sábado, 19 de dezembro de 2015

AFUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO WITZ


Na América Latina e especialmente no Brasil a lei não é levada a sério. Isto é um problema da cultura política continental que a comunidade jurídica deveria investigar para mudar tal axioma de nossa cultura política intelectual. Todavia, não levar a sério a forma política é um problema que a física lacaniana historial pode começar a fruir.
A forma republicana brasileira foi confeccionada por um ersatz de revolução republicana. O golpe de Estado do marechal Deodoro e do relutante, inescrutável, general comandante da tropa imperial Floriano Peixoto pode entrar para os anais da cultura witz latino-americana. Machado de Assis transformou em witz o golpe de Estado ao dizer que o único sinal notável da revolução republicana foi a mudança do nome da farmácia de sua rua, no Rio de Janeiro, de imperial para republicana. A república brasileira começa como um simulacro republicano, um witz que é o avesso do sério como comédia histórica vulgar com o marechal clown quase caindo do imponente cavalo branco ao proclamar a República. Ele estava com 41°de febre!
A forma republicana deixou de ser uma comédia histórica vulgar ao destruir o povo encantado de duas rebeliões camponesas. A revolução da contramáquina de guerra mestiça Canudos (Nordeste) e a quase revolução camponesa sertaneja do Contestado (Sul). Para deixar de ser um simulacro, o Exército brasileiro se repeti como a máquina de guerra freudiana da guerra do Paraguai, que usa violência física sem limite e sem um pingo de ética contra os povos: paraguaio, nordestino e sulista.
Na República Velha, a forma republicana torna-se o simulacro democrático oligárquico do café-com-leite (para os mineiros foi a era do ouro da política republicana) combatido pela Coluna Miguel Costa/Prestes e desintegrada pela Revolução de 1930. No comando político e militar da Revolução de 30, encontrava-se um homem biologicamente pequeno, que se tornou o gigante espiritual da cultura política republicana populista clássica brasileira. Abordei em um outro texto a relação entre o grotesco (homem pequeno) e o herói populista (gigante espiritual). Mas ainda falta reler o Getúlio trágico como witz, como personagem da comédia histórica populista vulgar. Impossível denegar toda a violência terrorista de Getúlio no início da década de 1930 e no Estado Novo. Getúlio foi mais violento do que a violência com seu terrorismo transpolítico que funda não o estado e exceção, simplesmente, mas o modelo de Urstaat republicano populista na América Latina do século XX: “Mais violento do que o violento, assim é o terrorismo cuja espiral transpolítica corresponde à mesma escalada até aos extremos, na ausência de uma regra de jogo” (Baudrillard: 30-31). Não se trata, portanto, do terrorismo da revolução islâmica mundial do século XXI.
A cultura política do simulacro é o avesso da cultura política do sério. Sua percepção imediata pelas massas (e pela sociedade) significa que não se deve, não se pode levar a sério a forma política condensada nas instituições (pública e privada), nas práticas em geral e na biografia dos grandes homens do mundo público ou privado. Os paulistas levaram a sério Getúlio e se levantaram em armas na Revolução Constitucionalista de 1932 que produziu entre os  efeitos sérios a Assembleia Nacional Constituinte, que confeccionou a Constituição hiperliberal de 1934.
Getúlio se aproveitou, oportunisticamente, da conjuntura mundial baseada no antagonismo fascismo versus comunismo (no Brasil na luta política e militar do PCB da revolução vermelha e da luta do Partido Integralista de Plínio Salgado para tomar o poder político) para destruir a democracia formalmente hiperliberal de 1934. A comédia histórica vulgar populista criou, então, uma forma política que era o ersatz de um Estado fascista, em 1937.
A conjuntura da Segunda Guerra Mundial se encerrou com a derrota do fascismo para a democracia ocidental-americana. No Brasil, a FEB se transformou em um nano movimento de massas dos pracinhas-heróis do campo de batalha italiano contra o Estado Novo fascista. Transformando a história universal de comédia histórica em comédia histórica vulgar, Getúlio Varga e o PCB (Luís Carlos Prestes) criaram o “queremismo”. Tratou-se de um movimento de massas que gritava nas ruas do Rio de Janeiro (capital política do país) “queremos Getúlio”. Prestes passou anos preso como um animal vira-lata na prisão varguista e teve sua esposa assassinada pelos nazistas em um campo de concentração. Getúlio entregou Olga Benário Prestes para os fascistas alemães.  A conciliação de Prestes com Getúlio é um momento alto da cultura política witz da história do comunismo brasileiro. O leitor deve saber que Getúlio foi deposto por um golpe militar. A democracia populista de 1946 se origina na farda verde-oliva. Esta foi um símbolo glorioso da cultura política brasileira até os militares (com a ajuda intelectual de Delfim Neto) erguerem o Urstaat militar/68 (de 1968).
Os comunistas levaram a sério esta forma política e a combateram com as armas do terrorismo urbano e da guerrilha rural. Foram esmagados como a revolução vermelha do capitão Luís Carlos Prestes. Mas o povo não levou a sério o terrorismo transpolítico do Urstaat/68 (o transformou em witz). No ocaso da ditadura militar, Geisel e Golbery escolheram um general witz para governar: o general Figueiredo. Tratou-se de um general-presidente clown que impossibilitou a continuação da ditadura militar por outros meios. O meio era o vice-presidente da República de Figueiredo, o mineiro civil boa-gente Aureliano Chaves. Outro mineiro, um Macunaíma da oligarquia liberal mineira, o herói maquiavélico Tancredo Neves (para o general Figueiredo Tancredo Never) desenvolveu as contradições biográficas e faccionais da ditadura militar e ajudou a autodissolver, no Colégio Eleitoral da ditadura militar, tal forma política. Trata-se de um momento sublime da história brasileira como comédia histórica vulgar.
 O povo também não levou a sério o governo autocrático de Sarney. A classe política witz e os intelectuais escreveram a comédia histórica vulgar da forma política sarneysista como transição verdadeiramente séria (interminavelmente witz na realidade)  para a democracia de 1988. A classe política, a comunidade jurídica e o jornalismo conjuram aquela forma autocrática como democrática e Sarney como campeão da democracia de 1988.
Com o Império oligárquico Constitucional erguido no papel na Sessão 17 do STF (sessão do dia 17/12/2015), o pai da oligarquia moderna brasileira (José Sarney, do Maranhão) pode ser tomado como o símbolo tardio de tal império. A fundação do Império Oligárquico Constitucional é o último capítulo da história republicana como comédia histórica vulgar populista. Mas se trata do populismo em sua forma islâmica, populismo sobredeterminado pela revolução islâmica mundial.
O último livro da sociologia paulista de Brasílio Sallum Jr. não trabalha com a distinção entre cultura do sério e cultura do simulacro. Ele faz um retrato de Sarney como campeão da democracia e não consegue perceber que o governo Collor de Mello é um momento trágico, para a democracia de 1988, da comédia histórica brasileira vulgar da década de 1990. A sociologia da USP sempre pensou a história e a cultura política brasileiras como lógica do sério. Assim, eles se levavam a sério como modernistas. O eu trans-subjetivo uspiano é witz por se levar grotescamente a sério. Por isso, eles odiavam e desprezavam Mário de Andrade e, principalmente, Oswald de Andrade. Ambos modernistas pensaram a cultura brasileira como comédia histórica e a nossa cultura intelectual como witz, incluindo Machado de Assis e a sua Academia Brasileira de Letras (ABL). Não foi só a burguesia paulista que gritou: “abaixo a Semana de Arte Moderna”!    
Dando um salto livre para o presente, a corrupção é um tema corriqueiro do Grupo Globo. Afundação Roberto Marinho é um livro de um auditor do Grupo Globo, Romério C. Machado. Tal auditor fez uma radiografia da corrupção - desta corporação da cultura eletrônica informacional - na época do patriarca oligárquico do mundo subcapitalista. Romério escreveu que Roberto Marinho nunca levou a sério o modelo de corrupção institucional privado do Grupo Globo. Roberto via a sua própria corrupção [havia uma identidade absoluta ente a corporação e a biografia (eu trans-subjetivo) de Roberto Marinho] como witz.
Algo mudou da era Marinho para a era do Grupo Globo de 2015? A campanha para as massas de telespectadores sobre corrupção parte do axioma de que todo o povo brasileiro (a sociedade brasileira) é corrupto. Por isso, a classe política é corrupta e os funcionários estatais são corruptos. Identidade absoluta entre a sociedade corrupta e sua classe política corrupta. O jornalismo global foraclui que a classe empresarial é corrupta. Claro que a campanha da corrupção do Grupo Globo é a comédia histórica vulgar eletrônica informacional vulgar que domina a cultura política intelectual brasileira de 2015. O significante eletrônico informacional corrupção do Grupo Globo é uma arma RSI (Real/Simbólica/Imaginária) voltada para a articulação do Império Oligárquico Constitucional da Okhrana na América Latina!       
O Grupo Globo bolivariano da oligarquia peemedebista do Museu do Amanhã da Praça Mauá participou ativamente e alegremente do golpe de Estado do STF/17. Tal golpe transformou a forma republicana em um espectro - uma alma penada à procura de um corpo político na Terra. Em Belém do Pará da minha infância feliz, a alma penada habitava as ruas, casas e cemitérios da polis ao lado dos simples mortais. Quando descobri a teoria política concreta do espectro em Marx (vivia na prosaica, quase vulgar e witz, cidade do Rio de Janeiro), tive um reencontro com os fantasmas do inconsciente nietzschiano da Floresta Amazônica, inconsciente da polis na qual vive minha infância banhada em mitos. Para não parecer uma paródia da fala dos juízes do STF, não vou acabar este texto com uma citação em latim da missa negra da sociedade alternativa do filósofo inglês John Gray.  
BIBLIOGRAFIA
BAUDRILLARD, Jean. As estratégias fatais. Lisboa: Editorial Estampa, 1991
MACHADO, Romério C.. Afundação Roberto Marinho. Porto Alegre: Editora Tchê!, 1988
SALLUM JR, Brasilio. O impeachment de Fernando Collor. Sociologia de uma crise. SP: Editora 34, 2015             
  

           

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

REVOLUÇÃO OLIGÁRQUICA NA AMÉRICA LATINA


De caio Prado Jr, “A Revolução Brasileira” iniciou a dissolução do conceito sociológico de oligarquia rural conservadora, reacionária e autárquica. Mas o fez na cultura intelectual que é a unidade teoria sem prática. Com efeito, Caio Prado busca fatos na história do Brasil quase estabelecendo a ideia de uma revolução oligárquico-burguesa: “Isso se aplica inclusive, e mesmo especialmente, podemos dizer, às relações entre os setores agrários e industrial, que longe de se oporem, antes se ligam intimamente entre si e se amparam mutuamente em muitas e essenciais circunstâncias” (Prado: 116). No entanto, ele pensa em uma oligarquia revolucionária determinada pelo capitalismo. O marxismo de Caio Prado é parte de uma epistemologia política que tem um fundamento in re da oligarquia revolucionária. Ele é de uma família de fazendeiros paulistas do café.
Em 2015, a oligarquia revolucionária parece se articular revolucionariamente na Venezuela. Trata-se da transição da cultura intelectual marxista brasileira para a cultura política intelectual venezuelana. Não se trata de uma oligarquia revolucionária definida simplesmente pela sociologia economicista marxista. Na conceituação de oligarquia revolucionária de Caio Prado, o economicismo sociológico está no comado da cultura política. Na Venezuela, a cultura política econômica está no comando da política oligárquica revolucionária.  
A oligarquia revolucionária de Leopoldo López, Lilian Tintori, María Corina Machado  e Henrique Caprilis é um fenômeno do processo de dissolução da cultura política bolivariana contrarrevolucionária. Tal dissolução está associada à desintegração do poder simbólico bolivariano na América Latina. Na política, isto começa com a vitória de Macri na Argentina, continua com o movimento de deposição de Dilma Rousseff no Brasil (impeachment) e a vitória da MUD (Mesa de Unidade Democrática) na Venezuela.
Intuitivamente, Nicolás Maduro atribuiu a vitória da MUD a uma imaginária “guerra econômica” patrocinada pelo imperialismo americano. O jornalismo usa matemática como informação para estabelecer uma realidade econômica indeterminada conceitualmente. Trata-se de mostrar que a guerra econômica de Maduro é, de fato, a economia de guerra civil bolivariana. Isto significa a cultura política econômica no comando da política na interpretação da física lacaniana da política mundial.
A economia de guerra não é um simples fato econômico. Não se trata de um fenômeno articulado por uma causalidade fáctica. Ela é um artefato econômico. Por isso se trata de cultura política econômica - fato econômico trabalhado pela cultura política como artefato. Visando não cansar o leitor, digo que a mudança para o câmbio controlado em 2003 significou o início do fim da economia de mercado. O câmbio controlado da revolução bolivariana é o prenuncio da economia de guerra civil. O uso do petróleo para financiar a revolução é um outro sintoma da economia de guerra bolivariana? A gasolina doada graciosamente para a população é um mecanismo da economia de guerra bolivariana. Ela é uma política irresponsável de destruição da petrolífera venezuelana. O montante das divisas do petróleo é de 95% de sua receita em moeda estrangeira. O preço do barril caiu de 96 para 40 dólares na última conjuntura econômica mundial. O leitor pode concluir as consequências deste fato matemático.     
As Missões é o nome dos programas sociais financiado pela receita petrolífera que constituem 95% das divisas. A revolução destruiu a economia agrícola para desintegrar a oligarquia colonial conservadora e reacionária, para dissolver o poder político oligárquico. E, infelizmente para o povo venezuelano, não a substitui por qualquer outro tipo de economia rural ou urbana. Hoje, a economia vive uma recessão com a contração do PIB em 10%. A moeda (bolívar) caiu para 792 por dólar no mercado negro, enquanto a taxa oficial permanece em 6,3%. Os preços dos alimentos básicos são fixos e isto está associado à carestia e ao desabastecimento. Como em Cuba e na Coréia do Norte, as massas só conseguem alimentos durante três dias na semana. No entanto na Venezuela, os remédios e medicamentos em geral desapareceram das farmácias, clínicas e hospitais. As massas de pessoas com câncer são obrigadas a se resignarem com a crônica da morte anunciada. A economia bolivariana é a economia de guerra civil contra as massas, em geral. A projeção da inflação é de 159% em 2015 e de 204%, em 2016. 
O jornalismo especializado da Globo News desinforma e contrainforma diariamente o seu telespectador construindo a imagem de uma oposição desunida na MUD. E não diz algo consistente sobre o recuo de Maduro que reconheceu a vitória da MUD e não fraudou o processo eleitoral, após declarar que ia instituir a política de banhos de sangue para garantir a “revolução bolivariana”. De fato, tal revolução se metamorfoseou em uma contrarrevolução bolivariana. A economia de guerra civil é o conteúdo da cultura política econômica que define a política venezuelana como um antagonismo contradialético entre a revolução oligárquica e a contrarrevolução bolivariana.
Tal revolução oligárquica começou com Macri, continuou com o PMDB de Michel Temer (impeachment) e a adaptação do animal político bolivariano petista/dilmista ao novo equilíbrio de força entre a oligarquia revolucionária e o bolivarianismo, derretido pela lógica do desmoronamento. Aconselhada pelo ministro da Justiça, Dilma Rousseff enviou mensagens à Maduro de que ele seria suspenso do MERCOSUL, se ele fraudasse a eleição. A ideia da suspensão é de Macri. Maduro está isolado no cenário internacional e é hoje um refém da China, que não tem um papel político decisivo no poder mundial em relação à América.  
A Globo News diz que a oposição é um saco de gatos famintos. A MUD é uma frente de partidos que vai do centro-esquerda à direita mais conservadora. Ela significou uma mudança na tática da oposição que passou do caminho revolucionário violento para a revolução pacífica pelo voto. Ela quer tomar o poder de Estado pela via eleitoral para isolar completamente Nicolás Maduro no concerto das Nações e no seio das massas venezuelanas. Em seguida, Nicolás Maduro pode renunciar ou pode ser deposto através de um impeachment. Maduro representa o terrorismo bolivariano de Estado na América Latina.
 Representando Leopoldo López, Lilian Terturi declamou: “Ganhamos, queremos paz e reconciliação”. Ela é a chefe atual livre da Vontade Popular da revolução oligárquica que havia optado pela derrubada de Maduro através de uma revolução violenta.
Em 2015 na América Latina, começou a ser esboçado a construção de um poder simbólico oligárquico. Trata-se de uma trans-subjetivação oligárquica de massas que é uma superfície RSI (Rela/Simbólica/Imaginária) contínua à superfície de uma trans-subjetividade de massas mundial. A contradição principal na cultura política mundial se dá entre a oligarquia informacional mundial contrarrevolucinária e a oligarquia islâmica assustada (espantada) com seu protagonismo na política mundial. A trans-subjetividade islâmica é o fantasma de uma revolução mulçumana mundial.
Se livrando da dominação da cultura política do simulacro mundial que ocultou a presença avassaladora da economia de guerra civil no planeta, o século XXI aparece como um século revolucionário acossado pôr contarrevoluções no centro e na periferia. A cultura política informacional não vai conseguir transformar a revolução em witz (transformá-la em comédia histórica vulgar) para em seguida foracluí-la (rejeitá-la) da cultura política mundial. Na França, François Hollande é a contrarrevolução ecológica  e os ambientalistas (que ele encarcerou - na COP 21 em Paris - através de seu estado de exceção parlamentar-constitucional) são o fantasma do futuro da trans-subjetividade ecológica de massas. Esta aparece no horizonte como a revolução ecológica com o capital corporativo ecológico mundial ou sem ele.  
A trans-subjetividade ecológica é a subjetividade ecológica das massas sem sujeito na cultura política intelectual mundial. Na cultura intelectual, ela significa o fim, afinal, da filosofia do sujeito!     
Bibliografia
CAIO PARDO Jr. A revolução brasileira. SP: Brasiliense, 1987
Outros

Jornalismo diário da Globo News                                                                

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

BAUDRILLARD: ESQUERDA/DIREITA

      CONTRACIÊNCIA POLÍTICA LACANIANA
  • “Não existe metalinguagem, portanto, mas o escrito que se fabrica com a linguagem poderia, talvez, ser um material dotado de força para que nela se modificassem nossas formulações. Não vejo outra esperança para os que escrevem atualmente.” (Lacan. S. 18: 116)  
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  • Em uma de seus dizeres brilhantes e axiomáticos, Marx diz: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos” (Marx. 1974: 335). Os homens fazem a história desde quando? Não seria a partir da ANTIGUIDADE GRECO/ROMANA e depois na era moderna? Se Hegel estiver certo (e Nietzsche concorda parcialmente com ele), a história é feita pela dialética senhor-escravo até a modernidade política. Homens fazendo história significa liberdade na praxis. Isso só existiu na polis grega e na república romana e, mutates mutandes, na modernidade política até a emergência do totalitarismo: russo e alemão. Estes mostraram que os homens não fazem a história; que a máquina de guerra (neste caso psicótica) faz a história. 
  • O totalitarismo sobredeterminou as cadeias de significantes e a linguagem política da história universal. A partir do stalinismo e do hitlerismo pode-se ver clara e distintamente que as máquinas de guerra fazem a história desde a civilização arcaica. Em breves momentos da política universal os homens, as mulheres e as crianças fizeram a história. Portanto a história universal é esta dialética, em última instância, -  sempre favorável às máquinas – entre a máquina de guerra e o homem. Por último, a tradição de todas as máquinas desintegradas pelo tempo pesa como chumbo no cérebro das máquinas vivas? A máquina de guerra é o significante universal da história universal a partir da civilização arcaica. Ele sempre retorna de forma diferente e lúdica: “Qual é a função do esquecimento, nessa revelação? Ainda mais particularmente, não será o esquecimento a fonte e, ao mesmo tempo, a condição indispensável para que o Eterno Retorno se revele e transforme, de uma só vez, até mesmo a identidade daquele a quem ele se revela” (Klosowski: 76). A consciência da máquina de guerra (se ex-istir) só será estabelecida se as outras possíveis identidades dela forem esquecidas. De qualquer modo, os homens, as mulheres e as crianças sempre esquecem que as máquinas de guerra sempre dominaram a história política universal. A dialética hegeliana senhor versus escravo pode agora ser vista também como a dialética máquina de guerra versus homem!  
  • O livro mais importante e original sobre a máquina de guerra freudiana é o “L’échange symbolique et la mort”. O modelo de máquina de guerra que sobredetermina a história universal é o capital, na definição de Marx (Baudrillard. 1976:7-12). O capital é uma máquina de guerra articulada pela lei do valor – pela lógica econômica do simulacro de simulação – que aparece na história universal arcaica: “O capital PRODUTOR de juros, ou, como podemos chamá-lo em sua forma antiga, o capital usurário, pertence, como o irmão gêmeo, o capital mercantil, às formas antediluvianas de capital que por longo tempo precedem o modo capitalista de produção e se encontra nas mais diversas formações econômicas da sociedade” (Marx. 1985: 680). A hipótese de Baudrillard precisa ser investigada e usada como modelo lógico na história política universal. No entanto, é preciso evitar que tal modelo baudrillardiano não transforme a história política universal em uma visão de mundo economicista. O risco baudrillardiano é fazer da história universal uma visão de mundo totalitária, transformá-la na concepção de mundo do homem unidimensional de Marcuse.               
  • I
  • Bobbio esclareceu na década de 1990 que a linguagem política é por si mesma pouco rigorosa, pois em grande parte feita de palavras extraídas da linguagem comum. "Mais do que pouco rigorosa do ponto de vista descritivo, é composta de palavras ambíguas, senão mesmo ambivalentes, no que se refere a conotação de valor". Qualquer criança de dez anos sabe que esquerda/direita são metáforas espaciais da linguagem política inventada na Revolução Francesa. "Direita" e "esquerda" não são conceitos absolutos, mas relativos. Não são conceitos substantivos ou ontológicos. Não são qualidades intrínsecas ao universo político. São lugares do "espaço político"; representam uma determinada topologia política, que nada tem a ver com ontologia política. Direita e esquerda não são palavras que designam conteúdos fixos de uma vez para sempre. "Esquerda/direita são termos que a linguagem política europeia passou a adotar no decorrer do século XIX, e preserva até hoje, para representar um universo conflituoso da política"
  • O problema da explicação de Bobbio é que ele não metabolizou/simbolizou a revolução cultural/intelectual do pós-modernismo europeu. Quando esquerda/direita tornaram-se simulacros existindo no regime oligarquia política híbrida, o par perdeu todo o seu potencial dialético. Com o neoliberalismo, esquerda/direita tornaram-se o homem unidimensional (Marcuse) do espaço político como simulacro de simulação. O espaço político movido pela lógica do simulacro de simulação introduz a esquerda no paraíso artificial da política (Baudrillard). A esquerda esquece a emancipação, ou simula que luta pela emancipação e a direita simula a defesa da tradição. Engraçado, pois esquerda e direita tornaram-se duas categorias tradicionais da política na segunda metade do século XX. No entanto, trata-se da tradição como simulacro de simulação.
  • Direita/esquerda podem ser parte de uma cultura política nacional, regional, continental, mundial. Elas podem funcionar como artefatos ideológicos poderosos dependendo da história, por exemplo, nacional.
  • A cultura política opera com metáforas espaciais, se elas fazem parte da tradição histórica. Esquerda/Direita são metáforas da política mundial. No entanto, elas precisam se constituir nas histórias dos países, regiões ou continentes. Na cultura política, a metafórica é parte da lógica do significante. O significante é algo material, pois ele articula/produz a realidade política. A metáfora espacial é vivida como "real" pelos governos, partidos, eleitores, população, multidões, etc.. Mas a cultura política pode ser capturada pela lógica do simulacro de simulação. 


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

CRISE DO BOLIVARIANISMO E GOLPE DE ESTADO

No Brasil, o populismo é um fenômeno que se constitui como efeito da Revolução de 1930. Durante três anos, Getúlio instala um estado de exceção que é a redução da política ao quase grau zero da hegemonia. Governar no lugar do bloco-no-poder define a política getulista até 1934. Neste período Getúlio lança o modelo populista com a articulação das massas urbanas ao Estado pelo laço social do direito trabalhista: discurso do direito.
Em outra conjuntura, o Estado de direitos populista se tornaria um Estado industrial. Fundada em uma transsubjetividade histérico-oligárquica, a nossa história se vê confrontada pela história do Príncipe republicano populista: urbano-rural. O estado histérico-oligárquico colonial significa as mil republicas dos pequenos oligarcas, dos pequenos mestres oligárquicos. A República Velha foi seu apogeu político. O histérico-oligárquico significa que a realidade política não é jamais articulada pelo Príncipe hegemônico. Aquele é histérico por tornar impossível a articulação da realidade política pelo discurso do mestre hegemônico! Ele é a destituição do saber do grande mestre freudiano, permanentemente.
Getúlio suprassume os mil mestres oligárquicos como Príncipe populista. A história da constituição da cultura política populista é o corolário do Príncipe. Tal cultura articula um bloco-no-poder industrial nacional populista que lança na América Latina a ideia e o fantasma do futuro de um novo polo de poder capaz de mudar o equilíbrio de força - completamente favorável aos EUA - na América Latina, dissolvendo a fórmula “as Américas para os americanos”.
Getúlio é confrontado pelas forças do bloco-no-poder ligadas ao EUA e se suicida após a solução oligárquica – da cultura política sulista - de seu afilhado (Gregório Fortunato, o anjo negro de Getúlio) que resolve assassinar Carlos Lacerda, inimigo figadal letal de seu mestre. A República do Galeão entra em ação e impulsiona um levante branco dos generais comodantes de tropas contra o presidente da República, que engolfa os ministros militares. A República do Galeão era composta por oficias da aeronáutica que funcionava como um grupo paramilitar sob o comando monocrático de Carlos Lacerda (UDN).
Após um breve intervalo do governo Café Filho (vice de Getúlio) entre 1954-1955, Juscelino Kubitschek (JK) toma o poder nas eleições presidenciais e retoma a construção do Príncipe populista agora moderno/urbano, entre 1956-1961. Com ele, o Príncipe se torna uma revolução populista das classes médias urbanas, uma cultura política populista intelectual moderna na arquitetura, música, teatro, cinema, etc. A Praia de Copacabana, a Bossa Nova e Brasília são os símbolos deliciosos, na era JK, da revolução populista como junção de princípio de prazer e princípio da esperança. Mas a política continua sob controle oligárquico com a UDN, o PSD e o PTB quase populista. Esta defasagem entre a cultura política e a política é reduzida pela instalação da formação do capital dependente e associado industrial. JK havia encontrado o caminho para a revolução populista em uma aliança econômica com o capital industrial estrangeiro que não era majoritariamente americano. Com uma intenção populista-bonapartista, o paulista Jânio Quadros substitui  JK e participa de um golpe de Estado branco - contra si próprio - antes de  completar um ano de governo.
Vice de Jânio, João Goulart é proibido de assumir plenamente o poder executivo pela ESG (General Geisel e o coronel Golbery de Couto e Silva) que em aliança com a oligarquia política realiza um golpe de Estado branco/parlamentar, que implanta o parlamentarismo. Depois de liderar um movimento exitoso para a volta do presidencialismo, Goulart deixa claro que quer a mudança da Constituição que permita a participação dele na eleição presidencial de 1965. JK era o outro candidato populista. Sem chances de vencer a eleição, a UDN com Carlos Lacerda se alia ao IPES/IBAD/CIA para desfechar o golpe de Estado civil-militar que implantaria, em 1964, a ditadura militar no país.
Entre 1964 e 1968, a esquerda marxista e/ou populista dirige a oposição na política formal e na política de massas. Em 1968, um populismo militar conservador desfecha um golpe de Estado dentro do golpe e instala um Urstaat militar. É o tempo do terrorismo urbano de esquerda e das guerrilhas  rurais do PCdoB e da APML. A história do populismo de esquerda parecia que tinha sido encerrada!
Na década de 1970, a cultura populista de esquerda quase marxista articulou-se à Teologia da Libertação populista, ao novo sindicalismo populista de Lula e, finalmente, ao PT. Este caldo de cultura política fez renascer o Príncipe populista , na política, em uma nova versão: bolivarianismo de esquerda. No campo simbólico para si da década de 1960, de Glauber Rocha, o filme "Terra em Transe" é a bíblia tropicalista (romance universal) do bolivarianismo de esquerda, secundado pelo "Tropicalismo" de Rogério Duprat, Tom Zé, Gil e Caetano. A cultura política bolivariana de esquerda nasce no Brasil, mas só aparece como significante com Hugo Chaves, na Venezuela, quase duas década depois da fundação do PT.
O bolivarianismo tem sua raiz na cultura intelectual populista clássica da Cepal, de Raúl Prebisch e Celso Furtado, na década de 1940. FHC foi a parte moderna do populismo cepalino, na década de 1960, com a teoria do capital dependente e associado como hegemônico no bloco-no-poder dos países da América Latina. FHC foi o pai intelectual do bolivarianismo de direita na América Latina. FHC tomou o poder nacional na década de 1990 e o entregou para o bolivariano de esquerda Lula da Silva no início do século XXI.
O bolivarianismo é o poder simbólico que articula a realidade política por uma lógica de sentido sustentada por uma fé islâmica laica das massas intelectuais na cultura política bolivariana. Não se trata de uma crença na dominação burocrática racional (partido/Príncipe moderno ou Estado moderno), mas de uma crença em um poder quase racional de fazer a gestão do irracional. A fé islâmica é mais profunda na Venezuela, pois aí o bolivarianismo é um fenômeno econômico que beneficia uma parte considerável da população pobre e não-pobre. Mesmo com a Venezuela mergulhada na economia de guerra (que desarticulou a economia de mercado), o bolivarianismo chavista está longe de ensarilhar as armas. A fé islâmica das massas bolivarianas pode ser a arma que os exércitos bolivarianos precisam para aprofundar a revolução chavista. O golpe de Estado bolivariano é o fantasma do futuro da conjuntura, que é pontuada pela eleição parlamentar de dezembro de 2015.
No Brasil, a crise estrutural da hegemonia do capital dependente e associado no bloco-no-poder abalou o bolivarianismo petista. O PT nada fez para mudar o curso desta crise cuja lógica encontra-se na globalismo do capital corporativo mundial. A lógica do desmoronamento da Petrobrás foi outro golpe de Estado pombalino que o bolivarianismo deu contra si próprio. Uma linha de força histórica se constitui como um tempo histórico que corrompe e dissolve a cultura política bolivariana como poder simbólico. Isto significa que a realidade política pode deixar de ser articulada pela lógica de sentido bolivariana. Nesta linha de força histórica, o bolivarianismo caminha para sua autodissolução como cultura política intelectual. Isto está visível com a perda do controle da narrativa política, que o PT manteve na era Lula. Trata-se do fim do Projeto Hegemonia Petista. A decomposição do bolivarianismo pode ser percebida no estado de confusão ideológico/transsubjetiva que se instalou na comunidade psicanalítica bolivariana. Parece que o Príncipe Bolivariano está se transformando em vapor. Já é possível ver que o bolivarianismo é incapaz de se estabelecer como equilíbrio de antagonismo: “Heráclito (dizendo que) o contrário é convergente e dos divergentes nasce a mais bela harmonia, e tudo segundo a discórdia”. Talvez, o golpe de Estado bolivariano não seja um fantasma do futuro apenas venezuelano. No programa Política da Globo News dirigido pelo jornalista bolivariano Carlos Monforte, o general da cúpula do Exército Brasileiro Luiz Felipe Linhares defendeu a legislação antiterror como um artefato  necessário para a atividade da Okhrana  brasileira, Disse que esta é articulada à Okhrana mundial (Comunidade de Informação Mundial). O general disse que taxistas, garçons (podemos acrescentar aí porteiros de prédios comercial e residencial) são os olhos e ouvidos das redes informacionais (de Vigilância) da Comunidade de Informação Brasileira. Os leitores precisam ler o Sobre Heróis e Tumbas, de Ernesto Sábato. O melhor livro latino-americano sobre as máquinas de guerras freudianas informacionais ficcionais! A Okhrana bolivariana não é o ovo da serpente no século XXI latino-americano?           
No “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, o fantasma do futuro é o contraconceito de tempo político que pode definir a linha de força histórica que articula a realidade política. Nas palavras de Marx:
“O golpe de Estado fora sempre uma ideia fixa de Bonaparte. Com esta ideia em mente voltara a pisar o solo francês. Estava tão obcecado por ela que constantemente deixava-a transparecer. Estava tão fraco que, também constantemente, desistia dela. A sombra do golpe de Estado tornara-se tão familiar aos parisienses sob a forma de fantasma, que quando finalmente apareceu em carne e osso não queriam acreditar no que viam. O que permitiu, portanto, o êxito do golpe de Estado não foi nem a reserva reticente do Chefe da Sociedade de 10 de Dezembro nem o fato de a Assembleia Nacional ter sido colhida de surpresa. Se teve êxito, foi apesar da indiscrição daquele e com o conhecimento antecipado desta – resultado necessário e inevitável de acontecimentos anteriores”.

Pedro I fundou o Império democrático com um golpe de Estado pombalino. Fundou um simulacro de Império liberal/pombalino, como disse Joaquim Nabuco. O Brasil é a terra da cultura política do golpe de Estado pombalino. O bolivarianismo mortalmente ferido no campo simbólico não pode se servir desta técnica pombalina tradicional do golpe de Estado para se perpetuar no poder político com a ajuda da economia de guerra  (capaz de gerar uma spaltung no mundo brasileiro) que está batendo furiosamente à porta da economia de mercado? Nos últimos meses quantos vezes o jornalismo e a classe política falaram em golpe de Estado? Agora ele se encontra na forma de vapor. Mas ele não pode estar em processo de condensação material no mundo invisível da cultura política? Brasil e Venezuela não é um xifópago bolivariano?  
Com a bênção da União Européia, o estado de exceção quente articulado hoje na França não pode se tornar o paradigma/fantasma do futuro, no campo da cultura política intelectual mundial, da política do século XXI? Parece que não há descontinuidade entre a superfície bolivariana latino-americana e a superfície da política europeia (França) em novembro de 2015                                                                                                                          

terça-feira, 17 de novembro de 2015

ECONOMIA DE GUERRA E ESQUERDA BOLIVARIANA


Na ciência econômica da guerra, o neoliberal clássico Hayek se submeteu, conscientemente, ao grande teórico do capital monopolista nacional de Estado: Keynes. Na teoria da economia de guerra, o problema central é a relação entre gastos deficitários e receitas públicas. Em tal economia, o populismo da irresponsabilidade fiscal de Keynes deixa de ser uma norma econômica patológica para se transformar na única solução para a vida econômica territorial. Há uma espécie de normalização do pathos: - claro que o orador populista bolivariano se serve de argumentos quase racionais, mas não pode deixar de usar o seu carisma e a sua habilidade oratória para convencer as massas intelectuais. A economia de guerra é um objeto da ciência econômica carismática e retórica capaz de evitar as revoltas das massas em estado de extrema necessidade. Na atualidade, ela faz pendant com a cultura política informacional sedutoramente espetacular. Esta é capaz de transformar a miséria das massas urbana e rural em informação espetacular, em medusa sedutora. Tal adaptação das massas à economia de guerra está a pleno vapor na Venezuela.      
A questão cadente da economia de guerra é - quem paga pela guerra? A Venezuela instalou a economia de guerra, quando o bolivarianismo chavista estabeleceu que a economia oligárquica liberal era o inimigo a ser aniquilado. A conservação do poder bolivariano exigia a destruição do conteúdo econômica do poder político oligárquico. O bolivarianismo chavista é a forma mais extrema do populismo pós-modernista na América Latina. Tal bolivarianismo é um populismo de irresponsabilidade fiscal sem limite que usou a riqueza da nação (renda do Petróleo) para financiar um estado de economia de guerra permanente. Este ergue uma forma de regime político/econômico no qual massas improdutivas e a subelite bolivarianas gastam improdutivamente a riqueza da nação. Jamais passou pela cabeça de Hugo Chaves usar a renda do petróleo para qualquer projeto de industrialização no país. Em 2015, a Venezuela de Maduro saiu do estado latente da economia de guerra para o abismo da economia de guerra.
A economia de guerra manifesta se caracteriza pela lógica do desmoronamento da economia de mercado e das instituições econômicas e outras instituições não-estratégica para a conservação do poder bolivariano. Na Venezuela, falta alimento, produtos de higiene, remédios, material hospitalar, produtos escolares, papel para a imprensa etc. A energia elétrica e a água são bens de consumo cada vez mais raros. O transporte de massas alcançou o nível cubano. Enfim, trata-se de um estado de miséria material impossível de esconder com o nefasto discurso ideológico bolivariano. Por isso, o presidente Maduro encarcerou os líderes da oposição oligárquica liberal capazes de comandar um levante popular contra o bolivarianismo. E diante da eleição parlamentar de dezembro perdida, fala de golpe de Estado antibolivariano das massas eleitorais oligárquicas.
O modelo brasileiro é um modelo híbrido bolivariano/oligárquico. O governo FHC foi governado pelo PSDB (bolivarianismo de direita) com o PFL (oligarquismo articulado como simulacro de liberalismo econômico). Nos governos Lula/Dilma Roussef, o país foi governados pelo PT (bolivarianismo de esquerda) com o oligarquismo conservador colonial peemedebista (PMDB). A lógica de sentido da realidade política brasileira da República Democrática pombalina de 1988 é articulada pelo subpoder simbólico bolivariano com suplemento oligárquico. O xifópago bolivariano (PT/PSDB) se distingue imaginariamente – para as massas intelectuais ideologicamente disponíveis – como esquerda versus direita liberal. A universidade estatal bolivariana é a instituição que acolhe caninamente tal paradigma esquerda versus direita. Hoje, um professor planeja um curso de graduação sem saber se ele será concluído. O déficit emergencial bolivariano no orçamento da universidade é parte da economia de guerra na educação, que impede que ela funcione como uma instituição racional. A irracionalidade é a “lógica” da vida da universidade estatal. Mas a universidade não rompe com o bolivarianismo!   
O Brasil não instala o estado de economia guerra do tipo venezuelano. Ele conserva a economia como lógica oligárquica do simulacro de simulação, que Celso Furtado estudou na década de 1970. O bolivarianismo de esquerda lulista instalou o mecanismo do estado de guerra econômico (extraído do governo FHC) com o Bolsa Família. A economia brasileira jamais deixou de ser uma economia dependente subdesenvolvida, como Espírito Objetivo. A questão nordeste denuncia o desenvolvimento desigual territorial com tal região subdesenvolvida submetida à região Sudeste em aliança com o  Sul e o Centro-Oeste semidesenvolvidos. O desenvolvimento desigual dependente e associado fez do Sudeste (São Paulo) o centro econômico do pais. Nesta região funcionava um simulacro de simulação de economia de mercado, pois se tratava, de fato, de um subcapitalismo moderno do Engenho de cana-de-açúcar.
No governo Dilma Roussef, a governança oligárquica neoliberal de um Joaquim Levy quer usar Hayek sem Keynes. Quer cortar o Bolsa Família - símbolo keynesiano da economia de guerra bolivariana na paz e na guerra. Os economistas veem este problema candidamente como um quid pro quo entre cavalheiros desenvolvimentistas keynesianos e neoliberais hayekeanos.
A Venezuela vive, atualmente, na economia de guerra a céu aberto. A vida venezuelana mergulhou na mais negra irracionalidade. Um estado de loucura permanente se avizinha nesta pátria. E, apesar de tudo, o bolivarianismo crê que pode conservar o poder político. A aproximação de Maduro com o islã político, nos leva a ver (e ouvir) que o bolivarianismo se sustenta pela fé islâmica laica das massas chavistas no poder simbólico bolivariano. O Brasil atual petista também não possui esta fé de islamismo político no poder simbólico bolivariano?
Em outro texto escrevi:
                
Assim como o imperialismo é história territorial, a DEPENDÊNCIA é história territorial e uma linguagem ideológica oca na relação ideia/fenômeno da atual história mundial. A dependência significa subcapital industrial dependente e associado. Vamos falar de fatos. Não é esta dependência que está em desintegração no Brasil (e na América Latina)? O subcapital industrial paulista não está vivendo sob o tacão da lógica do desmoronamento econômica? Isto não é a essência da CRISE BRASILEIRA? 
A economia de guerra do bolivarianismo de esquerda não é o apogeu da crise do capitalismo territorial no planeta?                                     

            

sábado, 14 de novembro de 2015

PARIS SOCIALISTA- PODER POLÍTICO CIVIL MILITARIZADO


Um problema cadente da filosofia e das ciências naturais é o VER. A biologia precisou de um aparelho-prótese do olhar científico (o microscópio) para constituir a natureza como realidade do real. Mas o senso comum dessa realidade natural só a conhece através dos efeitos maléficos sobre o corpo humano que tem como causa as quase-coisas: vírus, bactéria etc. Ou conhece através do combate dada a elas pela medicina: remédios. A astrofísica precisou do telescópio para constituir o cosmo celestial como algo inteligível para a ciência moderna.
A política mundial é uma realidade micro e macro. E não existe aparelho-prótese que seja a alavanca da investigação científica no campo da ciência política lacaniana. Então, como desenvolver a cultura do VER neste campo de pensamento? A filosofia é conciliação com a realidade (filosofia hegeliana do Estado) ou é conciliação da realidade com a filosofia (o fascismo como conciliação com a filosofia nietzschiana).
A contraciência política lacaniana trabalha com o tempo na história mundial. Se o tempo fático é um impossível freudiano, o tempo artefático é um raio em um céu azul. O artefato é o fato articulado como lógica de sentido do mundo; o artefato é o fato (real) como realidade do real, isto é, articulado como lógica de sentido do real: lógica fática. O artefato é o fenômeno como realidade do real; como lógica do sentido, a coisa fatual se dissolve no fenômeno. Como realidade mundial, o artefato é o fenômeno constituído pelo poder simbólico que articula o real da coisa como lógica do sentido da realidade do real.

A história universal tem sido a história da luta pela posse do poder simbólico sobre as coisas e as pessoas. A luta se faz no terreno da cultura política intelectual mundial, em geral. A partir da antiguidade greco-romana, o paradigma de poder simbólico é o poder metafísico. Como o poder simbólico constitui a elite, a elite greco-romana é a forma de elite aristocrática (metafísica): Príncipe Philosophia. Na era moderna, o poder simbólico europeu se constituiu a partir das ciências modernas que tem suas raízes na filosofia e, talvez, na cultura política intelectual cristã medieval. Em Maquiavel, o Príncipe renascentista já é o Príncipe da quase ciência política moderna. Em Montesquieu, o Príncipe moderno/representativo é o Príncipe da física historial. Tais escritores são parte da cultura política intelectual que inscreveu o poder simbólico na realidade mundial. Eles fazem parte da construção da elite europeia ocidental moderna. Inglaterra e Alemanha também se constituíram como cultura política intelectual de articulação do poder simbólico e da elite moderna: Hobbes, Hegel e outros. Mas foi a economia política liberal capitalista inglesa que constituiu o Príncipe capitalista que reinou na política mundial a partir do século XIX: elite capitalista ocidental!
A Inglaterra foi hegemônica na política mundial até a Segunda Guerra Mundial. Esta foi um choque entre os Príncipes nacionais europeus (Inglês versus alemão) e deste último com o Príncipe asiático (russo/soviético). Com o fim da guerra, a Europa devastada cedeu a hegemonia para os EUA na política mundial. O poder político americano é o poder articulado por um subpoder simbólico (ersatz de poder simbólico), poder de uma subelite americana. O modelo deste subpoder simbólico se constituiu pela junção do discurso da universidade com a cultura política informacional. A televisão e o jornalismo são as instituições-coisas ativas deste subpoder. Tal poder significou a derrocada final do poder simbólico metafísico ocidental. Marcuse não estabeleceu que os EUA possuem um subpoder simbólico que articula, a partir da década de 1960, uma realidade do real como lógica de sentido totalitária?   
Na América Latina, um subpoder simbólico foi constituído a partir da CEPAL, com o argentino Raul Prebisch e o brasileiro Celso Furtado. Trata-se de um subpoder simbólico populista que está na origem do subpoder simbólico bolivariano do século XXI. Tal poder tem um elemento que o faz um fenômeno da história mundial. Trata-se da militarização como laço social, militarização de grandes cidades como o Rio de Janeiro para combater o narcotráfico e militarização da sociedade civil na Venezuela. Ao defender a militarização da Europa, Zizek é o bolivariano da esquerda europeia que bebe na fonte bolivariana da esquerda latino-americana na qual ele possui muitos amigos.
Os atentados terroristas islâmicos em Paris (Charlie Hebdo e Bataclan) fizeram da França o centro concreto da política mundial em um choque de civilizações. Mas o americano Samuel Huntington jamais disse nada sobre a natureza deste choque. Trata-se de um choque que se define no estado de guerra aberta oligárquico pela posse do poder simbólico mundial entre o Oriente e o Ocidente. Na história universal, tal choque não é uma novidade! Hoje, o Islã se constitui como uma vontade política (uma cultura política intelectual) que quer o poder simbólico mundial. Não se trata da hegemonia política sobre a realidade mundial, simplesmente. O poder simbólico islâmico quer uma existência territorial; note-se que o islã não ataca as instituições do capital corporativo mundial; ele ataca instituições e população civil das cidades, no Oriente e no Ocidente. A guerra islâmica não faz distinção entre alvo militar e alvo civil.
O islã político é um fenômeno totalitário? Há alguma ligação, no campo simbólico, dele com o fascismo alemão? O Estado Islâmico é uma junção de Oriente e Ocidente? Trata-se de um subpoder simbólico que nos remete para a origem da civilização arcaica na qual o discurso do mestre totalitário articula-se ao Urstaat arcaico? Como fenômeno totalitário, o islã político é uma vivencia intencional de constituição de Urstaat islâmico mundial. O islã político não oculta tal intenção. O Urstaat é constituído por máquinas de guerra divinas que instalam o estado de guerra para estabelecer a paz permanente. O Egito imperial arcaico teve mil anos de paz! Por isso, a violência da máquina de guerra islâmica é divina para os muçulmanos como a violência do Urstaat primordial era divina, na civilização arcaica, para a população civil. A violência divina tem como finalidade a paz na história universal.
 O Presidente socialista François Hollande disse que a França está em guerra com o Estado islâmico. O Estado francês vai passar a caçar, perseguir, captura e matar terroristas islâmicos no território francês e alhures. As fronteiras foram fechadas; Hollande diz que será impiedoso. Paris foi militarizada. Isto pode parecer algo banal para os brasileiros que já são um efeito intersubjetivo do subpoder simbólico bolivariano que militarizou a vida da sociedade civil. Mas para um europeu ocidental isto não é uma excrescência? O europeu quer viver em paz; quer segurança na cidade; quer que Paris seja uma festa! Mas Paris hoje não foi o espetáculo da militarização do poder político civil? O parisiense está entre cila e caríbdis?  
A contraciência política lacaniana trabalha na interseção do tempo fático com o tempo artefático. Ela observa a borboleta voando. E o Partido Socialista Francês é a borboleta voando em direção a uma floresta. Qual floresta? A militarização do poder político civil não é a borboleta morta fixada na parede do gabinete do presidente Hollande. Isto não é um fenômeno político singular francês. O Partido Socialista aparece como um fenômeno especial. Ele é a vanguarda da constituição do Urstaat mundial ocidental: a Floresta! A militarização do poder político ocidental se faz ex nihilo; ele tem o complexo industrial militar mundial e a Okhrana mundial como base de sua história universal. Por que a comunidade de informação mundial estacionada em Paris não se antecipou ao atentado do Bataclan? No 11 de Setembro, a comunidade de informação americana também nada sabia sobre a engenharia do atentado terrorista islâmico. Um promotor de Paris disse que o Estado Islâmico está preparando um 11 de Setembro francês.
Hoje, a cultura política informacional existe na Comunidade de informação mundial, na televisão mundial, no jornalismo mundial, nos Estados nacionais e instituições do capitalismo mundial, como o complexo industrial militar. Mas as pessoas não conseguem VER tal fenômeno. Elas também não conseguem VER que o choque de civilizações é um choque entre civilizações que querem possuir o poder simbólico mundial articulando-o ao poder político do Urstaat. Não conseguem VER! Não querem VER! O PCPT prega no deserto mundial de homens e ideias?              

                                                          

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

DE WEBER A ZIZEK – URSTAAT MUNDIAL

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/11/1704273-militarizacao-e-solucao-para-crise-dos-refugiados-diz-filosofo-slavoj-zizek.shtml



Zizek é cético quanto a qualquer ciência política poder participar da definição do conceito de realidade mundial (Zizek. 2013: 58). Tal objeto tem sido um monopólio teórico da filosofia, durante milênios. Ele também não acredita na possibilidade de construção de uma ciência política lacaniana na periferia do Ocidente. Mas quando ele viu a crise imigratória África→Europa como uma causa provável da desestabilização de sua pacata realidade prosaica (estão entrando dez mil islâmicos na Eslovênia por dia que tem uma população de dois milhões europeus), ele esqueceu a razão prática kantiana e propôs um imperativo categórico (ou absoluto) para a política mundial: “Age de tal forma que sua ação possa ser considerada como norma universal (Marcondes: 218). Zizek quer que o exército solucione a crise imigratória na África e, possivelmente, na Europa. (Link). Ele não está dizendo qual deve ser o modelo político universal para enfrentar crises catastróficas? Trata-se de um Estado que use o exército como uma máquina de guerra política contra a população perigosa, no sentido de Engels de classe perigosa! Como ele gosta da cultura política intelectual cristã, talvez ele queira também que o exército controle a spaltung das massas não escolhidas na parúsia.
Certamente que o mais comum dos europeus não consegue imaginar o exército intervindo na vida civil. Por isso, o jornalismo ocidental diz que o nosso herói da esquerda internacional é um clown, um Elvis Presley da filosofia. Na visão do carioca, ele é apenas um cara que gosta de aparecer! Na visão da psicanálise, trata-se de um eu possuído por um estado de apogeu narcísico permanente! Os jornalistas bolivarianos brasileiros injetam doses maciças de energia narcísica no eu de Zizek. Uma editora marxista paraense-paulista publica vários livros de nosso autor a cada semestre. A comunidade dos psicanalistas tem Zizek como bússola da política mundial e latino-americana.
Karl Löwit diz que A Filosofia do direito (Hegel) visa a realizar concretamente a vontade ideológica de reconciliação com a realidade. Assim, a filosofia de Hegel torna-se filosofia de Estado pela junção com a realidade política, assim como a filosofia da religião se une a realidade cristã. Nestes dois domínios, Hegel não se reconcilia apenas com a realidade, mais ainda nela, se bem que se trata de uma reconciliação “conceitual” (Löwith:65). Mas como a ideia é o conceito realizado, trata-se, então, da cultura política intelectual hegeliana em carne e osso!
A filosofia de Estado hegeliano significa transformar o filósofo pop  Fries - que Hegel diz ser um corifeu que define a realidade como prosaica e vulgar - em uma questão de polícia (Hegel: 35). Hegel é um homem da cultura do sério europeia. O livro Menos que nada – Hegel e a sombra do materialismo dialético é um livro hegeliano, de Slavoj Zizek. Trata-se então de uma filosofia que se reconcilia com realidade mundial de qual Coisa? De um filósofo, não se deve exigir consistência e coerência?
Em Zizek, há uma linha de argumentos que o qualifica a ser visto como uma máquina de pensamento da pós-pós-modernidade? Zizek não crê que a história universal acaba na sociedade comunista como uma ideia virtual que é parte da realidade futura? (Zizek. 2013: 64). Até lá a história será articulada pela lógica do supérfluo que terá sua aufheben na narrativa da sociedade comunista que sobredeterminará (Leitura retroativa) toda a história  passada do homem?
Zizek afirma que o capitalismo mundial da década de 1990 (capital corporativo mundial) é uma narrativa retroativa da história do capitalismo moderno (Idem: 67). A realidade mundial é um conceito composto pela relação reflexiva retroativa do presente com o passado. O capital corporativo mundial é a natureza do capitalismo como totalidade concreta-universal, pois é sua forma acabada. Isto sinaliza um “fim da história hegeliano”. Vê-se na década de 1990 as grandes reversões e inesperadas explosões do século XX – as numerosas “coincidências de opostos”, o um que se transforma no outro: a reversão do capitalismo liberal em fascismo, da revolução russa em capitalismo (da revolução maoista em capitalismo), do capitalismo de Estado em capitalismo neo-liberal, do capitalismo territorial em capitalismo orbital - se transformarem no conceito da realidade do capital corporativo mundial.
O capitalismo corporativo mundial se articula por um poder que é a biopolítica pós-política. Tal poder agencia o medo como princípio mobilizador, por excelência: “medo do imigrante, medo do crime, medo do próprio Estado excessivo, medo de catástrofes ecológicas. – tal (pós) política sempre leva a uma assustadora reunião de homens assustados” (Zizek. 2008: 30). Qual a via para substituir este biopoder pós-moderno? “A administração biopolítica da vida é o verdadeiro conteúdo da democracia liberal global” (Idem: 30). Qual seria o oposto do biopoder? A “ditadura do proletariado” representa a alternativa ao biopoder, “pois ela representa o trêmulo momento em que a complexa teia de representações é suspensa pela intrusão da universalidade no campo político” (Idem: 32).
Para Zizek, a única forma apropriada de enfrentar a ameaça da catástrofe ecológica é usando: a) “terror (punição impiedosa para todos os que violarem as medidas protetoras impostas, inclusive com severas limitações das “liberdades”, e controle tecnológico dos possíveis infratores); b) voluntarismo (a única forma de enfrentar a ameaça da catástrofe ecológica é por meio de decisões coletivas em larga escala que irão contra a lógica espontânea imanente ao desenvolvimento capitalista – não se trata de ajudar a tendência ou necessidade histórica a realizar-se, mas antes de “parar o trem” da história que corre em direção ao precipício global); c) e, por último, mas não menos importante, tudo isso combinado à confiança no povo (apostar que a grande maioria do povo apoia essas medidas severas, vendo-as como próprias, e está pronto a controlar seu cumprimento)” (Zizek. 2008: 42).
A democracia liberal é o significante que sobredetermina a cadeia das formas políticas de governo da política mundial. A ONU é expressão deste fenômeno. Zizek quer destruir a democracia liberal e pôr no lugar dela o quê? A ditadura do proletariado? A lógica do supérfluo de uso do terror diz “que somente o gesto supérfluo ‘errado’ cria as condições subjetivas que possibilitam que o sujeito realmente veja por que o gesto é supérfluo (...); só é possível perceber que o Terror é supérfluo e destrutivo depois de passar por ele” (Zizek. 2013: 47).
A ditadura do proletariado se transformou em um significante da cultura política intelectual mundial witz. O witz é o avesso do sério como comédia histórica vulgar. A cultura mundial não tem medo da ditadura do proletariado, pois a luta de classes não ocupa mais o centro tático concreto da política mundial. O capital corporativo mundial transformou tal ditadura em witz e o filósofo que a defende em clown. Todavia, haveria uma superfície da cultura política intelectual na qual Zizek não é um witz?
Nosso comunista defende e vê a possibilidade de uma coerção violenta sobre o contemporâneo (o presente) exercida por um tipo de Estado que use a violência divina ao modo de Robespierre. Ele é um mestre porque não tem medo de morrer: “O Mestre é a figura da soberania, aquele que não tem medo de morrer, que está pronto a arriscar tudo” (Zizek. 2008: 19). Quem ou o quê, na história universal, usa tal terror divino sem palavras?
A realidade não é uma totalidade de um processo sem fim fundamentada no próprio fato da lógica da retroação (sobredeterminação) que torna o futuro imprevisível a priori? Mas a atividade simbólica é o agir como simbolização da estrutura (ordem simbólica, Grande Outro). A estrutura não significa estruturalismo. Não há um determinismo na história de uma causalidade linear que antecipe o futuro. Não há um determinismo da estrutura psicótica sobre a biografia do indivíduo (não existe indivíduo psicótico), assim como não existe uma história universal estruturalista. O determinismo da estrutura psicótica significa a instalação de um estado de loucura permanente na história biográfica individual e na história em si. O ser do indivíduo (e o ser da história) é o território (um Principado) sobre o qual ocorre a invasão da estrutura psicótica que é uma forma biopolítica homóloga ao poder Imperial romano, em termos de eficácia simbólica. Isto nos remete para a relação do Urstaat com a biografia individual e com a história universal dos povos!    
“A cultura política da sedução articula (e é articulada) pelas máquinas de guerra poéticas na história universal desde a civilização arcaica. O Urstaat é a primeira máquina de guerra da história, e surge como uma realidade poética religiosa (divina): “pero esta pertencia es mediada por su ser membro del estado, por el ser del estado y, por lo tanto por un supuesto que es pensado como divino” (Marx: 438). Trata-se da relação da realidade articulada como comunidade (realidade com poesia comunitária) e da realidade articulada como poesia divina estatal (Urstaat): “Además, el carácter coletivo puede estar presente en la tribu de modo que la unidad esté representada por un jefe de la familia tribal o como la relación recíproca entre los padres de familia. Según esto, la entidad comunitaria tendrá uma forma más despótica o más democrática. Em consecuencia, las condiciones colectivas de la apropriación real a través del trabajo [p. ej] sistemas de regadio, muy importantes entre los pueblos asiáticos, medios de comunicación, etc. aparecen como obra de la unidad superior, del gobierno despótico que flota por encima de las pequeñas comunidades (Marx:436)” (DIÁRIO DE UM SEDUTOR/KIERKEGAARD, blog José Paulo Bandeira).     
A filosofia do Urstaat de Zizek aparece quando as sombras da noite começaram a cair. É quando levanta voo o pássaro de Minerva? “Quando a filosofia chega com a sua luz crepuscular a um mundo já ao anoitecer, é quando uma manifestação de vida está no fim. Não vem a filosofia para rejuvenescer, mas apenas reconhecê-la” (Hegel: 45). A filosofia do Urstaat mundial existe em função de um suposto saber? Trata-se de uma narrativa que começa a narrar retroativamente a história do Estado na história universal? O estado de insegurança generalizado não é a condição de possibilidade de uma repetição do início da história universal configurada como RSI (Real/Simbólico/Imaginário)? No início da história da civilização arcaica, articula-se a partir do real a estrutura psicótica, que está associada à loucura na história. O Urstaat entra no lugar do Grande Outro (discurso do Outro mestre divino), do campo simbólico articulando o RS. Trata-se de uma caminho para diminuir a dominação da loucura na história  universal!
Hoje, o populismo do partido republicano na eleição presidencial americana não trabalha - na cultura política informacional da sociedade do espetáculo - com informação espetacular louca? Um certo estado de loucura não é a marca da escolha do candidato republicano? Zizek diz que a imigração islâmica instalou um estado de loucura na África e isso, também, pode se tornar um evento europeu. Massas enlouquecidas não são um simples fenômeno do imaginário. Elas são a fonte para a articulação de uma realidade da política a partir do REAL. A irracionalidade será então a alógica da política mundial?
O estado de loucura pode se suprassumir (aufheben como anular, suspender) no Urstaat mundial? A transubstanciação (religiosa/laica) do indivíduo (biografias dos indivíduos no Ocidente), preso em sua particularidade burguesa, para a forma do sujeito universal é provável? O indivíduo ocidental pode vir a reconhecer no Estado mundial a substância de seu próprio ser? Ele não é objeto de uma coerção simbólica da cultura política informacional espetacular/estatal mundial que fala durante 24 horas do dia sobre o fim da espécie humana? A ciência da natureza mundial não se tornou parte de tal cultura informacional espetacular? A filosofia de Zizek não é uma continuação desta formação cultural mundial? Tal fenômeno não está para além da ideologia? De fato, trata-se de uma coerção técnica da cultura informacional mundial que subsume a filosofia zizekiana. A coerção técnica é parte do estado de guerra – que instala o espetáculo da insegurança generalizada – como polémos (guerra entre Estados ou povos) e stásis (guerra civil):
“A despeito da atual calmaria de quarenta anos na guerra aberta entre as grandes potências do mundo, o século XX já se firmou como o mais belicoso da história humana. Desde 1900, se contarmos cuidadosamente, o mundo assistiu a 237 novas guerras – civis e internacionais - que mataram pelo menos mil pessoas por ano; até o ano 2000, esses números implacáveis atingirão o montante de aproximadamente 275 guerras e 115 milhões de mortos em luta. As mortes civis poderiam facilmente equiparar-se a esse total” (Tilly: 123). A carnificina continuou no século XXI!  
O estado de guerra mundial oligárquico permanente articula a história mundial a partir de R (Real=loucura) como no início da história da civilização arcaica. Tal estado não legitima a lógica fática de sentido do Urstaat mundial zizekiano? O campo dos afetos da população ocidental não pode ser a base da construção de um Urstaat racional/irracional? Trata-se da paixão pela segurança imaginária! A contradição território (países, nações) versus capital corporativo mundial orbital não estabelece uma lógica de sentido para a realidade do real do Urstaat mundial?
A passagem do mundo-coisa moderno para o mundo-fenômeno (Biard: 194-195) contemporâneo é a iminência da coisa-mundo mediatizada pelo Urstaat; esta mediação negativa é existência essencial iminente desde o instante que se revela justamente como processo contraditório e dissolução da inessencialidade imediata  da contradição entre o capital corporativo mundial e a democracia representativa territorial mundial.
Max Weber possuía uma imaginação científica prodigiosa que foi ignorada pela cultura política intelectual de 1920:
“Mas os primeiros são menos livres porque toda luta pelo poder contra uma burocracia estatal é inútil e porque se pode recorrer a nenhuma instância que, em princípio, esteja interessada em combater esta burocracia e seu poder, como é possível diante da economia privada. A isto se resume a diferença. Se acabasse eliminando o capitalismo privado, a burocracia estatal dominaria sozinha. As burocracias privadas e as públicas - que agora trabalham umas ao lado das outras e, pelo menos possivelmente, umas contra as outras, vigiando-se, pois, mais ou menos reciprocamente - fundir-se-iam, então, numa hierarquia única. A situação seria análoga à do Egito da antiguidade, só que assumiria uma forma incomparavelmente mais racional e, por isso, muito mais inescapável” (Weber: 541)              
Ele anteviu a possibilidade de um Urstaat mundial em uma forma moderna/racional como repetição do Urstaat imperial da história universal da antiguidade egípcia. Esse Urstaat burocrático antigo foi uma repetição egípcia técnica do Urstaat hidráulico do Egito da civilização arcaica, com seus técnicos (quase engenheiros) e arquitetos.
No século XXI, a cultura política intelectual mundial forjou um modelo privado para o Estado mundial. Trata-se do modelo constituído como corporação burocrática mundial associada à uma estética da sedução como em um jogo digital: estética digital. É uma burocracia que já não é, de fato, uma burocracia moderna. Ela é articulada por uma razão estética que já não se remete para a razão moderna. Ela é o grau zero da razão prática. Ela é a gestão estética/racional/sedutora – inventada pelo fascismo alemão – da irracionalidade. Trata-se da gestão racional  da loucura como um estado de normalização do mundo. Se se crê que tal fenômeno é uma quimera, então, é necessário, urgentemente, investigar a Alemanha totalitária fascista a partir da uma ideia de Adorno e Horkheimer sobre o capitalismo americano da década de 1960. Com tal capitalismo, o totalitarismo se tornou, no Ocidente, uma segunda natureza da política mundial. Desde a civilização arcaica, a cultura política totalitária está associada à arquitetura do Urstaat!
A destruição da democracia representativa e a instalação do Urstaat mundial são partes constitutivas da lógica supérflua da estrada que leva até a sociedade comunista?                                                                      
BIBLIOGRAFIA
BIARD, J. E OUTROS. Introduction à la lecture de la  Science de la logique de Hegel. La doctrine de l’essence. Paris: Aubier, 1983
HEGEL. Principes de la  philosophie du droit. Paris: Gallimard, 1940
LÖWITH, Karl. De Hegel à Nietzsche. Paris: Gallimard, 1969
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Dos pré-socráticos a Wittgenstein. RJ: Zahar, 2007
MARX. Elementos fundamentales para la crítica de la  economía política. Grundrisse (1857-1858) v. I. Espanha: Siglo XXI, 1971
ZIZEK, Slavoj. Robespierre. Virtude e Terror. RJ: Zahar, 2008
ZIZEK, Slavoj. Menos que nada. Hegel e a sombra do materialismo dialético. SP: BoiTempo, 2013
TILLY, Charles. Coerção, capital e Estados europeus. SP: EDUSP, 1996
WEBER, Max. Economia e sociedade. v. 2. Brasília: Editora UNB, 1999    
                                                  

  




segunda-feira, 2 de novembro de 2015

CEPAL/POPULISMO/PODER BOLIVARIANO

ENSAIO DE PHYSIKA HISTORIAL 
A conjuntura política pode ser articulada pelo poder simbólico? Na América-Latina, a constituição de um poder simbólico populista começa com um ensaio de Raúl Prebisch no final da década de 1940 e a tradução do modelo teórico deste para o Brasil feito por Celso Furtado, em 1949.
R. P. começou a defender a industrialização da periferia latino-americana através da criação de uma linguagem  composta de categorias como centro/periferia, desenvolvimento/subdesenvolvimento, industrialização periférica do subdesenvolvimento. No Brasil, Furtado publicou o seu livro “Desenvolvimento e Subdesenvolvimento”, em 1961. A discussão do subdesenvolvimento se estabeleceu no marxismo americano com o livro de Paul A. Baran “A Economia Política do Desenvolvimento”, de 1957. Assim, o populismo cepalino se tornou americano.
A cultura intelectual cepalina foi a matriz simbólica da teoria econômica (universitária e não-universitária) e da sociologia da USP. Sem estabelecer um critério rígido, cito alguns importantes livros para provar minha hipótese. O livro “A Economia Política Brasileira” (1984) de Guido Mantega faz um mapa abreviado “crítico” de tal cultura intelectual cepalina. Vejamos outros:
FLORESTAN FERNANDES. Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento (1968)
FEENANDO HENRIQUE CARDOSO E ENZO FALETTO. Dependência e Desenvolvimento na América Latina. 1970
ANDRE GUNDER FRANK. Capitalismo y Subdesearrollo en América Latina (1970)
LUIZ PEREIRA. Ensaios de Sociologia do Desenvolvimento (1970)
PIERRE SALAMA. O Processo de Subdesenvolvimento (1972)
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES. Da substituição de Importação ao Capitalismo Financeiro (1972)       
CELSO FURTADO. O Mito do Desenvolvimento Econômico (1974)
OCTÁVIO IANNI. A Formação do Estado Populista na América Latina (1975)
OCTAVIO RODRIGUES. Teoria do Subdesenvolvimento da Cepal (1981)
GIOVANNI ARRIGHI. A Ilusão do Desenvolvimento (1997)
J. P. BANDEIRA DA SILVEIRA. Capitalismo Corporativo Mundial (2002)
No Prefácio ao livro de Octavio Rodriguez, Prebisch se diz espantado com a associação feita, por Rodriguez, entre a CEPAL e o populismo latino-americano. Quanta a Celso Furtado, ele foi um importante conselheiro e membro do governo populista de João Goulart. No livro “Criatividade e Dependência na Civilização Industrial” (1978), Furtado fez um esforço admirável para romper com o populismo da CEPAL - em um livro marxista sem ser marxista: ecomarxista. Tal esforço foi devorado no livro “A Fantasia Organizada”. Neste não tem uma única referência à história intelectual de Furtado como populista e ecomarxista. Tal livro representa a autocooptação de nossa admirável pensador ao PMDB, que seria consagrada com Furtado como chefe do Ministério da Cultura do governo José Sarney.
Octavio Rodriguez demonstra amplamente a ligação da cultura intelectual cepalina com a cultura política populista. A característica principal da cultura política intelectual cepalina/populista é a divisão que a visão do papel do Estado faz entre populismo de esquerda e populismo de direita. Naquele, o Estado é intervencionista, possuiu uma autonomia absoluta em relação ao bloco-no-poder (definido pela atividade política das classes dominante e dirigente). Talvez, o conceito seja o Estado (administração e governo) pensado no lugar hegemônico do bloco-no-poder periférico.
No período do populismo utópico do capitalismo nacional, Rodriguez diz que a subelite populista pensava em erguer um verdadeiro bloco-histórico populista nacional-popular para industrializar o Brasil, a Argentina etc. (Rodriguez: 267). Tratava-se da industrialização da periferia subdesenvolvida latino-americana. O Estado latino-americano seria o SUJEITO político deste processo!  
O populismo tem um ponto de inflexão com FHC e Enzo Falletto. Trata-se da construção teórica do populismo fático e pragmático, do conceito de populismo como estrutura do fenômeno capitalismo dependente e associado. O populismo utópico é conceito sem significante. O populismo dependente e associado é conceito como estrutura de um significante. O primeiro é cultura intelectual que não se realiza; o segundo é cultura intelectual realizada: cultura política intelectual populista/bolivariana.
Os leitores formados na escola teórico/ideológica do bolivarianismo acreditam que PT e PSDB são dois fenômenos contraditórios. Mas, surpreendentemente, ambos se dizem antipopulista. O bolivarianismo é a continuação do populismo clássico em uma outra conjuntura histórica - na conjuntura da República Democrática de 1988. Nesta há o populismo de direita que é um populismo de mercado, pragmático (FHC/PSDB/PFL, de Antônio Carlos Magalhães) que mantem uma autonomia do mercado em relação ao Estado através da responsabilidade fiscal. Trata-se de um populismo com responsabilidade fiscal. O populismo de esquerda é o populismo com irresponsabilidade fiscal!
Até 2008, a era lula fez parte deste populismo neoliberal responsável, herança maldita dos governos FHC. A virada veio com Guido Mantega - no comando da economia - para o populismo irresponsável. Então, o Estado se tornou intervencionista favoravelmente a um grupo de empresas dependentes e associadas. É a versão desenvolvimentista do populismo de esquerda agora pragmático.              
A distinção política entre FHC e Lula (PT versus PSDB) é imaginária. Ela é mantida - no cotidiano da superfície política do mundo-da-vida e da política em si - pela cultura política eletrônica informacional brasileira em conluio com a cultura universitária, pois ambas são da formação intelectual populista agora em sua versão bolivariana. Elas são fenômenos articulados pelo poder simbólico bolivariano em cuja fundação está a CEPAL, com Raúl Prebisch e Celso Furtado.
Hoje está claro que a cultura política cepalina populista/bolivariana existe em uma interseção com a cultura política oligárquica conservadora colonial, no Brasil. Esta se constituiu como uma visão-de-mundo do Engenho de cana-de-açúcar como economia autárquica. Os engenhos eram mil repúblicas autárquicas autônomas em relação ao Estado Patrimonial português. O engenho possuía uma visão de mundo privatista da economia, da política e da riqueza colonial.
O Estado imperial português existiu pela lógica privatista/patrimonialista da riqueza territorial/colonial. O oligarquismo e o patrimonialismo são as duas matrizes simbólicas do populismo. Da segunda, saiu a populismo de esquerda baseado no axioma de que o Estado é autônomo em relação à sociedade civil burguesa. Do oligarquismo, saiu a ideologia de que o Estado não deve intervir na estrutura e no funcionamento capitalismo de engenho.
O contraconceito de capitalismo de engenho significa que o conceito de capitalismo foi realizado como subcapitalismo dependente e associado de engenho. A prova de tal realização está no fato de que as próprias empresas transnacionais, ente nós, se transformam em empresas locais autárquicas ("nacionais") em relação à lógica transnacional delas. Elas se transformam no seu oposto: em empresa transnacional do engenho de cana-de-açúcar.
Na virada da globalização financeira da economia mundial para o globalismo do capital corporativo mundial na década de 1990, FHC escolheu a globalização contra o globalismo. Ele escolheu a versão neoliberal autárquica bolivariana do subcapital dependente e associado. Olhando para a economia brasileira, a conjuntura atual começou com os governos de FHC. Ainda gastaremos muito papel digital nesta investigação. Contudo, no campo do RSI (Real/Simbólico/Imaginário), a diferença entre PT/PSDB é da ordem do imaginário da interseção da cultura universitária com a cultura política eletrônica populistas. No RS, PT e PSDB constituem um xifópago bolivariano, pois o bolivarianismo é o populismo da conjuntura da República Democrática pombalina de 1988. Trata-se de uma Constituição bolivariana!            
Há sinais de que o poder político bolivariano está em decomposição na política argentina. Isto não significa o fim da tradição peronista. Esta ainda pode beber na fonte do poder simbólico cepalino/populista/bolivariano longe de se dissolver no Brasil, Bolívia, Uruguai e Equador. O poder simbólico é o poder de autointerpretação da realidade do real da cultura política intelectual
Este texto tem apenas o objetivo de inscrever na cultura latino-americana uma interpretação da physika historial. Talvez gere mais desgosto do que alegria, da gaia ciência, nos leitores! Trata-se de um problema definido na interseção contraditória entre a vontade de simbolização da realidade do real periférico e vontade de gozar com o MESMO FENÔMENO: gozo populista/bolivariano!   
            
          
                                                     

      

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

KANT E A COMUNIDADE JURÍDICA MUNDIAL


Não sou técnico em filosofia; sou um vagabundo intelectual rousseauniano que faz jardinagem – encantada pela serpente - no Jardim do Éden da filosofia!
O primado da razão prática sobre a razão teórica, talvez, signifique que a razão teórica não tem o poder simbólico que a razão prática tem como possibilidade de uma abertura para o Real em uma configuração RSI (Real/Simbólico/Imaginário). Assim, o imperativo categórico (lei do dever) de conceito lunar, torna-se um conceito terreno.
A razão prática articula o real como realidade do real, como lógica do sentido. Como imperativo categórico, o Estado universal é - “não deve haver guerra”. Este deve ser é o avesso do estado de guerra, é o estado de paz perpétua entre os homens, mulheres e crianças. O desprezo do marxismo totalitário por Kant advém do campo dos afetos possuído pela cultura política intelectual totalitária. Vejam só! No discurso kantiano, O Estado não é, apenas, uma articulação da cultura política fática; ele é uma articulação da cultura política do simulacro de simulação. Kant diz:
“O Estado deve ser (e não foi) construído de harmonia com a ideia do contrato social. O contrato é o fundamento jurídico, o pressuposto ideal do Estado, e este deve organizar-se COMO SE FOSSE (simulacro de simulação) baseado no reconhecimento dos direitos da pessoa, ou seja, como síntese da liberdade humana”.
Como produto do contrato social, o Estado pode ser um fenômeno da cultura política do simulacro de simulação. Como dispositivo que assegura os direitos da pessoa (articulados ao direito natural à liberdade), o Estado não é um fato; é um artefato (simulacro de simulação de um fato – pós-modernismo). O problema surge quando esta razão pós-modernista é tragada pelo imaginário witz (que devolver o fato jurídico como artefato/piada, pilhéria), que é o avesso do sério como comédia histórica vulgar.
No discurso kantiano, o Estado se define positivamente como a “reunião de uma multidão de homens debaixo de leis jurídicas”. Portanto, o Estado moderno é uma articulação do discurso do direito. Mas tal multidão deve conceber-se (e ser concebida) como associada por virtude de contrato, por vontade de todos. Trata-se da existência do Estado como um fenômeno racional, se isto não for um pleonasmo infame! Se não é a racionalidade do irracional do totalitarismo alemão, o Estado é regulado por um princípio racional que não faz a gestão do campo dos afetos e, portanto, de todos os fenômenos do inconsciente nietzschiano. Ele faz a gestão dos fatos do inconsciente freudiano e dos fatos racionais.
O Estado não pode ser reduzido a um fato histórico. Para a comunidade jurídica, isto é um suicídio! Neste aspecto, temos Kant com Rousseau.
Como uma multidão articulada e rearticulada pelo discurso do direito (inscrito na cultura política do simulacro de simulação), o Estado é a realidade política do direito. Em si, o direito é uma relação que contrapõe, ao menos, dois sujeitos, duas biografias individuais em uma linha de força jurídica como limite para o agir que não está sobredeterminado pela razão prática; por isso as determinações jurídicas envolvem sempre a possibilidade coercitiva de se fazerem valer contra alguém.
Qualquer comunidade jurídica séria é socializada (educada) - na cultura universitária e na cultura jurídica em si - pela cultura política do simulacro de simulação. Hoje, qualquer comunidade jurídica é pós-modernista. Trata-se de cogitare na conjuntura do pós-pós-modernismo. Então, o que isso pode significar em uma era na qual a técnica digital se inscreveu na cultura política intelectual mundial como seer do homem? Trata-se de pensar a lógica do simulacro de simulação como técnica digital.
A geração D (digital) já tem inscrito em seu seer (ela tem um eu digital, também) a técnica digital, enquanto a comunidade jurídica é constituída como ente do seer social da era da técnica do papel (geração P.). Tal contradição técnica pode ser a causa de uma crise da comunidade em tela como instituição pública mundial essencial na articulação do capital corporativo mundial – centro organizador da história do planeta no século XXI.
O extraordinário filósofo espanhol Ortega y Gasset escreveu na véspera da Segunda Guerra Mundial: “la Universidad  (europeia) es um lugar de crimen permanente e impune”. É o lugar do assassinato branco – no campo simbólico - da juventude europeia universitária. Tratava-se de um prelúdio ao assassinato físico em massa de milhões de jovens no campo de batalha não só da Europa? Ele diz em 1939: “de si los defectos sustantivos de la instituición universitária no serán una de las causas que han producido el terrible desconcierto de la vida europeia?”.
2015 não parece estar em um processo de conceituação como repetição diferente, lúdica e sedutora de 1939? Este ano é o símbolo da junção da crise das ciências europeias com a ascensão final do fascismo alemão sobre a política mundial. No século XXI, a técnica digital não substituiu, finalmente, a razão prática na articulação da cultura politica intelectual mundial? Ela não possuiu a lugar privilegiado de abertura para o seer e, portanto, para o Real? Ela não se constitui como fato articulador RSI do contemporâneo do século XXI?