramática de época extemporânea (Derrida: 10). O Estado pós-moderno latino-americano é aquele de uma burguesia infrapolítica que já não é uma burguesia em si. Ela não tem como objetivo a busca do lucro privado, da reprodução ampliada do capital,da mais-valia privada, ela quer a mais-valia pública ou Mehrlust. (Lacan. S.16: 31,29). Administrador da mais-valia pública, o Estado lacaniano torna-se antagônico ao Estado pós-moderno. Tal fenômeno define o campo político como subsunção ao campo infrapolítico:

“Em Lacan, a mais-valia ou plus-de-jouir ou Mehrlust aparece como objeto a barroco, isto é, lugar do campo da mais-valia pública sobre o qual se ergue o Estado lacaniano. O objeto a é o furo [buraco de minhoca] na Trieb da gramática ou aparelho articulado de linguagem do saber do explorado (Lacan. S. 17:17): ‘não se deve explorar o próximo’. O objeto a é a exceção. Lacan segue Guilherme de Ockham quanto ao fato de que a palavra genérica não deve ser sempre compreendida genericamente, pois, há exceção. Se não houvesse o poder papal seria o cesarismo absolutista grotesco:

“’o papa poderia legitimamente e por direito, <pela plenitude do poder, privar os reis e todos os demais infiéis de todos os bens, e doar estes a qualquer outro ou retê-los para si>”. [Ockham: 70]. (Bandeira da Silveira. 2024: cap 3).

O Estado pós-moderno aparece no lugar do papa medieval absolutista. Ele pode se apropriar de toda a mais-valia pública e doá-la para a burguesia infrapolítica. Mas, ele não é um fenômeno do grotesco absolutista. Ele é o absolutismo do brutalismo com gramática do cinismo, isto é, caminha-se para o grau zero da estética. O cinismo abre as comportas para o fim da crítica moderna da ideologia? (Sloterdijk: 45-46). O campo das ideologias heteróclitas evoca o quinismo da antiguidade [satírico] fenômeno que ri da tela gramatical moderna barroca do campo infrapolítico da pós-modernidade:

“A RELAÇÃO entre multidão e indivíduo é básico para se pensar e imaginar a evolução do Ocidente? Na antiguidade grega, a <sociedade> se organizava no campo político pelo governo monárquico do uno, pelo governo da pequena multidão de oligarcas ou pelo governo da grande multidão do demo. A grande multidão participar do campo político, eis o problema da antiguidade”. (Bandeira da Silveira. 2024: cap. 44).

No campo infrapolítico pós-moderno, a multidão aparece sem mediações de cultura política, jurídica, econômica, estética. Ela existe como páthos pela relação do cérebro dos indivíduos   com o líder pós-moderno. Ela é uma multidão que se define como vontade cerebral de instalar uma forma de governo cesarista heteróclita, uma forma de governo desconhecida no Ocidente e no Oriente. Não há jovens civis na multidão pós-moderna, só há velhos. É a tirania da gerontocracia, grupo infrapolítico de indivíduos senis ou de autoridade de um passado que pesa como chumbo no cérebro dos vivos. Um fenômeno heteróclito é a mulher evangélica jovem participar da multidão pós-moderna. Ela é a exceção do genérico, pois, esse não existe genericamente. Uma forma de governo infracesarista que não é do Espírito e tão pouco do capital?     

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Três fenômenos se destacam na época pós-posmodernista. O processo de desintegração da globalização pós-modernista como gramática de época; o segundo é a desintegração do capital tal como definido por Marx; no terceiro, o Espírito hegeliano se transforma em campo de ideologias heteróclitas, ou seja, ideologia política como concepção política de mundo (Heidegger: 133), como vontade de poder de instaurar um campo político com uma forma de governo cesarista moderno. Aliás, há ainda um quarto fenômeno.

A emergência de um novo campo político moderno se choca com o campo político infrapolítico pós-moderno. O choque ocorre entre o Estado moderno lacaniano e o Estado policial pós-moderno cesarista. Tal choque redefine o campo político entre esquerda e direita, já como campo de ideologias políticas fundadas na tela gramatical moderna.

A luta de classes retorna no campo político moderno e transforma os fenômenos pós-modernos em modernos. É o caso do lumpesinato político pós-moderno. Este de lúmpen-apoio do Estado pós-moderno, se transforma em classe-apoio do Estado lacaniano que se torna expressão tanto da região da esquerda como da região da direita no novo campo moderno. O antagonismo entre moderno e pós-moderno se cria e se recria como um drama intenso barroco no mass media digital. O antagonismo também aparece como o choque entre o pós-moderno e a nova cultura política moderna, que redefine o campo das ideologias do direito como concepção política de vida. Há uma nova função moderna para o aparelho de Estado/legislação penal, isso na articulação de uma estrutura legítima de dominação da hegemonia e, também, na revolução barroca dentro da ordem constitucional de 1988:

“Encerrando com o Brasil, a revolução capitalista, autoritária, niilista de Um Bolsonaro se torna uma contrarrevolução do atraso em relação à revolução barroca de Lula. (Bandeira da Silveira. 2023: cap. 3).

O essencial é estabelecer que a estratégia do novo moderno consiste em sair do subdesenvolvimento tal como o fez a China moderna do século XX e XXI por uma revolução barroca contra a ordem chinesa feudal/capitalista.      

O Estado pós-moderno promove a guerra civil institucionalizada e o Estado moderno lacaniano procura pacificar a sociedade civil, as instituições público/privado. A nova cultura política moderna se apresenta como restauração de aparências de semblância e mediações culturais. Os ministérios da Educação, Saúde e Cultura adquirem uma nova função moderna, pois, se apresentam como prática política moderna do espaço do Bem comum em contraposição à lógica da mercadoria.

Na Argentina, o Estado pós-moderno de Milei procura desintegrar o Estado lacaniano moderno. No Brasil uma burguesia pós-moderna controla o parlamento, governos provinciais do Sudeste e outras regiões. A burguesia infrapolítica pós-moderna usa a guerra civil pós-moderna em uma ofensiva contra a estrutura de dominação/hegemonia do novo Estado moderno surgido no campo político moderníssimo como efeito da soberania popular moderna que derrotou a soberania popular do Estado pós-moderno.

Nos EUA, há um choque agônico entre o Estado moderno e o Estado pós-moderno policial cesarista do partido republicano de Donald Trump/Bush filho. A vitória do pós-moderno na eleição presidencial em 2024 pode fazer do Estado policial pós-moderno tirânico um ente capaz de ditar o rumo da política nas Américas. Resta saber se o partido democrata vitorioso se porá frontalmente em luta contra o Estado pós-moderno do complexo industrial militar americano. (Virilio: 46,49).             

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A história dos povos continua sendo o paradigma da história mundial? O povo alemão no cérebro do Hitler o que é? É um campo de ideologias heteróclitas como: biologismo, naturalismo, racismo. (Derrida: 50). A história do povo alemão aparece como estrutura de dominação universal:

“ênfase, emfhasis: a palavra <espiritual> ainda está sublinhada, ao mesmo tempo para marcar que aí se acha a determinação fundamental da relação com o ser e para conjurar uma política que não seria do espírito. Um novo começo é chamado. É chamado pela questão Wie steht es um Sein? (que é o ser?). E esse começo, que é antes um re-começo, consiste em repetir (wiederholen) nossa existência historial espiritual (Anfang unseres geschichtlich-geistigen Dasins). O <nós> desse <nosso> é o povo alemão”. (Derrida: 57).

A Alemanha fez a Segunda Guerra Mundial para estabelecer a estrutura de dominação do cérebro de Hitler como estrutura de dominação mundial. Hitler foi derrotado, e, assim, a história de domínio mundial dos povos europeus é finito.

Porém, a estrutura de dominação europeia deixa uma lição:

“Cada vez que se encontra a palavra <espírito> nesse contexto e nessa série, dever-se-ia assim, segundo Heidegger, reconhecer aí a mesma indiferença: não só à questão do ser em geral, mas quanto à do ente que somos, mais precisamente, quanto a esta Jemeinigkeit, este sempre-ser-meu do Dasein que não remete, de início, a um eu ou a um ego e que teria justificado uma primeira referência – pendente e finalmente negativa – a Descartes.  (Derrida: 28-29).

O Dasein da analítica da existência do ente pode remeter para o hegemonikon ou eu político de uma tela gramatical moderna, pois, aqui é superada a indiferença do eu que que não tem a preocupação com o ser como tem o hegemonikon do Dasein ou existência realmente existente do campo político/estético moderno.

Assim, o moderno aqui rechaça o pós-modernismo como tela gramatical que faz da espécie humana um ente sem o princípio da esperança, uma espécie humana reduzida a um cão vira-lata sarnento. (Bloch: 9).

 

ARENDT, Hannah. A vida do Espírito. RJ: UFRJ, 1992

BANDEIRA DA SIVEIRA, José Paulo. Revolução barroca dentro da ordem. EUA: amazon, 2023

BANDEIRA DA SILVEIRA. José Paulo. Além da época posmoderna. EUA: amazon, 2024

BLOCH, Ernest. Le principe Espérance . Paris: Gallimard, 1959

DERRIDA, Jacques. Do Espírito. Campinas: Papiros,1987 

FERRY, Luc. Homo aestheticus. SP: Ensaio, 1994

HEIDEGGER, Martins. Nietzsche. Metafísica e Niilismo. RJ: Relume Dumará, 2000

HEGEL. Lecciones sobre la historia de la filosofia. Volumes 1 e 2. México: Fondo de Cultura Económica, 1955

HEGEL. Fenomenologia do Espírito. Parte 1. Petrópolis: Voze3s, 1992

HEGEL. Estética. Lisboa: Guimarães, 1993

LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 17. O vesso da psicanálise. RJ: Zahar, 1992

LACAN, JACQUES. O Seminário. Livro 16. De um outro ao outro. RJ: Zahar, 2008

OCKHAM, Guilherme de. Brevilóquio sobre o principado tirânico. Petrópolis: Vozes, 1988

SLOTERDIJK, Peter. Crítica da razão cínica. V. 1. Madrid: Taurus,1989

VIRILIO, Paul. L’insécurité du territoire. Paris: Galilée, 1976         

          

 

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Crítica da gramática do cérebro- casamento, Estado pós-moderno

 

José Paulo 

 

Para os que encontram paz no texto do cosmopolitismo da Europa, Deleuze e Guattari pensam a relação entre natureza humana e forma de governo a partir do cérebro humano. A forma de governo nacional socialista já estava inteira no cérebro de Hitler.

A crítica da gramática do cérebro pode ser estudada na realidade molecular da família fática ou institucional ou casamento. O cérebro se desenvolve na fabricação de regiões soberanas, isto é, a região decide ao enviar comandos para o agir. Uma região soberana é o mate imperativo. Outra é o faz sexo com o seu outro sexual. Hoje o instinto ou pulsão podem ser substituídos pelas regiões do cérebro soberanas que governam a vida do homem, mulher, criança.

Aquilo que Freud chama de aparelho psíquico é uma concepção da vida humana a partir das relações técnicas capitalista da ideologia científica dominante da época dele. O aparelho psíquico é, com efeito no início um campo de: afecção., afeto, imagem fantasia. O instinto sexual é, de fato, a alegoria da imagem carnal do corpo. A imagem carnal do corpo humano tem a ver com o gosto sexual do ver, do tocar, do lamber, do provar a carne como imagem. A imagem carnal e a fantasia virtual do eu e do outro constituem o círculo da região do cérebro como campo simbólico e, portanto, recurso evolutivo da conservação da espécie.

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Nos jogos de linguagem antropológicos, Levi-Strauss fala da fronteira entre natureza e cultura:

“Esta ausência de regra parece oferecer o critério mais seguro que permita distinguir um processo natural de um processo cultural (...). E que, com efeito, há um círculo vicioso ao se procurar na natureza a origem das regras institucionais que supõem – mas ainda, que já são – a cultura, e cuja instauração no interior de um grupo dificilmente pose ser concebida sem a intervenção da linguagem. A constância e a regularidade existem, a bem dizer, tanto na natureza como na cultura. Mas na primeira aparecem precisamente no domínio em que na segunda se manifestam mais fracamente, e vice-versa. Em cada caso, é o domínio da herança biológica, em outro, o da tradição externa. Não se poderia pedir a uma ilusória continuidade entre as duas ordens que explicasse os pontos em que se opõem”. (Lévi-Strauss: 46).

A fronteira entre cérebro/natureza e cultura aparece melhor em outro trecho:

“É impossível, portanto, esperar no homem a ilustração de tipos de comportamento de caráter pré-cultural. Será possível então tentar um caminho inverso e procurar atingir, nos níveis superiores da vida animal, atitudes e manifestações nas quais se possam reconhecer o esboço, os sinais precursores da cultura? Na aparência, é a oposição entre comportamento humano e o comportamento animal que fornece a mais notável ilustração da antinomia entre cultura e natureza. A passagem – se existe – não poderia, pois, ser procurada na etapa das supostas sociedades animais, tais como são encontradas entre alguns insetos. Porque em nenhum lugar melhor que nesses exemplos encontram-se reunidos os atributos impossíveis de ignorar, da natureza, a saber, o instinto, o equipamento anatômico, único que pode permitir o exercício do instinto, e a transmissão hereditária das condutas essenciais à sobrevivência dos indivíduos e da espécie. Não há nessas estruturas coletivas nenhum lugar mesmo para um esboço do que se pudesse chamar o modelo cultural, universal, isto é, linguagem, instrumento, instituições sociais e sistemas de valores estéticos, morais ou religiosos” (Lévi-Strauss. 1976: 43-44).

Freud fala de um Estado animal dos insetos. Uma espécie de cultura política animal: “Por que nossos parentes, os animais, não apresentam uma luta cultural desse tipo”.  (Freud: 146). Lévi-Strauss é cético em relação a esse fenômeno freudiano.   Ora, Chomsky fala de uma estrutura inata no cérebro para humano para produzir e estruturar frases. A língua é natural (Greimas:396), ela não é a fronteira inexpugnável entre cultura e natureza. Há uma gramática inata ao cérebro.     

Nos jogos de gramática da ciência política literária, Aristóteles fala da distinção entre forma natural de laço social [gramática do cérebro] e forma de uma gramática da civilização da antiguidade [da qual nasce o Estado/polis:

“o homem é o único vivente <que possui logos>, esse meio de comunicação racional que lhe permite estabelecer acordos sobre o justo e o injusto, o adequado ou não, o melhor e o pior”. (Samaranch:192). Ora, o Estado e a forma de governo são frutos da tela gramatical da política. Não são efeito do logos aristotélico, mas, da razão linguística. O problema é saber a relação da gramática [a gramática pode se cerebral ou cultural] com a forma de governo como estrutura de dominação na civilização.

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Há o casamento como estrutura de dominação do campo diabólico (Godin: 732) ou campo da mitologia do selvagem:

“Voltemos à questão colocada bem no início deste livro por mitos que associam motivos entre os quais não percebemos laço social. Intrigas cujo motor principal é o ciúme conjugal elegiam como herói ou heroína po Engole-vento, e colocavam-no em conexão física ou em relação lógica co0m o Preguiça, nascido do ciúme> e também ciumento de seus excrementos. Através do Preguiça introduz-se a imagem do cometa ou do meteoro, na América do Sul avatar dos excrementos quando o Preguiça não pode mais ter ciúme deles e, entre os Iroqueses, causa direta do ciúme conjugal em consequência do qual um marido joga a mulher num buraco como se fosse os seus excrementos. Se definirmos o ciúme como um sentimento resultante do desejo de reter uma coisa ou um ser que é tirado, ou de possuir uma coisa ou um ser que não se tem, podemos dizer que o ciúme tende a manter ou criar um estado de conjunção quando existe um estado ou surge uma ameaça de disjunção”. (Lévi-Strauss. 1986: 216).

A estrutura de dominação se define pela posição do senhor [ou dominante] e pela posição do assujeitado ou dominado. No Ocidente latino, a posição perinde ac cadáver [lugar do jesuíta] é a posição que é análoga à posição da fêmea no campo diabólico, mitológico> o jesuíta encontra-se no lugar do excremento ocidental:

“O risco de vida, é aí que está o essencial do que podemos chamar de ato de dominação, e seu garante não é outro senão aquele que, no Outro, é o escravo, como o único significante perante o qual o senhor se sustenta como sujeito. O apoio que nele encontra o senhor não é outra coisa senão o corpo do escravo, no que ele á perinde ac cadáver, digamos, para empregar uma formulação que não chegou à toa ao primeiro plano da vida espiritual. Mas o escravo, assim, está apenas no campo em que sustenta o senhor como sujeito”. (Lacan. S.16: 370). 

Na peça “Megera domada”, o casamento é observado como um campo de <guerra de posição> entre marido e esposa. A estratégia e as táticas dizem respeito a estabelecer quem vai ficar na posição do jesuíta. Não se trata de uma estrutura de dominação do brutalismo (Souriau: 281), isto é, sem aparências de semblância:

“A submissão que o servo deve ao príncipe é a que a mulher ao seu marido deve. E se ela se mostrara teimosa, indócil, intratável, azeda, rebelada contra as suas razoáveis exigências, que mais será senão por isso abjeta traidora, sim, traidora de seu próprio devotado senhor? Tenho pena de ver que são tão simples as mulheres, para fazerem guerra onde deveriam de joelhos pedir a paz ou pretenderem dominar, dirigir, mandar em tudo, quando servi-lhes cumpre tão-somente obedecer e amar”. (Bloom: 63).

O casamento com campo diabólico:

“Catarina. – Por favor senhor, quereis converter-me em alvo de zombaria destes pretendentes?

Hortênsio. – Pretendentes, senhorita! Que pretendeis significar com isto? Não haverá pretendentes para vós, enquanto não fordes mais amável e doce.

Catarina. – Na verdade, senhor, nada tendes a temer. Não estais ainda no meio do caminho de meu coração. De outro modo, não duvideis de que meu único cuidado seria pentear vossa cabeça com uma tripaça, borrar-vos a cara e trata-vos como um tolo.

Hortênsio. – De demônios semelhantes, livrai-nos, ó bom Deus  !”. (Shakespeare: 578).        

A estratégia das aparências de semblância de domuiinação do homem aparece ao arrepio das aparências de semblância autêntica, natural (Arendt: 31) :

Petruchio. – Vamos, em nome de Deus1 coloquemo-nos novamente no caminho da casa de nosso pai... Bom Deus1 como a Lua brilha clara e serena!

Catarina. – a lua! É o sol. Não há lura agora.

Petruchio.- Estou dizendo que é a lua que está brilhando tão clara.

Catarina.- Eu sei que o sol está brilhando tão claro

Petruchio. – Ah! Pelo filho de minha mãe, ou seja, eu mesmo, será a lua ou uma estrela ou o que resolver, antes que continue minha viagem para casa de vosso pai. Vamos! Levem nossos cavalos de volta! Sempre contradizendo e contradizendo! Não faz outra coisa senão contradizer!

Hortênsio. – Dizei o que ele diz, ou nunca sairemos daqui.

Catarina. – Prossigamos nosso caminho, por favor, já que viemos de tão longe. Que seja a lua ou o sol, ou o que desejardes. Se quiserdes chamar de uma lamparina de sol, juro que não será outra coisa para mim.

Petruchio. – Estou dizendo que é a lua.

Catrina.- Reconheço que seja a lua.

Petruchio. – Então, estais mentindo! É o sol bendito!

Catarina. – Então, bendito seja Deus! É o bendito sol! E não será o sol se disserdes que não seja, e a lua mudará ao sabor de vossa vontade... E, portanto, o que quiserdes que seja, assim será para Catarina.

Hortênsio. – Petruchio, segue teu caminho. Conquistastes o campo de batalha. (Shakespeare: 619-619).

No diálogo, revela-se a estrutura de dominação do casamento barroco, com Catarina no lugar do jesuíta, do excremento jogado na fossa da instituição molecular, aparentemente:

“E só uma grande atriz é capaz de enunciar, devidamente, um trecho tão conhecido, além disso, teria de ser dirigida por um encenador melhor do que os que costumamos encontrar hoje em dia, para poder aconselhar as mulheres como comandar e, ao mesmo, tempo fingir obedecer”. (Bloom: 62).

A estrutura de dominação barroca do casamento se assemelha a uma forma de governo tirânica do agir estratégico da fêmea que deve dominar através da: mentira, engano, simulação, dissimulação, produção de ilusão política de domínio do homem.

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Agora, o problema consiste em saber como o Estado brasileiro evoluiu para a espécie de Estado policial cesarista pós-moderno. No Brasil, vive-se o ocaso da notável inteligência pública da ciência do homem – com no resto do Ocidente. A discussão sobre o Estado monárquico brasileiro nunca teve uma obra como a de Roy Ladurie:

“Um primeiro traço <central> põe em relevo o caráter sagrado da instituição monárquica”. (Roy: 9). A monarquia de 1824 nunca foi tratada como sagrada pela cultura brasileira. Bem. Na evolução do Estado, há o Estado/Parentesco e o Estado/Engenheiro. (Duclos:279). O Estado 1824 foi o Estado da família real, portanto, de parentesco. Parece que houve um Estado-engenheiro no pôs-1964. (Martins:37). No entanto, a gramática moderna desse Estado-engenheiro permaneceu oculta na ciência do homem. Um notável texto mostra toda a pobreza no ver o Estado na nossa ciência do homem:

“O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos particulares, de certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo. Não existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição [...]. Só pela transgressão da ordem doméstica e familiar é que nasce o Estado e que o simples indivíduo se faz cidadão [...]. (Holanda: 101).

O mais festejado historiador morreu sem saber que o Estado monárquico brasileiro aparece como um estado de uma gramática da tradição; ele foi uma realidade política como expressão da gramática do parentesco, uma forma de governo cesarista do rei. O Estado da gramática moderna de classe social é uma invenção de 1964.

Os princípios da gramática moderna liberal política só aparecem na Constituição de 1988:

Art. 34. VII. Assegura a observância dos princípios constitucionais:

a)     A forma republicana, sistema representativo e regime democrático

b)    Direitos da pessoa humana

c)     Autonomia municipal (Constituição: 39).

A autonomia municipal aponta para o problema da segurança pública na cidade. Tal fato implicava a integração de um general intelecto gramatical ao aparelho de Estado (Misse: 90), tal como o aparelho de Estado legal fez com o general intelecto gramatical jurídico. Em 2010, ainda se podia dizer:

“O governo federal tem um projeto de Guardas Municipais que parece ser central na sua forma de pensar a segurança pública de administração de conflitos, sem uso de armamento letal. (Misse:12).

O golpe de estado de Michel Temer fez um outro caminho que mudou completamente a questão da segurança pública. Com Temer e Bolsonaro, há o grau zero da segurança pública. O mundo do crime se transformou no Brasil profundo carioca (Bandeira da Silveira; 2021). O Brasil profundo é o motor da fabricação de um Estado policial cesarista pós-moderno.

O Estado pós-moderno é uma face da estrutura de dominação mafiosa que se tornou pública e privada, civil e militar, secular e religiosa, natural e cultural.

O que fazer?

 

 

ARENDT, Hannah. A vida do Espírito. RJ: UFRJ, 1992

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo., Brasil Profundo. EUA: amazon, 2021

BLOOM, Harold. Shakespeare. A invenção do humano. RJ: Objetiva, 2001

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SP: EDIPRO, 2022       

FREUD. Obras Completas. V. 21. O mal-estar da civilização. RJ: Imago, 1974

GODIN, Christian. La totalité. V. 1. De l’imaginaire ua symbolique. Paris: Champ Vallon, 1998

GREIMAS E COURTÉS. Dicionário de Semiótica. SP: Cultrix, 1979

DUCLOS, Denis. De la civilité. Paris: La Découverte, 1993

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. RJ: José Olympio, 1988

LACAN, Jaques. O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008

LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco. SP: USP, 1976

LÉVI-STRAUSS, Claude. A oleira ciumenta. SP: Brasiliense, 1986  

MARTINS, Luciano. Estado capitalista e burocracia no Brasil pós-64. RJ: Paz e Terra, 1985

MISSE, Michel (org.). As Guardas Municipais no Brasil. RJ: UFRJ, 2010

SAMARANCH, Francisco. Cuatro ensayos sobre Aristóteles. México: Fondo de Cultura Económica, 1991

SHAKESPEARE, William. Obra Completa. Volume 2. A megera domada. RJ: Aguilar, 1988

SOURIAU, Etienne. Vocabulaire d’ Esthétique. Paris: PUF, 1990

ROY LADURIE, Emmanuel Le. O Estado monárquico. França. SP: Companhia das Letras, 1994              

     

 

 

      

             

             

segunda-feira, 22 de abril de 2024

St Agostinho, Dante, St Tomás, Papa

 

José Paulo 

 

 

A ciência política heideggeriana fala de Deus como tela gramatical metafísica. St Agostinho é mais preciso. Ele diz que a <palavra de Deus> é a tela gramatical celestial que cria o mundo, as coisas etc.:

“É verdade que primeiro se narra que foi feita a luz pela palavra de Deus. Entre ela e a escuridão, Deus fez separação e à luz chamou de dia eàs escuridão, noite. Mas de que luz se trata e de que movimento alternativo? sejam quais forem a tarde e a manhã feitas, é certo que nos escapam aos sentidos e, não podendo entendê-lo tal qual é, deve, sem a menor vacilação – ser crido. Trata-se de luz corpóreo, colocada longe de nossos olhos – nas partes superiores do mundo – luz que mais tarde acendeu o sol, ou pelo nome de luz está significada a Cidade Santa nos santos anjos e nos espíritos bem-aventurados, da qual diz o apóstolo: “Aquela Jerusalém de cima, nossa mãe eterna nos céus, e noutro lugar. Todos vós sois filhos de luz e filhos do dia; não somos da noite nem da escuridão”. (St Agostinho: 30).

 A ciência política literária de Agostinho fala da luz do campo político/estético tendo como fonte de energia celestial [realidade virtual] a gramática de Deus, gramática celestial do Bem. O campo político tem sua superfície profunda na escuridão da meia-noite sem luz de luar, onde a palavra de deus não alcança?  Nessas regiões da escuridão não se encontram santos ou anjos e seres humanos bem-aventurados. O que há nelas?

“A interpretação seria que a ciência da criatura, em comparação com a ciência do Criador, de certo modo entardece e de igual maneira amanhece e se faz manhã, quando se endereça ao louvor e amor do Criador. E não declina de noite, quando por causa da criatura não abandona o Criador”. (St Agostinho: 30).

A ciência política da antiguidade secular tem que fazer pendant com a ciência política celestial da <Letras Sagrada>.

Um campo político simbólico cristão tem uma tela gramatical celestial que rege a superfície superficial desse campo ou dia e tarde. Mas ela não alcança a superfície profunda da escuridão da meia-noite:

“Ademais, ao enumerar os dias, a Escritura não interpôs nenhuma só vez a palavra noite. Em nenhuma passagem diz: Foi feita a noite, mas: <Fez-se tarde e manhã, dia primeiro>. A mesma coisa no segundo dia e nos demais. O conhecimento da criatura em si mesma é, portanto, mais descolorido que seu conhecimento na Sabedoria de Deus, como na arte que foi feita. Justamente por isso é possível dizer-se, com maior propriedade, tarde, em lugar de noite, tarde que, como já dissemos, quando se refere ao louvor e amor do Criador, passa ser manhã”. St Agostinho: 30).

O conhecimento da criatura fez a luz artificial, a luz elétrica. Tal fenômeno físico altera a concepção do campo simbólico político? Há luz elétrica na superfície profunda do campo simbólico político, porém continua não havendo a luz da tela gramatical celestial. O que existe nessa falta de tela metafísica religiosa? Há os fenômenos da realidade heteróclita. Às classes baixas economicamente é reservado esse lugar do heteróclito? O aparelho de Estado/legislação penal trata os fenômenos moleculares do heteróclito? Este é o inferno na Terra? Tal lugar é o real? Ou o reino da necessidade rege a superfície da escuridão do heteróclito?

Para o ateu, o texto de Agostinho se parece como uma mitologia cristã. Com efeito, a mitologia cristã é aquela que põe e repõe o diabólico em oposição ao simbólico. (Godin:732).

A monarquia hegeliana, é o significante que emerge do real no campo simbólico (Zizek: 42-43), já o heteróclito é o significante que emerge do real no campo diabólico. O heteróclito é fato bruto, fato sem gramática, daí não adquirir o estatuto de fenômeno, já a monarquia é fato com gramática. No campo diabólico, os fatos em si da realidade heteróclita podem se insurgir contra a sua condição heteróclita e fabricar, espontaneamente, forma de governo tirânico, relações políticas que já não são a política. O sol lunar não existe na escuridão da meia-noite, existe o sol negro que não é uma fonte de luz, pois, a fonte do sol negro não é a tela gramatical simbólica celestial, e sim a tela mitológica diabólica. A relação do campo do indivíduo com o campo diabólico se faz por um conhecimento imediato e intuitivo que não constitui um senso comum. Sendo um fenômeno da desintegração espiritual/gramatical de classe social, as “classes” populares pobres existem como o lumpesinato negro [a luz celestial não a ilumina]. Não é uma escolha de vida. O lumpesinato negro é o grande agente de produção das relações tirânicas que tem no aparelho de Estado sem legislação penal aquilo que vem do real da sociedade constitucionalizada.

A concepção política de vida do lumpesinato negro (Marx: 372) pode ser o agente de produção da forma de governo bonapartista [o cesarismo moderno europeu]. A estética do Príncipe do lumpesinato negro é a bufonaria. A Igreja católica parece não saber como tratar com o lumpesinato, mas o evangelismo fundamentalista criou uma técnica religiosa especialmente para a superfície profunda da escuridão do campo diabólico.

A forma lógica de logos vulgar do cesarismo é aquela associada á guerra civil generalizada e permanente.

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Em geral, é dificultoso resolver o botar a instituição no campo simbólico político. Agostinho resolve tal problema de modo claro e elegantemente:

“Que no sétimo dia Deus tenha descansado de todas as suas obras e o tenha santificado não deve de modo algum ser entendido vulgarmente, como se Deus se houvesse fatigado, trabalhando. Ele – que disse e foram feitas – com palavra inteligível e eterna, não sonora e temporal. O descanso de Deus significa o descanso daqueles que descansam em Deus, como a alegria da casa significa a alegria da casa significa a alegria dos que se alegram em casa, embora os faça estar alegres não a casa, mas outra coisa qualquer”. (St Agostinho: 31).   

A palavra de Deus não se cria o mundo través de signo [palavra sonora e temporal]. A instituição ou <casa> funciona pelo princípio de realidade [coação não-violenta] e o princípio de prazer celestial [o manjar ou gosto celestial] é doado aqueles bem-aventurados que descansam na tela gramatical celestial ao lado de anjos, arcanjos e santos. No campo simbólico/político, a instituição não gera felicidade e a alegria na instituição, o estar alegre do sujeito, é uma felicidade que emerge do campo molecular político do indivíduo.  Daí haver alegria na forma lógica de governo cesarista.

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Dante caminha no inferno como homem, criatura viva, na realidade da mitologia ocidental. Na porta do inferno há uma alegoria do campo diabólico:

Lasciate ogne speranza, voi ch’intrate”. (Dante: 37).

Om campo simbólico tem várias entradas para os vivos conhecerem o inferno: ideia/signo, imagem/alegoria/fantasia. Dante fala d alegoria como a entrada para a narrativa do campo diabólico:

“Aqui o próprio Dante autor do poema interrompe a história e adverte aos leitores sobre o sentido alegórico de seu relato”. (Dante:73).

A Medusa é a alegoria da mitologia da antiguidade capaz de transformar  em pedra o corpo vivo de Dante. (Dante: 78).     

 A fantasia/tirano encontra-se no sétimo círculo:

La divina giustizia di qua punge

quell’ Attila che fu flagelo in terra,

E Pirro e Sesto; e in eterno munge

Le lagrame, che col bolor diserra,

A Rinier da Corneto, a Rinier Pazzo,

Che fecero a le strade tanta guerra”. (Dante: 95-96).

A pólemos é a stásis [revolta, sublevação, insurreição, guerra civil] (Schmitt: 55; Derrida: 110-111)) são coisas das relações infrapolíticas da forma de governo tirania do inferno. As afecções moleculares do indivíduo pilotadas pela fantasia da violência:

“Ma ficca li occhi, ché s’approccia

la riviera del sangue, in la qual bolle

qual che per violenza in altrui noccia”. (Dante: 93).

É uma crença ou fantasia milenarista de que a morte por violência da guerra faz com que a alma do corpo negro seja prisioneira na terra eternamente.  

A preocupação em saber se o fenômeno só é na superfície superficial iluminada [e não é na superfície profunda da escuridão], me leva a tela gramatical hegeliana:

“Le phénomène est ce que la chose est en si, ou as vérité. Mais cette existence seulement posée, réfléchie dans l’être-outre [...]”. (Hegel: 156).

O que é o ser-outro no qual se reflete e se posta a verdade da existência da coisa como fenômeno?

“Le phénomène est par conséquent d’abor l’essence dans son existence; l’essence est immédiatement presente en elle. Qu’elle ne soit pas comme [exitence] immédiate, mais l’existence réfléchie, ceci constitue le moment de l’essence en elle; ou l’existence comme existence essentielle est phénoméne”. (Hegel: 178).

A existência como existência essencial é fenômeno. A existência refletida no ser-outro que é o conceito dialético ou existência essencial. A existência essencial é a gramática dialética do fenômeno. Eu e outro, fenômeno na superfície do que aparece, da gramática que aparece como existência fenomenal.

Qual é o fenômeno e a essência [ou gramática] do fenômeno no texto abaixo?

“Quanto mais se a beleza da própria casa os moradores! E mais se não apenas se chama alegre pela figura de retórica que pelo continente significa o conteúdo, como quando se diz: os teatros aplaudem, os prados mugem, quando naqueles os homens é que aplaudem e nestes os bois mugem, mas também pela figura que significa o efeito pela causa, como se diz rosto alegre aquele que significa alegria de quem, ao vê-lo, se alegrará. Está muito conforme com a autoridade profética, que narra o repouso de Deus, dizer que por ele se significa o descanso daqueles que descansam nele e Ele faz descansar”. (St Agostinho: 31).

   Deus é a existência essencial do fenômeno que repousa como gramática na tela gramatical. Se o belo da instituição alegra os agentes, o campo político é estético pela alegria de quem ao vê-lo, se alegrará. A felicidade no campo simbólico político encontra-se no repouso da gramática institucional na tela gramatical. Se fosse um <não para de não funcionar, o tempo alegre do campo político seria desprovido de estética, pois, aí o gosto político se encontra no repouso da gramática. O sujeito político seria apenas um efeito da gramática e não é assim, pois há a liberdade do agir do sujeito:

“As <gramáticas normativas> escritas tendem a abranger todo um território nacional e todo o <volume linguístico> a fim de criar um conformismo linguístico nacional unitário que, outrossim, põe e repõe em um plano mais elevado o <individualismo> expressivo, já que cria um esqueleto mais robusto e homogêneo para a razão linguística nacional, da qual, cada indivíduo é o efeito e o intérprete”. (Gramsci: 

A razão linguística é uma estrutura de dominação nacional sujeita à crítica no campo político do indivíduo, este como intérprete e analista da ciência política literária da estrutura de dominação nacional. (Gramsci: 2343). A crítica dos fenômenos só é inteligível como crítica da gramática que rege esses fenômenos - em uma região do campo simbólico político. Os fenômenos são entes dos jogos de gramática da existência essencial de fenômeno.      

A crítica da estrutura de dominação é o caminho aberto para a desintegração da natureza da estrutura da forma de governo cesarista no campo simbólico político democrático/constitucional do moderno do além da época pós-moderna. (Bandeira da Silveira; 2024);       

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Em Marx, a forma ideológica é ilusão socialmente necessária. (Eagleton: 13). A política é um a forma ideológica. (Marx: 136). Em Freud, a política é o futuro de uma ilusão (Freud, ela é a fantasia do futuro. Na Idade Média, St Toma de Aquino talvez seja o primeiro a criar uma ideologia política sobre forma de governo monárquico. Ele vê a política como futuro naturalista de uma ilusão freudiana. A ilusão se encontra em uma região do cérebro. A monarquia se legitima por ser um fenômeno vinculado ao cérebro, isto é, a natureza do homem:

“Se a natureza do homem exige que ele viva em uma sociedade plural [heterogênea], é necessário que haja nos homens algo pelo qual se governe a maioria. Pois, ao existir muitos homens e preocupar-se cada um [com o que está de acordo com seu interesse], seu beneficia, a multidão se dispersaria em diversos núcleos a não ser que houvesse o um nela que cuidasse do bem da sociedade, como o corpo do homem ou de qualquer animal se desvaneceria se não houvesse uma força comum que o faça buscar o bem comum de todos”. (Tomás: 7).

Tomás criou o direito moderno e a lei moderna como fantasia do futuro. (Bastit: 1990). A discussão de Tomás se concentra na distinção entre tirania e monarquia. Já a preocupação de Guilherme de Ockham é com a cultura política, estética, jurídica religiosa papista

Tomás:

“Se ocorre uma forma de regime suportado por uma persona, que busca no governo seu próprio interesse e não bem da sociedade submetida a ele, tal político é chamado de tirano, nome derivado da palavra força, porque oprime, com a violência, e não governa com a justiça; por isso também os antigos chamavam tiranos a alguns poderosos”. (Tomás: 9).   

A tela gramatical tomasiana já tem o Estado como dominação e hegemonia, como em Gramsci? A violência requer um aparelho de Estado repressivo que se funciona só pela violência aparece como uma instituição da tirania. Se a justiça for acrescentada ao aparelho temos, assim, um aparelho de Estado/legislação penal. A legislação penal é um fenômeno, ao mesmo tempo, da dominação e da hegemonia: dominação/hegemônica. O aparelho de estado/legislação penal é parte da gramática da busca do Bem Comum, isto é, da sociedade como unidade de uma formação social nacional.

A propósito. O capitalismo subdesenvolvido faz o bem para as classes médias e reserva o inferno de Dante para as classes populares pobres.

A tela gramatical governa o campo das ideologias e gramáticas:

“A gramática historial é articulação de gramática da economia, campo de podres/saberes e campo de sujeitos. A gramática é como uma Constituição, pois, é um discurso prestes a se atualizar na realidade realmente existente de uma formação social. (Agamben: 29-30). A gramática da economia se atualiza como articulação da hegemonia no campo dos sujeitos. O campo de poderes articula-se como dominação (Foucault: 32) – técnicas de sujeição polimorfas no campo dos sujeitos com força de lei ou força de realidade”. (Bandeira da Silveira. 2019: 143).

A tela gramatical tomasiana opera também com o campo das gramáticas medieval rumo a época moderna. A época moderna é um efeito molecular, parcial, do cérebro de St Tomás de Aquino:

“A intenção de qualquer e todo governante deve dirigir-se a ele se encarregar de governar para a salvação. Porque compete ao capitão do navio conduzir a nave ao porto de refúgio, conservando a nave intacta contra os perigos do oceano. Pois, o bem e a salvação da sociedade é conservar sua unidade, isso se chama paz, desaparecida la cual desaparece asimismo la utilidad de la vida social, e incluso la mayoría que disiente se vuelve una carga para sí mesma. Luego esto es a lo que ha de tender sobre todo el dirigente de la sociedad , a procurar a unidade en la paz”. (Tomás: 13).

 

O aprofundamento do capitalismo subdesenvolvido se expressa no campo político como guerra civil generalizada e permanente a partir do Brasil profundo. (Bandeira da Silveira; 2021. Aí se põe e repõe a interpretação da crítica da forma de governo cesarista/tirânica.

Deleuze e Guattari falam do general intellect como fenômeno do cérebro. (Deleuze: 309). Aristóteles fala do laço social como fenômeno da natureza humana, ou melhor, do cérebro. Para Aristoteles, ´há uma região do bem no cérebro. (Arsitoteles: 675). A família é um laço social natural, uma gramática natural do cérebro. Nela, há governante/governado como fenômeno de uma região do cérebro humano, e de alguns animais. (Aristoteles: 677). O laço social político        é algo exterior ao cérebro do campo do indivíduo. A forma de governo democrático constitucional ou forma política já é a fronteira entre natureza e cultura ou civilização da antiguidade. (Aristoteles: 678, 676). Todavia a forma de governo da tirania ou cesarismo é um fenômeno da natureza humana, como muitos pensadores esclareceram. Na linguagem hegeliana, a tirania é uma forma sem mediação e na gramática de Hannah Arendt é um fato sem aparências de semblância. Na ciência política literária dos jogos de gramática, a tirania é uma forma sem tela gramatical em um campo infrapolítico.

Donald Trump quer criar uma tirania americana como forma infrapolítica que se encontra em uma r4egião do cérebro dele. A discussão da cultura política, econômica, estética, jurídica coimo um fato natural encontra-se em Guilherme de Ockham?

Ockham diz:

“A Providência divina costuma operar o bem a partir das obras más dos homens’. (Ockham: 45). Nietzsche fala de uma dialética do Bem derivando do mal. (Nietzsche: 22). A telo gramatical mitológica religiosa contém a faculdade de operar o bem a partir de prática política do mal. A cultura política papista tirânica da Idade Média sofreu a crítica de sua estrutura de dominação a partir da liberdade humana do cristão:

“Por isso, pela lei evangélica não só o cristão, não se torna servo do papa, como também o papa não pode, pela plenitude de seu poder, onerar todo e qualquer cristão contra a vontade deste., sem culpa e sem causa, com cerimonias cultuais de tanto peso como o foram as da velha lei. E se o tentar fazer, tal fato não tem valor jurídico e, no direito divino, é nulo”. (Ockham: 50).

A Igreja não poderia ser uma instituição política como estrutura de dominação na qual a liberdade humana do cristão é grau zero, isto é, o cristão parece como efeito automático do cérebro do papa: cristão natural. O cristão já é uma descoberta e invenção da civilização de Jesus.

Ora:

“Nestes textos e em outros inúmeros encontrados na Sagrada Escritura, as palavras genéricas não devem ser compreendidas de modo genérico, sem qualquer exceção”. (Ockham: 70).

O papa é a gramática absoluta como representante de Deus na terra. Porém, essa generalidade tem exceção. A liberdade humana do cristão é uma exceção ao sujeito cristão como efeito da gramática tirânica/cesarista do cérebro do Um, do papado;

“As palavras de Jesus: <tudo o que ligares> etc. não devem ser entendidas genericamente, sem exceção. As palavras genéricas nem sempre devem ser entendidas genericamente”. (Ockham: 69).

Na crítica demolidora de Ockham à tirania do papado, a exceção não confirma regra, ou seja, a gramática infrapolítica do cérebro do papa.

 

 

ARISTOTELES. Obras. Madrid: Aguilar, 1982

BANDEIRA DA SILVEIRA< José Paulo. Subdesenvolvimento hoje. Lisboa: Chiado, 2019

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Brasil Profundo. EUA: amazon, 2021

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época posmoderna. EUA: amazon, 2024

BASTIT, Michel. Naissance de la loi moderne. Paris: PUF, 1990

DANTE ALIGHIERI. A divina comédia. Inferno. SP: Editora 34, 1998

DELEUZE E GUATTARI. O Anti-Édipo. SP: Editora 34, 2010

DERRIDA, Jacques. Politique de l’amitié. Paris: Galilée, 1994

EAGLETON, Terry. Ideologia. SP: UNESP, 1997

FREUD. Obras Completas. V. 21. O futuro de uma ilusão. RJ: Imago, 1974

GODIN, Christian. La totalité. V. 1. De l’imaginaire au symbolique. Paris: Champ Vallon, 1998

GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. volume 3. Torino: Einaudi, 1975

HEGEL. Science de la logique. Premier tome – Deuxième livre. La doctrine de l’essence. Paris: Ubier, 1976

MARX. Os Pensadores. SP: Abril Cultural, 1994

NIETZSCHE. Par-delà bien et mal. Paris: Gallimard, 1971

OCKHAM, Guilherme. Brevilóquio sobre o Principado tirânico. Petrópolis, 1988       

SCHMITT, Carl. O conceito de político. Petrópolis: Vozes, 1992

St AGOSTINHO. A Cidade de Deus. Parte 2. Petrópolis: Vozes, 2013

TOMÁS DE AQUINO. LA MONARQUIA. Madrid: Tecnos, 1989             

 ZIZEK, Slavoj. Le plus sublime des hysteriques. Hegel passe. Paris: Point Hors Ligne, 1988