José Paulo
Platão afala da relação do campo político do indivíduo com o
campo político da polis como forma de governo. Eles são governo e governados e
a forma de governo pode ser nos dois campos: monarquia ou tirania; aristocracia
ou oligarquia; democracia negra da multidão brutalista ou democracia
constitucional da multidão soberana moderna/barroca*
Com Freud, o campo político da alma/carne aparece governado
por fantasmas [objeto virtual seculares, enquanto o campo político civil
[polis] é governado por fantasia ou objeto externo, objeto real como o governo
dos homens. Freud admite que há um aparelho de Estado animal, natural, sem
fantasia virtual ou real, sem gramática. Na alma/carne, o aparelho de
Estado/penal animal pode existir como fantasia?
Há uma plurivocidade da fantasia no governo do homem, mulher,
criança; a tela gramatical da forma de governo tem conselheiro, súdito,
escravo, monarca, governado/governante. O soberano é a fantasia que deve ser
atravessada pelo sujeito pois, só assim haverá a transformação da forma de
governo tirânica para outras formas de governo como aristocrática [governo de
poucos fantasmas] ou democrática ´governo de uma multidão de fantasia ou objeto
virtual. Na clínica analítica, busca-se a forma de governo ou aristocrática ou
democrática com a travessia final do fantasma tirânico na tela gramatical
alma/carne.
Com o cristianismo, a relação entre tela gramatical da polis
e tela do indivíduo fazem pe3ndant no governo da alma/carne. A tela gramatical
cristã é povoada por anjos, demônios e santos, alguns santos do pau oco. Claro
que este fenômeno é da tela em um campo político de religião absolutistas do
Um. A Igreja católica é o campo político cristão em relação agônica com o campo
político do cristão. A queda do paraíso remete para a fantasia do pecado
original: fantasia de uma forma de governo monárquico angelical. Como fantasia virtual,
o lugar do papa aparecia na Idade média como o molecular/singular e universal a
partir do qual as relações de força e de poderes se alteravam com o novo papa.
Hoje, o papa é uma fantasia virtual que se atualiza em discurso político
conservador para a família católica. O papa aparece como um clown em analogia
com o papa detentor do poder espiritual da Idade Média. O poder espiritual do
papa é uma paródia de poder espiritual feudal.
De Freud a Lacan, há a secularização da fantasia virtual no
campo simbólico. Este como: ideia/signo/imagem/alegoria/fantasia virtual ou
real. Fantasmas como: Édipo, Electra, César, Antígona, Hamlet, Coriolano,
Xantipa, Madame Bovary aparecem como objeto virtual de uma ciência política
literária dos jogos de gramática da psicanálise europeia seguida pelas escolas
de psicanálise do Novo Mundo.
Bem, as Américas ou são protestantes e evangélicas ou
católicas. Portanto, os fantasmas da criança ou são anjos, ou demônios ou
santos. Com Lutero e Calvino, os fantasmas se divertem como que espécie de
entidade? A visagem de Belém do Pará da minha infância pode ser um objeto
virtual para o
homem, mulher e criança evangélicos? Há frases de um aparelho de Estado
bíblico que funcionam como objeto virtual na alma/carne do cristão não
católico? A fantasia da <prosperidade>
e/ou fantasia <do domínio> fazem a junção da alma/carne com o campo
político neopentecostal do pastor do templo - fantasia da ascensão ao poder
secular pelas igrejas evangélicas? Se não há anjo, arcanjo, santo barroco,
Maria/Rosário como objeto virtual, então, só há legião de demônios?
Para Calvino, a liberdade absoluta é um objeto virtual no
campo político do cristã:
“E julgam que nada vai correr bem, a menos que seja dada uma
nova face ao mundo inteiro, sem tribunais, leis, magistrados ou qualquer coisa
da mesma espécie que elas [pessoa] supõem possam obstruir sua liberdade”.
(Calvino: 79).
Ao contrário, o aparelho de Estado/legislação penal civil e a
liberdade do cristão não são fenômenos incompatíveis, pois a liberdade cristã é
a liberdade em Jesus, ela não se confunde com a liberdade política civil:
‘Portanto, devemos tomar todo o cuidado em confinar a
liberdade que nos é prometida e oferecida em Cristo dentro de seus próprios
limites”. (Calvino: 79).
A liberdade do campo político do indivíduo/cristão não
necessita da liberdade civil para existir:
“a menos que seja porque a liberdade espiritual e a servidão
civil podem muito bem permanecer juntas? (Calvino: 80).
A liberdade virtual não é aquela da fantasia/iníquo, ou
criminoso, ou pecador inveterado:
“A desfaçatez dos iníquos é tão grande, e sua maldade tão
incorrigível, que [até mesmo] leis de grande severidade mal conseguem
reprimi-los. Se nem mesmo a força é suficiente para impedi-los de praticar más
ações, como seria de esperar que eles agissem uma vez [que tivessem] visto que
poderiam praticar, com impunidade, as maldades que lhes aprouvessem”. (Calvino:
82).
Não há liberdade cristã para cometer crimes, a liberdade não
é absoluta nem no campo político do indivíduo que não pode viver a fantasia
iníquo sem recalque.
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O Evangelho fala de uma fantasia [<batismo de Jesus>]
que religa imagem, alegoria e ritual:
“Batismo de Jesus. Nesse tempo, veio Jesus da
Galiléia ao Jordão uaté João, a fim de ser batizado por ele. Mas João tentava
dissuadi-lo, dizendo: ‘Eu é que tenho necessidade de ser batizado por ti e tu
vens a mim’? Jesus, porém, respondeu-lhe: ‘Deixa estar por enquanto, pois,
assim, nos convém cumprir toda a justiça’. E João consentiu”. (Bíblia. Mateus:
1842).
A imagem do ritual batismo é a alegoria da justiça sagrada.
João é o senhor de Jesus, uma prova que Jesus não é ex nihilo. Vem de uma longa
e extensa lista de profetas bíblicos. Porém, há uma função alegórica que deve
se mencionada. Ersatz do Papa, o padre que batiza se encontra na posição
sagrada de João e o ser batizado na posição de Jesus para sempre e, assim, se
realiza a justiça santa.
Com o Evangelho, o campo simbólico sagrado se define por
ideia de justiça divina, João/signo do pastor, imagem angelical de Jesus,
alegoria de um ritual virtual que se atualiza na relação padre/fiel, um ritual
santo que inclui a prática como tradição no campo simbólico. A tela gramatical
narrativa cristã contém a definição de campo simbólico acabada, completa.
Koyré escreve:
“Rien de tout cela ne s’applique à Dieu ou à nous âmes qui ne
sont pas objets de l’imagination, mais du pur entendement et n’ont pas de
partis séparables, et surtout pas de partis ayant une grandeur ou une forme
déterminées. C’est précisément parce qu’ils n’ont pas d’extension que Dieu,
l’âme humane et qu’un nombre quelconque d’anges peuvent être en meme temps dans
le même lieu”(Koyré: 146).
A tela gramatical do entendimento do psiquismo não atribui
valor ou forma determinada à plurivocidade de fantasia virtual sem partes
separadas da alma e do Um. A fantasia [anjo] não ultrapassa a extensão de Deus,
assim, a alma e um número qualquer de anjos podem ser, ao mesmo tempo, no mesmo
lugar, isto é, no campo simbólico da tela gramatical narrativa do psiquismo na
qual o Um é soberano em um espaço de plurivocidade de objeto virtual.
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O fenômeno da liberdade existe em analogia no domínio da
filosofia e no campo da ciência política literária dos jogos de gramática:
“As investigações filosóficas sobre a essência da liberdade
humana podem, por um lado, tender ao seu justo conceito, na medida em que o
fato da liberdade, do qual se possui um afeto imediato, não aflora tanto na
superfície, exigindo pureza e profundidade de sentido pouco comuns, mesmo que
apenas para exprimi-lo em palavras”. (Schelling: 21).
Segue:
“considerando-se que nenhum conceito pode se determinar
isoladamente, que somente a comprovação de seu nexo com o todo é que pode lhe
propiciar a plenitude científica e que, em quaisquer dos casos, o conceito deve
ter realidade [...]”. (Schelling: 21).
A liberdade é um fenômeno de uma tela gramatical de um campo
simbólico de uma forma de governo “que pode conceber pelo deus dentro de si e o
deus fora de si”?
A tela gramatical é o espaço do hegemonikón (Elorduy: 26) ou
eu político que não é o eu da tela gramatical psíquica, e sim do campo
simbólico político:
“afirmar somente a existência de vontades individuais que
constituiriam, cada uma para si, um centro e onde cada eu, segundo a expressão
de Fichte, apresentar-se-ia como substância absoluta”. (Schelling: 22).
O fenômeno da
liberdade não é separável da concepção política de mundo de uma forma de
governo no campo político simbólico:
“o nexo entre o conceito de liberdade e o todo da concepção
de mundo sempre permanecerá objeto de uma tarefa necessária [...]. (Schelling:
22-23).
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A lação da soberania popular com o homem comum que decide,
que é o soberano, se sustenta na fantasia do ignorante do campo simbólico
psíquico:
“Com ajuda desses termos, até o ignorante, desde que
informado a seu respeito, poderia julgar e sentenciar sobre o mais digno a ser
pensado”. (Schelling: 23).
O agente não tem autonomia absoluta em relação a Deus [á tela
gramatical] para viver e praticar a ciência política dois jogos de gramática do
campo simbólico político. Para evadir-se do campo das ideologias sobre o
fenômeno da liberdade:
“Será que a única maneira de escapar a esse raciocínio é
argumentar que a liberdade do homem é impensável se tomada em antagonismo ao
todo-poderoso e que, para salvar-se na essência divina, o homem não pode ser
fora de deus mas somente em deus?”. (Schelling: 24).
O homem é um objeto virtual da tela gramatical metafísica do9
campo simbólico político ocidental. Ele não existe fora dessa tela e desse
campo de realidade virtual.
A tela gramatical panteísta não estabelece a autonomia
relativa entre coisas, agentes e tela:
“os defensores de tal afirmação haverão de proclamar que o
panteísmo não professa que deus seja tudo [o que, todavia, a imagem comum de
seus atributos não é capaz de evitar], mas que as coisas nada são[...]”.
(Schelling: 26).
O agente nada é no campo simbólico político?
Há uma tela gramatical do voluntarismo no campo simbólico
político como campo de ideologias e futuro de ilusão política:
“Na última e mais elevada instância, não existe nenhum outro
ser além da vontade. A vontade é o ser primordial [Ursein] e somente a ela se
adequam os predicados como ausência de fundamento, eternidade, independência do
tempo, auto-afirmação”. *(Schelling: 33).
Análoga ao fenômeno com profundida no campo simbólico
político, a liberdade é apenas uma fantasia da tela psíquica?
“De outro lado, porém se a liberdade é o conceito positivo do
em-si. A investigação sobrea liberdade recairá, mais uma vez , no universal já
que o inteligível, que constitui seu fundamento, é também essência das coisas”.
(Shelling: 34).
A tela gramatical do barroco virtual se atualiza em
Schelling:
“Todo nascimento é nascimento da escuridão para a luz. A
semente deve mergulhar na terra e perecer na escuridão para que surja uma
configuração luminosa mais bela, a desenvolver-se com raios de sol. O homem se
forma no corpo materno, E é da escuridão, característica da falta de
entendimento [própria do afeto, da nostalgia, essa mãe sublime do conhecimento]
que brotam os pensamentos luminosos. (Schelling: 41).
A tela gramatical nasce da superfície profunda da escuridão
de um campo político/estético que tem como agentes históricos, por exemplo, a
guerra e/ou a revolução. Ambas fazem da razão linguística sua alavanca de
mudança da natureza da estrutura do campo simbólico político:
“Poder-se-ia esboçar uma tela da gramática normativa que
opera espontaneamente em toda a sociedade determinada na medida em que ela
tende a unificar-se, seja, como território, seja como cultura, isto é, na
medida em que nela existe uma classe dirigente cuja função seja reconhecida e
seguida”. (Gramsci. 1968: 169).
Todo homem, mulher e criança possui seu próprio caminho da
gramática onde navegar é preciso, mas viver na tela gramatical não é preciso:
O número das <gramáticas> espontâneas ou
<imanentes> é incalculável: pode-se dizer, teoricamente, que cada
indivíduo tem sua própria gramática. Todavia, ao lado desta desagregação de
fato, deve-se sublinhar os movimentos unificadores de fato, de maior ou menor
amplitude, seja como região territorial, seja como volume linguístico. As
<gramáticas normativas> escritas tendem a abranger todo um território
nacional e todo um <volume linguístico >, para criar um conformismo
linguístico nacional unitário que, outrossim, põe e repõe em um espaço superior
o <individualismo> expressivo, já que cria e recria um esqueleto mais
robusto e homogêneo para o organismo linguístico nacional, do qual cada
indivíduo é o reflexo e o intérprete> (Gramsci.1977: 2343).
Gramsci pensa a formação de um bloco histórico no campo
simbólico político com tela gramatical que não é mais a do <intelectual
hegemônico>, e sim uma tela que contém o hegemonikón como classe dirigente
de uma guerra ou revolução que pode desintegrar a natureza da estrutura do
campo político/estético.
Qual a relação dos fenômenos supracitados com o passado?
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A tela gramatical narrativa do campo simbólico/estético existe
a partir de uma razão gramatical que é um fenômeno de realidade virtual que se atualiza
como algo vizinho do sagrado como tradição:
“Em correspondência à nostalgia [...] gera-se no próprio deus,
uma representação reflexiva e interior. Por ela, deus vislumbra a si mesmo em
uma imagem semelhante, na medida em que essa representação não pode possuir outro
objeto a não ser deus. Essa representação é a primeira realização de deus,
observado absolutamente, não obstante ela se cumpra apenas nele mesmo: no
princípio ela é em deus e o próprio deus gerado em deus. Essa representação é,
ao mesmo tempo, o entendimento – a palavra [o verbo] dessa nostalgia.
(Schelling: 41).
Em analogia com os jogos de linguagem da filosofia romântica,
a ciência política literária dos jogos de gramática fala da tela gramatical das
coisas dela e de seus agentes históricos de mudança como: pólemos, stásis e bloco
histórico.
No Brasil, um bloco histórico que começa no Brasil profundo
(Bandeira da Silveira; 2021) tem como nostalgia o passado do Brasil colonial.
A tela gramatical pode ser tomada pela doença?
“A doença propicia, aqui, a comparação mais adequada, pois,
enquanto desordem instalada na natureza pelo uso equivocado de liberdade, é a
verdadeira réplica do malo e do pecado. A doença universal nunca ocorre sem que
irrompam as forças veladas do fundamente: ela surge quando o princípio de irritabilidade
que deveria vigorar como o elo mais profundo entre as forças veladas no silêncio
das profundezas se torna ato ou quando a tela provocada abandona sua moradia
silenciosa no centro para adentar a periferia. (Schelling: 46).
A liberdade de Schelling é a liberdade, sob a direção
de um hegemonikón de um bloco histórico nacional e local, em promover a
revolução alemã, olhando para o passado e, no presente, indo rumo ao futuro.
Hegel, Holderlin e Schellinhg são três fenômenos da cultura
política, econômica, jurídica, estática da revolução alemã que foi derrotada
pela história (Heidegger: 2):
“E se revelara a profunda falsidade da frase que Napoleão
dissera a Goethe em Erfurt: a política é o destino. Não, o espírito é o destino
e destino é espírito. Porém, a essência do espírito é a liberdade.”.
“Em 1809 apareceu o livro de Schelling sobre a liberdade. Ele
é a maior obra de Schelling, e por sua vez uma das obras mais profundas da cultura
alemã e, assim, da filosofia ocidental”. (Heidegger: 2).
As telas gramaticais da revolução alemã não foram
reconhecidas e seguidas, seja pela elite, seja pelas massas, os três filósofos,:
“Eles levaram a cabo, cada um segundo sua lei, apenas uma configuração
do espírito alemão, cuja transformação em uma força histórica não se cumpriu
ainda – e a qual só poderá ser realizada quando nós apreendermos a preservar e
admirar uma obra criadora”. (Heidegger; 3).
Telas gramaticais da revolução são fabricadas e não
reconhecidas e seguidas, pois, elas dependem de um bloco histórico como força
prática (Lenin:29) de homens e mulheres, na execução de ideias, para ser um
agente da transformação da natureza da estrutura do campo simbólico
político/estético
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Brasil Profundo. EUA: amazon,
2021
BÍBLIA SAGRADA. Mateus. SP: Paulinas, 1980
CALVINO E LUTERO. Sobre a autoridade secular. SP: Martins
Fontes, 1995
ELORDUY, Eleuterio. El Estoicismo. Madrid: Gredos, 1972
HEIDEGGER, Martin. Schelling. La libertad humana. Venezuela:
Monte Avila, 1985
KOYRÉ, Alexandre. Du monde clos a l’univers infinit. Paris:
Gallimard, 1973
LENIN. Cuadernos filosóficos. Madrid; Ayuso, 1974
MAcCARTHY, Thomas. La teoría de Jurgen Habermas. Madrid:
Tecnos, 1992
SCHELLING, F. W. A essência da liberdade humana. Petrópolis:
Vozes, 1991
GRAMSCI, Antonio. Literatura e vida nacional. RJ: Civilização
Brasileira, 1968
GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. v. 3. Torino:
Einaudi, 1977