quarta-feira, 18 de novembro de 2015

CRISE DO BOLIVARIANISMO E GOLPE DE ESTADO

No Brasil, o populismo é um fenômeno que se constitui como efeito da Revolução de 1930. Durante três anos, Getúlio instala um estado de exceção que é a redução da política ao quase grau zero da hegemonia. Governar no lugar do bloco-no-poder define a política getulista até 1934. Neste período Getúlio lança o modelo populista com a articulação das massas urbanas ao Estado pelo laço social do direito trabalhista: discurso do direito.
Em outra conjuntura, o Estado de direitos populista se tornaria um Estado industrial. Fundada em uma transsubjetividade histérico-oligárquica, a nossa história se vê confrontada pela história do Príncipe republicano populista: urbano-rural. O estado histérico-oligárquico colonial significa as mil republicas dos pequenos oligarcas, dos pequenos mestres oligárquicos. A República Velha foi seu apogeu político. O histérico-oligárquico significa que a realidade política não é jamais articulada pelo Príncipe hegemônico. Aquele é histérico por tornar impossível a articulação da realidade política pelo discurso do mestre hegemônico! Ele é a destituição do saber do grande mestre freudiano, permanentemente.
Getúlio suprassume os mil mestres oligárquicos como Príncipe populista. A história da constituição da cultura política populista é o corolário do Príncipe. Tal cultura articula um bloco-no-poder industrial nacional populista que lança na América Latina a ideia e o fantasma do futuro de um novo polo de poder capaz de mudar o equilíbrio de força - completamente favorável aos EUA - na América Latina, dissolvendo a fórmula “as Américas para os americanos”.
Getúlio é confrontado pelas forças do bloco-no-poder ligadas ao EUA e se suicida após a solução oligárquica – da cultura política sulista - de seu afilhado (Gregório Fortunato, o anjo negro de Getúlio) que resolve assassinar Carlos Lacerda, inimigo figadal letal de seu mestre. A República do Galeão entra em ação e impulsiona um levante branco dos generais comodantes de tropas contra o presidente da República, que engolfa os ministros militares. A República do Galeão era composta por oficias da aeronáutica que funcionava como um grupo paramilitar sob o comando monocrático de Carlos Lacerda (UDN).
Após um breve intervalo do governo Café Filho (vice de Getúlio) entre 1954-1955, Juscelino Kubitschek (JK) toma o poder nas eleições presidenciais e retoma a construção do Príncipe populista agora moderno/urbano, entre 1956-1961. Com ele, o Príncipe se torna uma revolução populista das classes médias urbanas, uma cultura política populista intelectual moderna na arquitetura, música, teatro, cinema, etc. A Praia de Copacabana, a Bossa Nova e Brasília são os símbolos deliciosos, na era JK, da revolução populista como junção de princípio de prazer e princípio da esperança. Mas a política continua sob controle oligárquico com a UDN, o PSD e o PTB quase populista. Esta defasagem entre a cultura política e a política é reduzida pela instalação da formação do capital dependente e associado industrial. JK havia encontrado o caminho para a revolução populista em uma aliança econômica com o capital industrial estrangeiro que não era majoritariamente americano. Com uma intenção populista-bonapartista, o paulista Jânio Quadros substitui  JK e participa de um golpe de Estado branco - contra si próprio - antes de  completar um ano de governo.
Vice de Jânio, João Goulart é proibido de assumir plenamente o poder executivo pela ESG (General Geisel e o coronel Golbery de Couto e Silva) que em aliança com a oligarquia política realiza um golpe de Estado branco/parlamentar, que implanta o parlamentarismo. Depois de liderar um movimento exitoso para a volta do presidencialismo, Goulart deixa claro que quer a mudança da Constituição que permita a participação dele na eleição presidencial de 1965. JK era o outro candidato populista. Sem chances de vencer a eleição, a UDN com Carlos Lacerda se alia ao IPES/IBAD/CIA para desfechar o golpe de Estado civil-militar que implantaria, em 1964, a ditadura militar no país.
Entre 1964 e 1968, a esquerda marxista e/ou populista dirige a oposição na política formal e na política de massas. Em 1968, um populismo militar conservador desfecha um golpe de Estado dentro do golpe e instala um Urstaat militar. É o tempo do terrorismo urbano de esquerda e das guerrilhas  rurais do PCdoB e da APML. A história do populismo de esquerda parecia que tinha sido encerrada!
Na década de 1970, a cultura populista de esquerda quase marxista articulou-se à Teologia da Libertação populista, ao novo sindicalismo populista de Lula e, finalmente, ao PT. Este caldo de cultura política fez renascer o Príncipe populista , na política, em uma nova versão: bolivarianismo de esquerda. No campo simbólico para si da década de 1960, de Glauber Rocha, o filme "Terra em Transe" é a bíblia tropicalista (romance universal) do bolivarianismo de esquerda, secundado pelo "Tropicalismo" de Rogério Duprat, Tom Zé, Gil e Caetano. A cultura política bolivariana de esquerda nasce no Brasil, mas só aparece como significante com Hugo Chaves, na Venezuela, quase duas década depois da fundação do PT.
O bolivarianismo tem sua raiz na cultura intelectual populista clássica da Cepal, de Raúl Prebisch e Celso Furtado, na década de 1940. FHC foi a parte moderna do populismo cepalino, na década de 1960, com a teoria do capital dependente e associado como hegemônico no bloco-no-poder dos países da América Latina. FHC foi o pai intelectual do bolivarianismo de direita na América Latina. FHC tomou o poder nacional na década de 1990 e o entregou para o bolivariano de esquerda Lula da Silva no início do século XXI.
O bolivarianismo é o poder simbólico que articula a realidade política por uma lógica de sentido sustentada por uma fé islâmica laica das massas intelectuais na cultura política bolivariana. Não se trata de uma crença na dominação burocrática racional (partido/Príncipe moderno ou Estado moderno), mas de uma crença em um poder quase racional de fazer a gestão do irracional. A fé islâmica é mais profunda na Venezuela, pois aí o bolivarianismo é um fenômeno econômico que beneficia uma parte considerável da população pobre e não-pobre. Mesmo com a Venezuela mergulhada na economia de guerra (que desarticulou a economia de mercado), o bolivarianismo chavista está longe de ensarilhar as armas. A fé islâmica das massas bolivarianas pode ser a arma que os exércitos bolivarianos precisam para aprofundar a revolução chavista. O golpe de Estado bolivariano é o fantasma do futuro da conjuntura, que é pontuada pela eleição parlamentar de dezembro de 2015.
No Brasil, a crise estrutural da hegemonia do capital dependente e associado no bloco-no-poder abalou o bolivarianismo petista. O PT nada fez para mudar o curso desta crise cuja lógica encontra-se na globalismo do capital corporativo mundial. A lógica do desmoronamento da Petrobrás foi outro golpe de Estado pombalino que o bolivarianismo deu contra si próprio. Uma linha de força histórica se constitui como um tempo histórico que corrompe e dissolve a cultura política bolivariana como poder simbólico. Isto significa que a realidade política pode deixar de ser articulada pela lógica de sentido bolivariana. Nesta linha de força histórica, o bolivarianismo caminha para sua autodissolução como cultura política intelectual. Isto está visível com a perda do controle da narrativa política, que o PT manteve na era Lula. Trata-se do fim do Projeto Hegemonia Petista. A decomposição do bolivarianismo pode ser percebida no estado de confusão ideológico/transsubjetiva que se instalou na comunidade psicanalítica bolivariana. Parece que o Príncipe Bolivariano está se transformando em vapor. Já é possível ver que o bolivarianismo é incapaz de se estabelecer como equilíbrio de antagonismo: “Heráclito (dizendo que) o contrário é convergente e dos divergentes nasce a mais bela harmonia, e tudo segundo a discórdia”. Talvez, o golpe de Estado bolivariano não seja um fantasma do futuro apenas venezuelano. No programa Política da Globo News dirigido pelo jornalista bolivariano Carlos Monforte, o general da cúpula do Exército Brasileiro Luiz Felipe Linhares defendeu a legislação antiterror como um artefato  necessário para a atividade da Okhrana  brasileira, Disse que esta é articulada à Okhrana mundial (Comunidade de Informação Mundial). O general disse que taxistas, garçons (podemos acrescentar aí porteiros de prédios comercial e residencial) são os olhos e ouvidos das redes informacionais (de Vigilância) da Comunidade de Informação Brasileira. Os leitores precisam ler o Sobre Heróis e Tumbas, de Ernesto Sábato. O melhor livro latino-americano sobre as máquinas de guerras freudianas informacionais ficcionais! A Okhrana bolivariana não é o ovo da serpente no século XXI latino-americano?           
No “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, o fantasma do futuro é o contraconceito de tempo político que pode definir a linha de força histórica que articula a realidade política. Nas palavras de Marx:
“O golpe de Estado fora sempre uma ideia fixa de Bonaparte. Com esta ideia em mente voltara a pisar o solo francês. Estava tão obcecado por ela que constantemente deixava-a transparecer. Estava tão fraco que, também constantemente, desistia dela. A sombra do golpe de Estado tornara-se tão familiar aos parisienses sob a forma de fantasma, que quando finalmente apareceu em carne e osso não queriam acreditar no que viam. O que permitiu, portanto, o êxito do golpe de Estado não foi nem a reserva reticente do Chefe da Sociedade de 10 de Dezembro nem o fato de a Assembleia Nacional ter sido colhida de surpresa. Se teve êxito, foi apesar da indiscrição daquele e com o conhecimento antecipado desta – resultado necessário e inevitável de acontecimentos anteriores”.

Pedro I fundou o Império democrático com um golpe de Estado pombalino. Fundou um simulacro de Império liberal/pombalino, como disse Joaquim Nabuco. O Brasil é a terra da cultura política do golpe de Estado pombalino. O bolivarianismo mortalmente ferido no campo simbólico não pode se servir desta técnica pombalina tradicional do golpe de Estado para se perpetuar no poder político com a ajuda da economia de guerra  (capaz de gerar uma spaltung no mundo brasileiro) que está batendo furiosamente à porta da economia de mercado? Nos últimos meses quantos vezes o jornalismo e a classe política falaram em golpe de Estado? Agora ele se encontra na forma de vapor. Mas ele não pode estar em processo de condensação material no mundo invisível da cultura política? Brasil e Venezuela não é um xifópago bolivariano?  
Com a bênção da União Européia, o estado de exceção quente articulado hoje na França não pode se tornar o paradigma/fantasma do futuro, no campo da cultura política intelectual mundial, da política do século XXI? Parece que não há descontinuidade entre a superfície bolivariana latino-americana e a superfície da política europeia (França) em novembro de 2015                                                                                                                          

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