segunda-feira, 8 de abril de 2024

Benjamin Constant e Tocqueville - DA TIRANIA

 

José Paulo 

 

A Ciência política literária dos jogos de gramática de Benjamin Constant parte da plurivocidade de relação entre o campo político do indivíduo [tendo como símbolo a liberdade individual do sujeito] e o poder da sociedade na forma de poderes sociais coativos externos como: forma de governo tirânica/cesarista, religião, aparelho de Estado/legislação penal, costumes ou tradição. (Todorov: 44).

A relação primária entre o campo do indivíduo e os poderes da sociedade é do combate que o sujeito de direitos dá à sociedade, especialmente se essa sociedade quer quebrar a natureza do direito individual, tiranicamente. (Todorov: 44). Assim, a tragédia moderna é a luta do indivíduo contra as diversas espécies de poderes tirânicos.

PARA EXISTIR, A SOCIEDADE necessita se constituir em um campo político que possa se defender contra a stásis (rebelião, insurreição, motim, guerra civil) e a pólemos: inimigo externo. Daí surge o direito dela ao exército e ao aparelho de Estado/legislação penal. (Constant: 59).   

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Liberdade e igualdade são dois bens simbólicos da tela gramatical da política em diferentes civilizações. A tela gramatical de Tocqueville fala de uma realidade virtual na extremidade de um campo político ocidental:

“É possível imaginar-se um ponto extremo, onde a liberdade e a igualdade se tocam e se mesclam. Suponhamos que todos os cidadãos participem do governo e que cada um tenha igual direito de participar dele. Nesse caso, ninguém é diferente de seus semelhantes, ninguém poderá exercer um poder tirânico; os homens serão perfeitamente livres, porque serão todos inteiramente iguais; e serão todos perfeitamente iguais porque serão inteiramente livres. Para este ideal tendem os povos democráticos “. (Tocqueville. V. 2: 137).

Tal realidade virtual existiu na tela democrática da politeia grega com o poder político nas mãos da multidão soberana. Liberdade e igualdade são parte de uma tela de juízo de gosto:

“O gosto que os homens têm pela liberdade e aquele gosto que eles ressentem pela igualdade [...]. (Tocqueville. V. 2: 138).

Liberdade e igualdade são parte da tela gramatical estética do campo político. A preferência pela igualdade em detrimento da liberdade é um fenômeno da América:

“Mas, independente dessa razão, existem várias outras que, em todos os tempos, habitualmente levarão os homens a escolha da igualdade à liberdade. Se um povo jamais alcançar a destruir ou somente a diminuir a ele próprio no sei da igualdade que aí reine, ele, só chegaria a isso através de penosos e longos esforço. Seria necessário que mudasse seu estado social, abolisse as suas leis, renovasse as suas ideias, mudasse seus hábitos, alterasse seus costumes. Mas para perder a liberdade política, basta não a conservar, para que ela se evada”. (Tocqueville. V. 2: 139.          

Em uma tradução para a ciência política literária, o trecho diz que a igualdade só é destruída se houver desintegração dela no campo simbólico [ideia/signo/imagem/alegoria/fantasia] e na tradição. Enquanto a liberdade política é um problema de conservação dela no campo político permanentemente: “o preço da liberdade é a eterna vigilância”?  

A liberdade e a igualdade existem pelo princípio de prazer?

“A liberdade política dá, de vez em quando, e a certo número de cidadãos, sublimes prazeres. A igualdade proporciona todos os dias uma multidão de pequenos prazeres a cada homem. Os encantos da igualdade se sentem em todos os momentos e estão ao alcance de todos; nem os corações mais nobres são insensíveis a eles, e as almas mais vulgares deles fazem suas delícias”. (Tocqueville. 140).

O princípio de prazer da liberdade política é oligárquico e o da igualdade é democrático, para todos. A liberdade política funciona pelo princípio de realidade, isto é, com sacrifício e um esforço a mais:

“Os homens não seriam capazes de gozar a liberdade política sem adquiri-la sem sacrifícios, e só tomam posse dela com um esforço a mais. Mas os prazeres da igualdade existem espontaneamente. Cada um dos pequenos episódios da vida privada parece fazê-los nascer e, para saboreá-los, basta apenas viver”. (Tocqueville:140).

A liberdade aparece como uma tela estética, então:

“Na maior parte das nações modernas, e em particular em todos os povos do continente europeu, o gosto e a ideia de liberdade só começaram a nascer e se desenvolver quando as condições começaram a igualar-se como efeito dessa mesma igualdade. Foram os reis absolutos os que mais trabalharam para nivelar as diferenças entre os súditos. Entre tais povos, a igualdade precedeu a liberdade política; a igualdade, era, pois, um fato antigo, quando a liberdade era ainda uma coisa nova; uma já criara opiniões, usos, leis, que lhe eram próprios, enquanto a outra apenas se produzia, e pela primeira vez, a plena luz. Assim, a segunda achava-se ainda apenas nas ideias e gosto, ao passo que a primeira já penetrara nos hábitos, apoderara-se dos costumes e dera um pendor particular às menores ações da vida. Como admiram-nos se os homens da atualidade preferem uma à outra?”. (Tocqueville:141)

A gramática da liberdade na tela estética e no campo simbólico não se iguala em o poder da gramática da igualdade no campo da vida molecular dos hábitos, da tradição que pesa como chumbo derretido  no cérebro dos vivos.

Segue:

“Eu acredito que os povos democráticos têm um gosto natural pela liberdade; entregues a sim mesmos, procuram-na, amam-na e se entristecem quando lhes é tirada”. (Tocqueville:141).

A liberdade fazendo pendant com a igualdade em relações técnicas de produção de hoje, da época cibernética, faz do celular e do computador a tela gramatical de fenômenos como o niilismo que quer desintegrar as pessoas e o mundo; tal fenômeno é usado por agentes políticos na conquista dos poderes estatizados e na conservação deles:

“Mas têm pela igualdade uma paixão ardente, insaciável, eterna, invencível; desejam a igualdade dentro da liberdade, e, se não a podem obter, ainda a desejam na escravidão. Suportarão a pobreza, a servidão a barbárie, mas não suportarão a aristocracia. Tal coisa é verdadeira em todos os tempos, e, sobretudo no nosso. Todos os homens e todos os poderes que desejarem lutar contra esse poder [tirânico] irresistível serão derrubados e desintegrados por ele. Hoje em dia, não pode a liberdade estabelecer-se sem o seu apoio e o próprio despotismo não poderia reinar sem ela”. (Tocqueville:141-142).

A liberdade de expressão é garantida na Constituição de 1988. Ela se torna uma liberdade política em um território cibernético de muito igualdade como o celular e o computador. Como efeito das relações técnicas de produção da atualidade, o celular cria e recria, todo dia [pelo princípio de prazer dos jogos de linguagem cibernéticos com as gramáticas culta ou vulgar], uma atmosfera de violência niilista que caba por alcançar o campo político/estético; e transforma a relação hierárquica de juízo de valor da superfície constitucional com a superfície profunda da meia-noite sem luz.  

A ascensão da extrema-direita ocidental é um efeito da situação concreta supracitada. A natureza da tela cibernética transforma o campo político na transição da democracia constitucional civilizatória para uma forma de regime cesarista/tirânica cibernética, bárbara.     

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As relações técnicas de produção são um poder externo ao indivíduo, um poder inédito da cultura política, jurídica, econômica, estética, mundial. Como o campo do individuo é afetado e afeta o campo político da sociedade?

A liberdade individual e seus direitos político naturais se chocam em agonia permanente com o direito escrito da Constituição e com o aparelho de Estado/legislação penal.:

“os direitos individuais se compõem de tudo aquilo do que permanece autônomo em relação ao poder social. Na hipótese que eu apresento relacionada ao capítulo precedente, os direitos individuais consistem na faculdade de fazer tudo o que não prejudica o outro ou a liberdade de agir, no direito de não ser constrangido à professar qualquer crença, seja ela a ideologia política da maioria da qual não se está convencido, ou ser obrigado a seguir a liberdade religiosa da maioria. E, portanto, o direto de manifestar seu pensamento, por todos os meios de publicidade oferecidos seja que esta publicidade não prejudique a qualquer indivíduo e não provoque nenhuma ação punível, enfim, na certeza de não ser arbitrariamente tratado como se o individuo tivesse fora das margens dos direitos individuais, isto ´é, na garantia de não ser ´parado, detido, ou julgado que d’après les lois et suivant les formes”. (Constant: 60-61).

Donald Trump é o símbolo da tirania na Américas. Porém, Jair Bolsonaro é o símbolo da tirania niilista na América do Sul. O ´problema é se o campo político do indivíduo Jair é ´pilotado por um fantasma ou fantasia cesarista que se desdobra no sujeito niilista na sociedade além da família. A passagem da fantasia tirânica do campo político do indivíduo para o campo político da sociedade resvala em uma zona cinzenta no campo freudiano. Donald e Bolsonaro são tiranos/patriarcas na família? Ou eles exercem a tirania no campo político das instituições? Bolsonaro procurou construir sua família como uma nova oligarquia carioca. Ele não é niilista em relação aos filhos. Ele é tiranicamente niilista em relação a tela gramatical institucional brasileira e seu campo simbólico construído a partir do Brasil-nação. Ele é niilista em relação a gramática da cultura política, jurídica, estética do Brasil-nação.

Então, o bolsonarismo evoca e faz a conjuração dos mortos do Brasil colonial, para fazer da guerra civil mafiosa um estado de guerra permanente no campo político nacional e/ou provincial:

“O condottiere é a catástrofe barroca no campo político sul-americano. Ele não é a engenharia para evitar o estado de exceção, o cesarismo”. (Bandeira da Silveira. Cap: 12).

Bolsonaro é o condottiere noir, da meia-noite sem luz da superfície profunda do Brasil colonial restaurado como Brasil Profundo (Bandeira da Silveira; 2021), mas não in toto.

 

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Brasil Profundo. EUA: amazon, 2021

BANDEIRA DA SILVEIRA, josé Paulo. além da época posmoderna. EUA: amazon, 2024

CONSTANT, Benjamin. Principes de politique applicables à tous les gouvernement. Versão de 1806-1810. Paris: Hachette, 1997

TODOROV, Tzvetan. Benjamin Constant. La passion démocratique. Paris: Hachette, 1997

TOCQUEVILLE, Alexis, De la démocratie en Amérique. Volume 2. Paris: Gallimard, 1961  

  

                       

 

 

            

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