José Paulo
A Ciência política literária dos jogos de gramática de
Benjamin Constant parte da plurivocidade de relação entre o campo político do
indivíduo [tendo como símbolo a liberdade individual do sujeito] e o poder da
sociedade na forma de poderes sociais coativos externos como: forma de governo
tirânica/cesarista, religião, aparelho de Estado/legislação penal, costumes ou
tradição. (Todorov: 44).
A relação primária entre o campo do indivíduo e os poderes da
sociedade é do combate que o sujeito de direitos dá à sociedade, especialmente
se essa sociedade quer quebrar a natureza do direito individual, tiranicamente.
(Todorov: 44). Assim, a tragédia moderna é a luta do indivíduo contra as
diversas espécies de poderes tirânicos.
PARA EXISTIR, A SOCIEDADE necessita se constituir em um campo
político que possa se defender contra a stásis (rebelião, insurreição, motim,
guerra civil) e a pólemos: inimigo externo. Daí surge o direito dela ao
exército e ao aparelho de Estado/legislação penal. (Constant: 59).
2
Liberdade e igualdade são dois bens simbólicos da tela
gramatical da política em diferentes civilizações. A tela gramatical de
Tocqueville fala de uma realidade virtual na extremidade de um campo político
ocidental:
“É possível imaginar-se um ponto extremo, onde a liberdade e
a igualdade se tocam e se mesclam. Suponhamos que todos os cidadãos participem
do governo e que cada um tenha igual direito de participar dele. Nesse caso,
ninguém é diferente de seus semelhantes, ninguém poderá exercer um poder
tirânico; os homens serão perfeitamente livres, porque serão todos inteiramente
iguais; e serão todos perfeitamente iguais porque serão inteiramente livres.
Para este ideal tendem os povos democráticos “. (Tocqueville. V. 2: 137).
Tal realidade virtual existiu na tela democrática da politeia
grega com o poder político nas mãos da multidão soberana. Liberdade e igualdade
são parte de uma tela de juízo de gosto:
“O gosto que os homens têm pela liberdade e aquele gosto que
eles ressentem pela igualdade [...]. (Tocqueville. V. 2: 138).
Liberdade e igualdade são parte da tela gramatical estética
do campo político. A preferência pela igualdade em detrimento da liberdade é um
fenômeno da América:
“Mas, independente dessa razão, existem várias outras que, em
todos os tempos, habitualmente levarão os homens a escolha da igualdade à
liberdade. Se um povo jamais alcançar a destruir ou somente a diminuir a ele
próprio no sei da igualdade que aí reine, ele, só chegaria a isso através de
penosos e longos esforço. Seria necessário que mudasse seu estado social,
abolisse as suas leis, renovasse as suas ideias, mudasse seus hábitos,
alterasse seus costumes. Mas para perder a liberdade política, basta não a conservar,
para que ela se evada”. (Tocqueville. V. 2: 139.
Em uma tradução para a ciência política literária, o trecho
diz que a igualdade só é destruída se houver desintegração dela no campo
simbólico [ideia/signo/imagem/alegoria/fantasia] e na tradição. Enquanto a
liberdade política é um problema de conservação dela no campo político
permanentemente: “o preço da liberdade é a eterna vigilância”?
A liberdade e a igualdade existem pelo princípio de prazer?
“A liberdade política dá, de vez em quando, e a certo número
de cidadãos, sublimes prazeres. A igualdade proporciona todos os dias uma
multidão de pequenos prazeres a cada homem. Os encantos da igualdade se sentem
em todos os momentos e estão ao alcance de todos; nem os corações mais nobres
são insensíveis a eles, e as almas mais vulgares deles fazem suas delícias”.
(Tocqueville. 140).
O princípio de prazer da liberdade política é oligárquico e o
da igualdade é democrático, para todos. A liberdade política funciona pelo
princípio de realidade, isto é, com sacrifício e um esforço a mais:
“Os homens não seriam capazes de gozar a liberdade política
sem adquiri-la sem sacrifícios, e só tomam posse dela com um esforço a mais.
Mas os prazeres da igualdade existem espontaneamente. Cada um dos pequenos
episódios da vida privada parece fazê-los nascer e, para saboreá-los, basta
apenas viver”. (Tocqueville:140).
A liberdade aparece como uma tela estética, então:
“Na maior parte das nações modernas, e em particular em todos
os povos do continente europeu, o gosto e a ideia de liberdade só começaram a
nascer e se desenvolver quando as condições começaram a igualar-se como efeito
dessa mesma igualdade. Foram os reis absolutos os que mais trabalharam para
nivelar as diferenças entre os súditos. Entre tais povos, a igualdade precedeu
a liberdade política; a igualdade, era, pois, um fato antigo, quando a
liberdade era ainda uma coisa nova; uma já criara opiniões, usos, leis, que lhe
eram próprios, enquanto a outra apenas se produzia, e pela primeira vez, a
plena luz. Assim, a segunda achava-se ainda apenas nas ideias e gosto, ao passo
que a primeira já penetrara nos hábitos, apoderara-se dos costumes e dera um
pendor particular às menores ações da vida. Como admiram-nos se os homens da
atualidade preferem uma à outra?”. (Tocqueville:141)
A gramática da liberdade na tela estética e no campo
simbólico não se iguala em o poder da gramática da igualdade no campo da vida
molecular dos hábitos, da tradição que pesa como chumbo derretido no cérebro dos vivos.
Segue:
“Eu acredito que os povos democráticos têm um gosto natural
pela liberdade; entregues a sim mesmos, procuram-na, amam-na e se entristecem
quando lhes é tirada”. (Tocqueville:141).
A liberdade fazendo pendant com a igualdade em relações
técnicas de produção de hoje, da época cibernética, faz do celular e do
computador a tela gramatical de fenômenos como o niilismo que quer desintegrar
as pessoas e o mundo; tal fenômeno é usado por agentes políticos na conquista
dos poderes estatizados e na conservação deles:
“Mas têm pela igualdade uma paixão ardente, insaciável,
eterna, invencível; desejam a igualdade dentro da liberdade, e, se não a podem
obter, ainda a desejam na escravidão. Suportarão a pobreza, a servidão a
barbárie, mas não suportarão a aristocracia. Tal coisa é verdadeira em todos os
tempos, e, sobretudo no nosso. Todos os homens e todos os poderes que desejarem
lutar contra esse poder [tirânico] irresistível serão derrubados e
desintegrados por ele. Hoje em dia, não pode a liberdade estabelecer-se sem o
seu apoio e o próprio despotismo não poderia reinar sem ela”.
(Tocqueville:141-142).
A liberdade de expressão é garantida na Constituição de 1988.
Ela se torna uma liberdade política em um território cibernético de muito
igualdade como o celular e o computador. Como efeito das relações técnicas de
produção da atualidade, o celular cria e recria, todo dia [pelo princípio de
prazer dos jogos de linguagem cibernéticos com as gramáticas culta ou vulgar],
uma atmosfera de violência niilista que caba por alcançar o campo
político/estético; e transforma a relação hierárquica de juízo de valor da
superfície constitucional com a superfície profunda da meia-noite sem luz.
A ascensão da extrema-direita ocidental é um efeito da
situação concreta supracitada. A natureza da tela cibernética transforma o
campo político na transição da democracia constitucional civilizatória para uma
forma de regime cesarista/tirânica cibernética, bárbara.
3
As relações técnicas de produção são um poder externo ao indivíduo,
um poder inédito da cultura política, jurídica, econômica, estética, mundial. Como
o campo do individuo é afetado e afeta o campo político da sociedade?
A liberdade individual e seus direitos político naturais se
chocam em agonia permanente com o direito escrito da Constituição e com o aparelho
de Estado/legislação penal.:
“os direitos individuais se compõem de tudo aquilo do que
permanece autônomo em relação ao poder social. Na hipótese que eu apresento relacionada
ao capítulo precedente, os direitos individuais consistem na faculdade de fazer
tudo o que não prejudica o outro ou a liberdade de agir, no direito de não ser
constrangido à professar qualquer crença, seja ela a ideologia política da
maioria da qual não se está convencido, ou ser obrigado a seguir a liberdade
religiosa da maioria. E, portanto, o direto de manifestar seu pensamento, por
todos os meios de publicidade oferecidos seja que esta publicidade não
prejudique a qualquer indivíduo e não provoque nenhuma ação punível, enfim, na
certeza de não ser arbitrariamente tratado como se o individuo tivesse fora das
margens dos direitos individuais, isto ´é, na garantia de não ser ´parado,
detido, ou julgado que d’après les lois et suivant les formes”. (Constant:
60-61).
Donald Trump é o símbolo da tirania na Américas. Porém, Jair
Bolsonaro é o símbolo da tirania niilista na América do Sul. O ´problema é se o
campo político do indivíduo Jair é ´pilotado por um fantasma ou fantasia cesarista
que se desdobra no sujeito niilista na sociedade além da família. A passagem da
fantasia tirânica do campo político do indivíduo para o campo político da
sociedade resvala em uma zona cinzenta no campo freudiano. Donald e Bolsonaro são
tiranos/patriarcas na família? Ou eles exercem a tirania no campo político das instituições?
Bolsonaro procurou construir sua família como uma nova oligarquia carioca. Ele
não é niilista em relação aos filhos. Ele é tiranicamente niilista em relação a
tela gramatical institucional brasileira e seu campo simbólico construído a
partir do Brasil-nação. Ele é niilista em relação a gramática da cultura
política, jurídica, estética do Brasil-nação.
Então, o bolsonarismo evoca e faz a conjuração dos mortos do
Brasil colonial, para fazer da guerra civil mafiosa um estado de guerra
permanente no campo político nacional e/ou provincial:
“O condottiere é a catástrofe barroca no campo político
sul-americano. Ele não é a engenharia para evitar o estado de exceção, o cesarismo”.
(Bandeira da Silveira. Cap: 12).
Bolsonaro é o condottiere noir, da meia-noite sem luz da superfície
profunda do Brasil colonial restaurado como Brasil Profundo (Bandeira da Silveira;
2021), mas não in toto.
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Brasil Profundo. EUA:
amazon, 2021
BANDEIRA DA SILVEIRA, josé Paulo. além da época posmoderna.
EUA: amazon, 2024
CONSTANT, Benjamin. Principes de politique applicables à tous
les gouvernement. Versão de 1806-1810. Paris: Hachette, 1997
TODOROV, Tzvetan. Benjamin Constant. La passion démocratique.
Paris: Hachette, 1997
TOCQUEVILLE, Alexis, De la démocratie en Amérique. Volume 2.
Paris: Gallimard, 1961
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