sábado, 3 de março de 2018

GRAMATOLOGIA DO CAPITALISMO NEOCOLONIAL DO TERCEIRO-MUNDO


José Paulo

A gramatologia dos três mundos do capitalismo da Terra tem algo a ver com a teoria lógica dos três mundos de Popper? Sim! O terceiro mundo é o mundo em expansão sobre a Terra, pois, o capitalismo é articulado como conhecimento objetivo sem sujeito. (Popper: 111). O terceiro mundo de Popper é constituído de conhecimento objetivo amplamente autônomo em relação ao nós (baseado em crença subjetiva, ou melhor, em sujeito) do primeiro e segundo mundo. (Popper: 113, 114).

O Terceiro mundo é o mundo de conteúdos objetivos de pensamento, especialmente de pensamentos científicos e poéticos e de obras de arte. Trata-se do universo de conteúdos objetivos de pensamento de um Frege. Ele não é o lugar da crença subjetiva; ele tem uma autonomia ampla em relação à crença subjetiva; a preferência crítica é mais importante do que a crença; os habitantes do terceiro-mundo são constituído por sistemas teóricos, problemas e situações de problemas; em analogia com o estado material (primeiro mundo) ou estado de consciência (segundo mundo do sujeito eu sei ), o terceiro mundo é estado de uma discussão ou estado de um argumento crítico, e, naturalmente, os conteúdos de revistas, livros e bibliotecas. (Popper: 108-109).

Hoje, a internet alterou o significante terceiro mundo de Popper? A teoria do terceiro mundo de Popper faz pendant com a época dominada pela cultura objetiva do livro. Mas ela ainda é útil para se pensar o domínio da Terra pelo capitalismo neocolonial do terceiro-mundo do século XXI? A revolução do capitalismo em tela faz pendant com a revolução na cultura mundial propiciado pelo desenvolvimento do mundo digital.

Há três mundos na gramatologia do capitalismo da Terra: o primeiro-mundo do capitalismo desenvolvido moderno e sua acumulação ampliada do capital baseado na prospecção da mais-valia relativa ou mais-valia articulada como força produtiva científica; o segundo-mundo do capitalismo subdesenvolvido ou subcapitalismo (ersatz de capitalismo moderno); o terceiro-mundo do capitalismo neocolonial que é a propensão do capital se comportar como se estivesse em uma revolução absolutista em estado de acumulação primitiva do capitalismo, novamente.   

O que o terceiro mundo do conhecimento objetivo de Popper tem de comum como terceiro-mundo do capitalismo neocolonial? Eles constituem uma banda de Moebius com Popper no lado direito e o mundo neocolonial no lado avesso.

O que é o lado avesso? É a leitura da gramatologia topológica de Marx da acumulação primitiva de capital e da teoria da colonização. Nesta, a lógica situacional de acumulação de capital se realiza sem o sujeito gramatical sociológico (Classe social no processo de produção de mais-valia), pois, a mais-valia não é subtraída do proletariado industrial, urbano ou rural como do capitalismo agrícola inglês moderno e o capitalismo de commodities do século XXI em o Brasil. 
                                                                                   II

Qual é o significado do globalismo neoliberal para a gramatologia topológica do capitalismo do século XXI?

O significado é a desintegração da crítica da economia política do modo de produção especificamente capitalista. Dissolução do modo de produção especificamente capitalista como produtor e expropriador da riqueza nacional. (Marx. 1996: 892). O modo de produção industrial capitalista surge em uma determinada nação: a Inglaterra. O modo de produção industrial capitalista faz pendant com a velha civilização econômica inglesa. Hoje a economia nacional foi abolida como habitat-território da acumulação ampliada de capital.

A civilização capitalista europeia se fundamenta no capital como relação social capitalista da lei da oferta e da procura do trabalho livre, ou seja, do trabalhador nu, pois só tem como propriedade suas próprias mãos para vender no mercado de força de trabalho. Trata-se do sujeito econômico assalariado moderno que é aquele nada possui senão suas próprias mãos e que vive de acordo com a vontade do capitalista. (Idem: 892). A existência capitalista desse sujeito em tela depende da existência da ‘superpopulação relativa de trabalhadores’ como sujeito que espera sua vez de ser usado pelo capital industrial, e que coage o preço do trabalho para níveis baixos civilizatórios.

A categoria elementar do modo de produção industrial capitalista é o assalariado nacional:
“De início, descobriu Wakefield, nas colônias, que a propriedade de dinheiro, de meios de subsistência, de máquinas e de outros meios de produção não transformam um homem em capitalista, se lhe falta o complemento, o trabalhador assalariado, o outro homem que é forçado a vender-se a si mesmo voluntariamente. Descobriu que o capital não é uma coisa, mas uma relação social entre pessoas, efetivada através de coisas”. (Idem: 885).

Sem a classe dos assalariados, o modo de produção capitalista moderno não é articulado:
“Quando o trabalhador, portanto, pode acumular para si mesmo, o que pode fazer quando é proprietário de seus meios de produção, torna impossível a acumulação capitalista e o modo de produção capitalista, falta para isso a imprescindível classe dos assalariados. Como se realizou, então, na velha Europa a expropriação do trabalhador de suas condições de trabalho, estabelecendo-se a coexistência entre capital e trabalho assalariado? (Idem: 886).

Marx diz:
“A grande beleza da produção capitalista reside não só em reproduzir constantemente o assalariado, mas também em produzir uma superpopulação relativa de assalariados, isto é, em relação à acumulação de capital. Assim, a lei da oferta e da procura fica mantida nos trilhos certos, a oscilação salarial, confinada dentro dos limites convenientes à exploração capitalista, e, finalmente, garantida a imprescindível dependência social do trabalhador para com o capitalista, uma relação de dependência absoluta, que o economista político em casa, na mãe-pátria, pode metamorfosear em relação contratual entre comprador e vendedor, entre dois possuidores igualmente independentes de mercadorias, o detentor da mercadoria capital e o detentor da mercadoria trabalho”. (Marx. 1996: 888-889).

As lutas de classes do trabalho contra o capital alteraram esta condição infame do trabalho em sua dependência subjetiva (Marx. 1996: 889) colonizado pelo capital, que faz do trabalhador assalariado o escravo moderno do capital.    
                                                                                III

O Brasil é um posto avançado da desintegração do trabalho assalariado nacional com as Reformas do governo Michel Temer que afetam a vida do trabalhador assalariado. Não há mais nação brasileira. O Brasil nunca se orientou pela lei da oferta e procura no mercado de trabalho e no mercado de consumo de coisas, ou seja, bens materiais de consumo de massas. O capitalismo brasileiro sempre foi para uma sociedade minoritária de consumidores de mercadorias de bens de consumo duráveis fora da lei da oferta e da procura.

Hoje, uma Reforma do Trabalho aponta para o subemprego generalizado, para a flexibilização absoluta das leis trabalhistas, para a substituição do trabalho assalariado (vendido como força de trabalho no mercado assalariado) pelo trabalho que é um ersatz de trabalho assalariado. Há em andamento a subsunção absolutista gramatical despótica do trabalho ao capital neocolonial do terceiro-mundo.   

Na esfera do trabalho intelectual, o trabalho assalariado vai sendo substituído pelo trabalho voluntário, ou seja, trabalho não-pago. Trata-se do trabalho gracioso que o indivíduo é forçado a doar para o processo neocolonial de acumulação primitiva de capital do terceiro-mundo. Na formação do mercado de trabalho na Inglaterra capitalista moderna, o camponês (expulso da terra) e o artesão (expropriado dos meios de produção) ou se integravam a colonização do trabalho pela produção capitalista moderna ou eram recolhidos no asilo de indigentes. (Marx. 1996: 889). Hoje pertencer a classe média simbólica pública através de uma inscrição econômica institucional de trabalho voluntário significa não ser jogado no asilo de indigentes do século XXI sob pressão da superpopulação relativa do trabalho gramatical.

A expropriação do trabalhador no capitalismo neocolonial do terceiro-mundo é o aniquilamento da propriedade privada da vida pública simbólica (como condição existencial do trans-sujeito gramatical trabalho) como fonte da subjetividade livre do trabalhador. Este fato ou artefato neocolonial não é homólogo à expropriação do trabalhador colonizado pelo capital moderno na velha civilização europeia?  

Marx novamente diz:
“Mas não estamos tratando aqui de examinar a situação das colônias. Interessa-nos apenas o segredo que a economia política do Velho Mundo descobriu no Novo e proclamou bem alto: o modo capitalista de produção e de acumulação e, portanto, a propriedade privada capitalista, exigem, como condição existencial, o aniquilamento da propriedade privada baseada no trabalho próprio, isto é, a expropriação do trabalhador”. (Marx. 1996: 894).    
                                                                                      IV

A globalização neoliberal produz e se articula pela disjunção entre trabalho assalariado, nação e riqueza nacional. Há uma gramatologia genealógica da desintegração do modo de produção especificamente capitalista do trabalho nacional no Ocidente. No século XIX, a América já foi vista como a República-terra prometida dos trabalhadores imigrantes: “A produção capitalista avança lá a passos de gigantes, embora o rebaixamento de salários e a dependência do assalariado não tenham de modo nenhum atingido os níveis normais europeus”. (Idem: 893-894). 

Com a globalização neoliberal se dissolve a ideia de uma pátria capitalista do trabalho assalariado na América e na Europa ocidental. E esta ideia ressurge no Japão e na China (como sintetização socialista do capitalismo moderno), ou seja, na Ásia profunda. Ao contrário, surge a tela gramatical da suspeita daqueles não inscritos legalmente em alguma instituição privada ou pública como trabalho voluntário não-pago. Durante décadas assistimos a publicidade do trabalho voluntário na cultura capitalista neocolonial do terceiro-mundo. Hoje, o trabalhador voluntario é o sujeito gramaticalizado como insuspeito, sujeito que é subtraído do mundo da suspeita na tela gramatical do campo de poderes estatizados institucionalmente.   
                                                                              
A propósito, sujeitos do capitalismo neocolonial do terceiro- mundo são sucedâneos da oligarquia inglesa (Idem: 717, 840) e da aristocracia financeira americana (idem: 893) da época colonial do modo de produção industrial capitalista. No século XXI, há os sujeitos gramaticais sociológicos dominantes: oligarquia produtiva mundial, ou seja, o capitalismo corporativo mundial (Bandeira da Silveira: 164-170; 174-178; 267-286) e a oligarquia financeira mundial ou capital fictício.   
Antes de prosseguirmos na produção da tela gramatical do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo, introduzo uma série de fenômenos, ou que são o efeito do discurso capitalista neocolonial, ou são efeito do ser dos fenômenos supracitados (Barbaras: 89-100; 295-305) capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.

                                                                           V

Na cultura, a televisão é a linguagem- reflexo do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. A narrativa televisiva se resume à desastres natural ou artificial: tempestades, tufões, epidemias, doenças em geral crime, violência contra coisas capitalistas e contra pessoas etc. A televisão é parte da sociedade do espetáculo de massa. Nesta, só o fato espetacular faz gozar gramaticalmente o espectador; somente os fatos do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo têm características de fato espetacular da sociedade do espetáculo, definida por Guy Debord.

Ainda na cultura econômica, a Deep Web é a internet do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. Tal internet é uma tela digital onde proliferam fatos lumpesinais clandestinos, ilegais, criminosos, do fato pequeno ao fato espetacular digital. Ela é um habitat do capitalismo criminoso e do Kriminostat.     

Na economia capitalista da Terra, o capitalismo criminoso de S. Platt é um fenômeno do desenvolvimento e expansão acelerada do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo presença presente em quase todos os países ocidentais e orientais.

Em grandes metrópoles das Américas, o estado de violência real (ou simbólica, ou gramatical) é um efeito do progresso ampliado do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. O estado de violência inclui o lumpesinato criminoso dos de cima (organizações oligárquicas da política) e dos de baixo que tornam um inferno a vida na rua da grande cidade.  

Como fundamento do estado de violência generalizado encontra-se o sistema industrial militar mundial que é a fonte de maior produção e acumulação de capital da reprodução ampliada do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. A ideologia ontológica do ente supracitado é de que coisas monetárias são, em termos de valor, superiores à pessoa humana; que a relação entre pessoas só tem valor como relação entre coisas. Na percepção do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo, o homem é coisa a ser desperdiçado como carne-bucha-de-canhão no espetáculo da sociedade do espetáculo de massa.

Na política, há a acelerada transformação da elite nacional do poder em oligarquia política criminosa. No Brasil, México, enfim, na América Latina, tal fenômeno tornou-se visível na tela gramatical da política na segunda década do século XXI. Associada ao fenômeno em tela temos a privatização criminosa das instituições pública e privada, da sociedade política e da sociedade civil pelos de cima e pelos de baixo lumpesinais.

O mundo dividido entre civilização e barbárie vai muito além da civilização capitalista e sociedade da barbárie não-capitalista de Marx. O terrorismo islâmico, o serial killer americano, o terrorista doméstico americano, o lúmpen-proletariado das facções criminosas da América Latina, a máfia internacional com modelo ítalo-americano ou italiano puro sangue, tudo isto é uma reunião de fenômenos do estado de violência cotidiano que constituem a realidade dos fatos do desenvolvimento do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo ao redor do planeta. Trata-se de um cerco tático aos países da Europa ocidental que procuram se manter em nível aceitável de civilização na política (democracia liberal) e no mundo-da-vida cotidiano.

Na sociologia, chamo novamente a atenção para a desintegração do sujeito sociológico sociedade de classes capitalista com a dissolução do ser do ente desta sociedade: a luta de classes. O desenvolvimento do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo faz pendant com a instalação da sociedade pós-capitalista das organizações do conhecimento objetivo: terceiro mundo de Popper relido pela realidade dos fatos da atualidade do século XXI.

Na sociedade da organização do conhecimento objetivo, oligarquias capitalistas (produtiva corporativa mundial ou capital fictício mundial) vivem como peixe dentro d’água.
                                                                             VI

Na política mundial o duplo Estado significa o fim do Estado-nação como monopólio da violência real:
“Todas as organizações têm perfis políticos, mas apenas no caso de Estados é que envolve a consolidação de um poder militar em associação ao controle dos meios de violência dentro de uma extensão territorial. Um Estado pode ser definido como organização política cujo domínio é territorialmente organizado e capaz de acionar os meios de violência para sustentar esse domínio. Tal definição é próxima daquela de Weber, mas sem destacar uma reivindicação ao monopólio dos meios de violência ou fator de legitimidade”. (Giddens: 45).

Na sociologia londrina de Giddens, outro fenômeno, além do Estado-nação constitucional, divide o monopólio dos meios de violência. Paul Virilio fala de um segundo Estado dividindo o monopólio da violência real com o Estado-nação constitucional. Trata-se do Kriminostat. (Virilio: 54-55). Este fenômeno político se refere ao desenvolvimento do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo na Europa na década de 1970. Já mostrei que o Kriminostat se atualiza no após II Guerra Mundial no próprio EUA com o conluio do Papa Pio XII, a máfia ítalo-americana e a CIA (mais o Departamento de Estado da América) para derrotar o partido comunista italiano em eleições da década de 1940.

Ainda na forma Estado, o Estado do capitalismo neocolonial é o Estado mínimo neocolonial do globalismo. Deleuze e Guattari falam que Paul Virilio antecipou tal forma de Estado totalitário muito antes da década de 1990:
“L’Etat totalitaire n’est pas un maximum d’Etat, mais bien plutôt, suivant la formule de Virilio,, l’Etat minimum de l’anarcho-capitalisme”. (Deleuze. 1980: 578).

Foucault percebeu que a desintegração do significante Estado (de Hegel, passando por Marx e alcançando Weber) é o fenômeno que inaugura uma nova época na política mundial:
“Il n’y a pas d’Etat, mais seulement une étatisation, et de même pour les autres cas. Si bien que, pour chaque formation historique, il faudra demander ce qui revient à chaque institution existant sue cette strate, c’est-à-dire quels rapports de pouvoir elle intègre, quels rapports elle entretien avec d’autres instituitions et comment ces répartitions changent, d’une strate à l’autre”. (Deleuze. 1986: 82).  

O Estado-nação torna-se uma estatização do campo de poderes institucionalizados legal ou ilegalmente com o desenvolvimento do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo que subtrai a relação entre Estado-nação e processo civilizatório definido por Norbert Elias na cultura política ocidental. (Elias:87-171).  

Ao falar da transmutação da Forma Estado (aparelho de Estado de Marx a Weber) em estatização de campo de poderes, Foucault é retilíneo:
“Se a forma-Estado, em nossas formações históricas, capturou tantas relações de poder, não é porque estas derivam daquela; ao contrário, é porque uma operação de ‘estatização contínua’, por sinal bastante variável de caso em caso, produziu-se na ordem pedagógica, judiciária, econômica, familiar, sexual, visando a uma integração global” (Deleuze. 1988: 83) no capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.

Lendo Foucault, Deleuze acrescenta: “Em todo caso, o Estado supõe as relações de poder, longe de ser sua fonte”. (Deleuze. 1988: 83-84). Não é cuidadoso definir a relação entre poder e Estado como uma essência de todas as épocas. Assim, o Estado supõe as relações de poder na época do domínio do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo no ocaso do Ocidente político.        

Qual é o fenômeno estatal que evanesce paulatinamente?

Otto Bauer faz um resumo luminar para nós:
“El Estado es necesariamente una corporación territorial. En tanto tal, tiene que abarcar un territorio apropriado como para constituirse desde el punto de vista económico en un territorio más o menos más o menos independient, autosuficiente, y apropriado desde el punto de vista  estratégico para ser defendido contra cualquier enemigo externo. Tiene que someter continuamente a su poder fragmentos de otros pueblos y entregar partes de su proprio pueblo ao poder extranjero”. (Bauer: 435).    

                                                                                             VII
                                                                    ACUMULAÇÃO PRIMITIVA

Marx diz que a era da revolução capitalista como desenvolvimento da acumulação primitiva começou no século XVI onde a servidão já foi abolida e se tem a plena decadência das cidades soberanas que representam o apogeu da Idade Média. (Marx. 1996: 831). O capitalismo se define pela expropriação do produtor como proprietário de seus meios de trabalho. Há uma revolução no estado de sujeição do trabalhador (feudal, corporativo) que o transforma em massas de proletários sem direitos. (Marx. 1996: 831).

Trata-se de um processo histórico de expropriação do produtor (e instalação da sujeição do trabalho ao capital no mercado de força de trabalho) no feudalismo que acontece em um determinado campo de poderes cujos sujeitos gramaticais são a nova nobreza (“a nova era produto do seu tempo, e, para ela, o dinheiro era o poder dos poderes”), o rei, o parlamento, o poder real como efeito do desenvolvimento burguês. (Idem: 833).

O processo histórico de expropriação e nova sujeição capitalista se realiza através da violência despótica de um quadro de relações de forças como já foi dito. A violência real é o método de expropriação do produtor de seus direitos feudais. Trata-se da dissociação entre o trabalho e a propriedade dos meios pelos quais se realizava o trabalho.  “E a história da expropriação que sofreram foi inscrita a sangue e fogo nos anais da humanidade” (Marx. 1996: 830, 829, 831, 833).

Marx diz:
“É sabido o grande papel desempenhado na verdadeira história pela conquista, pela escravização, pela rapina e pelo assassinato, em suma pela violência. Na suave economia política o idílio reina desde os primórdios. Desde o início da humanidade, o direito e o trabalho são os únicos meios de enriquecimento, excetuando-se naturalmente o ano corrente. Na realidade, os métodos de acumulação primitiva nada têm de idílicos”. (Marx. 1996: 829).

A sujeição do trabalho livre ao capital é um processo objetivo cuja alavanca é toda a violência real e gramatical exercida sobre o proprietário produtor no fim da Idade Média. Trata-se da transformação do produtor em assalariado do mercado de força de trabalho capitalista. Aí começa a época capitalista em um sentido amplo historialmente.

Marx parte da estrutura econômica da sociedade feudal para pensar o advento do capitalismo. (Idem: 830). Hoje de qual estrutura econômica devemos partir para pensar a passagem do capitalismo tout court para o capitalismo da sociedade pós-capitalista? 

O capitalismo significa aplicação de violência real ou gramatical (subtração dos direitos do trabalho) sobre o trabalho na transição de uma estrutura econômica para outra. Na gramatologia dos direitos do trabalho do século XX, a estrutura econômica faz a junção do privado com o público, da sociedade civil com a sociedade política, do capitalismo com o Estado do Bem-estar social.

A estrutura econômica encontra-se imersa na era dos direitos (Bobbio:  49-83) e fazendo pendant com o Estado Providência. (Ewald: 523-542). A era do globalismo neoliberal é a estratégia historial de aniquilamento da era dos direitos e do Estado Providência nas democracias liberais europeias e no capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.

Nos EUA, Obama, a burguesia democrática e o partido democrata em aliança com a fração progressista da burguesia republicana ergueram um Estado Providência no setor de saúde que Donald Trump quer destruir. Portanto, o processo do fim da era dos direitos avança em ziguezagues, idas e vindas, um passo à frente podendo se transformar em dois passas à trás. Ele ocorre desta maneira devido as lutas políticas pelo poder americano nos EUA e da resistência civilizatória da democracia liberal na Escandinávia.  

Há um núcleo de países na Europa ocidental que estão sobre o cerco cerrado do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo para subtrair de sua história a era dos direitos e o Estado Providencia. No Brasil, a violência real e gramatical pelo fim da era dos direitos do trabalho e pelo fim do Estado de direitos (nosso Estado do Bem-estar social designado pejorativamente como populista pela oligarquia política em extensão criminosa) já definiu uma conjuntura como recuerdo que é o modo de pensar a revolução do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo do século XXI como prelúdio em uma situação concreta brasileira, na leitura heideggeriana de Lenin. (Heidegger: 141-143).

Encontramo-nos no prelúdio da revolução econômica, política e cultural, neoliberal do globalismo do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. No quadro global de forças da Terra, a Ásia (China, Japão) faz um caminho em direção a se sustentar no capitalismo desenvolvido moderno do primeiro mundo. Como trata-se de uma era de transição histórica, a situação de cada continente e países depende de suas posições na história conjuntural econômica. O recuerdo heideggeriano aponta para a posição capital dos grupos de conjuntura gramatical (em um sentido leninista) que fazem a história.

O caso brasileiro torna-se clássico, pois, o país se encontra nas mãos de um grupo de conjuntura gramatical do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo encarnado em um partido-máquina de guerra freudiano cuja vocação é o uso de violência real ou gramatical sobre o trabalho. Tal grupo de conjuntura está gerando a destruição da era dos direitos e do Estado Providência, entre nós.

Este texto é apenas o primeiro capítulo da investigação do domínio do capitalismo neocolonial gramatical do terceiro-mundo na Terra.




BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Capitalismo corporativo mundial. RJ: Papel & Virtual, 2002
BARBARAS, Renaud. De l’être du phénomène. Sur l’ontologie de Merleau-Ponty. Paris: Millon, 1991
BAUER, Otto. La cuestión de las nacionalidades y la socialdemocracia. Espanha: Siglo XXI, 1979
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. RJ: Editora Campus, 1992
DEBORD, Guy. La société du spectacle. Paris: Gallimard, 1992
DELEUZE & GUATTARI, Gilles & Felix. Mille plateaux. Capitalisme et schizophénie. v. 2. Paris: Minuit, 1980
DELEUZE, Gilles. Foucault. Paris: Minuit, 1986
---------------------  Foucault. SP: Brasiliense, 1988
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. v. 2. Formação do Estado e civilização. RJ: Jorge Zahar Editor, 1993
EWALD, François. L’Etat providence. Paris: Grasset, 1986
GIDDENS, Anthony. O Estado-nação e a violência. SP: EDUSP, 2001
HEIDEGGER, Martin. ¿Que significa pensar? Buenos Aires: Nova, 1972
MARX, Karl. O capital. Crítica da economia política. Livro 1. v. 2. RJ: Bertrand Brasil, 1996
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso. Como as instituições financeiras facilitam o crime. SP: Cultrix, 2017
POPPER, Sir Karl R. Conhecimento objetivo. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975
VIRILIO, Paul. Vitesse et politique. Paris: Galilée, 1977

                         
         
                  

              

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