quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Manifesto da democracia justa


Nascida no Estado do Acre, Marina é um ser da floresta Amazônica. Mestiça, ela representa o povo brasileiro no palco da política. Gilberto Freyre articulou o significante cultura brasileira como mestiçagem cultural, hibridismo cultural, como o povo mestiço no palco da cultura. Marina vai além da cultura brasileira, pois pode se tornar o signo da mestiçagem política. Ela pode dar um novo sentido e uma nova função ao significante oligarquia política híbrida. De uma família pobre, que trabalhava nos seringais da floresta amazônica, contraiu várias doenças tropicais e foi contaminada por metais pesados da poluição dos rios provocada pela indústria oligárquica do garimpo. Hegel disse uma vez, em algum lugar, que a história era um vale de lágrimas. Marina viveu individualmente na pele tal fórmula hegeliana. Analfabeta até os 16 anos, hoje é formada em história. Amiga e companheira de Chico Mendes, fez com ele as lutas épicas contra a oligarquia amazônica em defesa da floresta. Sua ideologia viva é a ideologia do povo da floresta: o ecologismo prático. Uma lenda urbana diz que depois do assassinato de Chico Mendes pela oligarquia e sob a iminência de ser assassinada, Lula a retirou da floresta para ser uma representante do PT no Congresso Nacional.
Uma pessoa religiosa com uma fé infinita em Deus, Marina pode ser o significante manifesto da religação entre religião e política no Brasil da política mundial. Com ela, a política pode ser percebida como o amálgama manifesto entre razão e inconsciente político. A revolta contra esta produção do contemporâneo pode se transformar em puro niilismo modernista. No “Manifesto da Poesia do Pau-Brasil”, Oswald de Andrade escreveu: “tinha havido a inversão de tudo, a invasão de tudo”.  Antes a frase ia além do conteúdo; agora é conteúdo que vai além da frase.
Como ministra do Meio Ambiente no governo Lula, Marina se opôs à política predatória para o meio ambiente desse  governo sob o comando de Dilma Roussef primeiro como ministra da Energia, depois como toda poderosa ministra da Casa Civil. O choque com Dilma resultou na sua saída do governo Lula. Saiu do PT e se candidatou à presidente da República em 2010, se constituindo na terceira via entre PT e PSDB ao receber cerca de 20 milhões de votos. Nesta campanha,  transformou a luta local contra a oligarquia amazônica numa luta nacional contra a nova oligarquia capitalista rural brasileira (capitalismo de commodities), conhecida no jornalismo e nos meios burgueses como agronegócio.
Na eleição de 2014 para a presidência da República, ela sai candidata pelo PSB. Trata-se de um partido com fortes ligações com o agronegócio. Mas provavelmente o partido dirigente será o Rede Sustentabilidade. A Justiça eleitoral incluindo os cartórios não poderá mais bloquear a criação legal do Rede Sustentabilidade. Com a desintegração da indústria brasileira, a nova oligarquia capitalista rural parece ser a correia de transmissão empírica para o encaixe da hegemonia da oligarquia financeira mundial sobre o bloco no poder no Brasil. Tal encaixe foi realizado no e pelo governo Dilma Rousseff. Neste governo, o Estado brasileiro voltou a ser o aparelho de poder do capital financeiro mundial. Como Marina vai usar o poder de Estado para dotar a política brasileira de uma autonomia relativa em relação à hegemonia da oligarquia financeira mundial no bloco no poder brasileiro? Em 1968, os estudantes carregavam fachas nas ruas de Paris com a frase: “a imaginação no poder”. Os eleitores de Marina acreditam que ela é dotada de uma  faculdade de imaginação que poderá transformar a política brasileira. A imaginação política fez de Marina a única política brasileira com fortes ligações com o movimento da multidão de junho de 2013.
A democracia brasileira tem sido comandada pela lógica privada do inconsciente político. Trata-se de uma forma de democracia despótica. Marina pode alterar esta forma? É possível fazer a democracia no Brasil se transformar em forma de governo dirigida pela lógica pública do inconsciente político pela lógica do bem comum? A experiência de instalação da democracia justa precisa começar em algum elo da cadeia mundial com a crise da democracia representativa na política mundial. Marina e o Rede Sustentabilidade podem dirigir tal luta? Podem ao menos tentar! Realizar tal ato político implica em encontrar um caminho, que neutralize o Estado brasileiro como comitê da oligarquia financeira mundial através de sua vassala: a nova oligarquia capitalista rural brasileira. O encaixe do Brasil com o capitalismo corporativo mundial pode ser o instrumento de uma reindustrialização e um ponto de força para alterar o domínio inflexível do capital financeiro mundial sobre o Estado brasileiro. Talvez o capitalismo de Estado misto do setor de energia possa ser um aliado nesta empreitada, ele que na ditadura militar foi um pilar de sustentação burguesa de tal regime. Seria a redenção do capitalismo de Estado que se tornaria um pilar da democracia dirigida pela lógica do bem comum. O Pré-Sal poderá ser um instrumento econômico de grande utilidade política se for posto a serviço da democracia pós-moderna do século XXI.
Uma questão polêmica é a ligação de Marina com a religião evangélica. As religiões monoteísta são a força dirigente de uma revolução conservadora na política mundial. Trata-se de uma contrarrevolução, pois ela avança no recuo e fuga da revolução secular do mundo moderno. A revolução conservadora instaura a política mundial como uma dialética entre a razão e o inconsciente político. Esta é uma leitura possível da produção do mundo contemporâneo. Marina não parece ser a capitã de uma pequena embarcação que navega entre Cila e Caríbdes? Ao contrário de Dilma, Marina não será um instrumento cínico e oportunista da contrarrevolução religiosa mundial no Brasil. Ela poderá ser o sujeito do equilíbrio de antagonismo gilbertiano na política brasileira do século XXI. Equilíbrio da dialética entre razão e  inconsciente político na política mundial.    
Por sua ligação espiritual com a multidão de junho de 2013, Marina se constitui no espaço político como uma força que se opõe à instalação pelo  PT do governo despótico ou Urstaat. O PT de Dilma Rousseff acabou de recriar o temido serviço de inteligência do exército que atuou na ditadura militar muitas vezes como terrorismo de Estado. Segundo o ministro da Defesa, tal agência estatal deveria servir para vigiar, observar e infiltrar os movimentos sociais de rua das grandes cidades e os movimentos sociais rebeldes do campo. Trata-se de uma agência da montagem do Urstaat que terá como principal função agir sobre as multidões para domá-las, e, quem sabe, desarticulá-las. No plano político formal, os inimigos do governo petista serão o objeto privilegiado da ação desta abjeta agência do exército brasileiro. As forças do governo no Congresso Nacional aliadas do governo Dilma acabaram de gerar uma lei que militariza a Guarda Municipal. O governo petista de São Paulo do "marxista" Fernando Haddad foi o primeiro município a armar a sua Guarda Municipal. Trata-se de uma lei que articula a oligarquia brasileira como uma força armada na política local. De fato, trata-se da repetição do coronelismo com a instalação de uma jagunçada estatal. Nos sertões do Nordeste e de Minas Gerais, a Guarda Municipal do Estado petista assumirá a forma do coronelismo. Este modelo poderá servir para a instalação de cópias do coronelismo estatal em regiões como o Norte e o Centro-Oeste. Em todas as regiões apontadas, a Guarda Municipal poderá ser o instrumento das lutas clânicas, das lutas oligárquicas, repetindo o estado de guerra civil larvar do Brasil colonial. Tais fenômenos supracitados são a ponta do iceberg do Urstaat brasileiro. A instalação da democracia justa significa necessariamente a desmontagem do governo despótico.
Nas relações internacionais, o ecologismo prático brasileiro pode ser o instrumento para a retomada da luta ecológica na política mundial. É preciso que o desejo ecológico se transforme em uma vontade governamental em vários elos da cadeia política mundial que subsuma a vontade capitalista oligárquica mundial, causa que sobredetermina a cadeia de causas que convergem para transformar o planeta em uma lata de lixo global. Marina pode se aliar à Obama e ao governo chinês para construir tal vontade ecológica na política mundial.
Fausto de Alexandr Sokorov acaba com Fausto rasgando o contrato com o diabo que prometia a alma deste herói moderno para as forças do inferno. A oligarquia política brasileira pretende que Marina assine uma nova “Carta ao Povo Brasileiro” que a torne um instrumento do poder oligárquico. A oligarquia brasileira vai querer transformar Marina em um Lula de saia.  Se Marina pode ser a figura freudiana do grande homem de saia, um Moisés na política brasileira, ela pode muito bem rasgar o contrato (o pacto oligárquico) que é a repetição da soberania do discurso do mestre colonial na política brasileira do século XXI:
Hic Rhodus, hic salta