sábado, 28 de março de 2020

PLANIFICAÇÃO CAPITALISTA GLOBALIZADA



José Paulo

A Grande Depressão e o lançamento do primeiro Plano Quinquenal da URSS, em princípios da década de 1930, abalaram a cultura econômica do mundo, profundamente. A depressão anunciava o fim da ordem capitalista liberal do século XIX. O Plano Quinquenal aparecia como um artefato econômico de um novo Estado industrial pós--capitalista.   Aí, a dialética do mundo se estabeleceu como dialética agônica entre capitalismo e socialismo.
A ascensão do nazismo e a Segunda Guerra Mundial confirmaram que o capitalismo liberal (o capital privado no comando da economia, política e cultura) era incapaz de resolver os problemas do mundo pelo método capitalista.

Todavia, o capitalismo sobreviveu à Segunda Guerra e, sob a hegemonia dos Estados Unidos, entrou em um período de expansão vigorosa. Após as revelações feitas por kruschev, no XX Congresso do PCC da URSS, sobre os crimes de Stalin, a URSS entrou em uma época de ruptura com o marxismo russo, e com o marxismo de Marx e Engels, que resultou no conflito sino-soviético. O abandono da dialética marxista pela URSS é um fato crucial para se entender como a China se tornou o centro da gramática marxista internacional. Daí, o marxismo de Mao Tse-Tung se tornar hegemônico no movimento marxista ocidental, inclusive. 
A dialética histórica de Mao chegou à sua forma acabada com a dialética da sintetização entre socialismo e capitalismo, na década de 1970:
“Até agora, a análise e a síntese não foram claramente definidas. A análise é mais clara, mas pouco foi dito sobrea síntese. Tive uma conversa com Ai Ssu-ch’i. Ele disse que eles só falam sobre síntese e análise conceituais, e não falam sobre síntese e análise práticas objetivas. Como analisamos e sintetizamos o Partido Comunista com Kuomintang, o proletariado com a burguesia, os proprietários de terras e os camponeses, os chineses e os imperialistas?”. (Zizek: 219).
Hoje, a dialética prática objetiva caminha para a construção de um modelo de <planificação capitalista globalizada>? A covid-19 aparece com o fato exterior ao capitalismo neoliberal globalizado que é a causa de uma nova ordem mundial pós-neoliberal?
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O Plano Quinquenal da URSS é um artefato econômico que estabelece como força prática a gramática economicista acabada. Tal gramática da história consiste na economia produtivista no comando da economia, cultura e política.
Consiste na sociedade subordinada à economia.
A gramática economicista faz pendant com uma planificação autoritária e um Estado pós-capitalista despótico oriental. A gramática economicista não é aquela da lógica dos interesses a longo prazo da população. Ela obedece à lógica de interesses de grupos sociais particulares. Eis uma questão crucial do futuro da humanidade nas próximas décadas.
A covid-19 inaugura a época de um tempo de plurivocidade de crise: humanitária, sanitária, econômica, crise no campo dos sujeitos/pessoas, ambiental. A gramática do capitalismo neoliberal não é provida de recursos estratégicos e táticos para enfrentar a época que se anuncia. Daí, a necessidade da planificação capitalista, planificação democrática, na concepção do método de seleção da classe dirigente. Hoje, o Estado cientista social é fruto do método de seleção científica da classe dirigente da planificação capitalista ou planificação democrática, na concepção de Mannheim. (Mannheim: 124-126).  
A planificação autoritária foi um resultado da Revolução Bolchevique, na época de Stalin. O stalinismo é o marxismo autoritário sob domínio do economicismo russo. Algumas palavras sobre economicismo russo.
Charles Bettelheim escreveu o livro seminal sobre o economicismo russo como fenômeno da história do século XX:
“Na ideologia econômica stalinista, a categoria de planificação designa atividades estatais tendendo, por sua vez, à <elaborar> <planos econômicos> e <aplicá-los>”.   (Bettelheim: 43).
A planificação economicista é um método de uma gramática da sociedade produtivista. Ela acaba impondo o primado da acumulação de capital na frente da lógica de interesses a longo prazo da população e da natureza. A planificação capitalista se choca com o Keynes economicista que apoiava a desigualdade na distribuição da riqueza como o melhor meio para uma grande acumulação de capital. (Mattick:12).
 Em uma época de plurivocidade de crise humanitária etc, o economicismo se apresenta como gramática do capitalismo subdesenvolvido neoliberal, como artefato econômico da lei da concorrência fática do capitalismo corporativo mundial e da anarquia da produção. 
A economia mista da ordem mundial pós-neoliberal hoje tem como partner o Estado-cientista social. Assim, a planificação democrática do capitalismo misto encontra na sociedade científica cibernética o fundamento de um Estado capitalista planificado democrático, cibernético, é claro.
A panificação capitalista é o fenômeno próprio de uma época na qual a democracia representativa não pode ser mais a democracia do capitalismo subdesenvolvido neoliberal. Orientação e prioridades voltadas para o campo de sujeitos/pessoas definem a democracia representativa gramatical da planificação da economia capitalista sob comando dos interesses a longo prazo da humanidade e da vida no planeta.
A gestão do capitalismo planificado ainda é um problema a ser resolvido. Porém, a gestão do capitalismo humanitário não pode ficar nas mãos dos <funcionários do capital> ou dos partidos políticos dos funcionários do capital. Por exemplo, nos Estados Unidos, há de acontecer a quebra do monopólio da política pelos partidos republicano e democrata, partidos políticos da burguesia oligárquica americana financeirizada.
Joe Biden ainda representa a política do capitalismo neoliberal, subdesenvolvido, industrial, financeirizado, e de seu Estado neoliberal fiscal. A sociedade americana está tomando decisões dramáticas sobre qual história há de prevalecer, na política em 2020. Decide entre um capitalismo planificado, humanitário realmente existente, cibernético ou pela continuação da dominação hegemônica do capitalismo neoliberal subdesenvolvido: do petróleo, da mineração, do complexo industrial militar nuclear, financeirizado, modelado pela técnica cibernética.
O Estado-cientista social é a planificação democrática mundial da vida humana e animal. Ele se encontra sob a intervenção direta das organizações de base do partido político (Lenin:270, 267) da ciência. Trata-se de um partido que funciona em um ambiente de redes tecno-científicas políticas mundiais.
No início do século XIX, temos a junção da ciência natural com a gestão científica da organização do trabalho, mola propulsora da produtividade do trabalho assalariado, base da mais-valia relativa, da subsunção real do trabalho ao capital, e da expansão ciclópica do capitalismo liberal do século em tela. Hoje, o Estado-cientista é a junção de economia, política e ciência cibernética. O Estado-cientista social é o motor do capitalismo planificado, humanitário, democrático da terceira década do século XXI.  
A história do século XXI pode tomar um rumo autoritário se uma intelligentsia científica aristocrática, uma elite científica (Bakunin:33) vir a exercer o monopólio da vida política no campo de poderes/saberes do capitalismo planificado. O partido político da ciência significa uma dominação hegemônica absolutista se a política tout court não funcionar como freio e contrapeso. 
Como parte da classe dominante, o primeiro Estado-cientista planificador surgiu na URSS no início da década de 1930. Uma classe média científica vindo de baixo existe como governo da sociedade na economia e na política. (Bettelheim:198-204)
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A produção capitalista está orientada não pelas necessidades de consumo senão pela necessidade da produção de capital? Em algum momento, Keynes diz que o capital não é uma entidade autossuficiente, e que o consumo é o único fim da produção. No entanto, o consumo pode ser produtivo e improdutivo, como o consumo improdutivo da esfera da publicidade e do complexo industrial militar no capitalismo monopolista de Estado (CME). Trata-se da irracionalidade econômica do capitalismo no uso do excedente capitalista que não está circunscrito à relação normal entre oferta e demanda.  
O consumo improdutivo do CME é uma parte significativa da acumulação de capital no capitalismo neoliberal. O CME militar opera como um capitalismo subdesenvolvido industrial de reprodução ampliada de capital nos países desenvolvidos do capitalismo industrial cibernético.
A planificação capitalista democrática cibernética consiste em eliminar o CME militar da sociedade capitalista mundial, coisa impossível de se fazer no capitalismo neoliberal cibernético. Para o capitalismo neoliberal, a guerra é um modo de acumulação capitalista indispensável. Todavia, para o capitalismo pós-neoliberal, a acumulação de capital deve eliminar a contradição entre o método capitalista de produção de riqueza e a lógica de interesses a longo e curto prazo da humanidade.
A planificação capitalista globalizada não significa a hegemonia do capitalismo burocrático de Estado na economia global. O modelo econômico chinês é um modelo de panificação autoritário, pois existe em função da hegemonia do capitalismo corporativo de Estado chinês, vinculado ao capitalismo subdesenvolvido industrial militar mundial.
                                                                   
A nova ordem capitalista pós-neoliberal terá que colocar o consumo cibernético e o capital cibernético em função das necessidades da sociedade do trabalho e do não-trabalho, e não em função da reprodução ampliada de capital industrial subdesenvolvido.
A inversão de capital em função do campo de sujeitos/pessoas, da demanda efetiva, significa a necessidade da panificação capitalista. Não se abole a propriedade privada, mas esta deve conviver com outras formas de propriedade (estatal, comunitária, pessoal etc.), sem que a lógica da propriedade privada se torne dominante.
Há épocas e países nos quais os capitalistas se recusaram a correr riscos; quando em lugar de investir seu dinheiro e de outras pessoas preferiram guardá-lo, atitude que Keynes chama de <preferência por liquidez>. Não investir na economia da sociedade industrial não é uma opção para os capitalistas em uma sociedade planificada capitalista.   
Quanto ao pleno emprego, na teoria de Keynes o pleno emprego não tinha que implicar a guerra, a destruição de capital ou a produção supérflua, senão que podia ser conseguido por meios de obras públicas de utilidade já grande ou já duvidosa que aumentariam o lucro sem acrescentar o arrojo, e desta forma manter ocupado aos trabalhadores.
O Brasil vive a crise do capitalismo neoliberal subdesenvolvido usando “métodos socialistas” como o de redução de salários por decreto governamental. A contradição lógica entre o capitalismo neoliberal e o método socialista é própria da inconsistência objetiva prática da elite econômica e governamental subdesenvolvida. Trata-se de um flerte com a planificação estatal autoritária da economia.
Reconhece-se aí crença de que o capitalismo perdeu há muito tempo sua habilidade para superar depressões e que o estancamento é o estado “normal” de sua existência, na ausência de intervenções governamentais no mercado de inversões?
Não é o caso do capitalismo subdesenvolvido brasileiro. As elites econômicas não estão preocupadas com o fim da sociedade industrial urbana. Elas se tornaram elites rentistas vivendo de seus investimentos na rica sociedade do capital fictício neoliberal.
A crise capitalista do covid-19 não aparece como uma crise humanitária para a tosca psicologia da elite governamental. Esta segue os economistas profissionais que julgam impossível atribuir causas objetivas as crises capitalistas. Os únicos dados em que se baseiam são os relativos à psicologia da classe capitalista.
Para o governo de Bolsonaro, trata-se de assegura que a psicologia neoliberal continue no comando da economia, política e cultura. Esta psicologia se explica a partir dos movimentos reais da produção de capital; porém, por outro lado, ela não pode explicar os movimentos do capital industrial.
Um capitalismo subdesenvolvido sem sociedade industrial urbana não se explica pela psicologia dos capitalistas. Trata-se de um fenômeno econômico objetivo da ordem capitalista globalizada subdividida entre sociedade econômica desenvolvida, industrial, cibernética e sociedade econômica subdesenvolvida ligada às redes cibernéticas econômicas do capitalismo industrial, globalizada, avançado.  
A plurivocidade de crise na ordem capitalista mundial sob a hegemonia do capitalismo fictício neoliberal faz da relação do capital com o campo de sujeitos/pessoas um fenômeno estratégico para a subsistência do capitalismo de gregos e troianos.
Um governo subdesenvolvido como brasileiro se depara com a necessidade de planificação da economia e da sociedade para enfrentar a covid-19. Aos trancos e barrancos, estados e municípios ensejam a planificação da sociedade para diminuir a taxa de mortalidade da população. Já Bolsonaro se recusa a usar o método da planificação da sociedade para enfrentar a covid-19. Esta contradição mobiliza a política nacional e local em um movimento browniano.
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Os economistas liberais antigos apelam ao governo econômico, envergonhadamente, para ele usar o método da planificação capitalista democrática. Eles não querem recorrer ao velho lema usada nas crises capitalista: “ora, afinal, todos somos keynesianos”.
A crise do capitalismo brasileiro pariu uma estranha economia de guerra keynesiana/neoliberal com seu método socialista de cortar salários privado e público. Trata-se da famosa socialização das perdas do capitalismo subdesenvolvido neoliberal.
Um capitalismo articulado por um discurso econômico paradoxal fusiona neoliberalismo e keynesianismo, a céu aberto. A inconsistência de nossos melhores economistas é assimilada como fato normal pela sociedade iletrada em cultura econômica.
A nossa cultura econômica inconsistente é a superestrutura de um capitalismo subdesenvolvido aberto às loucas intervenções governamentais de Bolsonaro.  Com sua política de massas das <carretas da morte>, para acabar com o confinamento, Bolsonaro acredita que está salvando o capitalismo brasileiro para a sociedade do rico rentista paulista e carioca. Analfabeto em cultura econômica, Bolsonaro faz oposição ao Estado-cientista mundial e à direção intelectual e moral das grandes economias capitalistas na condução da crise do capitalismo neoliberal globalizado.
Bolsonaro é a figura macabra que personifica a lógica do capital que trata a vida humana pelo cálculo da reprodução do capital. Somente um governante de um país subdesenvolvido exporia como política governamental a gramática dos jogos do capital com a vida humana.   
Uma época que se abre com uma crise humanitária devastadora para a população dos países, para os povos, é um fato incompreensível para Bolsonaro e a elite brasileira em geral.
Uma nova ordem mundial advirá da planificação capitalista no Oriente e Ocidente ou, então, caminharemos para o fim da história como a conhecemos como fato e artefato e método de soluções de problemas econômicos.  
A crise do capitalismo neoliberal é, também, a crise da ciência econômica dos profissionais funcionários do capital. Na terceira década do século XXI, ocorre um apagão simbólico no campo de saberes da ordem capitalista neoliberal.
No entanto, a tagarelice dos economistas brasileiros (e jornalistas) não para de funcionar na sociedade de comunicação de massa. O Brasil jamais conheceu um espaço procedural voltado para organizar a sociedade nacional por via da hegemonia moral e intelectual.
Eis a tragédia nacional em poucas palavras.

BAKUNIN, Mikhail. Deus e o Estado. SP: Cortez, 1988
BETTELHEIM, Charles. Les luttes de classes em URSS. 3ème période. 1930-1941. Les dominants. Paris: Seul/Maspero, 1983  
LENIN. Materialismo y empiriocriticismo. Barcelona: Grijalbo, 1975
MANNHEIM, Karl. Liberdade e poder. Planificação democrática. SP: Mestre Jou,1972  
MATTICK, Paul. Marx y Keynes. Madrid: Ediciones Era, 1975
ZIZEK, Slavoj (apresenta). Mao. Sobre a prática e a contradição. RJ: Zahar,2008
    


        



      
      



 




domingo, 22 de março de 2020

PÓS-MODERNISMO NEOLIBERAL


José Paulo





PÓS-MODERNISMO E POLÍTICA
O gramático Celso Cunha ensina sobre a figura de sintaxe – Nem sempre as frases se organizam com absoluta coesão gramatical. O empenho de maior expressividade leva-nos, com frequência, a superabundâncias, a desvios a lacunas nas estruturas frásicas tidas modelares. Em tais construções a coesão gramatical é substituída por uma coesão significativa, condicionada pelo contexto geral e pela situação.
O paradoxo pode ser classificado como uma figura de sintaxe do discurso político pós-modernista?
O PT fez da política brasileira uma prática sob comando da lógica do simulacro de simulação. Bolsonaro é o sujeito do discurso do pós-modernismo político.
O paradoxo abole a lei da contradição. No mesmo ato de fala, se diz que <a bola é redonda> e que <a bola não é redonda>. Temos um discurso contraditório em relação ao discurso público hegemônico, um raciocínio com aparências de semblância lógica, mas que contém contradições em sua estrutura.
O discurso político de Bolsonaro sobre o covid-19 possui uma aparência lógica, mas contém contradições em sua estrutura. Trata-se, também, de um discurso em contradição com o discurso do Estado-cientista mundial.
Quando o simulacro de simulação perdeu sua força de realidade, o PT não soube mais fazer política. As massas pós-modernas do PT só existiram como massas de um governo pós-moderno. Quando o governo desapareceu, as massas, por um encanto, se retiraram da rua.
O discurso político pós-moderno de Bolsonaro está levando à desagregação do campo da direita que apoia o poder político bolsonarista. Por enquanto, Bolsonaro tem o apoio dos evangélicos, da Forças Armadas, do poder político miliciano (polícia miliciana e economia miliciana).
A esquerda em geral, a universidade estatal, o jornalismo de oposição e a sociedade civil, o parlamento e o STF não sabem que o discurso de Bolsonaro é pós-moderno. Assim como o país nada sabia da política do simulacro de simulação do PT.
A política pós-moderna de Bolsonaro acontece a céu aberto, mas o campo de sujeitos pouco sabe sobre a gramática da política da pós-modernidade.
Há uma coesão significativa no discurso de Bolsonaro, condicionada pelo contexto geral e pela situação da plurivocidade de crise.
A reação moralista e sentimental ao pós-modernismo político não ajuda!
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No Brasil uma literatura pós-modernista tem em João Gilberto Noll o seu autor mais festejado. Encurtado meu caminho, a cultura pós-modernista produziu seus artefatos políticos como as massas petistas, o multiculturalismo petista e da TV Globo e Bolsonaro, já mencionado acima.
É um fato que a cultura pós-modernista não foi gramaticalizada pelas massas intelectuais universitárias do domínio das humanidades., como ciência política e sociologia, ambas caudatárias de um certo modernismo caboclo. Assim, o pós-modernismo não se transformou no aspecto hegemônico da nossa cultura. Mas não é um fato que o pós-modernismo é um fenômeno descartável na vida brasileira, como pensa, equivocadamente, Heloísa Buarque de Holanda:
“No Brasil, como em geral em toda a América Latina, a ideia de uma cultura pós-moderna, expressão do capitalismo tardio, vem acrescida de um forte sentimento de inadequação, no sentido de ser uma ‘importação indevida’, e é experimentada, na maior parte das vezes, como uma tendência política e moralmente problemática”. (Holanda: 7-8).    
Olhando com os olhos de hoje, se tem certeza de que o pós-modernismo político é um fenômeno vinculado ao capitalismo neoliberal do americanismo, criado na década de 1970 pela universidade americana de escol.
Na passagem do capitalismo neoliberal do século XIX para o capitalismo monopolista de Estado (CME) do século XX, fatos exteriores ao capitalismo concorreram para a aceleração da transição para o capitalismo monopolista de Estado. A Primeira Guerra Mundial é o signo maior da aceleração supracitada.
O século XX viveu sob a hegemonia econômica do capitalismo monopolista de Estado internacional, em sua última etapa.  A Segunda Guerra Mundial deu partida à dissolução da hegemonia do CME no Ocidente. No entanto, só na década de 1970, o capitalismo neoliberal apareceria como modelo econômico americano para substituir o CME.
Com o capitalismo globalizado, a hegemonia do capitalismo neoliberal unificou Ocidente e Oriente asiático. A etapa do capitalismo globalizado cibernético expulsou a lógica interna (Marx) <fim do capitalismo> para décadas acima.  
Na terceira década do século XXI, algo exterior ao capitalismo, algo contingente, produz uma crise do capitalismo neoliberal. Trata-se da covid-19. Doença provocada pelo novo coronavírus a covod-19 aparece como um fato que põe o capitalismo neoliberal em colapso na Europa ocidental.
Os Estados neoliberais europeus reconhecem que são impotentes para lidar com a covid-19. Na América do Norte, o maior Estado neoliberal faz um movimento de <socialização das perdas>, seguindo a orientação de Obama para a crise do Banco 2008, crise do capital fictício. Donald Trump quer vencer a eleição presidencial sem se desfazer de seu Estado neoliberal. No Brasil, Bolsonaro acena com um estado de exceção usando como pretexto os efeitos da crise na relação da política nacional com a política local.
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No Ocidente, o pós-modernismo político aparece na década de 60 do século XX, ou seja, ele vem antes do capitalismo neoliberal. Stanley Aronowitz diz:
“A vida política já não se fundamenta numa concepção de um mundo qualitativamente melhor. Até os movimentos sociais que, nos anos 70, acusaram os partidos políticos de esquerda e de direita de operar sem perspectiva, deixaram de articular suas utopias e mergulharam na <Realpolitik>. Eles têm sido pós-modernos desde os anos 60, porque rejeitaram as premissas da modernidade: confiança nos processos democráticos formais, políticas de crescimento fundadas num apoio incondicional ao industrialismo”. (Holanda: 155).
A política pós-moderna da falta de crescimento industrial se instalou no Brasil com a sociedade industrial em colapso do sudeste. Hoje, o crescimento industrial nos remete para a sociedade industrial cibernética desenvolvida da Ásia oriental, em especial a China. No Brasil, a sociedade de comunicação de massa fala de crescimento esperado que já não é crescimento industrial urbano. Se joga toda a esperança do crescimento na indústria rural da economia de commodities. No comércio exterior do capitalismo subdesenvolvido industrial rural.  
A política neoliberal de Bolsonaro é pós-moderna, pois não se baseia em uma estratégia de crescimento industrial urbano. Tal política é aquela de um campo de poderes/saberes neoliberal que se realiza sem ter que lidar com o problema da legitimidade do Estado neoliberal pós-modernista.
Para os agentes da política pós-modernista, o inimigo é o poder, ou melhor, quem o encarna e não o Estado neoliberal em si. Diz Stanley Aronowitz:
Daí a conclusão de que o inimigo é o poder como tal e de que qualquer referência à reforma, e mesmo à revolução, representa um desvio da tarefa real: a aniquilação da legitimidade do Estado e dos partidos da ordem (incluídos o comunista e os socialdemocratas)”. (Holanda: 163).
No Brasil, o capitalismo neoliberal aniquila a legitimidade do Estado integral 1988 e uso o termo reforma como paródia para destruir o Estado nacional. A categoria de reforma era usada para falar de reforma do capitalismo (capitalismo social) no lugar da revolução anticapitalista. A desestatização do campo de poderes/saberes faz pendant com o avanço do capitalismo criminoso (Platt: 19, 45, 101), do criminostat (Virilio: 57) e do <capitalismo mafioso>, fenômeno que velho estudando em meus escritos recentes. Estes fenômenos são formas pós-modernistas do capitalismo neoliberal globalizado.   
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Jameson fala da falsa ruptura histórica do pós-modernismo com o capitalismo na acepção marxista:
“Essa ruptura não deve ser tomada como uma questão puramente cultural: de fato, as teorias do pós-moderno  - quer sejam celebratórias, quer se apresentem na linguagem da repulsa moral ou da denúncia – têm uma grande semelhança com todas aquelas generalizações sociológicas mais ambiciosas que, mais ou menos na mesma época, nos trazem as novidades a respeito da chegada e inauguração de um tipo de sociedade totalmente novo, cujo nome mais famoso é ‘sociedade pós-industrial’ (Daniel Bell), mas que também é conhecida como sociedade de consumo, sociedade das mídias, sociedades da informação, sociedade eletrônica ou high-tech e similares. Tais teorias têm a óbvia missão ideológica de demonstrar, para seu próprio alívio, que a nova formação social em questão não mais obedece às leis do capitalismo clássico, a saber: o primado da produção industrial e a onipresença da luta de classes”. (Jameson: 28-29).
Jameson é prisioneiro, na década de 1990, de uma percepção do capitalismo anterior à hegemonia mundial do capitalismo globalizado neoliberal cibernético:
“é neste ponto que devo lembrar ao leitor o óbvio, a saber, que a nova cultura pós-moderna global, ainda que americana, é expressão interna e superestrutural de uma nova era de dominação, militar e econômica, dos Estados Unidos sobre o resto do mundo: nesse sentido, como durante toda a história de classes, o avesso da cultura é sangue, tortura, morte e terror”. (Jameson: 31).
A sociedade capitalista, industrial, cibernética faz pendant com a hegemonia do capitalismo globalizado neoliberal. A covid-19 é a contingência (um significante que advém do real) que põe em questão a hegemonia do capitalismo neoliberal pós-modernista na União Europeia.
Nos Estados Unidos, a hegemonia do capitalismo neoliberal pós-modernista é o oxigênio da elite e do povo americano? A derrota de Bernie Sanders para o neoliberal temperado Joe Biden é o signo político de que a América não quer abandonar o capitalismo pós-modernista neoliberal.
No Brasil, a covid-19 é usada para uma nova ofensiva neoliberal sobre o Estado nacional 1988 e o proletariado da sociedade salarial. A sociedade de comunicação de massa pós-modernista faz o discurso neoliberal para as massas da necessidade de “socializar as perdas” para o capital e, também, não abandonar a legislação neoliberal fabricada durante os governos Michel Temer e Bolsonaro.
No Brasil, a hegemonia neoliberal pós-modernista parece ter alcançado as massas, pois, nem a crise sanitária da covid-19 parece abalar tal hegemonia.
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Com a sociedade industrial cibernética, o pós-modernismo deixa de funcionar como lógica cultural do capitalismo tardio. Ele passa a existir como a gramática do capitalismo industrial neoliberal cibernético em destroços. (Bandeira da Silveira. 2019a: 73).
Vivemos a crise da plurivocidade capitalista. O problema central para o homem ocidental é a lógica <fim do capitalismo> não arrastar para a destruição a sua democracia ocidental.
Há países subdesenvolvidos que estão praticando a estratégia de “imunidade de rebanho” por terem aniquilado o Estado do bem-estar tropicalista, Estado social periférico, na política mundial.
Toda uma superestrutura pós-modernista do capitalismo neoliberal vem funcionando para conter a rebelião das massas e, também, dirimir os efeitos da crise capitalista sobre a política neoliberal de uma democracia ancilar.
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DEMOCRACIA ANCILAR
A covid-19 põe e repõe o problema da relação da política (democracia) com a economia na realidade dos povos e das nações.
Depois de flertar com a estratégia ditatorial “imunidade de rebanho” na qual deixa-se morrer a população mais velha e já doente para imunizar 80% dos ingleses, Boris Johnson mudou em 180 graus. Agora ele vai proteger o trabalhador da sociedade industrial inglesa pagando 80% do salário do proletariado. São trilhões de reais gastos com a sociedade salarial por um Estado neoliberal em colapso.
A democracia inglesa não é uma democracia subalterna ao capitalismo neoliberal, enfim. Assim como a inglesa, a democracia alemã está pondo 500 bilhões de euros na sociedade salarial (mais de 5 trilhões de reais?) para combater a covid-19.
Enquanto a Argentina estabelece um método democrático no combate à pandemia, Bolsonaro fala em estado de sítio ou estado de defesa. Bolsonaro quer fazer da pandemia uma oportunidade para instalar um estado de exceção aprovado pelo parlamento.
A democracia brasileira é uma democracia subalterna ao capitalismo subdesenvolvido neoliberal. O parlamento está aprovando leis que permitem reduzir salário e jornada de trabalho na economia privada, no capitalismo privado. Quer reduzir o salário dos servidores em 20%. O governo-parlamento brasileiro age no lado anverso da democracia europeia ocidental.
No Brasil, a pandemia é usada para uma ofensiva neoliberal de seus agentes neoliberais parlamentares contra a sociedade salarial. O Congresso brasileiro é o centro real, mais agressivo, do campo de poderes/saberes neoliberal.
A democracia ancilar é a democracia dos povos de países capitalistas subdesenvolvidos. São povos subalternos à gramática dos interesses do capitalismo neoliberal. Povos servis ao capitalismo subdesenvolvido.
O estado de exceção ou o estado de defesa de Bolsonaro se transformará em um estado de exceção fático? Depois que passar a existir, o parlamento perde o controle sobre o estado de exceção fático.
A ideia fixa de Bolsonaro é a implantação de uma ditadura pós-modernista. Artefato político desconhecido no Brasil. Com o estado de exceção, Bolsonaro poderá usar sua percepção tátil para medir o equilíbrio de força favorável à ruptura com a democracia 1988.
Bolsonaro diz que certos governadores agem como estados do ultra federalismo. Os estados estariam quebrando a unidade política nacional, lembrando as revoltas separatistas contra a monarquia de d. Pedro II.
A solução regional para a pandemia (fechamento das fronteiras estaduais) não é certamente o melhor método para lutar contra a covid-19. No entanto, o ultra federalismo fático deve ser dissolvido com o método democrático, e não com o estado de exceção bolsonarista.
A convid-19 apanhou o Estado nacional e local com as calças nos joelhos. Porém, o parlamento de capitalistas neoliberais não deve destruir a democracia 1988 para salvar o capitalismo neoliberal subdesenvolvido.
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A covid-19 aparece como uma crise humanitária na Europa e balança a lógica pós-modernista do inumano no comando da vida:
“Mas assumem sempre o homem como sendo pelo menos um valor seguro que não necessita ser interrogado. Que tem inclusivamente autoridade para suspender, interditar, a interrogação, a suspeição, o pensamento que corrói”. (Lyotard. 1990: 9).
Sobre o pós-modernismo do inumano: “Este discurso é igualmente aquele que serve a quem decidi em política, em socioeconomia, para legitimar as suas opções: competitividade, melhor repartição de cargos, democracia na sociedade, na empresa, na escola e família. Não inclui, no entanto, os direitos do homem, originários de um horizonte completamente diferente, e que não podem ser chamados a reforçar a autoridade do sistema, da mesma forma que este não pode fazer desses mesmos direitos, por construção, mais do que um caso episódico”. (Lyotard. 1990: 13).
A característica do capitalismo subdesenvolvido globalizado neoliberal consiste em ignorar, como política e sociedade civil, os direitos do homem como parte orgânica da democracia ancilar. (Bandeira da Silveira: 2019b:39). Daí, a diferença do choque civilizatório da covid-19 na Europa e na América Latina. A luta da Argentina contra a pandemia porá em questão a hipótese neoliberal pós-modernista na América Latina?  
No Brasil, a hipótese neoliberal do inumano pós-modernista resultará em uma política de terra arrasada na sociedade dos pobres e doentes? Eis uma interrogação que será respondida nos próximos meses.
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Gramáticas do capitalismo. Lisboa: Chiado Books, 2019a
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Subdesenvolvimento hoje. Lisboa: Chiado Books, 2019b
HOLANDA, Heloisa Buarque (org). Pós-modernismo e política. RJ: Rocco, 1991
JAMESON, Fredric. Pós-modernismo. A lógica cultura do capitalismo tardio. SP: Ática, 1996
LYOTARD, Jean-François. O inumano. Lisboa: Estampa,1990  
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017
VIRILIO, Paul. Velocidade e política. SP: Estação Liberdade, 1996  
   
     
   
                       
  
  
     

   


quarta-feira, 18 de março de 2020

O FIM DO CAPITALISMO?


José Paulo 18/03/2020


A COVID-19 desencadeou uma crise no campo do sujeito/pessoas capitalista, uma pandemia que afeta o homem (crianças, mulheres e homens) e a economia produtiva do capitalismo.
Uma reação humanitária chinesa e europeia escolheu as pessoas ao capital. Paralisa-se o processo de trabalho para salvar as pessoas mais vulneráveis: velhos e doentes crônicos.
Na América, Donald Trump se vê encurralado pela contradição humanitarismo versus capital. O eleitorado do homem americano vai eleger o próximo presidente da república em 2020. Donald quer se reeleger.
A contradição neoliberalismo versus Estado-cientista social vai para o proscênio da luta eleitoral. Trata-se de uma contradição objetiva cujo aspecto estatismo derrota o aspecto neoliberal?
A guerra molecular da pandemia contra o homem americano será dramatizada pela sociedade de comunicação de massa, sociedade do espetáculo. No entanto, na consciência pública, as baixas do coronavírus serão atribuídas ao domínio da medicina capitalista que só salva quem pode pagar. Nos Estados Unidos, inexiste um Estado-cientista social no domínio da medicina pública para tratar centena de milhões de pessoas. Este fato certamente aparecerá na luta eleitoral
O sistema de poder americano vai conseguindo neutralizar Bernie Sanders, com o seu projeto de um capitalismo social, especialmente no domínio da saúde da sociedade salarial. A hegemonia da burguesia democrata sobre o negro e a mulher vai dando a vitória para o neoliberal obamista envergonhado Joe Biden, representante do capitalismo legal subdesenvolvido, industrial, americano. Por enquanto, o capitalismo neoliberal está no controle da vida política americana.
Na União Europeia, o capitalismo neoliberal se desfaz como hegemonia política sobre as massas. As elites percebem que o domínio do capitalismo neoliberal se estiola no continente. Na Espanha neoliberal, o estatismo intervém na medicina capitalista. É o sintoma do fim do capitalismo neoliberal no continente?
Na Inglaterra neoliberal do partido conservador, Boris Johnson escolhe o capital ao invés dos ingleses. A estratégia de <imunidade de rebanho> é aquela estratégia do capital fictício internacional que controla o partido conservador e o governo de Boris Johnson. A Inglaterra aparece como o centro de resistência do neoliberalismo, pois Donald Trump se apresenta como um trânsfuga envergonhado do neoliberalismo; ele é o homem nu na política do capitalismo ilegal do subdesenvolvimento, industrial, financeirizado.       
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UMA ÉPOCA HUMANITÁRIA
<O último homem> é um tema de Nietzsche como uma profecia filosófica de uma época sem humanitarismo. Engraçado que Althusser falou de um anti-humanismo como condição para a sobrevivência do pensamento de Marx no pós-Segunda Guerra Mundial. O humanismo é a antessala filosófica do humanitarismo na história da sociedade mundial.
A era do capitalismo neoliberal é a época do anti-humanitarismo capitalista, que desbanca o modelo econômico de capitalismo socialdemocrata europeu, profundamente humanitário.
O humanitarismo é o homem no centro das preocupações das instituições modernas. O biopoder de Foucault não é um conceito humanitarista, se ele se define como a medicina social que cuida da vida da população proletária?
A pandemia da covid-19 é a primeira grande crise da sociedade mundial em uma época de plurivocidade de crise. Se não formos abduzidos por um discurso milenarista, o que nos resta?
O capitalismo não é o método universal para tratar a plurivocidade de crise que nos ameaça. Inaugurada pela pandemia da covid-19, a época atual põe e repõe no centro da história mundial o problema do humanitarismo. Assim, o problema se remete para a interrogação: quanto vale a vida e o sofrimento humanos?
A devastação da flora e da fauna no Planeta por causa da crise climática não se traduz em uma mobilização das elites política e econômica que ao menos mantenha a aparência de que se quer resolver esse problema. Donald Trump é o líder mundial pró-devastação do planeta. Para ele, a crise climática é uma invenção dos cientistas naturais.
O que está muito claro é que o Estado-cientista (aliança de política, ciência e economia) é o sujeito mais importante da nossa época humanitária. Na conjuntura pós-neoliberal, o capitalismo globalizado, desenvolvido, industrial, cibernético tem que fazer pendant com o Estado-cientista, industrial, desenvolvido, cibernético.
O capitalismo neoliberal ab-rogou o campo de sujeito/pessoas da gramática do capitalismo globalizado cibernético. Hoje, a sobrevivência do capitalismo mundial passa pôr colocar o campo supracitado como parte do cálculo da acumulação capitalista e da reprodução ampliada de capital cibernético no domínio da medicina social e da natureza.
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O abalo no campo do sujeito faz pendant com a mexida na relação das gramáticas capitalistas com os representantes políticos do capital. Como efeito da gramática capitalista neoliberal, o sujeito político é parte de uma racionalidade que põe e repõe a economia privada como o alfa e o ômega da vida da sociedade capitalista. A ideia de redução do Estado nacional integral a um Estado mínimo fiscal comanda a política neoliberal. O Estado como comitê da sociedade capitalista.  
Com a crise capitalista, o sujeito político neoliberal vê a situação como efeito de uma situação de anomalia. O discurso neoliberal é aquele do uso do Estado nacional para tratar a sociedade capitalista doente, pois, o próprio capitalismo não tem a cura para sua doença.
   COVID-19, CAPITALISMO, ESTADO NACIONAL
De um ponto de vista de um realismo político, a COVID-19 invade o campo de sujeitos/pessoas como pandemia. A China tratou o vírus como um problema de segurança nacional. Ela pôs seu Estado-cientista nacional para controlar a pandemia chinesa.
O capitalismo chinês recebeu um duro golpe por causa do esforço do Estado nacional em controlar a pandemia. A pandemia apareceu como uma ameaça, de fato, ao monopólio do poder político do PCC. O Partido Comunista Chinês resolveu paralisar a sua sociedade industrial cibernética, antes que a pandemia se transforme em uma revolta, descontrolada, das multidões contra o poder político do partido.
A China mostra que o capitalismo não cuida da saúde do campo de sujeitos/pessoas. Só o Estado pode tomar a frente desse evento. Isso é o Oriente no qual a sociedade capitalista industrial não tem como premissa a destruição do Estado-cientista, nacional, social
No Ocidente, o neoliberalismo americano hegemônico tem como axioma de sua gramática capitalista a desmontagem do Estado nacional social. A América Latina embarcou nessa canoa furada e agora não tem como controlar a pandemia. No Brasil, a política do governo é: “morrerá quem tem que morrer, ou melhor, os mais fracos”.
Na América, a eleição presidencial 2020 põe cara a cara a gramática capitalista neoliberal e o fato dessa gramática não conter em si a premissa de cuidado com a saúde da população. A saúde da população já está aparecendo como um problema de medicina pública (que não visa o lucro). A medicina privada (cuja lógica é a obtenção de lucro) salva quem tem dinheiro para pagar.
A contradição entre medicina pública e medicina capitalista vai aparecendo como um problema cadente da política americana. Com a hegemonia da gramática do neoliberalismo, a sociedade americana civil passou a ter aversão sexual ao Estado: nojo ao Estado intervindo na vida americana. Assim, ela passou a desprezar a medicina pública.
Em 2020, a vida americana se dirige à política para decidir se continua a hegemonia da gramática neoliberal de Donald ou Joe Biden, ou faz de Bernie Sanders o candidato do Estado social nacional contra o neoliberalismo.
Donald Trump parece usar o dinheiro estatal para salvar o Banco e o Mercado Financeiro, como prioridade política. Ele é o sujeito de uma estratégia de vencer a eleição para manter tudo como está no quartel de Abrantes: “perder os anéis para não perder os dedos”.
Doar dinheiro público para os americanos da sociedade salarial cheira a um uso do  populismo trumpista para salvar o capitalismo neoliberal.   

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O subdesenvolvimento vai aparecendo como um fenômeno no jornalismo brasileiro? Parece que o medo da pandemia faz com que a sociedade se pense como subdesenvolvida. Diante da catástrofe que se anuncia para as sociedades subdesenvolvidas, o jornalismo parece não parar de funcionar como uma linguagem ficcional próxima da realidade realmente existente?
  SUBDESENVOLVIMENTO, pandemia, crise capitalista
A pandemia aparece como motor da crise capitalista manifesta das sociedades capitalistas, industriais, cibernéticas, desenvolvidas. Um outro problema histórico dramático é a associação da crise capitalista com a pandemia em países subdesenvolvidos.
A gramática do subdesenvolvimento neoliberal é aquela que tem como premissa a desarticulação do Estado-cientista social tal como este existiu no Brasil e Argentina, para ficar nesses dois casos.
Com seu neoliberalismo de taberna, Macri resolveu jogar a Argentina no subdesenvolvimento sem sociedade industrial e Estado cientista social. O Brasil de Michel Temer e Bolsonaro, também, resolveram substituir o Estado nacional social 1988 por um Estado corporativista, neoliberal, fiscal, finaceirizado, Assim, Brasil e Argentina desenvolveram o subdesenvolvimento sem indústria urbana e sem Estado nacional. Provavelmente, a lógica fática da crise econômica subdesenvolvida irá reduzir a sociedade industrial restante ao mínimo econômico.
Macri sofreu uma derrota acachapante, definitiva, para o peronismo. No Brasil, Paulo Guedes e Rodrigo Maia fazem de conta que o modelo econômico neoliberal subdesenvolvido não é a causa da maior crise da sociedade brasileira no domínio da saúde pública. Eles não são responsáveis pela crise catastrófica e, portanto, não devem perder sua posição de poder político.
O modelo econômico subdesenvolvido se reproduz graças a um campo de poderes político mafioso que encontra guarida nas altas instituições da república (Congresso, STF, poder judiciário em geral, grandes governos locais, partidos políticos no comando da política nacional e local). A grande imprensa e os mass media (televisão, no proscênio da sociedade de comunicação de massa) fabricam, cotidianamente, o discurso mafioso de reprodução do capitalismo subdesenvolvido neoliberal.
A plurivocidade de crise supracitada afetará a vida das cidades, agora, subdesenvolvidas. As grandes cidades poderão ser o palco de eventos de massas irracionais?
A política será afetada pela crise urbana das grandes cidades?
Não vamos pôr o carro na frente dos bois. Aguardemos o desenvolvimento da crise.
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O campo do sujeito/pessoa é um campo territorial, ele pertence aos países. Se ele entra em crise, as gramáticas do capitalismo desterritorializadas podem também entrar em crise. O capitalismo neoliberal vê os países como fenômenos arcaicos. Todas as teorias do funcionamento do capitalismo em redes econômicas (produtiva, financeira, comercial) tratam os países como objetos internacionais obsoletos. A União Europeia é a expressão fática de um funcionamento em rede (atravessando e dissolvendo os países) do capitalismo europeu.
Com a pandemia, a Europa descobre que são os Estados nacionais que lutam contra a guerra biológica da natureza contra o homem (pandemia) europeu (crianças, mulheres, homens). A Europa chega à conclusão lógica de que não foi uma boa ideia se desfazer do Estado-cientista/social na forma do Estado do bem-estar. Não foi uma ideia brilhante substituir o capitalismo social pelo capitalismo neoliberal do americanismo.
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A questão que se impõem é aquela do capitalismo neoliberal em colapso. Trata-se de um capitalismo que não quer morrer, depois de ter conquistado o planeta.
A ideia do capitalismo no comando da vida econômica mundial progrediu muito no século XXI, sem Estado nacional integral. Progrediu tanto no espaço da consciência pública dos países desenvolvidos, que a morte do capitalismo neoliberal é vivida como o fim do próprio capitalismo.
O modelo capitalista dos países desenvolvidos se constituiu como gramática capitalista cibernética neoliberal. Ao vincular a sociedade industrial cibernética ao neoliberalismo, o capitalismo neoliberal em colapso é vivido como fim do capitalismo tout court.
Em um país continental como o Brasil, a política só conhece o pensamento neoliberal. Mesmo próxima da fase do cemitério italiano, a crise brasileira da covid-19 é vivida pela política como algo passageiro. Em alguns meses, o país retomará a política neoliberal intacta.
O Brasil é o exemplo de um país cuja política é incapaz de interpretar a sua realidade econômica realmente existente. A política não metaboliza que o Brasil é um país capitalista subdesenvolvido sem indústria urbana no comando da vida da sociedade. O Brasil não vê que o capital fictício internacional detém a hegemonia econômica, política e cultural, entre nós. <O Brasil não conhece o Brasil>.
O jornalismo não se apresenta como a consciência púbica nacional do capitalismo subdesenvolvido Latino-Americano.
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Se a política capitalista é incapaz de se reinventar, ou seja, de abandonar o neoliberalismo no comando do capitalismo, então, trata-se do fim do capitalismo em si.
A reinvenção do capitalismo depende da política. Porém, no Ocidente, a política é neoliberal. Assim, ela é aquele episódio do barão de Munchausen no qual o cavaleiro, atolado na areia movediça, puxa para cima o seu próprio rabo de cavalo, tirando o cavalo do atoleiro mortal.
Os países subdesenvolvidos se encontram em uma situação de paralisia política frente à crise mundial do capitalismo. Eles não têm vontade de potência para reinventar o capitalismo.
A América parece não estar disposta a usar a política para reinventar o capitalismo. Joe Biden é o símbolo do fracasso da política americana como reinvenção do capitalismo americano. A realidade capitalista fática é uma realidade inercial que pesa como chumbo no cérebro dos americanos vivos.
Os olhos do planeta se voltam para a China. Deste país depende a reinvenção do capitalismo mundial?
A China é o espetáculo da luta pela hegemonia entre o capitalismo industrial subdesenvolvido e a sociedade industrial desenvolvida, cibernética. A China tem um Estado-cientista/social cibernético que faz pendant com o capitalismo chinês no comando da vida chinesa. Como esse modelo de economia e sociedade pode ser o paradigma para a reinvenção do capitalismo mundial?
Donald Trump vê na pandemia um acontecimento que põe a questão da hegemonia do planeta como disputa agônica entre a América e a China. O país que derrotar a pandemia será visto como o líder incontestável da política planetária.
O capitalismo neoliberal em colapso parece afetar mais o poder americano do que o poder chinês. Com a pandemia covid-19, o século XXI vai ao encontro da hegemonia chinesa sobre a política mundial?  
A pandemia pode ser a causa da derrubada da ordem mundial neoliberal? Ela pode abrir a história para a hegemonia de uma ordem mundial com cores chinesas? 

 ECONOMIA DE GUERRA
A NATUREZA natureza faz sua guerra biológica ao homem (pandemia). O real invade a vida econômica e da história da sociedade mundial. Do que se trata afinal?
Na Itália, pessoas convivem com cadáveres produzidos pelo novo corona vírus em suas próprias casas. Esta situação é a síntese social de uma outra coisa, a saber: a <economia de guerra> no comando da história do globalismo subdesenvolvido na esfera do Estado.
O neoliberalismo foi destruindo o Estado social, definido como cuidado da população. O neoliberalismo é um desprezo profundo pelo campo do sujeito/pessoas. A guerra virótica ataca as pessoas e o sujeito do capitalismo globalizado. Este sujeito é articulado pela gramática de frases como: 1) o mercado é o único motor da vida em sociedade; 2) o Estado nacional social deve ser destruído; o Estado nacional é uma força de bloqueio do capitalismo globalizado.
Falo da economia de guerra em minha pátria.
Governo nacional neoliberal e governos locais neoliberais se empenharam em destruir o sistema de saúde estatal. Agora, o Estado está incapacitado para enfrentar a pandemia. Os governos neoliberais só sabem fazer política econômica propondo para o parlamento a destruição do Estado nacional, reduzindo-o a um puro mecanismo fiscal: Estado fiscal neoliberal do <teto de gastos>.
O Estado fiscal neoliberal no comando da vida econômica significa pôr mais lenha na fogueira da economia de guerra. O Estado fiscal neoliberal pensa as pessoas e empresas como atores de um campo de forças da economia de guerra onde os mais fracos devem perecer.
O governo procura pôr a responsabilidade da eclosão da economia de guerra nas mãos do Congresso. Para o governo sicofanta, prestar informações falsas e mentir sobre a economia de guerra, e, mais ainda, caluniar o parlamento é a única prática política que lhe vem a seu cérebro doentio.
Especialistas em economia de guerra, antigos economistas falam de uma quebradeira geral das empresas, que se aproxima; falam de fome e de multidões doentes nas cidades. São efeitos naturais da economia de guerra.
É claro e cristalino que cabe à política nacional (tendo o Estado nacional como centro) o comando do enfrentamento da economia de guerra. Também é claro e evidente que o governo de Bolsonaro e gal Mourão acabou. Como governo neoliberal, ele é uma variável que só aprofunda a economia de guerra.
Para enfrentar a economia de guerra, o Brasil necessita de um governo nacional que faça do Estado brasileiro uma força prática utópica de reinvenção de nossa história capitalista.
O momento é gravíssimo!
  



       

segunda-feira, 2 de março de 2020

BRASIL COLONIAL E 2019 – poder mafioso


José Paulo



A imagem do homem mafioso como homem de família e criminoso é bem conhecida da cultura mundial. Parto dessa imagem para falar de um fenômeno brasileiro extraordinário e desconhecido no próprio Brasil: o <poder mafioso>.
Gilberto Freyre estabeleceu a gramática do campo dos sujeitos mafioso brasileiro, sem saber que falava da produção desse sujeito na formação social brasileira colonial, que eclode na soberania popular 2018 e no governo central/parlamento 2019.
O homem mafioso é o <sujeito esquizo> (Freyre.1975:7) do <equilíbrio de antagonismos> (Freyre. 1975:6): homem de família e criminoso. Herança lusitana, o equilíbrio de antagonismos modela um passado, se entendermos que há uma plurivocidade de passado.   
As <entradas> e <bandeiras> se constituem como as primeiras instituições privadas sendo precisamente a expressão de um poder mafioso, pois, colonizador e criminoso em relação ao índio:
“Inicia-se então esta ‘caça’ do homem pelo homem, que pelas suas proporções tem poucos paralelos na história, e que figura como apanágio de glória das ‘epopeias’ bandeirantes...Escusado será repetir o que foram estas expedições predadoras do gentil, que percorreram o território brasileiro de norte a sul e de leste a oeste, descendo do sertão milhares e milhares de cativos a serem iniciados nas ‘belezas’ da civilização”. (Caio Prado. 1980: 24).
As bandeiras foram a máquina de guerra colonial criminosa lusitana-colonial (<poder mafioso>) contra o índio glorificada na narrativa épica de uma certa historiografia oficial:
“Mas cedo começou a legislação da metrópole a pôr obstáculos a estas ‘caçadas’. Para infelicidade dos colonos, vem contrabalançar-lhe o arbítrio sem limites a influência poderosa dos padres da Companhia de Jesus junto aos soberanos portugueses”. (Caio Prado. 1980: 24).
A classe dominante colonial começa como estrutura de <bando armado>, estrutura retomada pela economia da milícia carioca do presente. Este passado cai das páginas de um Nelson Werneck Sodré na realidade brasileira do século XXI:
“O caráter dos estabelecimentos coloniais, na tarefa preliminar de apossamento das terras, de expulsão dos habitantes primitivos e ainda de sua escravização em muitos casos, fazendo do índio capturado o escravo da lavoura e fazendas de criação, ou o servo, neste último caso principalmente, impunha essa mobilização, adrede prevista e preparada. A propriedade assemelha, por isso mesmo, a uma fortaleza, o engenho é quase sempre uma casa-forte, amuralhada, com as suas grossas paredes protetoras, dominando a paisagem como um castelo roqueiro por vezes. E as povoações parecem burgos medievais, com os seus muros, valos, cercados e fortificações. E os povoadores se organizam em bandos armados, como no medievalismo, com o senhor de terras à frente: ‘organizando-se no meio da selvageria, o domínio defende-se a si mesmo. Assediado por todos os lados, é forçado a constituir-se militarmente. Forma, então, dentro dos seus muros, um pequeno exército permanente – pronto, ágil, mobilíssimo, talhado à feição do inimigo’”. (Sodré: 25).
O espírito do bando armado senhoril que se defende do inimigo tem uma nova versão com o bando miliciano carioca da classe média mafiosa, que se vende como modelo de organização política do território nacional, entre nós. A polícia-militar miliciana não é uma reedição do bando armado senhorial colonial?   

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Do campo intelectual da direita protofascista, Oliveira Vianna escreve sobre um passado senhorial aristocrático, que apaga a associação do homem da classe dominante com a epopeia criminosa do início da colonização:
“Entre os senhores, a rigorosa observância das promessas é um dos títulos principais da sua ascendência aristocrática. O ‘fio de barba’, da tradição popular, vale para eles tanto quanto o documento mais autêntico. Os seus atos não precisam, para o pontual desempenho, a raza e o sinal dos tabeliões. Mais do que força das leis, o pundonor fazendeiro lhes garante o desencargo no dia e hora aprazados. Os nossos partidos políticos, aliás, têm a chave de sua força e de sua coesão nessa qualidade admirável”. (Vianna. 1987a. V.1: 51).
Já para Euclides da Cunha, o Exército que destrói Canudos é a máquina de guerra republicana como uma continuação das bandeiras:
“E quando pela nossa imprevidência inegável deixamos que entre eles se formasse um núcleo de maníacos, não vimos o traço superior do acontecimento. Abreviamos o espírito ao conceito estreito de uma preocupação partidária. Tivemos um espanto comprometedor ante aquelas aberrações monstruosas; e, com arrojo digno de melhores causas, batemo-los a cargas de baionetas, reeditando por nossa vez o passado, numa entrada inglória, reabrindo nas paragens infelizes as trilhas apagadas das bandeiras...”. (Euclides da Cunha. 2002:127).
No Contestado e em Canudos, o Exército republicano eclode como um poder mafioso, pois, republicanamente legal e, também, criminoso em suas práticas políticas de <caça>, perseguição e destruição do povo brasileiro. Este Exército, hoje, faz parte do campo de poderes mafioso, que tem como centro virtual o bolsonarismo.
O Contestado foi uma revolta camponesa no Sul na qual o Exército republicano agiu como um poder mafioso:
“Na Vila de Canoinhas, as prisões estavam superlotadas e as circunstâncias eram diferentes: ‘Da cadeia de Canoinhas eram retirados diariamente levas de desgraçados que se tinham apresentado voluntariamente, e entregues a Pedro Ruivo, um celerado vaqueano promovido a herói. Pedro Ruivo conduzia as vítimas para fora da vila e na primeira curva do caminho degolava-as. Os cadáveres ficavam insepultos. Os porcos e os corvos tinham fome”. (Jornal Est. 18-5-1915). Afirma-se que somente Pedro Ruivo praticou nesses dias mais de 100 assassínios.
Aqueles prisioneiros que pareciam mais inofensivos e por isso escapavam à degola eram enviados a Rio Negro, onde permaneciam em improvisados campos de concentração, sob vigilância do coronel Bley Neto, antes de serem distribuídos como trabalhadores pelas colônias agrícolas do governo do Paraná”. (Queiroz:218).     
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 A ideia de <homem aristocrático> foi combatida por Sérgio Buarque de Holanda, que se alinha com Euclides da Cunha no campo intelectual da esquerda progressista
Falando da família senhorial, Sérgio diz:
“Aos que, com razão de seu ponto de vista, condenam por motivos parecidos os âmbitos familiares excessivamente estreitos e exigentes, isto é, aos que os condenam por circunscreverem demasiados horizontes da criança  dentro da paisagem doméstica, pode se respondido que, em rigor, só hoje tais ambientes chegam a constituir, muitas vezes, verdadeiras escolas de psicopatas”. (Holanda: 105).
A família senhorial forneceu o modelo de sociedade. Ela é o laço social que bloqueia a formação do Estado moderno, entre nós, sendo a lógica particularista o modo de articulação da sociedade civil e da política mesmo na república democrática.
A gramática da lógica particularista da vida política ergue um poder mafioso, entre nós:
“No Brasil, excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente destinados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi sem dúvida o da família aquele que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade. E um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar, - a esfera, por excelência dos chamados ‘contatos primários’, dos laços de sangue e de coração – está em que as relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso ocorre mesmo onde as instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a sociedade em normas antiparticularistas”. (Holanda: 106).
A Constituição 1988 seria o discurso virtual de uma gramática da política em ruptura com o passado sob hegemonia do particularismo, que, entretanto, contém, em suas páginas, a possível atualização de um Estado neoliberal corporativista.
Usar a lógica da gramática neoliberal do americanismo para fundar um capitalismo neoliberal e um Estado neoliberal vai contra ou a favor do particularismo, ou melhor, do <familialismo  mafioso> brasileiro?
Faço três citações longas de Caio Pardo sobre a gramática da lógica particularista que articula sociedade burguesa a política no significante capitalismo burocrático:
“Esse ’capitalismo burocrático’ (chamemo-lo assim de um nome já consagrado na literatura político-econômica da atualidade, e que se aplica, com toda propriedade, ao caso brasileiro) tem um papel político relevante. Sobretudo porque, dada sua própria natureza e as circunstâncias econômicas em que se apoia, o capitalismo burocrático exerce influência preponderante na condução dos negócios públicos. Seus interesses, na maior parte das vezes, primam sobre os do outro setor da burguesia que não têm, como ele, vinculações diretas, imediatas e tão íntimas com a administração pública”. (Caio Prado1972:.108).
Seguindo Caio:
“Há mais, contundo. O grande papel representado pelo capitalismo burocrático na condução da política e administração brasileiras sempre constituiu e ainda constitui um dos fatores principais responsáveis pelas notórias deficiências e insuficiências da administração pública. A ação do capitalismo burocrático leva à confusão permanente, em grande e principal parte da administração, entre interesses públicos e privados, e quase sempre faz prevalecer estes últimos, com a agravante de lhes conceder o colorido dos primeiros. É claro que daí não pode resultar uma administração à altura das necessidades do país, e de sua população. Ora, uma situação como essa, além dos prejuízos de ordem geral que ocasiona, ainda tem outra consequência de ordem política da maior gravidade para os fins da revolução. É que já existe certa consequência popular no que respeita à presença e à atuação do capitalismo burocrático, bem como da grande parcela de responsabilidade que cabe a essa presença e atuação pela deficiência e insuficiência da administração pública, tão sentidas e sofridas pelo país. Consciência, bem entendido, difusa e ainda longe de definição e caracterização claras”. (Caio Pardo. 1972: 112).
A revolução neoliberal seria a Consciência difusa e longe de definição clara, que se torna organizada e clara com a soberania popular 2018? A revolução neoliberal sai das páginas de Caio Prado e se atualiza na política bolsonarista? 
Nas aparências de semblância, o neoliberalismo é a revolução brasileira de um Caio.  
“Mas suficiente para despertar o descontentamento de largas camadas da população contra o que considera – e que realmente a justo título – o favoritismo e a corrupção que imperam nos círculos governamentais e nos grupos econômicos e financeiros que lhes estão próximos. Decorre daí o grande prestígio popular do ‘moralismo’, prestígio de que se têm valido as forças reacionárias do país, e em particular, naturalmente, o outro setor burguês não comprometido com as manobras e especulações do capital burocrático e seus associados, para conquistarem posições e combaterem a revolução”. (Caio Prado: 1972: 112).
A era lulista pode ser vista como a época de hegemonia do capitalismo burocrático na versão petista. A hegemonia em tela produziu uma escala de corrupção da classe política inédita, entre nós. A revolução neoliberal das massas 2018 elege Bolsonaro e a militarização do Estado como solução para o fenômeno supracitado. Um parlamento neoliberal é eleito como efeito da revolução neoliberal da vida brasileira.

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As forças do campo político neoliberal são: econômica (capital fictício do Mercado Financeiro), política (governo central, governos locais do Sudeste Sul, Centro-Oeste, parlamento central) e cultural (grande imprensa, do Sudeste e mass media com sua legião de jornalistas e economistas neoliberais). 
As forças neoliberais se empenham na destruição do Estado constitucional 1988 e na substituição deste por um Estado neoliberal corporativista. Ao mesmo tempo que protege camadas corporativistas do Estado (juízes, militares, polícia federal, PGR) na reforma da previdência e administrativa, as forças neoliberais jogam todo o seu poder político na desmontagem do Estado-cientista /social 1988.
 O Estado neoliberal bolsonarista tem ligações com a economia da milícia carioca e se apresenta como motor para a reprodução ampliada nacional da milícia.  Trata-se de um poder territorial animal de privatização e controle das cidades através da economia miliciana. Mistura da polícia com interesses privados equivalente ao do capitalismo burocrático. Uma forma de capitalismo burocrático neoliberal do atual estágio capitalista subdesenvolvido sem sociedade industrial. Uma forma de capitalismo burocrático dos de baixo, que acaba formando uma baixa classe média mafiosa militarizada.
Entramos no campo de poderes mafioso oriundo do passado mafioso supracitado. Para além das aparências do discurso midiático de massa, o pode mafioso retoma a gramática do particularismo do sujeito e instituições mafiosas. Ele é um sujeito esquizo (legal e criminoso) e se sustenta como equilíbrio de antagonismos.
O neoliberalismo mafioso é um fenômeno anômalo na atual conjuntura da história do neoliberalismo em colapso. O capitalismo globalizado já sabe que necessita de um Estado-cientista/social para cuidar das massas, principalmente das massas mais pobres e doentes. A ideia neoliberal de que o pobre cuide de si próprio e a classe média seja cuidada pelo biocapitalismo, eis uma ideia da lógica particularista de privatização da vida em colapso na América.
O campo de poderes mafioso conta com poderes com o <capitalismo criminoso> (Platt:19,45,101). Nos Estados Unidos, a polícia apreendeu um navio com 4 toneladas de cocaína do Banco JP Morgan. No Brasil, o <criminostat> (Virilio: 57), como superestrutura do capitalismo criminoso, aparece no noticiário pelo tráfico de armas feito pelo pessoal das Forças Armadas, cada vez mais frequentemente.
As Forças Armadas aparecem como um poder do campo de poderes mafioso por sua aliança de interesses econômicos com o governo bolsonarista. A ocupação do Estado político/civil por militares cria a carreira mafiosa civil para militares da reserva e da ativa. O apoio dos militares à destruição do Estado constitucional 1988 faz pendant com a construção de um Exército neoliberal corporativista como herdeiro do capitalismo burocrático.
Fundador do campo literário da extrema-direita, Oliveira Vianna fala de uma <sociedade bandeirante> aristocrática militarizada:
“Era esta exatamente a situação da nobreza paulista do Quinhentos e do Seiscentos. O critério do valor social era <pessoal>: era o merecimento guerreiro, era ‘o poder em arcos’ – e não exclusivamente a riqueza <latifundiária>, como ocorreu depois. Neste ponto, os paulistas antecipavam de dois séculos a rude aristocracia militar dos pampas – do século IV, que tanto surpreendeu a Saint-Hilaire e a Alencar Araripe. (Vianna.1987b. v. 1: 122).
Estaríamos diante de um passado colonial aristocrático que se atualiza como uma forma plebeia mafiosa de sociedade bandeirante carioca?

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Ao falar de como o passado existe na política do presente, Marx associa a linguagem revolucionária com espectros e a repetição histórica:
“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar-se nessa linguagem emprestada.  Assim, Lutero adotou a máscara do apóstolo Paulo, a Revolução de 1789-1814 vestiu-se como a República romana e o Império Romano, e a Revolução de 1848 não soube fazer nada melhor do que parodiar ora 1789, ora a tradição revolucionária de 1793-1795”. (Marx: 335).
A revolução neoliberal mafiosa 2019 é uma paródia da Revolução neoliberal americana de 1973. Como ela é a repetição histórica de um acontecimento de uma outra formação social, ela não pode conjurar, em seu auxílio, os espectros do passado americano. Não pode tomar emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar-se em uma linguagem emprestada.
O romancista baiano João Ubaldo Ribeiro fala do passado brasileiro como repetição permanente romanesca no presente. Para a minha interpretação, J.U.R vem a calhar:
“O comportamento das almas inopinadamente desencarnadas, sobretudo quando muito jovens, é objeto de grande controvérsia e mesmo de versões diametralmente contraditórias, resultando que, em todo o assunto, não há um só ponto pacífico. Em Amoreiras, por exemplo, afirma-se que a conjunção especial dos pontos cardeais, dos equinócios das linhas magnéticas, dos meridianos mentais, das alfridárias mais potentes, dos polos esotéricos, das correntes alquímico-filosofais, das atrações da lua e dos astros fixos e errantes e de mais centenas de forças arcanas – tudo isso faz com que, por lá, as almas dos mortos se recusem a sair, continuando a trafegar livremente entre os vivos, interferindo na vida de todo dia e às vezes fazendo um sem-número de exigências. Dizia-se que era por causa dos tupinambás que lá moravam, que com mil artes e manhas de índios amarravam as almas dos mortos até que eles pagassem os obséquios que morreram devendo, ou resolvessem qualquer pendência de que foram parte. Mas depois dos tupinambás vieram os portugueses, espanhóis, holandeses, até franceses, e os defuntos, mesmo não havendo mais índio para amarrar, continuaram por lá, desafiando as ordens dos padres e feiticeiros mais respeitados para que se retirassem. Em seguida, chegaram os pretos de várias nações da África e, não importa de onde viessem e que deuses trouxessem consigo, nenhum deles jamais pôde livrar-se de seus mortos, tanto assim que foram os que melhor aprenderam a conviver com essa circunstância, não havendo, por exemplo, órfãos e viúvos s entre eles. Os muitos deles que não conseguiram suportar viver na companhia de uma memória infinita e na presença de tudo o que já existiu mudaram-se para lugares bem longe de Amoreiras e jamais comem qualquer coisa vindo de lá”. (Ribeiro: 15-16).
Em 2019, os espectros do passado colonial bandeirante baixaram na nossa política. Parece que os brasileiros estão se alimentando de coisa oriundas de Amoreiras. 

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