segunda-feira, 18 de março de 2024

TELA E TÉCNICA

 

José Paulo

 

 A RELAÇÃO entre técnica e relação social se altera na época do mercantilismo do capital asiático, paradigma do capitalismo mundial.  A relação social é subssumida `pela técnica

“A técnica só é dominada de um modo tal que lhe é dado espaço até mesmo no aparentemente não técnico (isto significa aqui maquinal), o poder da <organização> é escravo da técnica e <domina>esta última, assim como o escravo liga o senhor a si próprio através da plena submissão”. (Heidegger: 155).    

O poder da relação social de produção é escravo da técnica [das relações sociais de produção] e estabelece uma estrutura de dominação da sociedade de classes sociais que domina as relações técnicas - como o escravo no discurso do mestre faz laço social com o senhor através da sua plena submissão.

A fronteira entre relação social e relação técnica acaba com a emergência do discurso do mestre da sociedade da classe dominante, isto é, da técnica como escravo da sociedade da cultura política econômica do capital [do general intellect gramatical]. Como fenômeno das relações técnicas de produção, assim, o general intellect gramatical é o escravo que submete a si, submetendo-se, ao senhor/capital.

 Na Tela gramatical estética da antiguidade, a obra de arte era um saber pressuposto que poderia fundar a verdade:

“Este fim da <arte>, o fim da pressuposição de que uma obra de arte pode fundar a verdade, não há perda”. (Heidegger:122). Passamos para “O pensamento e a poetização sem-arte”. (Heidegger: 123).  A obra de arte da tela gramatical estética da época além da época posmoderna não é um saber pressuposto que funda e refunda a verdade.

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A revolução burguesa europeia põe e repõe o problema da relação da técnica com sociedade:

“Dissemos que a causa de uma revolução, duma passagem violenta dum tipo de sociedade a outro, deve ser procurada no conflito que estala entre as forças produtivas seu crescimento, de um lado, e a estrutura econômica da sociedade, isto é, as relações de produção, do outro”. (Bukharin: 289).

A sociedade aparece como:

“1, a propriedade territorial feudal; 2, o regime das corporações na indústria em formação; 3, os monopólios comerciais. Tudo isso era sustentado, com outras tantas coisas, por inúmeras normas jurídicas”> (Bukharin: 296).

Um outro modo de falar da revolução social é pensar a sociedade como subsumida pela técnica, a técnica como o escravo que submete a sociedade/senhor no discurso do capitalista como discurso do senhor. Tal fenômeno remete para a revolução como cultura política econômica:

“uma modificação pela qual o indivíduo [revolução], como efetividade especial e como conteúdo peculiar, se opõe àquela efetividade universal [tela gramatical existente em um campo político/estético]. Essa oposição vem a tornar-se crime quando o indivíduo suprassume essa efetividade de uma maneira apenas singular; ou vem a tornar-se um outro mundo – outro direito, outra lei e outros costumes, produzidos em lugar dos presentes – quando o indivíduo o faz de maneira universal e, portanto, para todos”> (Hegel:194).

Na gramática marxista barroca:

Segue-se entre outras coisas que não existe revolução <puramente política>; toda revolução é uma revolução social, isto é, desloca classes; a toda revolução social é uma revolução política. Isto porque não é possível derrubar as relações de produção sem derrubar a força política destas relações; inversamente, derrubar o poder político significa derrubar o poder de uma classe no domínio econômico, pois, <a política é a expressão condensada da economia”. (Bhukarin: 294).

A cultura política econômica do capital é a política como conciliação com a sociedade de classe dominante; o Estado nacional aparece como poder político e aparelho de Estado na cultura política econômica do capital. No além da época posmoderna, o Estado nacional aparece como um artefato jurídico/político/estético em diferentes culturas políticas econômicas nacionais.   

O general intellect gramatical aparece como junção de sociedade e relações técnicas de produção:

“Se abordamos por esse lado a questão da acumulação intelectual, veremos sem esforço que esta acumulação tem precisamente lugar sob formas concretas, e de certa forma se precipita em depósito palpável, material. Tanto maior é o domínio da cultura intelectual, é rico, mais grandioso, mais amplo o domínio desses <fenômenos sociais materializados>. Para falar por metáfora [e sem esquecer que se trata apenas de uma analogia], a carcaças material da cultura intelectual constitui o <capital de base> desta cultura; é tanto mais rica, quanto ele é mais considerável, o que novamente, <em última análise>, depende do nível de evolução das forças produtivas materiais. Inscrições ingênuas, máscaras, ídolos grosseiros, desenhos sobre pedra, monumentos artísticos, manuscritos de papiros, ‘livros’ de pergaminho etc. – e mais tarde galerias, museus, jardins botânicos, laboratórios, jornais etc. – tudo isto é a experiencia acumulada, materializada da humanidade. As novas prateleiras de livros, com os livros novos que constantemente se juntam aos que já lá estão, mostra-nos, de uma forma concreta, a colaboração de uma quantidade de gerações que se sucedem umas às outras numa sequência ininterrupta”. (Bukharin: 319-20).

Aí se encontra o general intellect gramatical como parte das relações técnicas de culturas políticas econômicas que se sucedem na Europa, especialmente.     

             

domingo, 17 de março de 2024

Ciência política - Júlio César, Bellvm civile

 

José Paulo 

 

 

A ciência política de Júlio César por analogia é uma ciência política socrática e ciência política leninista, pois, trabalha com a <análise concreta de uma situação concreta>. 

Na página 53 do livro “Bellvm civile”, tem a cultura política econômica virtual romana republicana e, depois ao longo das páginas, o desejo de desintegrar a forma de governo republicana.

A cultura política econômica cesarista parte da relação dos agentes públicos com o bem do Estado. Qual Estado é este? Um Estado movido por um poder republicano baseado nos interesses econômicos do Estado lacaniano de administração da mais valia pública ou mais-de-gozar ou plus-de-jouir. (Lacan. S. 167: 30, 29).

Uma sociedade de classes socais complexa lutava pela mais-valia pública?

“A classe dominante era formada pelo capital usuário, capital ‘industrial’, capital mercantil, grandes proprietários de terra  e da renda fundiária (que moravam na cidade), classe nobiliária, senadores, governadores das províncias. (Veyne: 144). A propósito, o capital usuário era um fenômeno econômico generalizado na classe dominante. Ele constituía o liame social/dinheiro entre credor e devedor no qual a dívida não paga se transformava em escravidão econômica”. (Veyne: 149). (Bandeira da Silveira. 2022: cap. 12, parte 2).

A classe política detinha o poder administrativo de gestão do dinheiro público:

“A classe dos notáveis exercia o poder administrativo do Estado lacaniano. Tal evento consiste na transformação da mais-valia privada em riqueza pública. A arquitetura, as artes plásticas, estradas, epitáfios etc. fazem do Estado lacaniano – um artefato político público-privado. (Veyne: 146-148). (Bandeira da Silveira. 2022: cap. 12, parte 2).

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A ciência política de Marx tem como objeto o cesarismo/tirania (Gramsci: v. 3: 77) que desintegrou a república democrática constitucional de 1848. De Napoleão III, o bonapartismo seria o fenômeno político [como paródia] com analogias comparáveis ao cesarismo romano e tirania grega. A análise concreta da situação concreta francesa faz pendant com a análise de Júlio César da situação romana. Há cultura política econômica no texto de Marx?

A relação entre forma de governo e classe social burguesa [que implica interesse econômico de classe] levanta o problema da cultura política econômica. Marx fala da luta de classes como choque de gramáticas econômicas de forma de governo

“A derrota dos insurretos de junho preparara e aplainara, indubitavelmente, o terreno sobre o qual a república burguesa podia ser fundada e edificada, mas demonstrara ao mesmo tempo que na Europa as questões em foco não eram apenas <re3pública ou monarquia>. Revelara que aqui república burguesa significava o despotismo ilimitado de uma classe sobre outra”. (Marx. 1974: 341).

Marx fala de um campo político/estico brutalista, como indiquei em outros textos, um campo político regido pela luta entre as classes fundamentais da sociedade industrial. O brutalismo do capital inglês do, “O capital” aparece como brutalismo no campo político, reservando à classe operária a superfície profunda da meia-noite, onde todos os gatos são pardos: operariado e lumpesinato político aparecem como fenômenos cinzas.

No “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, há a relação do campo político do indivíduo com o campo político sociedade/Estado. No “Guerra civil”, de Júlio César, também há esta relação que há em Marx. No “Guerra Civil”, há afecções do indivíduo (honra, exigências, dignidade, mágoa, promessas, vingança, ambição de poder, desejo do ouro etc.) e da tropa (sentimento da multidão) que movem o agir, ou político, ou da guerra. O agir político tem sua ética socrática de não prejudicar (Platão:23). Trata-se da ética socrática res publicana: não prejudicar o Estado. (César: 53). Não prejudicar o Estado é um fenômeno da cultura política econômica, pois, se trata de não prejudicar economicamente o Estado. (César:51). O eararium sanctius era o tesouro de reserva, proveniente da arrecadação de 5% de impostos pagos sobre a manumissão de escravos, para ser usado em situação de emergência. Segundo fontes César posteriormente forçou a retirada dos recursos do erário para a guerra civil. (César: 58).

César estabelece como um fato antirepublicano o uso que Pompeu faz do dinheiro para a guerra. Pompeu faz da guerra civil uma questão pessoal e não uma questão pública, ou seja, ele prejudica o Estado republicano:

“A par desses fatos, Pompeu desiste do projeto de ir à Síria. Retira fundos das companhias arrecadadoras de impostos, levanta empréstimos de particulares, carrega em navios grande quantidade de moedas de bronze para pagamentos do soldo [...]”. (César:297).

Pompeu faz parte daqueles agentes políticos que tratam a guerra civil como guerra particular. Assim:

“Por toda a Itália recrutam-se tropas, requisitam-se armas, exige-se dinheiro dos municípios, retiram-se dos templos, todas as leis humanas e divinas são baralhadas”. (César: 49).

O cesarismo de Júlio é o clássico (Bandeira da Silveira. 2024: cap. 2, parte 3), renascentista romano:

“para que o Estado não viesse a sofrer qualquer dano – fórmula de senatus-consulto pela qual o povo era chamado às armas – sua ocorrência se dera para combater leis funestas, abusos de tribunos, secessão do povo, com ocupação de templos e lugares elevados”. (César: 49).     

O campo político romano é aquele da dialética amigo/inimigo públicos, não pessoais. (César: 45). O inimigo pessoal já é parte da tela gramatical da tirania.     

Alain Badiou não inclui Júlio César entre os tiranos:

“De resto, muito mais que aos poetas ou pensadores, a máxima <é justo prejudicar os inimigos e servir aos amigos> parece-me apropriada aos Xerxes, Anibal, Napoleão ou Hitler, a todos aqueles em quem a extensão do poder provocou, por um tempo, uma espécie de embriaguez”. (Badiou: 29).

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Em Marx, o campo político do indivíduo Luís Bonaparte tem como fantasia o império no lugar da república democrática republicana de 1848. Marx relaciona essa fantasia com o campo político da sociedade:

“Eu, ao contrário, demonstro como a luta de classes na França criou circunstâncias e condições que possibilitaram a uma personagem medíocre e grotesca desempenhar o papel de herói”. (Marx: 331).

Rosa Luxemburgo fala do bonapartismo com relação virtual da gramática do cesarismo francês com a cultura política econômica:

Na França, os tratados que inauguraram o livre-cambismo pelas clásulas preferenciais foram concluídos por Napoleão III sem a compacta maioria protecionista do parlamento, formada por industriais e agrários; até mesmo contra ela (...). O antigo sistema protecionista da França foi modificado, de 1853 a 1862, por 32 decretos imperiais, que logo tiveram, em 1863, uma confirmação negligente e ‘legislativa’”. (Rosa: 394).

A cultura política econômica liberal substitui o mercantilismo moderno do capital francês. Há a relação das relações técnicas de produção com a forma de governo. As relações técnicas liberais correspondem à cultura política econômica do império bonapartista e as relações técnicas mercantilistas modernas à república democrática. A cultura política econômica bonapartista cria uma grande burguesia industrial liberal, urbana. A história do cesarismo francês, para Gramsci, não tem o sentido histórico que Rosa atribui ao bonapartismo de Napoleão III. (Gramsci: 1619-20).   

A ciência política de Júlio César é socrática:

“Socrate ne prenait pas pour point de départ ce qui est premier en soi ou par nature, mas ce qui est premier à nous yeux, ce qui nous frappe au premier coup d’oeil”. (Strauss: 118).

O que choca o golpe de vista de Júlio César é a guerra civil. Ele a concebe como um fenômeno da cultura política econômica romana?       

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Os jogos de gramática da ciência política de Cícero são esplendidos:

“Cícero nos dá a tela gramatical plástica de Roma:

‘1. ‘Se Roma existe, é por seus homens e hábitos’.

“’- a brevidade e a verdade desse verso fazem com que seja, para mim, um verdadeiro oráculo. Com efeito: sem nossas instituições antigas, sem nossas tradições venerandas, sem nossos singulares heróis, teria sido impossível os mais ilustres cidadãos fundar e manter, durante longo tempo, o império de nossa República”. (Bandeira da Silveira. 2022: cap. 13, parte 1).

O cesarismo faz tábula rasa da cultura política econômica da tradição. Em sua ciência política ciceriana, Hannah Arend ilumina a tela gramatical estético/política da república:

“As características mais proeminentes dos que detêm autoridade é não possuir poder. Cum potestas in populo auctoritas in senatu sit, enquanto o poder reside no povo, a autoridade repousa no Senado. Dado que a <autoridade>, o acréscimo que o Senado deve editar às decisões políticas, não é poder”. (Arendt: 164)   

A guerra civil é um direito natural da multidão armada contra a autoridade do senado republicano. Cesar recorre a esse poder para estabelecer a mudança da forma de regime republicana.

O que se perde com a cultura política econômica cesarista?

“A força coerciva dessa autoridade está intimamente ligada à força religiosamente coerciva do auspíces, que ,ao contrário, do oráculo grego não sugere o curso objetivo dos eventos futuros, mas revela meramente a aprovação ou desaprovação divina das decisões feitas pelos homens”. (Arendt: 165).

Hannah esclarece o fenômeno da autoridade republicana como cultura política do homem:

“A palavra auctoritas é derivada do verbo augere, <aumentar>, e aquilo que a autoridade ou os de posse dela constantemente aumentam é a fundação. Aqueles que eram dotados de autoridade eram os anciãos, o Senado, ou os patres, os quais a obtinham por descendência e transmissão (tradição) daqueles que haviam lançado as fundações de todas as coisas futuras, os antepassados chamados pelos romanos de maiores. A autoridade dos vivos era sempre derivativa, dependendo, como o coloca Plínio, dos auctores imperii Romani conditoresque, da autoridade dos fundadores que não mais se contavam no número dos vivos. A autoridade, em contraposição ao poder (potestas) tinha suas raízes no passado, mas esse passado era tão presente na vida real da cidade quanto o poder e a forças dos vivos. Moribus antiquis res stat Romana virisque, nas palavras de Enio”. (Arendt: 163-64).

Os mortos habitam, virtualmente, o campo político dos vivos e definem a estética da política como anverso do brutalismo. Ora, o que o cesarismo faz é desintegrar a tela gramatical da ciência política republicana de Cícero.

          

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. SP: Perspectiva, 1988

BADIOU, Alain. A República de Platão, recontada por Alain Badiou. RJ: Zahar, 2014

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. barroco, tela gramatical, ensaios. EUA: amazon, 2022

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época posmoderna. EUA: amazon, 2024

CÉSAR, Júlio. Bellvm civili. SP: Estação Liberdade, 1999

CICERO. Pensadores. Da República. SP: Abril Cultural, 1973

GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. v. 3. Torino: Einaudi, 1977

LACAN, Jacques. O Seminário. livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008

MARX. Os Pensadores. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. SP: Abril Cultural, 1974

PLATÃO. Diálogos III. A República. RJ: Ediouro, sem data.

ROSA Luxemburg. A acumulação do capital. RJ: Zahar, 1970

STRAUSS, Leo. Droit naturel et histoire. Paris: Flammarion, 1986             

sexta-feira, 15 de março de 2024

TELA GRAMATICAL DA COMUNICAÇÃO

 

José Paulo 

 

Há camadas e camadas de discurso circulando na internet. Um deles ainda tem a televisão como modelo de julgar a realidade dos fatos e artefatos. O livro “Sociedade do espetáculo” ainda é o guia de uma camada de jornalistas e professores universitários. A televisão ainda oferece o consumo de cultura para diversas classes sociais:

“O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. (Debord: 16).

Debord fala da tela gramatical da televisão de fenômenos imagéticos:

“Sob todas as formas particulares – informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimento – o espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade”. (Debord: 17).

As relações técnicas de produção da comunicação têm como dominante não mais a sociedade do espetáculo, e sim a tela gramatical cibernética: computador e celular. Ora, Debord fala da sociedade do espetáculo como o meio de irradiação do campo de ideologias:

“Ele é uma Weltanshauung que se tornou efetiva, materialmente traduzida. É uma visão de mundo que se objetivou”. (Debord: 17).

No Brasil, Muniz Sodré pensou a televisão não apenas como prática de forma ideológica, e sim, sobretudo, como tela gramatical neogrotesca. (Sodré: 1992). 

No <além da época posmoderna>, a sociedade do espetáculo continua oferecendo o espetáculo de música presencial para as massas de consumidores. É apenas um fenômeno econômico de gozo corporal que não se inscreve no campo político/estético? Atualmente, a sobredeterminação da plurivocidade de tela gramatical da comunicação transforma o espetáculo de música em uma tela gramatical narrativa para as massas vivas, atualizando-as como fragmentos em carne e osso [das classes sociais virtuais] urbanos político/estéticos.     

Internet, televisão e rádio são os meios materiais de existência da cultura política econômica da sociedade de comunicação. (Wolton: 1997). O <mass media>  é o senso comum dos grupos e classes sociais estético/políticos. Umberto Eco estudou tal senso comum como gramática. (Eco; sem data).

No <além da época ´posmoderna>, há telas gramaticais que desbancaram a tela posmoderna. Esta é:

“ – simulacres de simulation, fondé sur l’infrormation, le modèle, le jeu cybernétique – opérationnalité totale, hyperréalité, visée de contrôle total”. (Baudrillard: 177).   

Além do neogrotesco, há na atualidade o grotesco neoconcretista:

“Uma compulsão à repetição traz do passado imperial o campo político cesarista/oligárquico. No entanto, ele é um outro fenômeno, pois, um campo político/oligárquico Grotesco. Ferreira Gullar inventou a estética do <grotesco> na América Latina”. (Bandeira da Silveira. 2024: cap. 15, parte 4).     

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A tela de fenômenos ideológicos tem agente, personagem, ator, instituições [pública e privada] em seu domínio. O melhor livro universitário sobre ideologia é de Terry Eagleton. Ele fala da ideologia como ilusão, como corpo de ideias de um determinado grupo ou classe social [como concepção política de mundo?], confusão entre realidade linguística e realidade de fenômenos etc. (Eagleton: 15).

Ele fala da ideologia como fenômeno da oclusão semiótica. Mas falta a forma ideológica como estrutura de dominação de uma cultura política econômica da comunicação e da política.   

A oclusão semiótica é a tela ideológica sgrammaticatura (Gramsci:2341), isto é, anarcoempirista funcionando como estrutura de dominação em um campo político/estético. A oclusão é o fechamento da percepção de grupos e classes sociais para os fenômenos da tela gramatical estético/político.

Olhei para a tela gramatical da modernidade dos fenômenos no campo político. A estrutura de dominação do discurso do universitário deixa de ser um referente hegemônico no campo político ocidental. Ele é a estrutura de dominação <tudo saber>. (Lacan. S. 17: 34). O logos moderno da ciência natural é a fantasia ou objeto real no campo político em geral:

“A roupagem de ideias da ‘matemática e ciência matemática da natureza’, ou a roupagem dos símbolos, das teorias simbólico-matemáticas, abrange tudo aquilo que, para os cientistas, assim como para os homens instruídos, substitui o mundo da vida e o mascara - como natureza ‘objetivamente efetiva e verdadeira’”. (Husserl: 41).

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A plurivocidade de tela gramatical moderna caracteriza a modernidade no campo político de fenômenos da cultura:

“Se quisermos ter presente este ritmo, seguindo o seu modo de trabalhar, veremos que o flaneur de Baudelaire não é tanto um aurto-retrato com se poderia supor. Um traço importante do verdadeiro Baudelaire – aquele que deu à sua obra – não aparece neste retrato. É o estado de devaneio. No flaneur é muito evidente o prazer de olhar. Este pode concentrar-se na observação – daqui resulta o detetive amador; ou pode estagnar no simples curioso – e então o flaneur se transforma no badaud”. (Benjamin. 1975: 8).   

Um universitário de Paris diz que os europeus jamais foram modernos, ele muito paparicado nas universidades do rio e de São Paulo:

“A modernidade possui tantos sentidos quanto forem os pensadores ou jornalistas. Ainda assim, todas as definições apontam, de uma forma ou de outra, para a passagem do tempo. Através, do adjetivo moderno, assinalamos um novo regime, uma aceleração, uma ruptura, uma revolução do tempo”. (Latour: 15).

A revolução do tempo consiste na transformação da gramática do tempo (Boaventura Santos; 2021) da cultura política econômica em um campo político/estético nacional ou internacional.

A gramática do Youtube é um continente cibernético da comunicação com pouca reflexão na América Latina. O jornalismo do Youtube se distancia do jornalismo de papel, do rádio e da televisão. Ora, o jornalista do Youtube é um flaneur que acaba na oclusão semiótica como badaud?    O jornalista é um espectador da realidade? Mas de qual realidade?

Ele é um espectador das estruturas de dominação dos fenômenos ideológicos. Ele dá as costas para o gravíssimo:

“O gravíssimo é que, todavia, não pensamos; nem na atualidade, a pensar de que o estado do mundo instiga cada vez mais o que pensar”. (Heidegger: 10).

 Não pensar nos fenômenos da ´plurivocidade de tela gramatical narrativo/analógica, eis o que é gravíssimo.  Tal acontecimento do não pensar é próprio do jornalista, do professor universitário, do intelectual das formas ideológicas esquerda/direita.

Os fenômenos gramaticais da tela estético/política têm forma e conteúdo: ‘através de sua forma a obra de arte é um centro vivo de reflexão”. (Benjamin: 81).   

Como pensar?

“Courbet anunciara seu programa desde 1847: realismo integral, abordagem direta da realidade, independente de qualquer poética previamente constituída. Era a superação simultânea do <clássico> e do <romântico> como poéticas destinadas a mediar, condicionar e orientar a relação do artista com a realidade”. (Argan:75).

 

A tela gramatical do jornalismo do Youtube é análoga a tela courbetiana. Ela não faz mediação poética entre a realidade dos fenômenos ideológicos e o consumidor. O jornalista é o artista realista  da modernidade brasileira em analogia com a realidade do Brasil.

A tela realista do Youtube é um fenômeno cibernético estético/político do além da época posmoderna. Ela se distancia da tela da televisão, pois, esta mediava poeticamente a realidade como a estética política neogrotesca ou neobarroca. (Calabrese; 1988).

Lucien Sfez diz:

“Nessa polissemia os objetos de comunicação se constituem ciências particulares, cada uma das quais enaltece o seu percurso teórico como o que deve dominar (por sua importância, amplitude de ponto de vista, rigor), todos os outros; assim, a linguística pareceu ser por muito tempo a ciência que melhor podia dar conta dos fenômenos de comunicação, já que a linguagem é um laço irrefutável e evidente entre os membros de uma sociedade, um laço <falante>, se podemos nos permitir esse jogo de palavras. Só a linguagem pode ligar. A comunicação seria, antes de tudo, linguística”. (Sfez: 38).

Na tela gramatical da comunicação de massa: “O tempo volta-se sobre si mesmo. Tornar-se circular. Deixa de haver desenvolvimento linear”. (Sfez: 51).

A tela gramatical do mass media tradicional opera com o tempo circular da Cundaline. A serpente mágica que morde o próprio rabo. Todavia, a gramática da cultura política econômica da comunicação se contrapõe à sociedade de comunicação:

“trata-se de um tempo reversível, no sentido de que não acarreta mudança na composição interna dos elementos. Parra os defensores do Creatura, o tempo do ser vivo e da física contemporânea é irreversível”. (Sfez; 63).  

Sfez fala da gramática da comunicação:

“E a formação através de um contexto surge enfim pelo que é: uma gramática. Nova gramática da comunicação, sem relação com a antiga, analítica, substancialista, desagregadora”. (Sfez: 53).

 A atualidade complementa a crítica da comunicação de Sfez  falando de plurivocidade de tela gramatical da comunicação, funcionando em um campo de fenômenos político/estéticos.

 

ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. SP: Companhia das Letras, 1992

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época posmoderna. EUA: amazon, 2024

BENJAMIN, Walter. A modernidade e os modernos. RJ: Tempo Brasileiro, 1975

BENJAMIN, Walter. O conceito de crítica de arte no Romantismo alemão. SP: EDUSP, 1993

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS. A gramática do tempo. Par uma nova cultura política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021    

BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et simulation. Paris: Galilée, 1981

CALABRESE, Omar. A idade neobarroca. Lisboa: Edições 70, 1988

DEBORD, Guy. La société du Spectacle. Paris: Gallimard, 1967

EAGLETON, Terry. Ideologia. SP: UNESP, 1997

ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. SP: Perspectiva, sem data

GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. v. 3. Torino: Einaudi, 1977

HEIDEGGER, Martin. Que significa pensar? Buenos Aires: Nova,1972

HUSSER, Edmund. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental. RJ: Forense, 2012

LACAN, Jacques. Le Séminaire. Livre 17. L’envers de la psychanalyse. Paris: Seuil, 1991              

LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. SP: 34, 1994

SFEZ, Lucien. Crítica da comunicação. SP: Loyola, 1994

SODRÉ, Muniz. O social irradiado.: violência urbana, neogrotesco e mídia. SP: Cortez, 1992

WOLTON, Dominique. Penser la communication. Paris: Flammarion, 1997

   

quinta-feira, 14 de março de 2024

CULTURA POLÍTICA ECONOMICA DO CAPITAL

 

José Paulo 

 

 

Por ONDE começar?

No “A República”, há a comunidade de mulheres e crianças”, o comunismo como realidade virtual. Aristóteles parte dessa realidade para construir a realidade virtual da cultura política econômica.

Para existir, a cultura política econômica necessita de uma gramática. Assim, na cultura política econômica do Oikos,  há o <isto é meu> e o <isto não é meu>. (Aristoteles: 714-715):

“Porém, na realidade, os cidadãos, ao ter comunidade de mulheres e crianças, não os chamaria <seus>, neste sentido, senão que entenderão o <seus> coletivamente e não particularmente, e de modo semelhante chamarão <suas> as propriedades, entendendo com isto as propriedades de todos eles, não de cada um individualmente”. (Aristoteles: 715).

A gramática da cultura política econômica se inicia com o indivíduo e a propriedade particular da família senhorial escravista. Há essa cultura política econômica natural produtiva e mais ainda. Há a economia capitalista mercantil e a economia do dinheiro que faz dinheiro: capital de dinheiro. (Aristoteles: 696).

A cultura política econômica grega da riqueza deve evitar o heteróclito, Ela é o renascimento grego: “A riqueza é um coleção de instrumentos a disposição do administrador da família e do político”. (Aristoteles: 694). Os agentes do discurso do maître [senhor e governante] solto no ar da vida de aquisição de riqueza se inclinam para o heteróclito. Assim, a ética é o limite da acumulação de riqueza. O heteróclito:

“A causa dessa atitude consiste em que seus interesses estão postos na vida , porém não em uma vida boa; e assim, posto que o apetite da vida é ilimitado, desejam também sem limite os meios de satisfaze-los. E ainda aqueles que põe sua meta em uma vida boa, buscam a vida boa enquanto vem medida por gozos corporais, de maneira que, posto que esta parece também achar-se na possessão da propriedade, todas as suas energias se concentram na consecução da riqueza, e por causa disto tem nascido a segunda espécie da arte de enriquecer. Pois, pressuposto que todo gozo corporal se encontra em um excesso, se dedicam a buscar a arte de produzir esse excesso no gozo [...]. (Aristóteles: 698).

Aristóteles estabelece a relação entre o desejo ou gozo corporal de enriquecer sem limite e o homem tirânico, o César, por analogia da cultura política econômica romana? O César é o gozo corporal de enriquecer sem limite [em uma realidade econômica política virtual] a partir da mudança da forma de governo; passagem da república constitucional para a tirania romana ou cesarismo.

Leo Strauss diz, ora:

“as cidades exaltam grandemente o tiranicídio”. (Strauss: 67-68).

A cultura política econômica senhorial natural ou da polis ´[do governante] é um fenômeno no qual o tiranicídio não é um fato da normalidade da vida. Não o é, pois, há o limite ético para o enriquecimento da família senhorial e do governante ou político, ou classe política.  

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As formas de governo são do um, de poucos ou da multidão no poder governamental. As formas de governo justas existem se o governante governa pelos interesses comuns no9 campo político/estético: monarquia, aristocracia, democracia constitucional. As formas injustas governam segundo os interesses privados do um, de poucos, da multidão: tirania ou cesarismo, oligarquia, democracia aconstitucional.

Então, o que é a tirania?

“a tirania é uma monarquia que exerce um poder despótico sobre a comunidade política; a oligarquia é o controle do governo nas mãos dos que possuem todas as propriedades; a democracia, ao contrário, existe quando o poder está nas mãos daqueles que apenas nada possuem, ou seja, são pobres”. (Aristoteles: 781).

O princípio da justiça na forma de governo foi cancelado pelo republicanismo de Maquiavel ao criar a identidade absoluta entre monarquia e tirania. Então, a felicidade não é mais um fenômeno da liberdade ´política:

Porém, se os homens se associam não só por causa da existência material, e sim com o fim de lograr uma vida feliz [já que do contrário, uma coletividade de escravos e de animais seria um Estado; e isso em realidade é impossível, porque estes seres não participam em absoluto da felicidade de uma vida baseada em uma vontade livre”. ( Aristoteles: 783-784).

A ciência política freudiana desfaz a fronteira entre homem e natureza, pois ela fala de um campo político cultural animal:

“Poque nossos parentes, os animais, não apresentam uma luta cultural desse tipo? Provavelmente, alguns deles – as abelhas, as formigas, as térmitas – batalharam durante milhares de anos antes de chegarem às instituições estatais, à distribuição de funções e às restrições ao indivíduo pelas quais hoje os admiramos”. (Freud: 146).

Há a relação entre forma de governo e cultura política econômica:

Nem se realiza em ordem ao comercio e as relações financeiras..., pois se fosse assim, os etruscos e os cartagineses e todos os povos que têm relações comerciais entre si seriam virtualmente cidadãos de um único Estado”. (Aristoteles: 784).

Há o campo político internacional virtual através da gramática da cultura política econômica do capital? A gramática da cultura política econômica do capital da modernidade cria e recria um campo política/estético planetário?      

Adam Smith tem uma visão cor de rosa do campo político da civilização do capital:

“O principal comércio de todas as sociedades civilizadas é mantido entre os habitantes da cidade e do campo. Consiste na troca da produção bruta pela produção manufaturada, troca essa que é ou imediata, ou feita por intermédio da moeda, ou de alguma espécie de papel que representa moeda. O campo fornece à cidade os meios de subsistências e as matérias-primas da manufatura. A cidade paga esse abastecimento enviando aos habitantes do campo toda uma parte da sua manufaturada”. (Smith e Ricardo: 233).

Marx teceu um campo político do capital inglês da estética brutalista:

“As leis cruéis contra as coligações dos trabalhadores foram abolidas em 1825 ante a atitude ameaçadora do proletariado. Mas, apenas em parte. Alguns belos resíduos dos velhos estatutos só desapareceram em 1959. Finalmente, a lei do Parlamento, de 29 de junho de 1871, pretendeu eliminar os últimos vestígios dessa legislação de classe como reconhecimento legal das Trades Unions. Mas uma lei do Parlamento, da mesma data [destinada a modificar a legislação criminal na parte relativa a violências, ameaças, e ofensas], restabelece, de fato, a situação anterior sob nova forma. Com essas escamoteações parlamentar os meios que podem ser utilizados pelos operários em caso de greve (...) foram subtraídos ao domínio do direito e colocados sob uma legislação penal de exceção, a ser interpretada pelos próprios fabricantes, na sua qualidade de juízes de paz”. (Marx:539).

Marx é irônico com a civilização capitalista da economia política:

“A serenidade estoica com que o economista político presencia as violações mais cínicas do ‘sagrado direito de propriedade’ e as violências mais contundentes contra as pessoas desde que necessárias para estabelecer as bases do modo de produção capitalista [...]. (Marx: 528).               

A propósito. Cria-se uma superfície profunda da meia-noite para o proletariado no campo político/estético do cesarismo/tirania da cultura política econômica do capital inglês.

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Em Marx. um problema estratégico da cultura política econômica do capital é a mais-valia econômica:

“Como nasce a mais-valia? Não brota da circulação, senão que se realiza na circulação. Os produtos se vendem por seu valor, não por mais do que eles valem; o preço não excede seu valor; E ainda vendendo pelo que valem, o vendedor obtém uma mais-valia”. (Marx. 1974: 35).

O fenômeno da mais-valia na tela gramatical do capital se traduz por relação de exploração entre as classes sociais: burguesia e classe operária. Como a mais-valia é o referente da produção da riqueza capitalista, a burguesia aparece como uma classe parasita [abjeta] do trabalho alheio. Então, há necessidade para a reprodução ampliada do capital da cultura política econômica brutalista do capital.

Na economia política de Ricardo permaneceu a dúvida se ele havia descoberto a mais-valia:

“O valor de uma mercadoria, ou seja, a quantidade de qualquer outra pela qual pode ser trocada, depende da quantidade relativa de trabalho necessário para a sua produção, e não da maior ou menor compensação que é paga por esse trabalho”. (Ricardo e Smith: 255).

Diz um especialista em Ricardo sobre a mais-valia:

“Em todo caso, Ricardo não ofereceria uma orientação clara. A julgar pelos Principles, poderia facilmente obter-se a impressão de que o trabalho é simplesmente a medida e não a fonte do valor, e que o valor não significa mais que as relações de cambio entre as mercadorias. Ricardo foi, muitas vezes, muito explícito a este respeito”. (Blaug: 68).

Na cultura política econômica do capital, o capital não é uma coisa, como pensa Ricardo, e sim relação social de produção industrial; assim, a cultura política econômica põe e repõe a luta de classes no campo político/estético capitalista.

Os economistas burgueses se esforçaram em negar a mais-valia e a luta de classes. Eles chegaram a falar em cultura política econômica capitalista visando o bem-estar:

“Se o valor é a importância que os bens possuem para o bem-estar humano, e se essa importância se baseia no fato de haver algum ganho de bem-estar que depende de se dispor deles, também é claro que a grandeza do valor deve necessariamente ser determinada pela grandeza do ganho de bem-estar que depende do respectivo bem. Um bem terá valor elevado se dele oferecer uma importante vantagem para nosso bem-estar, e terá um valor baixo se dele oferecer apenas um ganho de bem-estar insignificante”. (Bohm-Bawerk:160).

Althusser chamou a luta entre a concepção política de mundo de Marx e a concepção burguesa como luta de classe na teoria. A luta de classe é o motor da história, um processo sem o sujeito homem (Althusser:26, 31). A luta de classe se transformou hoje, em uma luta no campo do general intellect gramatical. Este existe como um fenômeno das classes médias universitárias que, ou servem como estrutura de dominação na cultura política econômica do capital, ou resistem ao domínio do capital no campo político estético. O fenômeno em pauta encontra-se na tela gramatical da cultura política econômica do mercantilismo do capital. (Bandeira da Silveira. 2022: cap. 8, parte 2).

Retomando a linha mestra. Os economistas do general intellect gramatical burguês viveram seu drama de classe média intelectual:

“e assim se compreende por que, desde Adam Smith até nossos dias, inúmeros teóricos acabaram por se desesperar totalmente de encontrar a natureza e a medida do valor dos bens em relação com o bem-estar humano e recorreram a outras explicações estranhas: ao trabalho ou ao tempo de trabalho, aos custos de produção, à ‘dificuldade da obtenção’ à resistência da Natureza contra o homem e a outras desse gênero”. (Bohm-Bawerk:161).

Os economistas burgueses da classe média universitária ocidental procuraram desintegrar a crítica da gramática do capital. Ora, o mercantilismo do capital asiático hoje hegemônico, ou seja, como paradigma do capitalismo mundial, tem como cultura política econômica de vanguarda a China. A cultura política econômica chinesa tem como um pilar a crítica da gramática do capital:

     

“No mercantilismo capitalista, o general intelecto empresarial existe no processo de produção e como práxis social. Existe como força produtiva direta e, também, como práxis social no ciberespaço. Este fenômeno tem sido alvo de interpretações como do semiocapital, capital semiótico: uma crítica da economia política do valor”.

“A partir de ‘O capital’, a crítica do valor econômico se tornou uma luta do capital contra o trabalho. A crítica da economia política de Marx não é economia política, simplesmente. Ela vê esta como campo de ideologias econômicas a serem desmascaradas”. (Bandeira da Silveira. 2021: cap. 3).

Vivemos em uma época além da pós-modernidade:

“A relação entre os fenômenos da globalização anarcocapitalista e o mercantilismo do capital asiático chinês é o de escuridão que avança sobre o campo de luz. Aliás, o mercantilismo do capital asiático aparece através de fenômenos com cores quentes e vibrantes. O que substitui a globalização em desintegração final?”. (Bandeira da Silveira. 2024: cap. 6, parte 4).

 

ALTHUSSER, Louis. Réponse a Jonh Lewis. Paris: Maspero, 1973

ARISTOTELES. Obras. Politica. Madrid: Aguilar, 1982

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Crítica da gramática do capital. EUA: amazon, 2021a

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Mundialização do mercantilismo capitalista. EUA: amazon, 2021b

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Gramática do general intellect. EUA: amazon, 2022

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. além da época posmoderna. EUA: amazon, 2024

BLAUG, Mark. Teoria económica de Ricardo. Un estudo histórico. Madrid: Ayuso, sem data  

FREUD. Mal-estar na civilização. Obras Completas. Volume 21. RJ: Imago, 1974

BOHM-BAWERK. Teoria positiva do capital. Volume 1. SP: Abril Cultural, 1986

MARX., Carlos. Teorias de la plusvalia. Tomo 1, Madrid: Editor Alberto Corazon, 1974

MARX, Karl. Le capital. Livre premier. Paris: Editions Sociales, 1977

RICARDO E Smith, David e Adam. Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. Princípios de economia política e tributação. Pensadores. SP: Abril Cultural, 19743

STRAUSS, Leo. De la tyrannie. Paris: Gallimard, 1977

     

        

     

   

                            

segunda-feira, 11 de março de 2024

Gramática da tirania ou cesarismo

 

José Paulo

 

 

Em Sua bíblia sobre o capítulo do Maquiavel de Leo Strauss, Claude Lefort não parte da distinção cancelada no “O Principe” entre tirano e rei. Leo Strauss vê nesse cancelamento a fundação da ciência política moderna em antagonismo com a ciência política da antiguidade.

Para a ciência política moderna da linhagem de Maquiavel, falar de tirania é um juízo de valor {não é ciência moderna]; é uma mitologia política, uma realidade virtual que nada tem a ver com a realidade factual e artefactual da história. (Strauss: 39). A ciência política socrática funda o domínio de conhecimento virtual no campo político/estético da antiguidade grega. (Strauss: 43).

A sociedade tende a tiranizar o pensar; a ciência política socrática se dedica a frustrar a transformação do pensar a política em cesarismo. A verdade na tela gramatical do campo político cesarista não tem o hábito de ser inofensiva. (Strauss: 43). A estrutura de dominação da verdade despreza qualquer uso responsável socialmente do funcionamento da ideologia. A ideologia é a forma da ciência política moderna que gera uma estrutura de dominação cesarista. [Strauss: 38) Em outros textos já mostrei quer de Marx a Althusser, o campo das ideologias funciona como estrutura de dominação cesarista. Para Marx e Althusser, todas as formas do espírito [religião, direito, política, arte etc.] são formas ideológicas. (Marx. 1974: 136).

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Marx e Althusser sustentam a fronteira entre ciência e ideologia. A crítica das ideologias é a ciência de Marx. Althusser fala de um marxismo com corte epistemológico em relação ao campo ads ideologias.

Fundador do marxismo ocidental, Gramsci desaparece com fronteira ente ciência e ideologia. Assim a própria ciência é um fenômeno do campo das ideologias. Portanto, a ideologia é transformada em uma estrutura de dominação totalitária irrevogável:

“A questão mais importante a ser resolvida com relação ao conceito de ciência é a seguinte: se a ciência pode dar, e de maneira, a ‘certeza’ da existência objetiva da chamada realidade exterior. Para o senos comum , esta questão nem se quer existe, mas de onde se originou a certeza do senso comum? Essencialmente da religião (...) a religião é uma ideologia, a ideologia mais enraizada e difundida, não um aprova ou demonstração. É possível demonstrar que é um erro exigir da ciência como tal a prova da objetividade do real, já que essa objetividade é uma concepção de mundo, uma filosofia, não podendo ser um dado científico (...). (Gramsci. V. 1: 173).

Gramsci completa:

“’Objetivo’ significa precisamente e apenas o seguinte: que se afirma ser objetivo, realidade objetiva, aquela realidade que é verificada por todos os homens, e que é independente de todo ponto de vista que seja puramente particular ou de grupo. Mas, no fundo, também esta é uma concepção particular do mundo, uma ideologia”. (Gramsci. V. 1: 173).

O campo das ideologias abarca todas as práticas incluindo a ciência, insisto. Tal ruptura epistemológica com Marx e Althusser faz do marxismo não uma ciência da história, mas uma ideologia sobre a história. Temos assim, uma concepção política de mundo tirânica, da sociedade produzindo um efeito cesarista sobre o campo de conhecimento científico em geral. A ideologia é o pressuposto saber do homem, mulher, criança. A psicanálise é uma estrutura ideológica assim como a ciência do homem e a física. Gramsci acaba com a ciência como ilusão de um conhecimento objetivo da realidade realmente existente. A ciência se diferencia das outras ideologias por seu método, ela é uma ideologia científica:

“O trabalho científico tem dois aspectos principais: um que retifica incessantemente o modo de conhecimento, retifica e reforça os órgãos sensoriais, elabora princípios novos e complexos de indução e dedução, isto é, aperfeiçoa os próprios instrumentos de experiência e de sua verificação; outro que aplica este complexo instrumental  [de instrumentos materiais e mentais] para determinar, nas sensações, o que é necessário e o que é arbitrário, individual transitório”. (Gramsci. V. 1: 173).

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A política como tirania foi excluída da ciência política moderna: “é substituída pela política como atividade constitutiva da existência coletiva”. (Châtelet: 38). Para a modernidade: É preciso observar que o detentor (individual ou coletivo) do poder de Estado, que pode e deve fazer tudo para assegurar tal poder, não pode ser assimilado a um tirano”. (Châtelet: 39).

Walter Benjamim faz uma ciência política moderna na qual o Príncipe tem por obrigação evitar ao cesarismo. Na época barroca, o estado de exceção, a ditadura real, requer para emergir situações catastróficas como guerra entre Estados etc. (Benjamin: 65-66).             

 Quentin Skinner faz uma enciclopédia para a o ensino da ciência políticas na universidade anglo-americana. Assim, ele mostra que Maquiavel supera o contexto humanista e a cultura política católica. Porém, a concepção política de mundo do livro “O Príncipe” não se define por um antagonismo com a cultura política cristã. Skinner ignora que a cultura política maquiavélica se define pela identidade absoluta entre rei e tirano. O cesarismo não é um fenômeno da ciência política universitária. Ora, Gramsci tratou desse fenômeno. Mas também ignorou o problema da relação entre rei e tirano da antiguidade. Esta relação definia duas formas de governos antagônicas: a forma monárquica constitucional e a forma cesarista inconstitucional. (Gramsci. V. 3: 77). A monarquia constitucional e o cesarismo são dois campos políticos/estéticos com plurivocidade de tela gramatical.

Ao investigar a democracia nos EUA, Tocqueville rompe com a ciência política moderna europeia e volta à ciência política socrática. A tirania ou cesarismo ou despotismo é um fenômeno da realidade virtual na América:

“Observei, durante minha temporada nos Estados Unidos, que uma situação social semelhante à dos americanos poderia oferecer singulares facilidades à implantação do despotismo, e mostrei, ao regressar à Europa, como a maior parte dos nossos príncipes já se tinham servido das ideias, dos sentimentos e das necessidades que essa mesma situação social fazia surgir, para estender a esfera do seu poder”. (Tocqueville: 431).

Como Kant (Rawls;121-122), Montesquieu faz uma ciência política como conciliação de iluminismo e barroco. Ele não opera com o corte republicano de Maquiavel em relação à antiguidade:

“Há três espécies de governo; a República, a Monarquia, e o Despótico [..]. Eu suponho três definições, ou em vez de três fatos: Um, que o governo republicano é aquele onde o povo en corps, ou somente uma parte do povo, tem a soberania puissance; a monarquia, aquela onde um só governa, mais pelas leis fixas e determinadas; au lie que, dans despotique, um só, sem lei e sem regra, leva tudo por sua vontade e por seus caprichos. (Montesquieu: 131).

O campo de ideias políticas de Montesquieu fala da tirania ou despotismo como um domínio do uno, sem gramática, sem Constituição. Vimos acima, que a tirania moderna aparece como uma forma ideológica amparada na ciência que controla a natureza humana no campo político/estético. Seria a ciência do homem um conhecimento voltado para o controle da natureza humana?

 

BENJAMIN, Walter. Origine du drame baroque allemand. Paris: Flammarion, 1974

CHATELET E PISIER-KOUCHNER. História das ideias políticas. RJ: Zahar, 1985

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. V. 1. RJ: Civilização Brasileira, 2015

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. V. 3. RJ: Civilização Brasileira, 2014

MARX. Os pensadores. SP: Abril Cultural, 1974

MONTESQUIEU. De l’esprit des lois. Volumo 1. Paris: Flammarion, 1979

RAWLS, John. História da filosofia moral. SP: Martins Fontes, 2005

SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. SP: Companhia das Letras, 1996

STRAUSS, Leo. De la tyrannie. Paris: Gallimard, 1997  

TOCQUEVILLE, Alex. De la démocratie en Amérique. V. 2. Paris: Gallimard, 1961         

domingo, 10 de março de 2024

"REPUBLICA" - cesarismo, verdade, Althusser

 

José Paulo 

 

Pensar a justiça como um problema da gramática da cultura política, eis algo que os gregos fizeram: a justiça em relação à alma do indivíduo. Por analogia entre o antigo e o moderno, a alma é o pensar da inteligência como sujeito ou subjetividade. Se esse fenômeno se encontra no campo político/estético do indivíduo, a justiça será a conciliação da alma ou subjetividade justa com a gramática da cultura política da politeia ou democracia constitucional. A alma injusta é o antagonismo permanente com a gramática da cultura política da democracia.

A verdade da justiça tem estrutura de ficção. Ela parece no campo político do indivíduo da alma justa em conciliação com a gramática da democracia. A alma injusta não tem acesso à verdade, pois, ela vive em uma condição de antagonismo com democracia.

Há o laço social gramatical entre o campo político do indivíduo e o campo político da polis ou sociedade, uma condição de possibilidade para a existência de ambos os campos. A tela gramatical faz pendant com a verdade da justiça? Como estrutura de ficção, a verdade da justiça funciona na tela gramática do campo político democrático constitucional. Ela é a imagem virtual especular ampliada do estado justo da subjetividade moderna ou da alma da antiguidade na cultura política democrática constitucional.

Como fantasma ou objeto virtual no campo político do indivíduo, o presidencialismo/cesarista produz e reproduz a alma injusta como soberana. Assim, o campo político do indivíduo soberano não tem uma fantasia como objeto real na cultura política para se conciliar.

O colapso do presidencialismo/cesarista vai arrastando para o abismo da meia-noite as almas justas da democracia constitucional nas Américas?

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A CULTURA POLÍTICA grega faz a junção do campo político do indivíduo com o campo político da polis:

“Platão busca solucionar essa dificuldade de uma forma que confere `a teoria da alma por ele desenvolvida sua marca característica; faz com que a alma – concebida no Fédon ainda inteiramente como uma – consista em três regiões. Ele chega a isso deslocando para a alma o sensível, os desejos – tidos originariamente apenas como representante do Mal, e que, segundo o Fédon, têm sede no corpo, e não na alma -, e distinguindo duas espécies de desejos, das quais só uma é má, e a outra, como porção <colérica> situando-se convenientemente entre o logos, que representa o Bem, e os desejos maus”. (Kelsen. 1995: 361).

A relação entre o campo político do indivíduo e a polis aparece claramente:

“E não é certo que o homem tirânico é semelhante à polis tiranizada, o democrático à polis governada democraticamente”. (Platão. Sem data: 334).

A verdade da justiça não faz parte do cesarismo:

“- E, portanto, não são em toda a sua vida amigos de ninguém, mas sempre déspotas de algum ou escravo de outro; a natureza tirânica jamais sente o gosto da verdadeira liberdade ou amizade”. (Platão. Sem data: 333).

Há uma analogia entre a tirania grega e o cesarismo da gramática da cultura políticas romana?

“A tirania é um perigo que não cessa de acompanhar a vida política. a análise da tirania é, por consequência, tão antiga como a própria ciência política”. (Leo Strauss: 37).

A tirania ou cesarismo é fazer o Mal, e esquecer de fazer o Bem:

“aquele que se mostrar o mais perverso não se mostrará também o mais infeliz; e o que por mais tempo exercer a tirania, mais constantemente e verdadeiramente infeliz. (Platão. Sem data: 334).

O tirano não é homem (Platon. 1950: 1181), pois, ele é o homem lobo do homem, conforme Plauto; ele é do domínio tem sua origem na região do heteróclito da superfície profunda do campo político - como grau zero estético.   

Alain Badiou fala do cesarismo na cultura política da metade do século XX como fascismo. (Badiou. 2014: 295). A subjetividade injusta é, portanto o grau zero da verdade da justiça na gramática da cultura política; portanto, uma cultura política que já não é propriamente uma cultura política com gramática. Pode ser uma cultura política anarcoempirista, ou agente do caos.  

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Na cultura política de Roma cabe a analogia entre tiranismo e cesarismo como jogos de linguagem; a cultura p0olítidca, afinal, é jogos de linguagem sem território determinado; os jogos de linguagem são parte da razão linguística, e não do logos da ciência da natureza:

“Júlio César é a tempestade em Roma. Mas qual tempestade? Cássio diz que o cesarismo é <diabólico>. [trata-se de uma analogia do heteróclito com a cultura política do cristianismo]. O diabo é a figura do monstro-rei, por excelência, do campo político da estética brutalista, estética política descoberta e inventada como objeto estético no Livro 1, de “O capital. A imagem alegórica máxima do brutalismo é as criancinhas da classe operária inglesa tendo os dedinhos decepados pelas máquinas na fábrica do capital. Enquanto o sangue delas escorre na mercadoria, a máquina não para de funcionar. O campo político/estético do capital inglês é o objeto real ou fantasia ou espírito que domina a vida inglesa em uma parte do século XIX. O campo estético do capital brutalista, em analogia, sobredetermina o passado europeu no campo político do cesarismo romano. A questão que se põe e repõe é se César é um monstro do brutalismo tirânico. (Bandeira da Silveira. 2024: cap. 2).

A gramática da cultura como jogos de linguagem aparece nas entrelinhas:

“Assim explicitamente que <Serpia> é a cor da Serpia-padrão conservada em Paris hermeticamente fechada. Então, não terá qualquer sentido afirmar, acerca deste padrão, que tem esta cor ou que não a tem”. (Wittgenstein: 215).

Os fenômenos políticos da tela gramatical/estética têm um padrão de cor? Na superfície profunda o fenômeno político é negro ou cinza, conforme se aproxime da superfície i8nundad por luz. Assim, a gramática da cultura política não tem um padrão central nos jogos de linguagem da história:

“podemos exprimir isto desta maneira: este padrão é um instrumento da linguagem com o qual fazemos afirmações acerca de cores. Neste jogo de linguagem o padrão não é nada de representado, mas um meio de representação. – E o mesmo se pode dizer de um elemento no jogo de linguagem, quando pronunciamos a palavra <E> para o designar: com isso demos a esta coisa um papel no nosso jogo de linguagem; passa a ser um meio de representação. E dizer-se: <se não existisse não poderia ter um nome>, diz tanto ou tão pouco como: se esta coisa não existisse então não poderíamos usá-la no nosso jogo de linguagem> - O que parece ter de existir, pertence à linguagem. É um paradigma no nosso jogo de linguagem, uma coisa com a qual se podem efetuar comparações. E constatá-lo pode significar que se faz uma constatação importante; mas é, entretanto, uma constatação acerca do nosso jogo de linguagem, do nosso modo de representação”. (Wittgenstein: 215). 54).

Os jogos de linguagem da gramática da cultura política regulam, produzem e reproduzem os fenômenos da tela gramatical no campo político/estético. 

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O marxista universitário polonês Adam Schaff fala do sujeito:

“O sujeito que conhece ‘fotografa’ a realidade com a ajuda de um mecanismo específico, socialmente produzido, que dirige a ‘objetiva’ do aparelho. Além disso, ‘transforma1 as informações obtidas segundo o código complicado das determinações sociais que penetram no seu psiquismo mediante a língua em que pensa, pela mediação da sua situação de classe e dos interesses de grupo que a ela se ligam, pela mediação das suas motivações conscientes ou subconscientes e, sobretudo, pela mediação da sua prática social sem a qual o conhecimento é uma ficção especulativa”. (Schaff: 82)

O sujeito-fotógrafo fala da realidade a partir a verdade estruturada factualmente e artefactualmente? Lacan diz que averdade tem estrutura de ficção. (Lacan. S. 16:186) . Para Scahff, a verdade é um problema filosófico. (Schaff: 91):

“no nosso texto, entendemos por <verdade> um <juízo verdadeiro> ou uma <proposição verdadeira> [...] limitamos nitidamente a extensão semântica do termo <verdade> [...]. Quanto à expressão <juízo verdadeiro>, adotamos a definição clássica da verdade: é verdadeiro um juízo do qual se pode dizer que o que ele enuncia é na realidade tal como o enuncia”. (Shaff: 92).  

Lacan fala da verdade em um outro modo:

“Se a experiência analítica acha-se implicada, por receber seus títulos de nobreza do mito edipiano, é justamente por preservar a contundência da enunciação do oráculo, eu diria ainda, porque a interpretação permanece sempre nesse mesmo nível. Ela só é verdadeira por suas consequências, tal como no oráculo. A interpretação não é submetida à prova de uma verdade que se decida por sim ou não, mas desencadeia a verdade como tal. Só é verdadeira na medida em que é verdadeiramente seguida”. (Lacan. S.18:13).

A verdade não é mais um problema filosófico. Há a tela gramatical mitológica [ou qualquer outra tela] ou oráculo no campo político/estético mundial [é uma verdade verdadeiramente universal]. A verdade passa a ser um problema de ciência política, pois, ela existe na cultura política grega e por analogias em toda formação social regida por uma plurivocidade de cultura política.

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.Em Freud, a política da democracia constitucional é agente de produção de um futuro de ilusões. (Freud: 47). Badiou diz que a democracia constitucional europeia deixa de ser a política freudiana:

“que se trata de um cenário agora destinado a outros fins, do qual podemos provem certos signos, porém signos cuja uniformidade é tal que nela somente pode gerar um sujeito automático, despojado de desejo”. (Badiou. 1990:7).

Vai além:

“as categorias fundadoras entre as quais se escolhia [direita/esquerda [...], liberdade e autoridade são cada vez mais obsoletas” . (Badiou. 1990: 7).

A ideologia pode ser acrescenta ao rol das categorias obsoletas - extemporâneas?

Althusser diz:

“As ideologias práticas são formações complexas de montagem de noções-representações-imagens nos comportamentos-condutas-atitudes-gestos. O conjunto funciona com  normas práticas que governam a atitude e a tomada de posição concreta dos homens em relação a objetos reais e problemas reais da sua existência social e individual, e da sua história”. (Althusser. 1974: 26).

Normas práticas implica uma gramática, uma tela gramatical de fenômenos ideológicos.

Em outro texto, ele retoma a categoria de ideologia em geral:

“A estrutura especular duplicada da ideologia garante ao mesmo tempo:

1 a interpelação dos <indivíduos> como sujeito,

2 sua submissão ao Sujeito. (Althusser. 1976:120).

O sujeito é assujeitamento ao campo das ideologias: sujeito ou subjetividade ideológica. Porém, há o assujeitamento ao Sujeito, este como tela gramatical de fenômenos no campo político/estético. A tela gramatical cria e recria a subjetividade [alma para os antigos] ideológica ou outras. A tela faz pendant com a gramática d cultura política na produção e reprodução dos sujeitos:” a existência da ideologia e a interpelação dos indivíduos como sujeitos são uma única e mesma coisa”. (Althusser. 1976:114).

Em Althusser, a ideologia é o deserto que está em toda parte:

“culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, ainda virgens dessas há lá. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão, ou pães, é questão de opiniães...O sertão está em toda a parte”. (Rosa:11).

 

 

ALTUSSER, Louis. Philosophie et philosophie spontanée de4s savants. (1967). Paris: Maspero, 1974

ALTHUSSER, Louis. Positions. Idéologie et appareils idéologiques d’Etat. Paris: Editions Sociales, 1976

BADIOU. Alain. Se puede pensar la politica? Buenos Aires: Nueva Visión, 1990

BADIOU, Alain. A República de Platão recontada por Alain Badiou. RJ: Zahar, 2014   

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época pós-moderna. EUA: amazon, 2024

FREUD. O futuro de uma ilusão. Obras Completas. V. 21. RJ: Imago, 1974

KELSEN. A ilusão da justiça. SP: Martins Fontes, 1995

LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008

LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 18. De um discurso que não fosse semblante. RJ: Zahar, 2009

PLATÃO. Diálogos. A República. RJ: Edições de Ouro, sem data

PLATON. Oeuvres. Completes. V. 1. La République. Paris: Gallimard, 19500

ROSA, João Guimarães. Ficção Completa. Volume 2. RJ; nova Aguilar, 1994

SCHAFF, Adam. História e verdade. SP: Martins Fontes,1983                

STRAUSS, Leo. De la tyrannie. Paris: Gallimard, 1997

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Lisboa: Gulbenkian, 1987