quarta-feira, 28 de março de 2018

DO CAPITALISMO DEPENDENTE AO CAPITALISMO NEOCOLONIAL LATINO


José Paulo



NIILISMO, CINISMO, SEMBLÂNCIA

Todo discurso é acossado por três formas de abismo de ser: niilismo, cinismo e semblância. O discurso ingênuo desconhece tal problema ao operar com o fato como coisa cognoscível em si. Desde Kant, o fato é a coisa-em-si incognoscível. Então, o discurso que não é ingênuo trabalha com artefatos que são os fatos já dados como trabalho da interpretação. Assim, todo discurso encontra-se mergulhado no domínio da interpretação.

Fatos interpretados como ponto-de-partida remete a história para a história dos artefatos. A investigação histórica começa com a descoberta dos artefatos históricos. Porém, é preciso saber primeiro quem detém o monopólio da produção e circulação dos artefatos históricos na atualidade. Ou se a ideia soberana do fim da história faz algum sentido. Acabou-se a produção de artefato histórico? Se não, há a possibilidade de algum discurso possuir o monopólio da produção dos artefatos históricos?

De antemão descarta-se a historiografia como o conhecimento que detém o monopólio da produção dos artefatos históricos. Todo discurso universitário pode ser excluído da fábrica de produção de artefatos ou da circulação de artefatos. Para encurtar a narrativa, o discurso do capitalista é a fábrica e o próprio processo de produção e circulação de artefatos históricos. O discurso do capitalista como globalismo neoliberal determinou que a fabricação do capitalismo como artefato histórico chegará ao fim: fim da história do capitalismo; fim do significante capitalista; fim do conceito de sociedade capitalista.

As relações de produção e as forças produtivas (condensadas no capital versus trabalho) são máquina de produção desejante e técnica dos artefatos históricos na economia política do signo. Se tal máquina de economia política produz o artefato-signo o capitalismo deixou de existir, a cultura mundial dominante e a sociedade comunicação de massa deixam de falar em capitalismo. Quem fala em capitalismo é levado ao ostracismo cultural ou informacional.

Remar contra a corrente é uma posição solitária que requer uma alta dose de desprendimento. Marx estabelece a parte gramatológica da crítica das ideologias como produção de artefatos históricos. Encontrou na história dos séculos XIX e XX forças práticas que transformaram a crítica das ideologias burguesas em artefatos históricos: sociedade capitalista das lutas de classes, partido político marxista e revolução social na Comuna de Paris, na Rússia e na China.

A burguesia respondeu a Marx com o uso do niilismo de Nietzsche que significou a destruição da revolução socialista na Europa ocidental, a I Guerra Mundial e o fascismo alemão cum II Guerra mundial.

Fazendo pendant com o niilismo, a burguesia desenvolveu o cinismo ilustrado contra a ideia de luta de classes (no fim o comunismo é também um modo de exploração do proletariado por uma elite burocrática burguesa estatal). A história é aquela das elites e das massas; as massas são estúpidas, tolas e ignorantes; a elite detém o saber sobre a história e produz os artefatos históricos. Trata-se da história da produção e circulação de artefatos cínicos da economia política do signo. Mas isto não era suficiente. Era preciso pôr um fim na história, pois o marxismo sustentava que a história era feita pelas massas revolucionárias. Tratava-se de acabar com o artefato revolução social.
                                                                                 II

O globalismo neoliberal foi um passo à frente na produção de artefato exemplar: massas cínicas. No Brasil, o significante massas cínicas surge com o fenômeno do bolivariano sem globalismo neoliberal. Massas operárias do capitalismo dependente e associado creem que governam o país com o PT (Partido dos Trabalhadores), Lula e Dilma Rousseff no poder brasileiro de 2003-2016. Quase o tempo que durou a Ditadura Militar ou Estado militar 1964.

No tempo do PT, o cinismo tomou conta da cultura como anulação da alta cultura (Sloterdijk. v. 1: 48) e fez pendant com a sociedade de comunicação do espetáculo de massa. Lula disse: não existe luta de classes e sim colaboração de classes; não existe oligarquia política. O cinismo de Lula se traduziu na corrupção da política e no entrelaçamento privatista do público com o privado. Cinicamente, Lula e a elite do PT ainda não haviam enriquecido. Quando o cinismo foi desmascarado, a cúpula marxista do PT foi condenada no Mensalão pelo STF na primeira década dos anos 2000.

No segundo governo através da corrupção público-privada, o cinismo continuou, pois, se falava em governo dos trabalhadores enquanto Lula e a elite do PT enriquecia privadamente usando o conluio empresa privada (grandes empreiteiras e empresa pública [Petrobrás]). Tal cinismo burguês (de Lula e dos ricos capitalistas) quase levou a destruição da Petrobrás como empresa pública. Note-se que o PT combinava um certo niilismo (destruição das empresas estatais e da política representativa liberal) com um cinismo semi ilustrado universitário. Trata-se da defesa cínica de um discurso para a juventude dos governos do PT como governo do trabalho enquanto Lula e Dilma Rousseff governavam de mãos dadas como Banco local e internacional. No segundo governo, Dilma se confundiu e entregou o poder econômico estatal para um agente da banca internacional. Aí começou o desmascaramento do cinismo do PT!   

Chamava-se a este fenômeno de hegemonia petista. Os intelectuais que ficassem de fora da hegemonia petista foram destruídos, ou realmente, ou simbolicamente. O niilismo associado ao cinismo gerou uma paz de cemitério para as ideias e estruturas de pensamento de alta cultura do inimigo do bolivariano.  
                                                                        III

Uma formulação de Lacan é aquela que diz: o sujeito é um efeito do discurso. (Lacan. 2008: 47). O sujeito é efeito do significante. O significante representa um sujeito para outro significante. O significante não é um mecanismo e o sujeito é determinado na relação na qual um significante (o significante-mestre) representa o sujeito para outro significante, ou seja, para o campo de saber, tesouros dos significantes, ou seja, o campo simbólico.

Se o sujeito se constitui como massas proletárias, o significante-mestre (bolivariano, por exemplo) representa o sujeito massas do capitalismo dependente e associado para o campo simbólico ou Grande Outro, isto é, para o próprio poder-saber brasileiro como poder vertical (de cima para baixo) e invertido (de baixo para cima) e horizontalmente (poder da soberania popular). Como campo simbólico (lugar do S-saber/poder), o capitalismo dependente e associado entrou em crise atingindo o real da industrialização paulista. Tal crise desfez a cadeia onde o significante-mestre bolivariano representava as massas para o campo de significantes brasileiro.

A crise econômica desarticulou o significante-mestre e fez das massas cínicas proletárias órfãos da morte do capitalismo dependente e associado. Sobrou na cadeia lulista da sociedade de significantes bolivariano as massas subproletárias do programa bolsa família (principalmente do Norte e Nordeste) mantidas pelo Estado ou aquelas massas emergentes para o andar da classe média baixa (a partir da economia política de FHC que prosperou no tempo de Lula) caídas em desgraça com a crise urbana da economia brasileira no governo Dilma Rousseff.
                                                                              IV

A queda de Dilma se deve a passagem do capitalismo industrial dependente e associado para o capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. Dilma começou a instalação da política de desarticulação da articulação da hegemonia do capitalismo dependente e associado gerando um vazio ideológico de saber com a saída das massas cínicas proletárias industriais do campo de poder bolivariano. Este fenômeno era inevitável.  

Sem a ideologia industrial paulista Dilma não podia apelar para a ideologia do capitalismo de commodities? O problema é claro! O capitalismo de commodities não gerou uma ideologia capitalista, deixando Dilma solta no ar. Ao flertar com a hegemonia do Banco, Dilma entrou numa viagem neoliberal desvinculada do globalismo.

O neoliberalismo de Rousseff fez ataques econômicos à classe média (principalmente à universidade estatal federal) que era a base social e intelectual da gramática do bolivariano. Fez ataques a outros setores do bolivariano enfraquecendo o laço gramatical entre o poder petista e os de baixo. Mas aí já nos encontramos no segundo governo Dilma.

Em 2013, um artefato histórico foi produzido pela passagem do capitalismo dependente para o capitalismo neocolonial latino, antecipadamente. Nas grandes capitais, massas sujeito gramatical grau zero bolivariano se movimentaram contra a sua condição urbana dentro do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo latino. Dilma não entendeu que estas massas iriam substituir as massas cínicas proletárias no campo da gramática de poder do bolivariano. A política de Dilma não permitia criatividade, pois, era uma política inercial. Se deixava levar pela correnteza!    

Dilma atacou as massas contra neocoloniais autênticas e junto com a oligarquia política fez uma legislação definindo policial-judicialmente as massas contra neocoloniais como terroristas. Assim, Rousseff perdeu a fonte de energia política dos de baixo que reconfiguraria a gramática do bolivariano. O erro de Dilma foi aproveitado pela oligarquia política que já se via como vanguarda política do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo latino em sua luta com as massas contra neocoloniais.

Causou estranheza o neoliberalismo selvagem do PMDB carioca aliado ao PMDB de São Paulo e do Nordeste. Pensada pelo grupo de conjuntura do PMDB de Brasília, um globalismo neoliberal selvagem foi festejado pela sociedade do espetáculo de comunicação de massa ligada ao decadente capitalismo dependente em decomposição e ao capital fictício (mercado) local e mundial. Tal neoliberalismo selvagem nada tem a ver com o globalismo neoliberal digital da década de 1990.

Trata-se, rigorosamente, da gramática neoliberal do globalismo da articulação da hegemonia mundial do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.

O artefato surge da consideração de aparências. (Lacan. 2009: 15). Se é significante, todo discurso é idêntico ao status como tal do semblante. (Idem: 15). AS massas urbanas contra o capitalismo neocolonial do terceiro-mundo aparecem na decomposição do capitalismo dependente industrial urbano. Olhando as aparências não há massas no capitalismo de commodities. Por outro lado, não há, portanto, como o poder brasileiro se refazer como gramática a partir de um proletariado rural dos de baixo.

A semblância das massas contra neocoloniais apostava para um aprofundamento da democracia e a retomada para um capitalismo industrial do segundo-mundo. A oligarquia política entendeu tal gramática como um impossível freudiano. (Freud: 282). Para a oligarquia política a única gramática razoável é a de aprofundamento em direção ao terceiro-mundo do globalismo neoliberal do capitalismo neocolonial latino.

Na gramática do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo da América Latina, a política desfaz a fronteira entre o lumpesinal de elite e o lumpesinal dos de baixo.  Em tal tela gramatical em narrativa lógica, o Estado legal se dobra à oligarquia política criminal após quatro anos de lutas espetaculares. A corrupção público-privada torna-se a norma para a classe política protegida pela Constituição oligárquica 1988.  

A aparência do capitalismo neocolonial latino diz que o governo dos países da América Latina deve constituir uma semblância na qual o governo legal do lumpesinato criminal respire em uma atmosfera tolerável mantida pela aparência de ordem do discurso do direito.

No entanto, as pressões atmosféricas lumpesinais (dos de cima e dos de baixo armados) sobre a democracia liberal já se traduziram na substituição desta por uma democracia lumpesinal representativa. O efeito mais espetacular é o colapso do poder civil e sua substituição por um poder lumpesinal que abre caminho para a ascensão do poder militar ameaçado de decomposição.
                                                                                         V

Jovens universitários de esquerda veem no poder militar um antagonista do poder neoliberal. Como eles desconhecem o artefato histórico Estado militar 1964, se iludem com a ideia de um poder militar desenvolvimentista nacionalista. Para esses jovens inteligentes e ingênuos da classe média, o poder militar ocuparia o lugar das massas 2013 contra o capitalismo neocolonial latino

47% da população querem um Estado militar-já. Auto iludidos pela falsa consciência (erro, mentira e ideologia) das aparências da conjuntura 2019, os jovens universitários não veem na universidade pública a morada de um saber gramatológico em busca de uma força prática humana capaz de defender uma alternativa ao capitalismo neocolonial latino que não seja o poder militar astuto. Eles não conseguem ver que mesmo nas aparências o capitalismo neocolonial é um poder dissolvente da classe média nos países sem nação.

Se o poder militar conquistar ao poder brasileiro, ele erguerá o primeiro Estado militar lumpesinal do capitalismo neocolonial latino do terceiro-mundo.


FREUD. Obras Completas. Análise terminável e interminável. RJ: Imago, 1975
LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008                          
---------------------------------------- Livro 18. De um discurso que não fosse semblante. RJ: Zahar, 2009
LTOTERDIJK, Peter. Crítica de la razón cínica. v. 1. Madrid: Taurus, 1989            

terça-feira, 20 de março de 2018

EXISTE UMA HISTÓRIA DA MULHER?



José Paulo


PSICANÁLISE E MARXISMO: mai 1968

A psicanálise marxista mai 1968 de Lacan começa no Seminário 16 (1968-1969). Há vestígios dela até no Seminário 20 (1972-1973). Lacan, Derrida, Deleuze e Guattari, Foucault, Baudrillard constituem os gramáticos da filosofia parisiense de uma conjuntura cultural que começa na década de 1960 e alcança seu apogeu no final da década de 1970.

O livro Anti-Édipo (1972) é um momento de impulsão materialista da psicanálise fazendo pendant com o pensamento de Marx.

Falando da psicanálise marxista de Reich e de Reich:
“Ele retorna necessariamente a um dualismo entre o objeto real racionalmente produzido e a produção fantasmática do irracional. Renuncia, pois, a descobrir a medida comum ou a coextensão do campo social e do desejo. É que, para fundar verdadeiramente uma psiquiatria materialista, faltava-lhe a categoria de produção desejante, à qual o real fosse submetido tanto sob suas formas ditas racionais quanto irracionais”. (Deleuze. 2010: 47).

Reich ignora que: “Há tão somente o desejo e o social, e nada mais. Mesmo as mais repressivas e mortíferas formas de reprodução social são produzidas pelo desejo”. (Idem: 46). Parece desconhecer que: “a produção social é unicamente a própria produção desejante em condições determinadas”. (Idem: 46).

A produção social (relações de produção e forças produtivas) é aquela das massas-trabalho (econômico, político, cultural) que se constituem em produção de desejo da família, do Estado, do capitalismo.

Como Aristóteles vê a produção da família e do Estado na Grécia?

A produção da família é produção de um liame natural entre aquele que é naturalmente governante (aquele que é capaz de prever as coisas com sua mente é naturalmente o governador e maître ou chefe) e aquele que é súbdito e escravo: aquele que é capaz de fazer coisas com seu corpo.

Maître e escravo tem um interesse comum na ordem da conservação recíproca senhor e escravo que faz pendant com a forma da conservação da espécie homem e mulher:
“Así, pues, la primera unión de personas a que da origen la necesidad  es la que se da entre aquellos seres que son incapaces de viver el uno sin o otro, es decir, es la unión del varón y la hembra para la continuidad de la especie –y eso no por un propósito deliberado, sino porque en el hombre, igual que en los demás animales y las plantas, hay un instinto natural que desea dejar detrás de si otro ser de la misma clase que uno mismo – y la unión del que naturalmente es gobernante y del que naturalmente es súbdito, pues el que es capaz de prever las cosas con su mente naturalmente es gobernador y señor o chefe, y el que es capaz de hacer esas cosas com su corpo es naturalmente súbdito y esclavo; por eso este señor, y este esclavo tienen un interés común”. (Aristoteles: 677).

A mulher do maître não é escravo; ela é subdito, que está sujeito a vontade do maître. Subdito é o ersatz de dito; a mulher não é dito, é ersatz de dito, substituto do dito. O dito estabelece o sujeito como efeito do significante homem; o subdito é o sujeito mulher (ersatz de sujeito, subsujeito) como efeito do significante homem igual a maître. A nota crítica 6 da página 676 da edição consultada diz que a ideia de laço natural definindo a família é um efeito da ideologia patriarcal no discurso aristotélico.

A família é produção social de desejo patriarcal das massas de homens que põe e repõe a mulher no lugar do subsujeito, ersatz de sujeito que é distinto do escravo que equivale a coisa.

Diz Aristóteles:
“Según esto, pues, es evidente que la ciudad es una cosa natural y que el hombre es por naturaleza un animal político”. (Idem: 679).

A ciudad é a cidade-Estado ou polis perfeita, pois o homem é anthropos physei politikon zoon!
“Finalmente, la comunidad compuesta de vários pueblos o aldeas es la polis perfecta. Esa ha conseguido al fine el límite de una autosuficiencia virtualmente completa, y así, habiendo comenzado a existir simplemente para proveer la vida, existe actualmente para atender a una vida buena”. (Idem: 678-679).

A filosofia política de Aristóteles é um pensamento naturalista?

Clémant Rosset tem dúvidas sobre o naturalismo grandiloquente aristotélico:
“Para Aristóteles, natureza e arte constituem noções intercambiáveis ao ponto de ser legítimo interrogar se o modelo artificial não inspira a concepção naturalista. É verdade que Aristóteles insistentemente diz o contrário: a produção artificial deve sempre aprender com a produção natural, se tratando da produção técnica, da produção estética (teoria da mimésis, na Poética) ou da produção de um Estado (o livro 1 da Política ressalta o caráter natural e não contratual das relações sociais fundamentais). Todavia, por outro lado, é fácil mostrar que o modelo natural ao qual Aristóteles se refere é concebido em termos artificialistas; a natureza produziria seus produtos naturais exatamente como o homem produz seus produtos artificiais (...) Também é fácil demonstrar que, em Aristóteles, a visão naturalista é tributária de uma concepção política, e não ao contrário”.   (Rosset: 240).

A natureza é natureza do homem; o homem é o sujeito-maître do discurso do senhor. A natureza é um efeito do significante discurso do maître. O naturalismo é tributário de um discurso artificial, e não o inverso.

Rosset põe e repõe a produção das formas como família e Estado como produção social de desejo em Aristóteles. E também as formas homem (aquele que governa) e mulher (aquela que é governada sem ser escravo) como sinal de civilização, pois, só o bárbaro equivale mulher e escravo. Assim:
“es normal que los griegos gobernaran a los bárbaros”. (Aristoteles: 677).

A produção social de desejo da posição da mulher na antiguidade (subdito ou ersatz de sujeito, distinto de escravo) define a fronteira ente civilização e barbárie. No entendimento do Anti-Édipo: “Na verdade, a produção social é unicamente a própria produção desejante em condições determinadas”. (Deleuze. 2010: 46).
                                                                     II

A propósito do significante homem. Falta de desejo no significante (Deleuze. 2010: 43) quer dizer que há falta de desejo no discurso do inconsciente homo. O objeto a ou objeto parcelar é a máquina de desejo que irá tampar o buraco no campo simbólico, pois, todo discurso é lacunar, se ele o é como se fosse a estrutura do discurso do inconsciente. (Althusser: 23). Como objeto de desejo faltante no discurso, a mulher é substituída pelo objeto a - ersatz de objeto de desejo mulher. Assim, o governante civilizado do primeiro-mundo desenvolvido capitalista pode governar os bárbaros do capitalismo profundo neocolonial do terceiro-mundo dentro e seu próprio território.

E como explicar a China neste contexto? Contexto no qual a China desliza da barbárie capitalista e caminha para ocupar o lado do capitalismo desenvolvido de primeiro-mundo no Oriente! Lacuna no discurso ocidental capitalista?

A revolução maoísta na China alterou o lugar da mulher, ao despedaçar os estados de violência patriarcal asiático. No final, a revolução socialista acabou sendo uma revolução em prol da mulher. A revolução leninista tem claramente praticado uma política do lado da mulher. Tal fenômeno ainda não foi gramaticalizado pelo movimento mulher no Ocidente.

A revolução socialista se realiza contra o Um? O Um é o sucedâneo do homo como classe dominante. O Um remete para o discurso do maître para a além da dominação como subjugação pela força bruta. O maître encontra-se na própria língua como gramático rhetor percipio. A relação entre o gramático e as massas (homem ou mulher) se faz pela transferência (relação de amor) ou pela contratransferência (relação de ódio).

As massas amam o sujeito suposto saber do gramático condensado na língua da política. Quando eles passam a odiar o gramático tal fato significa a des-suposição do saber do rhetor percipio. Trata-se da des-suposição do saber do maître. (Lacan. 1975: 64)

Como multidão, a mulher ama o sujeito suposto saber homo como gramático, como rhetor percipio. Deixou de amar? A transferência da mulher para o homem garante que não se trata apenas de dominação como técnicas de assujeitamento polimorfas. (Foucault. 1997: 24). Trata-se do gozo justo fálico na satisfação da relação entre sujeitos homem e mulher (Lacan. 1975: 61) de onde advém o Um, o sujeito suposto saber na relação transferencial de amor no bojo da língua da política em um sentido forte.

Como sair do campo do domínio do Um? Trata-se de subverter a língua da política transferencial transformando-a em língua contratransferencial. O ódio à articulação da hegemonia do homem assujeitando a mulher pelo sujeito suposto saber significa a des-suposição do gramático homo como rhetor percipio.

A contratransferência é uma des-suposição que deve se realizar justamente no campo da língua. Temos uma ciência do homem ou ciências humanas; não temos uma ciência da mulher; soa ridículo! Ciência do homem significa um campo de sujeito homo suposto saber ao qual a mulher está assujeitada por livre e espontânea vontade, pois, não se trata de dominação. A língua é um campo de sujeito suposto saber transferencial onde a multidão de mulheres se submete ao gramático pelo amor transferencial  ao discurso do maître; o senhor da mulher é o homo; como vimos em Aristóteles, a mulher é subdito!

A articulação da hegemonia é a condição do que Lacan chama de leitura. A mulher lê o sujeito suposto saber. Para articular uma verdadeira leitura da multidão mulher, a mulher talvez lesse melhor na medida em que, desse saber, ela supusesse menos. (Lacan. 1975: 64).

A multidão mulher se estabelece como sujeito no século XXI através da revolta contra o homo e pela passagem dos estados de violência do homem. Daí advém a insistência usual, corriqueira do significante estupro. O estupro define a dominação ou assujeitamento brutal da mulher pelo homem. Tal dominação tem como efeito o sujeito mulher revoltado que descobre que entre os sexos, no ser falante, a relação sexual não acontece, na medida em que em que é a partir daí que se pode enunciar o que vem a ser, a essa relação, em suplência. (Lacan 1975: 63).

A suplência (que pode se anunciar pelo Eros) é suposto tender a fazer só um dessa multidão imensa. O não existe relação sexual é a condição necessária da política como articulação da hegemonia como lugar do amor dedicado ao sujeito suposto saber. Neste sujeito suposto saber, a mulher é subdito, um ersatz de dito em suplência, ou mais exatamente, como complemento, para ela abandonar sua condição de não-toda; ela não é um dito assim como não existe relação sexual.
                                                                                          III 

Se o inconsciente é mesmo aquilo que é estruturado como uma linguagem, é no nível da língua que temos que interrogar o Um. (Lacan. 1975: 63). Como sujeito, a multidão-mulher tem que des-supor a articulação da hegemonia homo no nível da língua em geral e da língua política em particular. Não basta demandar igualdade de gênero! A elementar presidente Dilma Rousseff se autodenominava presidenta e não presidente. A revolução da mulher tem que caminhar no território do gramático, na tela gramatical da política como história universal mística. (Lacan. 1975: 70).   

Como já foi mostrado, o inconsciente não é um fato superestrutural como a ideologia. (Marx. 1974: 136 ). Ele faz pendant com a produção social (relações de produção e forças produtivas) de desejo na história e na política. Hobbes diz que a multidão (soberania popular) fabrica o contrato da representação da política como Um, uma só vontade. (Hobbes: 109). Reich diz que a produção social de desejo da multidão alemã fabricou o nazismo (Deleuze. 2010:  47): Hitler como o gramático rhetor percipio como sucedâneo, na política, da filosofia de Heidegger. A potência do fascismo encontra-se no fato dele ser um ente do discurso do inconsciente que trafega na Alemanha, no Japão, na Itália, no Brasil, na Argentina e em inúmeros países em busca do sujeito suposto saber nacional-socialismo. Trata-se do socialismo feudal. (Badiou: 26).  

Na articulação da hegemonia do amor transferencial, a mulher é posta como sujeito no amor cortês. Ela é a dama no fingimento de que há relação sexual. O amor cortês se enraíza no discurso da féalité, da fidelidade à pessoa: “Este último termo, a pessoa, é sempre o discurso do Senhor, do Maître. O amor cortês é, para o homem, cuja dama era completamente, no sentido mais servil, la sujette, a única maneira de se sair com elegância da ausência da relação sexual”. (Lacan 1975: 65).

Como a mulher pode escapar da armadilha do amor cortês onde ela é a sujeita? Assujeitada ao discurso do maître por via do amor ao sujeito suposto saber?

A filosofia tradicional fez pendant com a teologia onde o Grande Outro (lugar onde vem se inscrever tudo que se pode articular como significante) é produção social de desejo do Bem supremo de Aristóteles. Lacan diz: “se revelará que é no lugar, opaco, do gozo do Outro, desse Outro no que ele poderia ser, se a mulher existisse, que está situado o Ser Supremo, manifestamente mítico em Aristóteles”. (Lacan. 1975: 77). Se a mulher existisse como produção social desejante, ou seja, existisse como mulher nas relações de produção fazendo pendant com as forças produtivas. Trata-se da existência da mulher como crítica da economia política! É simples! Na economia política da mulher não há antagonismo entre gerir uma família e ser parte da força de trabalho fabril ou do setor de serviço. É preciso pensar em uma outra categoria de produtividade do trabalho.  

A mulher sem existir na relação sexual fálica é o segredo da teologia política do Bem Supremo, como mística, em Aristóteles, se ela existisse como produção social desejante da sociedade do homem livre grego.
“C’est en tant sa jouissance est radicalement Autre que la femme a devantage rapport à Dieu que tout ce qui a pu se dire dans la spéculation antique en suivant la voie de ce qui ne s’articule manifestement que comme le bien de l’homme”. (Lacan. 1975: 77).

Aristóteles diz a respeito do Bem Supremo:
“que o homem feliz vive bem e se conduz bem, pois, praticamente definimos a felicidade como uma forma de viver bem e conduzir-se bem”. (Aristóteles. 1992: 25-26). O que define a civilização grega em relação aos bárbaros é também o se conduzir bem em relação a mulher, e o conduzir-se bem da mulher, pois, ela encontra-se, mesmo como subdito, no lugar do Ser Supremo, do Bem. Há uma articulação entre vida privada e vida pública a partir do Bem Supremo como lugar da mulher subdita. O Grande Outro é a vida pública fazendo pendant com a vida privada. Uma música da Bossa Nova diz sobre o Bem Supremo: “é impossível ser feliz sozinho”.

Na atualidade, claro que a produção social do desejo do homem do Bem Supremo é a mulher em carne e osso, pois, está claro para ela que o amor por Deus só pode ser o amor pela mulher. A teologia materialista, racional, gramatical é falar de Deus se ela é falar da mulher, se ela existir na produção social desejante da história mundial e na política planetária como não-toda suplementar fazendo pendant como o Bem Supremo. A mulher pode não ser não-toda, talvez?

Haverá toda uma subversão no campo da língua se termos como passivo e ativo forem gramaticalizado como uma produção social de desejo fantasmática de que há relação sexual, de que o liame sexual é um liame gramatical na produção social desejante gramatical das formas: da família à política, caindo no liame gramatical místico. (Lacan. 1975: 76).

 A relação da mulher com o Grande Outro é importante por quê? O inconsciente faz falar o ser falante reduzido ao homem que é todo, pois castrado por Deus, pela Lei do incesto. A mulher é não-toda (será?) por nada saber da castração, da Lei: “Não se pode mais odiar a Deus se ele próprio não sabe nada, notadamente do que se passa”.  Este é o custo da mulher fazer parelha com Deus.

Lacan é claro sobre o inconsciente:
“É daí que eu digo que a imputação do inconsciente é um fato de incrível caridade. Eles sabem, eles sabem, os sujeitos. Mas enfim, mesmo assim eles não sabem tudo. No nível desse não-todo não há senão o Outro a não saber. E o Outro que faz o não-tudo, justamente no que ele é a parte que de-todo-não-sabe nesse não-tudo”. (Lacan.1982 :133).

O simbólico é o lugar da mulher ao contrário do que pensa o senso-comum do homem. Porém onde a mulher pode ter um inconsciente se a libido é apenas masculina? A mulher é toda, lá onde o homem a vê, só aí ela pode ter um inconsciente. Como ser falante a mulher é vista pelo homem como mãe. Ela tem efeitos de inconsciente no limite em que ela não é responsável pelo inconsciente de todo mundo. Isto significa (no ponto em que o Outro com a qual ela tem a ver) o Grande Outro faz com que ela não saiba nada porque ele (o Outro) sabe tão menos que é muito difícil sustentar a sua existência. (Lacan. 1975: 90-91).

A produção social desejante tem a dimensão da fantasia na verdade da realidade dos fatos. A fantasia (no qual o sujeito é encarcerado) é como tal suporte do que Freud chamou o princípio da realidade. (Lacan. 1975: 75). O Evangelho é o modo discursivo de melhor dizer a verdade, pois, enfia a realidade na fantasia. (Lacan. 1975: 97-98).     

Marx não faz teoria como concepção-de-mundo (ideologia); ele faz o evangelho marxista. (Lacan. 1975: 32-33). No entanto, ainda é o evangelho do homem que vê a mulher como inconsciente. Na grande indústria, a mulher é igual ao homem como força-de-trabalho. Na cultura marxista a mulher faz parelha como o homem, Rosa Luxemburgo faz pendant com Lenin. Não há diferença cultural entre o homem e a mulher. No entanto, Rosa não deixou um evangelho que uma segunda letra viria completar:
“Marx e Lenin, Freud e Lacan não são parelhas no ser. É pela letra que eles acharam no Outro que, como seres de saber, eles procedem dois a dois num Outro suposto. O novo, no saber deles, é que não é suposto que o Outro saiba nada dele – não por certo, o ser que ali faz letra – pois é mesmo do Outro que ele faz letra às suas expensas, ao preço do seu ser, meu Deus, para cada um não é que se trate de coisa alguma, mas, tão pouco, não se trata de muita coisa, para dizer a verdade”. (Lacan. 1982: 132).

O texto contranarcísico supracitado põe e repõe o sujeito suposto saber condensado em uma letra e mais outra letra no seu devido lugar. Na psicanálise materialista gramatical, o desejo não é pilotado pelo fantasma. Isto seria um modo de fugir da realidade dos fatos da produção social desejante:
“Dizemos que o campo social é imediatamente percorrido pelo desejo, que é o seu produto histórico determinado, e que a libido não tem necessidade de mediação ou sublimação alguma, para investir as forças produtivas e as relações de produção. Há tão somente o desejo e o social, e nada mais. Mesmo as mais repressivas e mortíferas formas de reprodução social são produzidas pelo desejo, na organização que dele deriva sob tal ou qual condição que deveremos analisar. Eis porque o problema fundamental da filosofia política é ainda aquele que Espinosa soube levantar (e que Reich redescobriu): ‘Por que os homens combatem por sua servidão como se tratasse da sua salvação? (Deleuze. 2010: 46).

Na produção social desejante das relações de produção fazendo pendant com as forças produtivas, a política é o espaço da aparência de semblância salvacionista de uma realidade na qual os homens lutam por sua servidão particular. O avesso dessa realidade é o niilismo político: se correr o bicho pega; se ficar o bicho come!

Há formas e formas de servidão política. Hoje, a democracia liberal é uma forma de servidão política desvelada como servidão política, servidão que não faz os homens combater por ela como se fosse sua salvação. A mulher segue esse riscado. Trata-se da libido do inconsciente do homem onde a mulher o vê como seu inconsciente estruturado como uma linguagem homo. Talvez Lacan tenha introduzido a mudança histórica no significante inconsciente por causa da mulher.
                                                                                   
                                                                                IV

O inconsciente estruturado como uma linguagem ainda pode ser o inconsciente freudiano? Se a linguagem tem como modelo o mito, a tragédia, o inconsciente é dramatúrgico, teatral ou expressivo como definem Deleuze e Guattari. Quem é a mulher neste inconsciente expressivo?  A Mãe (a mãe incestuosa de Édipo). Na psicanálise lacaniana, ela pode ser a irmã Antígona. Ela não pode ser uma máquina desejante esquizo bíblica de Sodoma e Gomorra.

O inconsciente expressivo substitui a máquina desejante pela representação dramatúrgica grega clássica. Toda a história do sujeito se encontra na representação triangular papai-mamãe-eu, neste romance familiar da Grécia mitológica. Freud introduz a representação em crise na cultura do século XX pela regressão ao mundo clássico da antiguidade. Na cultura do século XX, o teatro como forma produtiva simbólica fora substituído pela fábrica como força prática institucional.

Freud usa a cultura clássica grega para fazer uma abordagem idealista da cultura do século XX e do século XIX. Na filosofia política, é Freud contra Marx, idealismo contra materialismo marxista. É verdade que Freud pensa o mundo com Marx, mas o essencial é que ele cria um evangelho contra o evangelho de Marx. Neste, a mulher não é somente mãe e irmã, é também trabalho, forma produtiva do capital, produtora de mais-valia e parte do povo revolucionário da Comuna de Paris 1871.

Como sujeito, a mulher faz a passagem do inconsciente expressivo para o inconsciente produtivo de mais-valia (Mehwert) e mais-de-gozar, isto é, Mehrlust. (Lacan.2008 :29, 30). Mehwert é máquina de produção  técnica; Mehrlust é máquina de produção desejante.

A tentativa de demolição da sociologia pós-modernista do inconsciente produtivo (Baudrillard. 1979: 26, 39, 49) faz pendant com o desenvolvimento do capitalismo do primeiro-mundo que substituiu a fábrica pela organização, e a ética protestante pela ética do desejo. Trata-se de uma redução das máquinas produtivas desejante e sociais a um problema de administração, de saber e poder administrativos desejantes. (Drucker: 27-42). Como administrar as máquinas produtivas desejantes na organização configura o novo espírito do capitalismo. (Boltanski: 199-202; 218-222). Abrir as comportas do desejo (Lacan. 1995: 275) no solo da fábrica organizacional, eis a nova ética do capitalismo desenvolvido sob cerco do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.

Todavia, não se assiste ao triunfo do capitalismo da ética do desejo onde a mulher e seu desejo não-todo não se deixa edipianizar como limite à abertura das comportas do desejo. O capitalismo triunfante é aquele capitalismo neocolonial do terceiro-mundo que conquista vastos continentes e países e que faz um cerco fático triunfante ao subcapitalismo do segundo-mundo (ersatz de capitalismo desenvolvido chamado de em desenvolvimento) e que ataca com sucesso o capitalismo desenvolvido, civilizado, do primeiro-mundo.

Qual o lugar da mulher no capitalismo neocolonial do terceiro-mundo? O Brasil fez uma Reforma Trabalhista na qual a mulher perde todos os direitos conquistados por sua condição de mulher como mãe e como propriamente mulher. Curioso é que a legislação que garantia os direitos de mulher na fábrica é considerada populista pelo bloco oligárquico político homo em extensão que faz os ataques na esfera do trabalho à mulher.

Tal oligarquia homo faz da mulher um sujeito populista. Dominada por jornalistas mulheres, a televisão é uma força produtiva desejante/técnica oligárquico homo que age favoravelmente aos ataques contra a mulher. A televisão não é representação, ela não representa interesses capitalistas; como empresa capitalista, ela é a condensação no espaço da incultura das relações de produção e forças produtivas do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. Um senador negro do PT fala em escravização moderna neocolonial da mulher como sucedâneo da escravização colonial, do Brasil colonial. 

                                                                             V

Se Marx fez o evangelho do capitalismo industrial moderno, Baudrillard fez o evangelho do capitalismo da pós-modernidade. O Livro referência é o Simulacres e Simulation. O fenômeno elementar do pós-modernismo é a cultura funcionando como simulacro de simulação, onde o hiper-real é mais real que o próprio real. (Baudrillard. 1981: 177, 119-120). O espaço do simulacro de simulação tem sustentado a democracia liberal a partir do capitalismo neoliberal do globalismo. Começa a fazer água com a soberania do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.    

Primeiro, Baudrillard é a máquina de produção desejante gramatológica do capitalismo neoliberal do globalismo. Trata-se de uma máquina com fúria e fogo voltada para a destruição das máquinas desejantes gramatológicas: Marx, Freud, Lacan, Foucault, Deleuze e Guattari, Derrida e Lyotard.  

No entanto, o livro Da sedução é o seu evangelho maior como é possível constatar facilmente. Antes de mergulharmos no rico e exuberante universo baudrillardiano, passo a limpo o As três ecologias, de Félix Guattari e seu conceito de capitalismo mundial integrado (CMI) que antecipou, na gramatologia teórica, o capitalismo neoliberal do globalismo.

O CMI significa a substituição da luta de classes e de sua subjetividade pesada proletária pelas três ecologias: meio ambiente; relações sociais e subjetividade humana. O CMI significa o poder tutelar (Tocqueville: 431-438) do mercado mundial fazendo pendant com o sistema industrial militar sobre o Terceiro-mundo que conduzem algumas de suas regiões a uma pauperização absoluta e irreversível. Aparece em países como a França através do desiderato industrial militar que são as usinas nucleares na década de 1980. (Guattari: 9). E o mais fundamental dito a seguir.

A oposição terceiro-mundo e mundo desenvolvido implode por todos os lados com a terceiro-mundialização dos países do mundo desenvolvido capitalista e a expansão de espécies de subjetividade (e de máquinas de produção desejantes ou trans-sujeitos próprios do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo como racialização das relações sociais, xenofobia etc. (Guattari: 12-13).

Fazendo pendant com o quase domínio do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo, desenvolve-se o antagonismo mulher versus homem transversal à luta de classe. (Guattari: 13). À ideia do sujeito mulher como parte das três ecologias viria se acrescentar o trans-sujeito mulher como ser-mulher na passagem dos estados de violência do homem que explodem em racialização das relações sociais, fundamentalismo religioso, terrorismo, cismas nacionalitários, em fenômenos moleculares de violência contra as pessoas nos Estados Unidos da América, capitalismo criminoso mundial (tráfico de criança, de mulheres, exploração sexual articulado ao capital fictício etc.), de S. Platt, e formas de violência urbana lumpesinal dos de baixo das máfias, cartéis de drogas, facções criminais etc.      
                                                                                      VI

O livro Da sedução tem como objeto virtual a mulher como avesso de um objeto carnal.

O ponto  de partida é a subversão da fórmula de Freud: “a anatomia é o destino”. (Baudrillard. 1979: 13). Está ideia liga à cultura ocidental e as ciências humanas ao corpo, à produção da natureza humana. Trata-se de um destino fálico.

Freud diz que só existe libido masculina, então, só há sexualidade do homem: “a sexualidade é essa estrutura forte, discriminante, centrada no falo (phallus), a castração, o nome do pai, o recalque. Não existe outra. De nada serve sonhar com alguma sexualidade não-fálica, não-represada, não-marcada. De nada serve, no interior dessa estrutura, querer passar o feminino para o outro lado da represa e misturar os termos; ou a estrutura permanece a mesma (todo o feminino é absorvido pelo masculino) ou ela se esboroa e já não existe feminino ou masculino: grau zero da estrutura. É bem o que hoje se produz simultaneamente: polivalência erótica, infinita potencialidade do desejo, ramificações, difrações, intensidades libidinais, - todas as múltiplas variantes de uma alternativa liberadora oriunda dos confins de uma psicanálise liberta de Freud ou dos confins de um desejo liberto da psicanálise – todas se conjugam por trás da efervescência do paradigma sexual, direcionadas para a indiferenciação da estrutura e sua potencial neutralização”. (Baudrillard. 1979: 10-11).

 Na subversão da estrutura freudiana: “A transição para o feminino na mitologia sexual é contemporânea da passagem da determinação à indeterminação geral”. Se compreende assim, a soberania do jornalismo na cultura do século XXI até o fim da segunda década deste século.

O jornalismo é a linguagem da indeterminação como besteira: “O pensamento é a mais elevada determinação, efetuando-se em face da besteira como do indeterminado que lhe é adequado. A besteira (e não o erro) constitui a maior impotência do pensamento, mas também a fonte de seu mais elevado poder naquilo que o força a pensar”. (Deleuze. 1988: 434). O evangelho pós-modernista de Baudrillard é o poder do pensamento que se faz na transdialética com a indeterminação da besteira.

No pós-modernismo, o feminino (e os feminismos) é besteira, pois, indeterminação da estrutura falocrática.

Baudrillard fala de uma transformação onde a soberania cabe as aparências da semblância, lugar da estratégia da aparência. Aí, a mulher aparece como o ser que seduz o homem. Trata-se de um universo: “Que é interpretado já não em termos de relações psíquicas e psicológicas nem de recalque ou inconsciente, mas em termos de jogo, de desafio, de relações duais e de estratégia das aparências: em termos de sedução (não mais em termos de estrutura e de oposições distintivas mas de reversibilidade sedutora) um universo onde o feminino é já não o que se opõe ao masculino mas o que seduz o masculino.
“Na sedução, o feminino não é um termo marcado nem não-marcado. Tampouco recobre uma ‘anatomia’ de desejo ou gozo, uma anatomia de corpo, de fala ou de escrita que teria perdido (?); não reivindica sua verdade, ele seduz”. (Baudrillard. 1979: 12).

Os estados de violência do homem contra a mulher não precisam de explicação ou justificação. Ele é um fato artificial (ou artefato) dos jogos de sedução da estratégia das aparências: sou homem, você é mulher. A mulher seduz o homem com sua transexualidade, eis a causa da violência. O homem odeia a mulher que o seduz. O ser da mulher é sedução.

O combate direto ao homem poderoso assediador na indústria do cinema e televisão significa uma mudança de tática, pois:
“Que opõem as mulheres, no seu movimento de contestação, à estrutura falocrática? Uma autonomia, uma diferença, uma especificidade de desejo e de gozo, um outro uso de seu corpo, uma fala, uma escrita – jamais uma sedução. Envergonham-se dela como de uma encenação artificial de seu corpo, como de um destino de vassalagem e de prostituição. Não compreendem que a sedução representa o domínio do universo simbólico, ao passo que o poder representa apenas o domínio do universo real. A soberania da sedução não tem medida comum com a detenção do poder político ou sexual”. (Baudrillard. 1979: 12-13).

A revolução da mulher só pode ser a subversão completa do domínio do homem sobre o mundo. Não se trata de ir atrás de um discurso que não fosse semblância, mas de deixar a soberania da semblância dominar como estratégia da aparência sobre o reino claudicante da verdade do homo:
“Estranha e feroz cumplicidade do movimento feminista com a ordem da verdade! Pois a sedução é combatida e rejeitada como desvio artificial da verdade da mulher, aquela que em última instância achar-se-á inscrita no seu corpo e no seu desejo. Assim, trata-se de apagar de uma só vez o imenso privilégio do feminino de nunca ter tido acesso à verdade, ao sentido, e de ter permanecido senhor absoluto do reino das aparências. Poder imanente à sedução de tudo subtrair a sua verdade e de fazê-lo retornar ao jogo, ao puro jogo das aparências e de frustrar daí, num instante, todos os sistemas de sentido e de poder; fazer voltar sobre si mesmas todas as aparências, fazer representar o corpo como aparência e não como profundidade de desejo – ora, todas as aparências são reversíveis; somente nesse nível os sistemas são frágeis e vulneráveis, o sentido é vulnerável apenas ao sortilégio. É cegamente inverossímil renegar esse único poder igual e superior a todos os outro, pois ele os inverte pelo simples jogo da estratégia das aparências. (Baudrillard. 1979: 13).         

Assim como não há libido da mulher, não há verdade da mulher! Há feitiço, sedução: “Ora a mulher nada mais é que aparência”. (Baudrillard. 1979: 15). Ela não entra nos jogos de verdade da totalidade fálica ou do não-toda, espécie de forma incompleta da história. Na segunda década do século XXI, acaba a história do homo e começa a história da mulher como estratégia das aparências:
“Ora, somente a sedução opõe-se radicalmente à anatomia como destino. Somente a sedução rompe com a sexualidade distintiva dos corpos e a inelutável economia fálica dela resultante”. (Baudrillard. 1979: 15).

A história da mulher se constitui como uma máquina de produção de sedução encerrando, definitivamente, a época freudiana como máquina de produção de desejo?

A história da mulher se estabelece em uma transdialética em carne o osso sedutora (que faz pendant com a transexualidade da mulher) com a história do capitalismo profundo neocolonial do terceiro-mundo.      

ARISTOTELES. Obras. Politica. Madrid: Aguilar, 1982
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Brasília: EDUNB, 1992
ALTHUSSER & BALIBAR, Louis e Etienne. Para ler El capital. México: Siglo XXI, 1969
BADIOU, Alain. Manifesto pela  filosofia. RJ: Angélica, 1991
BADRILLARD, Jean. Da sedução. Campinas: Papirus, 1991
BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et simulation. Paris: Galilée, 1981
BOLTANSKI & CHIAPELLO, Luc e Ève. O novo espírito do capitalismo. SP: Martins Fontes, 2009
DELEUZE & GUATTARI, Gilles e Félix. O Anti-Édipo. SP: Editora 34, 2010
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. RJ: Graal, 1988
DRUCKER, Peter. Sociedade pós-moderna. SP: Pioneira, 1993
FOUCAULT, Michel. ˂Il faut défendre la société>. Paris: Gallimard/Seuil, 1997
GUATTARI, Félix. As três ecologias. Campinas: Papirus, 1991
HOBBES, Thomas. Pensadores. Leviatã. SP: Abril Cultural, 1974
LACAN, Jacques. Le Seminaire. Livre 20. Encore. Paris: Seuil, 1975
---------------------  O Seminário. Livro 20. Mais, ainda. RJ: Zahar Editor, 1982
---------------------   O Seminário. Livro 7. A ética da psicanálise. RJ: Jorge Zahar Editor, 1995
---------------------   O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008
MARX. Pensadores. SP: Abril Cultural, 1974
ROSSET, Clément. L’anti-nature. Paris: PUF, 1973
TOCQUEVILLE. De la démocratie en Amérique. v. 2. Paris: Gallimrad, 1961
                                         

                    
          
                  

              

sábado, 10 de março de 2018

HISTÓRIA


José Paulo

DOS estados DE VIOLÊNCIA DO HOMEM E ESCRAVATURA

Abra o dicionário de latim e consulte a palavra homo. Em Plínio, homo é o homem, o gênero humano. Ciências humanas significa ciência do homem, seguindo Plínio. Plínio deixou seu traço na cultura ocidental.

Na arqueologia do saber, Michel Foucault trabalha a partir da ciência do homem, onde o homem é o sujeito e a mulher inexiste como sujeito da representação. A representação é o centro tático do homem. Mas e se o sujeito é a passagem das massas do socius pelos estados de violência da história das intensidades do capitalismo profundo neocolonial do terceiro-mundo? Demos um salto brusco do todo para a não-toda, do gozo fálico para o gozo da mulher, da representação do desejo para o desejo sem representação.  

O que é o socius?   O corpo pleno sem órgãos é o improdutivo, o estéril, o inengendrado, o inconsumível; instinto de morte é o seu nome (Deleuze: 20). Segundo a doutrina de Schreber, a atração e repulsão produzem intensos estados de nervos que preenchem o corpo sem órgãos efeitos em graus diversos, e pelos quais passa o sujeito-Schreber, devindo mulher e devindo muitas coisas ainda, num círculo de eterno retorno. (Deleuze: 34). Buscamos o corpo pleno determinado como socius, que pode ser o corpo da terra, o corpo despótico, ou o capital. Ainda mais, a superfície de registro das intensidades plenas.

O corpo sem órgão do capital neocolonial do terceiro-mundo por atração e repulsão encontra-se em estados de violência intensos onde um sujeito que não é neurótico (“é papai, é mamãe”) e que não é esquizo (“então é homem ou mulher”, “então é mulher em corpo de homem”) o atravessa e cai como resíduo ou na cultura mundial ou no mundo-da-vida em geral.

Qual é, enfim, tal sujeito como efeito da revolução do capitalismo profundo neocolonial do terceiro-mundo?

O sujeito é a passagem das massas do socius gramatical pelos estados de violência do homem do capitalismo profundo neocolonial do terceiro-mundo! 

O sujeito é a mulher como resíduo que sobra da passagem dos estados de violências do capital neocolonial do terceiro-mundo. Não há nada de feminismo neste sujeito-mulher, pois, ele é a impossibilidade de adquirir formas já que ele é não-toda. Um sujeito que diz para si “então eu não sou isso”: homo. Também “não sou isso”: LGBT. Não sou eu na ciência do homem, nas ciências humanas; não faço parte da representação: “isso é” coisa de macho. Não falo pela linguagem da representação ou das similaridades, ou das identidades LGBT.

Vivo na transição e transação dos estados de violência do homo, da ciência do homem, das ciências humanas, sem ser homem, sem ser humana. Sou contrahomo, contrahumana, sem chegar ao inumano, ao mundo das máquinas: ou psicótica-paranoica, ou miraculosa, ou celibatária.

Trata-se de um sujeito que não é um milagre da economia política fazendo pendant com a máquina desejante. É verdade que o Marquês de Sade quis tirar partido daquilo que como sujeito ele não sabia o que é! Daí ligarem a não-toda às perversões da teologia do Diabo do romantismo clássico alemão. Hitler quis extrair de mim (mulher ariana) uma raça de senhores capazes de dominar o planeta.
Como resíduo dos estados de violência do homem encontro em Hobbes um autor profícuo. Antes diz Proudhon: a propriedade privada é um roubo. A propriedade é um dos estados de violência do homem, no qual a mulher não tem qualquer participação.

Marx estabelece a relação entre propriedade e estados de violência no A ideologia alemã:
La primeira forma de la propriedad es, tanto en el mundo antiguo como en la Edad Media, la propriedad tribual, condicionada entre los romanos, principalmente, por la guerra y entre los germanos por la ganadería”. (Marx. 1974: 71).

O tráfico de gado sempre envolveu uma certa quantidade de violência. Os estados de violência do homem como um elemento colonial sulista (dos estados de violência da história do Brasil de onde saiu o nosso condottiere gaúcho Getúlio Vargas) do Brasil colonial são descritos pelo nosso marxista Nelson Werneck Sodré:
“De sorte que, no Sul pastoril, as Ordenanças continuam a constituir a ossatura do sistema militar. Elas encontram naquela área todas as condições para ganhar uma amplitude que as torna o elemento necessário e indispensável. Porque, na luta pelo gado e, na luta pelas pastagens, surge uma organização militar, moldada pelas Ordenanças, em que o padrão antigo, dos primeiros tempos de colonização – a população em armas – assume as proporções naturais e conjuga-se com a situação regional”. (Sodré: 55).   

Trata-se da história do tomar a coisa que envolve a vontade de violência para tal fato.

Quanto a propriedade privada, ela começa com a violência da propriedade mobiliária escravagista e a desintegração da comunidade:
“La verdadera propriedad privada, entre los antigos, al igual que en los pueblos modernos, comienza con la propriedad mobiliaria. (La esclavitud y la comunidad) (el dominium ex jure quiritium). (Marx. 1974: 71).

O direito privado faz pendant com o desenvolvimento da propriedade privada a partir de estados de violência contra a comunidade:
El derecho privado se deserrola, conjuntamente con la propriedad privada, como resultado de la desintegración de la comunidad natural”. (Marx. 1974: 72).

O imaginário político do discurso do direito estabelece uma relação direta entre direito privado e violência:
“El derecho privado proclama las relaciones de propriedad existentes como el resultado de la voluntad general. El mismo jus utendi et abutendi (direito de usar e de abusar, ou seja consumir ou destruir a coisa) expresa, de una parte, el hecho de que la propriedad privada ya no guarda la menor relación con la comunidad y, de otra parte, la ilusión de que la misma propriedad privada descansa sobre la mera voluntad privada, como el derecho a disponer arbitrariamente de la cosa”, (Marx. 1974: 73).

Então a propriedade privada é o abusar, consumir ou destruir a coisa (abuti), mesmo esta coisa sendo um escravo, um indivíduo vivo humano, um homem ou uma mulher. Abusar sexualmente da mulher é um direito dos estados de violência da propriedade privada no modo de produção escravagista.     

Marx e Engels dizem que a estrutura econômica impõe limites ao abuti:
  “En la práctica, el abuti tropieza con limitaciones económicas muy determinadas y concretas para el proprietario privado, si no quiere que su propriedad, y con ella su jus abutendi, pasen a otras manos, puesto que la cosa no es tal cosa simplemente en relación con su voluntad, sino que solamente se convierte  en verdadera propriedad en el comercio e independientemente del derecho a una cosa”. (Marx. 1974: 73).

Nem a vontade armada e nem o direito definem a verdadeira propriedade. A relação de propriedade depende da estrutura econômica, daí o caminho do homem para fora dos estados de violência articulados à propriedade e ao direito privados.

Marx trabalha contra o imaginário ideológico que define a história por estados de violência do homem:
“Nada más usual que la idea de que en la historia, haste ahora, todo há consistido en la acción de tomar. Los bárbaros tomaram el Imperio romano, y con esta toma se explica el paso del mundo antiguo al feudalismo. (Marx. 1974: 74).

O usual até a economia política era pensar a história como efeito dos estados de violência do homem. Marx e Engels mostram que se trata de uma ideologia historiográfica ou de uma filosofia da história ideológica.

O desenvolvimento das forças produtivas e a as formas reais de propriedade privada - indústria, comércio (Marx. 1974: 74, 75) e sua superestrutura ideológica do direito constituem uma subtração, paulatina, da história como o tomar a propriedade privada do proprietário original vivida imersa em estados de violência e vontade de violência do homem. Percebam que a economia política, Marx e Engels não falam da propriedade privada e da vontade de violência associada a mulher. A mulher é o não-toda inexistente!    
                                                                          II

O ensaio O Manifesto do Partido Comunista diz que a história do Ocidente é a história das lutas de classes. A sociedade de classes inscreve uma sociologia fazendo pendant com o desenvolvimento das forças produtivas, as formas de propriedade privada e as formas do direito privado. A ideia de civilização de Marx (em um contraponto aos estados de violência da propriedade como barbárie) é dialética materialista em um contraponto ao juízo de civilização ideológico, idealista. Porém ela pode alcançar a stásis.

O capitalismo profundo neocolonial do terceiro-mundo é aquele que faz pendant com a sociedade pós-capitalista como sociedade do conhecimento e das organizações no primeiro-mundo desenvolvido. (Drucker: 3-42). A característica central do capitalismo profundo neocolonial significa que ele conseguiu desintegrar as lutas de classes como stásis, pois, a sociedade de classes deixa de existir como lutas de classes no Ocidente. No lugar das lutas de classes como stásis, entra os estados de violência da história gramatical de da sociedade de subclasses, ersatz de classe social. (Ianni: 75, 78, 175).  

O primeiro-mundo desenvolvido capitalista moderno continua existindo em territórios geoeconômicos. Porém o fundamento dele significa que ele é o gramático rhetor percipio que pilota em um território mundial a territorialização ampliada do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. Pilota também a desterritorialização do capitalismo moderno do primeiro-mundo em países centrais da economia política ocidental e a reterritorialização do capitalismo moderno no Oriente asiático. (Ianni: 15-16):
“Ainda não está claro se estamos prestes a assistir a uma troca de guarda no alto comando da economia mundial capitalista e ao início de um novo estágio de desenvolvimento capitalista. Mas a substituição de uma região ‘antiga’ (a América do Norte) por uma ‘nova’ (o leste asiático) como o centro mais dinâmico dos processos de acumulação de capital em escala mundial já é uma realidade”. (Arrighe: 344).

O fundamental é que o capitalismo chinês é a sintetização socialista do capitalismo moderno ocidental como acumulação ampliada de capitalismo profundo neocolonial do terceiro-mundo. Na África, “proprietários privados socialistas” neocolonizadores chineses se alimentando (comendo a carne) de africanos pretos é mais do que o símbolo do capitalismo profundo.                
                                                                                        ENGELS
                                                                                       III                                                                               
No livro Anti-Dühring, Engels dedica páginas memoráveis à visão da história como vontade de violência fazendo pendant com a propriedade privada? Não para por aí. Sob a influência do livro O capital, Engels discute se a história tem como determinação em última instância a política ou a economia. Durante o século XX, o marxismo ocidental tratou o livro de Engels como paradigma da concepção economicista da história!

No jornalismo, na classe política, na ciência do homem e no imaginário político popular, os estados de violência surgem como determinando a história brasileira do final da segunda década do século XXI. Os estados de violência do homem parecem se constituir em um fator dissipador da sociedade brasileira. Segundo a leitura de Dühring feita por Engels, a violência remete para a política e, assim, os estados de violência do homem fazem da política o fator determinante em última instância da conjuntura brasileira atual.

O Brasil fez do Anti-Dühring de Engels um livro da atualidade do nosso século XXI. Passemos a ele com vagar, pois, entre nós, é fácil metabolizar que a política (condensada nos estados de violência do homem) encontra-se no comando da história conjuntural e, portanto, no comando da economia na gramática de Lenin.

A discussão inicia-se com uma citação de Dühring em diálogo e luta com Marx:
“Alguns dos recentes sistemas socialistas tomam como princípio diretor a falsa aparência de uma relação completamente invertida – tão invertida que salta aos olhos -, fazendo por assim dizer sair de situações econômicas as infraestruturas políticas. Ora, esses efeitos de segunda ordem existem sem dúvida como tais, e são atualmente os mais sensíveis. Todavia, devemos procurar o elemento primordial na violência política imediata e não em uma força econômica indireta”. (Engels. 1950: 191).

Se não ficou claro, eis uma outra citação:
“e como, por outro lado, toda a ˂propriedade baseada na violência>, ainda hoje em vigor, se alicerça nessa escravização primitiva – é evidente que todos os fenômenos econômicos se explicam por intermédio de causas políticas, ou seja, da violência”. (Engels. 1950: 191-192).

Dühring e Engels consideram a propriedade baseada na violência um estado de violência senhor-escravo (discurso do maître lacaniano) primitivo. Lacan diz que o discurso do capitalista é uma forma de discurso do maître na época moderna, se ele é o discurso da burocracia. (Lacan. 1991:33-34).

O discurso do maître é uma forma de dominação primitiva que faz pendant com os estados de violência do homem. A revolução do capitalismo profundo neocolonial do terceiro-mundo não recarrega o discurso do maître como ser do ente da realidade dos fatos mundial? Só que no século XXI é um discurso do maître como a organização da sociedade pós-capitalista no lugar da burocracia como fator desestabilizador (Drucker: 34) das nações, dos povos-nações, da sociedade das subclasses sociais gramaticais. A subclasse é o novo gramático da história do capitalismo profundo neocolonial.   
De mãos dadas com os estados de violência da história capitalista do discurso do maître da sociedade pós-capitalista, Dühring parece abalar a concepção de história de Engels:
“Deste modo, o exemplo pueril que o Sr. Dühring forjou por suas próprias mãos para provar que a violência é ˂o elemento histórico fundamental> demonstra que a violência é apenas o meio, ao passo, que o proveito econômico é o fim. E na mesma medida em que o fim é ˂mais fundamental> do que o meio empregado para o alcançar, também o aspecto econômico da relação é mais fundamental na História do que o aspecto político”. (Engels. 1950: 192).

Não podemos esquecer que a estratégia de Lenin na primeira fase da revolução russa foi a política no comando da economia. E que Stalin fez a história da revolução russa pondo no comando os estados de violência do homem contra o campesinato.

Engels leva muito a sério as ideias de seu oponente:
“Logo, se o Sr. Dühring chama à propriedade atual uma propriedade baseada na violência e a qualifica de ˂forma de dominação que talvez não se baseie apenas na exclusão do próximo do uso dos meios naturais de existência, mas também, o que é muito mais importante, na sujeição do Homem a um serviço de escravo>, limita-se a misturar alhos com bugalhos. A sujeição do Homem a um serviço de escravo sob todas as suas formas supõe que quem submete dispões de meios de trabalho sem os quais não poderia utilizar o homem submetido e ainda, na escravatura, que dispõe de meios de subsistência sem os quais não poderia conservar o escravo vivo, isto é, em qualquer caso, a posse de determinados meios de fazer fortuna acima da média. Em toda hipótese é evidente que podem ter sido roubados, quer dizer, ser fruto da violência. Todavia, não é de modo algum necessário que seja essa a sua origem. Podem ter sido adquiridos pelo trabalho, pelo roubo, pelo comércio ou pela fraude. Contudo, para poderem ser roubados é necessário que primeiro tenham sido ganhos pelo trabalho”. (Engels. 1950: 193-19).

Engels admite que a acumulação primitiva de capital está associada aos estados de violência que expropriam a riqueza acumulada pelo trabalho. No entanto, o conceito de lutas de classes inaugura a civilização no lugar da barbárie dos estados de acumulação da riqueza pela violência. O significante luta burguesa vai além de um conceito sociológico de luta de classes.

A revolução burguesa acontece:
“na França, derrubando diretamente a nobreza; na Inglaterra, aburguesando-a cada vez mais e absorvendo-a até se transformar na sua grinalda decorativa. E como conseguiu? Graças a uma simples transformação do ‘estado econômico’ a que se seguiu (com mais ou menos rapidez, a bem ou a mal) uma alteração nas situações políticas. A luta da burguesia contra a nobreza feudal tem sido a luta da cidade contra o campo, da indústria contra a propriedade fundiária, da economia monetária contra a economia natural. E as armas decisivas do burguês nessa luta foram os seus meios de domínio econômico constantemente aumentados pelo desenvolvimento da indústria, primeiro artesanal, mas tornada progressivamente manufatureira, e pela expansão do comércio. Durante toda essa luta, o poder político se encontrava nas mãos da nobreza, com exceção de uma era na qual o poder real utilizou o burguês contra a nobreza para manter em xeque uma classe contra outra. Mas a partir do momento em que o burguês, politicamente ainda impotente, começou, graças ao aumento de seu poder econômico, a tornar-se perigoso, a realeza aliou-se novamente à nobreza e provocou com isso, primeiro em Inglaterra e depois na França: a revolução burguesa”. (Engels. 1965: 196).

A luta de classe da burguesia é parte da civilização europeia que caminha na transformação da estrutura da história sem pôr os estados de violência do homem no comando da história? Para o Marx do O 18 do Brumário de Luís Bonaparte, os estados de violência do homem fazem parte da revolução burguesa tanto quanto a luta pacífica do burguês na concepção de Engels.  

Em Marx, os estados de violência políticos significam o abrir caminho na história moderna como grande tragédia histórica capitalista. (Marx. 1974: 336). Não se faz a omelete sem quebrar os ovos!
                                                                                                 IV

Na relação entre violência e economia política moderna, os estados de violência aparecem domesticados:
“Todavia, a introdução da pólvora na artilharia e a adoção de armas de fogo não foi de modo algum um ato de violência; foi um progresso industrial e, logo, econômico. A indústria é sempre a indústria, se orientando para a produção ou para a destruição de objetos. E a introdução das armas de fogo teve um efeito revolucionário na própria condução da guerra e também nas relações políticas – relações de dominação e sujeição. Para obter a pólvora e as armas de fogo era necessário dispor da indústria e do dinheiro, e uma e outro pertenciam ao burguês da cidade. Por isso, as armas de fogo foram desde o início as armas da cidade e da monarquia triunfante apoiada nas cidades contra a nobreza feudal. As muralhas até então impenetráveis dos castelos dos nobres ruíram debaixo do fogo dos canhões do burguês e as balas dos arcabuzes burgueses transpassaram as couraças dos cavaleiros”. (Engels. 1950: 200).

No Brasil, a cidade do burguês rico está sob ataque das massas de subclasses lumpesinais criminais dos de baixo. Tais massas tem a sua disposição a indústria armamentista e dinheiro de transações econômicas ilegais. A luta entre as subclasses lumpesinais e o burguês rico pode levar a desintegração (está levando) da economia política legal da cidade. Tais lutas subclasses são parte da acumulação primitiva do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. Onde isso vai dar?

Engels trata militarmente a passagem do domínio da nobreza para o domínio do burguês:
“Justamente com a cavalaria couraçada da nobreza, desfez-se também o domínio da nobreza; com o desenvolvimento da burguesia, a infantaria e a artilharia tornaram-se cada vez mais as armas decisivas; sob a influência da artilharia, a arte da guerra teve que anexar uma nova subdivisão de características absolutamente industriais: o corpo de engenheiros militares”. (Engels.1950: 200). 

Vivemos um momento militar na luta do burguês rico contra as subclasses lumpesinais. Toda uma economia política lumpesinal funciona na grande cidade ao lado (e pôr dentro) da economia política legal. Os preços dessa economia lumpesinal são mais baratos, pois, ela expropria a economia política legal e não paga impostos. Parcelas consideráveis da população da cidade são beneficiadas pela economia política lumpesinal. O contrabando assume proporções ciclópicas. Trata-se de uma economia política ilegal dentro da economia política legal.

A economia política das ilegalidades dominantes dos de cima e dos de baixo tem a sua própria forma política (Kriminostat) cuja luta é a sintetização do Estado legal. Tem sua própria forma econômica avançada (o capitalismo criminoso de Platt). Em países da América Latina (México, Venezuela, Bolívia, Peru etc.) a sintetização lumpesinal criminal já parece ter alcançado um ponto de não-retorno. O capitalismo criminoso avança inclusive na sintetização economia legal e ilegal nos EUA. Todas as fronteiras civilizatórias construídas pelo capitalismo moderno são despedaçadas pedra por pedra.

É preciso ficar claro a relação entre a economia política industrial e os estados de violência do homem:
“Em resumo, sempre e em todos os casos são as condições e os meios de domínio econômico que servem à ˂violência> para esta obter êxito, sem o qual a violência deixa de ser violência”. (Engels. 1950: 204).

A evolução da história ocidental desagua na civilizada sociedade de classes moderna:
“Se com a sua dominação do homem pelo homem, condição prévia da dominação da Natureza pelo Homem, o Sr. Dühring quer apenas dizer, em geral, que todo o nosso estado atual, o nível de desenvolvimento alcançado presentemente pela agricultura e pela indústria, é o resultado de uma história social que se desenvolve com base em antagonismos de classe, em relação de dominação e escravatura, diz qualquer coisa há muito convertida em um lugar-comum, desde a publicação do Manifesto Comunista”. (Engels. 1950: 210).

Percebe-se o discurso do maître pela referência à escravatura. A escravatura é um recurso evolutivo na história universal. Há uma transdialética gramatical entre a escravatura (discurso do maître) e a época moderna. E a escravatura é um efeito do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho fazendo pendant com os estados de violência do homem:
“A produção se desenvolve a ponto da força de trabalho humano poder produzir mais do que o necessário à sua sobrevivência; existiam os meios para manter mais forças de trabalho e também para as ocupar; logo, a força de trabalho adquire um valor. Mas a comunidade a que pertencia e a associação de que fazia parte não forneciam forças de trabalho disponíveis, um excedente de força de trabalho. Em contrapartida, a guerra fornecia o excedente, e a guerra era tão velha como a existência simultânea de diversos grupos de comunidade justapostos. Até ali, como ninguém sabia o que fazer dos prisioneiros de guerra, limitavam-se a abatê-los, e em tempos ainda mais recuados comiam a carne do inimigo. Mas ao nível do ˂estado econômico> então alcançado, os prisioneiros de guerra adquiriram um valor; pouparam-lhes a vida e apropriaram-se do seu trabalho. Assim, a violência, em vez de dominar a situação econômica, se viu, ao contrário, posta por força das circunstâncias ao serviço da situação econômica. Estava inventada a escravatura”. (Engels. 1950: 212).

A relação entre trabalho e guerra significa um recurso evolutivo que instala a escravatura:
“ O caso é claro; enquanto o trabalho humano era ainda tão pouco produtivo que só fornecia poucos excedentes para além dos meios de subsistência necessários, o aumento das forças produtivas, a ampliação do comércio, o desenvolvimento do Estado e do direito, a instituição da arte e da ciência só eram possíveis graças a uma divisão reforçada do trabalho que tinha forçosamente de se basear na grande divisão do trabalho entre as massas encarregadas do trabalho manual simples e os poucos privilegiados que se ocupavam da direção do trabalho, do comércio, dos negócios do Estado e, mais tarde, chamariam a si as ocupações artísticas e científicas. Ora, a forma mais simples, mais natural, de semelhante divisão do trabalho era precisamente a escravatura. Tendo em conta os antecedentes históricos do mundo antigo, e em especial do mundo grego, a marcha progressiva para uma sociedade fundada em antagonismos de classe só podia se realizar sob a forma da escravatura”. (Engels. 1950: 213-214).

As lutas de classes da modernidade fazendo pendant com o desenvolvimento das forças produtivas e a produção de mais-valia relativa alteraram a paisagem do capitalismo do século XIX e metade primeira do século XX.

O capitalismo mundial da segunda metade do século XX viu se desenvolver uma classe gramatical intelectual como força produtiva tecno-científica que gerou o espaço do mundo digital. Bakunin fez uma profecia racional weberiano (Weber: 316):
“Um corpo científico, ao qual se tivesse confiado o governo da sociedade, acabaria logo por deixar de lado a ciência, ocupando-se de outro assunto; e este assunto, o de todos os poderes estabelecidos, seria sua eternização, tornando a sociedade confiada a seus cuidados cada vez mais estúpida e, por consequência, mais necessitada de seu governo e de sua direção.
Mas o que é verdade para as academias científicas, o é igualmente para todas as assembleias constituintes e legislativas, mesmo quando emanadas do sufrágio universal. Este último pode renovar sua composição, é verdade, o que não impede que se forme, em alguns anos, um corpo de políticos, privilegiados de fato, não de direito, que, dedicando-se exclusivamente à direção dos assuntos públicos de um país, acabem por formar um tipo de aristocracia ou de oligarquia política. Vejam os Estados Unidos e a Suíça”. (Bakunin: 33).

O Brasil não cabe como luva na profecia racional de Bakunin?

Como aristocracia intelectual autotélica, ela oferece o modelo orgânico para a classe política autotélica oligárquica. Trata-se de uma certa espécie de estado de violência política autotélico objetivo, pois o processo eleitoral da democracia liberal não é capaz de transformar democraticamente tal estado de coisas da economia política libidinal oligárquica do capital. (Lyotard. 1974: 241-278).

É a escravatura política do povo pelo discurso da servidão voluntária. (La Boétie: 45-54). O efeito gramatical mais espetacular é a subtração do significante legitimação via soberania popular para a oligarquia política que, por isso, se torna autotélica sem necessidade de legitimação na vida real da política parlamentar ou governamental. Na política não cabe legitimação por paralogia. (Lyotard. 1986: 111-120).  

A escravatura política faz pendant com o discurso do maître como efeito da revolução do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.   

Ainda podemos falar um pouco mais da relação da violência com a história:
"É, portanto, claro o papel desempenhado na história pela violência, relativamente à evolução econômica. Em primeiro lugar, toda a violência política assenta primitivamente numa função econômica de caráter social e aumentada na medida em que a dissolução das comunidades primitivas transforma os membros da sociedade em produtores privados, isto é, torna-os ainda mais estranhos aos administradores das funções sociais comuns. Em segundo lugar, depois de se tornar independente em relação à sociedade, depois de se converter de serva em senhora, a violência política pode agir em duas direções: ou atua no sentido e na direção da evolução econômica normal, e neste caso não só não se verifica o conflito entre ambas como também se acelera a evolução econômica; ou a violência atua contra a evolução econômica e neste caso, com algumas exceções recentes, sucumbe regularmente perante o desenvolvimento econômico”. (Engels. 1950).

NO caso brasileiro, a violência atua contra o sistema industrial, uma economia industrial que, além disso, entrou em decadência; a violência atua contra o comércio (setor de serviço) levando à falência a pequena burguesia das grandes, médias e pequenas cidades; atua inclusive contra o Banco. A violência atua, em certo, grau contra a evolução econômica e não há perspectiva dela sucumbi perante o desenvolvimento econômico do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.

Será que a violência atual pode ser a parteira da história como violência da revolução do capitalismo profundo neocolonial do terceiro-mundo? Nesta situação, a violência desempenharia um papel revolucionário positivo até como teologia materialista racional:
“Para o Sr. Dühring, a violência é o mal absoluto; para ele o primeiro ato de violência é o pecado original; toda a sua argumentação não passa de uma choradeira sobre a forma como até aqui toda a História tem sido contaminada pelo pecado original, sobre a infame corrupção de todas as leis naturais e sociais por esse poder diabólico: a violência. Mas que a violência ainda desempenha na História outro papel, um papel revolucionário; que segundo as palavras de Marx, seja a parteira de toda a velha sociedade que traz no ventre outra nova; que seja o instrumento graças ao qual o movimento social leva de vencida e despedaça formas políticas caducas e mortas – a tal respeito o Sr. Dühring não tuge nem muge”. (Engels. 1950: 215-216)

Os estados de violência do regime 1988 foi o parteiro de uma nova forma política que para a consciência do país letrado é o real como impossível de ser suportado. A democracia liberal é a aparência de semblância de uma outra forma política RSI (Real/Simbólica/Imaginário). Trata-se de uma democracia representativa lumpesinal como sucedâneo da democracia direta lumpesinal da Grécia antiga. Fala-se tanto em classe política perigosa, pois, organização criminosa, e se esquece que o modelo político vigente, o filho, é feito à imagem do Pai, ou melhor, é personificação da classe política perigosa. Trata-se da subclasse gramatical dos de cima!  

A revolução violenta do capitalismo profundo neocolonial pode ser uma conquista comparável à relação entre povos:
“ Qualquer conquista efetuada por um povo mais atrasado perturba profundamente o desenvolvimento econômico e aniquila numerosas forças produtivas. Mas na enorme maioria dos casos de conquistas perduráveis, o conquistador mais atrasado é forçado a adaptar-se ao ˂estado econômico> mais desenvolvido, visto depender da conquista; acaba mesmo por ser assimilado pelo povo conquistado e até por ser obrigado, quase sempre, a adotar a língua dele. Não obstante, nos países em que (excetuando os casos de conquista) a violência interna do Estado entra em conflito com a sua evolução econômica (como até aqui se tem verificado em determinado estágio relativamente a quase todo o poder político), a luta salda-se sempre pelo derrube do poder político”. (Engels. 1950: 215).

O Brasil é um caso no qual a violência interna do Estado entra em conflito com a sua evolução econômica em direção ao capitalismo profundo neocolonial. A perspectiva da luta signifique, talvez, a ruína do poder político como tal.      
                                                                 HOBBES

Para não dizerem que não falei de Hobbes.

A violência é um fundamento do discurso hobbesiano (Lupus est homo homini lupus): “Portanto tudo aquilo que é valido para um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo de todo homem”. (Hobbes: 80).

Hobbes diz:
“Com isto se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalhas é suficientemente conhecida. (Hobbes: 79).

Os estados de violência Lupus est homo homini lupus se constituem nos espaços objetivo e subjetivo do trans-sujeito gramatical. Eles são o que não para de não se inscrever no domínio simbólico. Só um poder comum gramatical faz cessar os estados de violência Lupus est homo homini lupus.

O poder gramatical comum é um fenômeno teológico, pois, o Estado é o Deus mortal. (Hobbes: 110).
Hobbes diz:
“A única maneira de instituir tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeito, é conferir toda a sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale a dizer: designar um homem ou uma assembleia de homens como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comum”. (Hobbes: 109).

O Leviatã se define pelos estados de violência do homem não para de não se inscrever como gramático teológico, ou seja, Deus mortal. Quanto ao problema da relação entre violência e história, o texto mais seguro para tratar disso é o de Philonenko.

Partindo do gramático da guerra: l’on saisisse comme langage toute conduite porteuse de significations susceptibles d’être comprises par un autrui quelconque”. (Philonenko: 183).

A relação entre guerra e história define a gramática de estados de violência do homem: “La guerre n’est pas lutte. Le propre de la guerre est d’être une action violente s’inscrivant dans une histoire. Le terme qui doit retenir l’attention dans cette définition est le mot histoire. La guerre ne se sépare pas de l’histoire et toutes les actions violentes ne sont pour autant des actions des actions de guerre: c’est seulement quand une action violente s’inscrit dans l’histoire, lorsqu’elle s’écrit en s’inscrivant, qu’elle atteint la dimension de la guerre”. (Philonenko: 184).

Os estados de violência do homem podem ser àquele da luta ou da guerra. Eles podem ser estados de violência da política ou da guerra (estados de violência inscritos na história). Em relação aos estados de violência do homem na política, estes não se inscrevem na história. A rigor, não há história política da ciência do homem. Marx pensou a inscrição da política na história através das lutas de classes que podem assumir a forma da guerra entre as classes: ciência da história!  

No século XXI, os estados de violência permanecem como pólemos e não mais como violência política na guerra ou stásis. (Derrida: 110). DA luta política foi subtraído a luta de classe e, portanto, a guerra entre as classes sociais. Todavia, os estados de violência políticos se referem a subclasse como stásis, como violência inscrita na história.

ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX. RJ/SP: Contraponto/UNESP, 1996
BAKUNIN, Mikhail. Deus e o Estado. SP: Cortez, 1988 
DELEUZE & GUATTARI, Gilles & Félix. O Anti-Édipo. SP: Editora 34, 2010
DERRIDA, Jacques. Politiques de l’amitié. Paris: Galilée, 1994
HOBBES, Thomas. Leviatã. Pensadores. SP: Abril Cultural, 1974
DRUCKER, Peter. Sociedade pós-capitalista. SP: Pioneira, 1996
ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring. Paris: Éditions Sociales, 1950
ENGELS. F. Anti-Dühring. V. 2. Lisboa: Minerva, 1976
IANNI, Octavio. A era do globalismo. RJ: Civilização Brasileira, 1996
LA BOÉTIE, Etienne de. Discurso da servidão voluntária. Edição Bilingue. SP: Brasiliense, Sem Data  
LACAN, Jacques. Le Seminaire. Livre XVII. L’envers de la psychanalyse. Paris: Seuil, 1991
LYOTARD, Jean-François. Économie libidinale. Paris: Minuit, 1974
--------------------------------  O Pós-Moderno. RJ: José Olympio, 1986
MARX. Pensadores. 18 Brumário de Luís Bonaparte. Abril Cultural, 2074
MARX & ENGELS. La ideología alemana. Montevideo/Barcelona: Ediciones Pueblos Unidos/Grijalbo, 1974
PHILONENKO, Alexis. Essais sur la philosophie de la guerre. Paris: J. Vrin, 1988
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017
SODRÉ, Nelson Werneck. História militar do Brasil. RJ: Civilização Brasileira, 1968
WEBER, Max. História geral da economia. SP: Mestre Jou, 1968