José Paulo
PÓS-MODERNISMO E POLÍTICA
O gramático Celso Cunha ensina sobre a figura de sintaxe –
Nem sempre as frases se organizam com absoluta coesão gramatical. O empenho de
maior expressividade leva-nos, com frequência, a superabundâncias, a desvios a
lacunas nas estruturas frásicas tidas modelares. Em tais construções a coesão
gramatical é substituída por uma coesão significativa, condicionada pelo
contexto geral e pela situação.
O paradoxo pode ser classificado como uma figura de sintaxe
do discurso político pós-modernista?
O PT fez da política brasileira uma prática sob comando da
lógica do simulacro de simulação. Bolsonaro é o sujeito do discurso do
pós-modernismo político.
O paradoxo abole a lei da contradição. No mesmo ato de fala,
se diz que <a bola é redonda> e que <a bola não é redonda>. Temos
um discurso contraditório em relação ao discurso público hegemônico, um
raciocínio com aparências de semblância lógica, mas que contém contradições em
sua estrutura.
O discurso político de Bolsonaro sobre o covid-19 possui uma
aparência lógica, mas contém contradições em sua estrutura. Trata-se, também,
de um discurso em contradição com o discurso do Estado-cientista mundial.
Quando o simulacro de simulação perdeu sua força de
realidade, o PT não soube mais fazer política. As massas pós-modernas do PT só
existiram como massas de um governo pós-moderno. Quando o governo desapareceu,
as massas, por um encanto, se retiraram da rua.
O discurso político pós-moderno de Bolsonaro está levando à
desagregação do campo da direita que apoia o poder político bolsonarista. Por
enquanto, Bolsonaro tem o apoio dos evangélicos, da Forças Armadas, do poder
político miliciano (polícia miliciana e economia miliciana).
A esquerda em geral, a universidade estatal, o jornalismo de
oposição e a sociedade civil, o parlamento e o STF não sabem que o discurso de
Bolsonaro é pós-moderno. Assim como o país nada sabia da política do simulacro
de simulação do PT.
A política pós-moderna de Bolsonaro acontece a céu aberto,
mas o campo de sujeitos pouco sabe sobre a gramática da política da
pós-modernidade.
Há uma coesão significativa no discurso de Bolsonaro,
condicionada pelo contexto geral e pela situação da plurivocidade de crise.
A reação moralista e sentimental ao pós-modernismo político
não ajuda!
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No Brasil uma literatura pós-modernista tem em João Gilberto
Noll o seu autor mais festejado. Encurtado meu caminho, a cultura pós-modernista
produziu seus artefatos políticos como as massas petistas, o multiculturalismo
petista e da TV Globo e Bolsonaro, já mencionado acima.
É um fato que a cultura pós-modernista não foi
gramaticalizada pelas massas intelectuais universitárias do domínio das
humanidades., como ciência política e sociologia, ambas caudatárias de um certo
modernismo caboclo. Assim, o pós-modernismo não se transformou no aspecto
hegemônico da nossa cultura. Mas não é um fato que o pós-modernismo é um
fenômeno descartável na vida brasileira, como pensa, equivocadamente, Heloísa
Buarque de Holanda:
“No Brasil, como em geral em toda a América Latina, a ideia
de uma cultura pós-moderna, expressão do capitalismo tardio, vem acrescida de
um forte sentimento de inadequação, no sentido de ser uma ‘importação
indevida’, e é experimentada, na maior parte das vezes, como uma tendência
política e moralmente problemática”. (Holanda: 7-8).
Olhando com os olhos de hoje, se tem certeza de que o
pós-modernismo político é um fenômeno vinculado ao capitalismo neoliberal do
americanismo, criado na década de 1970 pela universidade americana de escol.
Na passagem do capitalismo neoliberal do século XIX para o
capitalismo monopolista de Estado (CME) do século XX, fatos exteriores ao
capitalismo concorreram para a aceleração da transição para o capitalismo
monopolista de Estado. A Primeira Guerra Mundial é o signo maior da aceleração
supracitada.
O século XX viveu sob a hegemonia econômica do capitalismo
monopolista de Estado internacional, em sua última etapa. A Segunda Guerra Mundial deu partida à
dissolução da hegemonia do CME no Ocidente. No entanto, só na década de 1970, o
capitalismo neoliberal apareceria como modelo econômico americano para
substituir o CME.
Com o capitalismo globalizado, a hegemonia do capitalismo
neoliberal unificou Ocidente e Oriente asiático. A etapa do capitalismo
globalizado cibernético expulsou a lógica interna (Marx) <fim do capitalismo> para décadas acima.
Na terceira década do século XXI, algo exterior ao
capitalismo, algo contingente, produz uma crise do capitalismo neoliberal.
Trata-se da covid-19. Doença provocada pelo novo coronavírus a covod-19 aparece
como um fato que põe o capitalismo neoliberal em colapso na Europa ocidental.
Os Estados neoliberais europeus reconhecem que são impotentes
para lidar com a covid-19. Na América do Norte, o maior Estado neoliberal faz
um movimento de <socialização das perdas>, seguindo a orientação de Obama para a crise do Banco 2008, crise
do capital fictício. Donald Trump quer vencer a eleição presidencial sem se
desfazer de seu Estado neoliberal. No Brasil, Bolsonaro acena com um estado de
exceção usando como pretexto os efeitos da crise na relação da política nacional
com a política local.
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No Ocidente, o pós-modernismo político aparece na década de
60 do século XX, ou seja, ele vem antes do capitalismo neoliberal. Stanley
Aronowitz diz:
“A vida política já não se fundamenta numa concepção de um
mundo qualitativamente melhor. Até os movimentos sociais que, nos anos 70,
acusaram os partidos políticos de esquerda e de direita de operar sem
perspectiva, deixaram de articular suas utopias e mergulharam na <Realpolitik>. Eles têm sido pós-modernos desde os
anos 60, porque rejeitaram as premissas da modernidade: confiança nos processos
democráticos formais, políticas de crescimento fundadas num apoio incondicional
ao industrialismo”. (Holanda: 155).
A política pós-moderna da falta de crescimento industrial se
instalou no Brasil com a sociedade industrial em colapso do sudeste. Hoje, o
crescimento industrial nos remete para a sociedade industrial cibernética
desenvolvida da Ásia oriental, em especial a China. No Brasil, a sociedade de
comunicação de massa fala de crescimento esperado que já não é crescimento
industrial urbano. Se joga toda a esperança do crescimento na indústria rural
da economia de commodities. No comércio exterior do capitalismo subdesenvolvido
industrial rural.
A política neoliberal de Bolsonaro é pós-moderna, pois não se
baseia em uma estratégia de crescimento industrial urbano. Tal política é
aquela de um campo de poderes/saberes neoliberal que se realiza sem ter que
lidar com o problema da legitimidade do Estado neoliberal pós-modernista.
Para os agentes da política pós-modernista, o inimigo é o
poder, ou melhor, quem o encarna e não o Estado neoliberal em si. Diz Stanley
Aronowitz:
Daí a conclusão de que o inimigo é o poder como tal e de que
qualquer referência à reforma, e mesmo à revolução, representa um desvio da
tarefa real: a aniquilação da legitimidade do Estado e dos partidos da ordem
(incluídos o comunista e os socialdemocratas)”. (Holanda: 163).
No Brasil, o capitalismo neoliberal aniquila a legitimidade
do Estado integral 1988 e uso o termo reforma como paródia para destruir o
Estado nacional. A categoria de reforma era usada para falar de reforma do
capitalismo (capitalismo social) no lugar da revolução anticapitalista. A
desestatização do campo de poderes/saberes faz pendant com o avanço do capitalismo
criminoso (Platt: 19, 45, 101), do criminostat (Virilio: 57) e do <capitalismo mafioso>, fenômeno que velho estudando em
meus escritos recentes. Estes fenômenos são formas pós-modernistas do
capitalismo neoliberal globalizado.
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Jameson fala da falsa ruptura histórica do pós-modernismo com
o capitalismo na acepção marxista:
“Essa ruptura não deve ser tomada como uma questão puramente
cultural: de fato, as teorias do pós-moderno
- quer sejam celebratórias, quer se apresentem na linguagem da repulsa
moral ou da denúncia – têm uma grande semelhança com todas aquelas
generalizações sociológicas mais ambiciosas que, mais ou menos na mesma época,
nos trazem as novidades a respeito da chegada e inauguração de um tipo de
sociedade totalmente novo, cujo nome mais famoso é ‘sociedade pós-industrial’
(Daniel Bell), mas que também é conhecida como sociedade de consumo, sociedade
das mídias, sociedades da informação, sociedade eletrônica ou high-tech e
similares. Tais teorias têm a óbvia missão ideológica de demonstrar, para seu
próprio alívio, que a nova formação social em questão não mais obedece às leis
do capitalismo clássico, a saber: o primado da produção industrial e a
onipresença da luta de classes”. (Jameson: 28-29).
Jameson é prisioneiro, na década de 1990, de uma percepção do
capitalismo anterior à hegemonia mundial do capitalismo globalizado neoliberal
cibernético:
“é neste ponto que devo lembrar ao leitor o óbvio, a saber,
que a nova cultura pós-moderna global, ainda que americana, é expressão interna
e superestrutural de uma nova era de dominação, militar e econômica, dos
Estados Unidos sobre o resto do mundo: nesse sentido, como durante toda a
história de classes, o avesso da cultura é sangue, tortura, morte e terror”.
(Jameson: 31).
A sociedade capitalista, industrial, cibernética faz pendant
com a hegemonia do capitalismo globalizado neoliberal. A covid-19 é a
contingência (um significante que advém do real) que põe em questão a hegemonia
do capitalismo neoliberal pós-modernista na União Europeia.
Nos Estados Unidos, a hegemonia do capitalismo neoliberal
pós-modernista é o oxigênio da elite e do povo americano? A derrota de Bernie
Sanders para o neoliberal temperado Joe Biden é o signo político de que a
América não quer abandonar o capitalismo pós-modernista neoliberal.
No Brasil, a covid-19 é usada para uma nova ofensiva
neoliberal sobre o Estado nacional 1988 e o proletariado da sociedade salarial.
A sociedade de comunicação de massa pós-modernista faz o discurso neoliberal
para as massas da necessidade de “socializar as perdas” para o capital e,
também, não abandonar a legislação neoliberal fabricada durante os governos
Michel Temer e Bolsonaro.
No Brasil, a hegemonia neoliberal pós-modernista parece ter
alcançado as massas, pois, nem a crise sanitária da covid-19 parece abalar tal
hegemonia.
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Com a sociedade industrial cibernética, o pós-modernismo
deixa de funcionar como lógica cultural do capitalismo tardio. Ele passa a
existir como a gramática do capitalismo industrial neoliberal cibernético em
destroços. (Bandeira da Silveira. 2019a: 73).
Vivemos a crise da plurivocidade capitalista. O problema
central para o homem ocidental é a lógica <fim do capitalismo> não arrastar para a destruição a sua democracia ocidental.
Há países subdesenvolvidos que estão praticando a estratégia
de “imunidade de rebanho” por terem aniquilado o Estado do bem-estar
tropicalista, Estado social periférico, na política mundial.
Toda uma superestrutura pós-modernista do capitalismo
neoliberal vem funcionando para conter a rebelião das massas e, também, dirimir
os efeitos da crise capitalista sobre a política neoliberal de uma democracia
ancilar.
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DEMOCRACIA ANCILAR
A covid-19 põe e repõe o problema da relação da política
(democracia) com a economia na realidade dos povos e das nações.
Depois de flertar com a estratégia ditatorial “imunidade de
rebanho” na qual deixa-se morrer a população mais velha e já doente para imunizar
80% dos ingleses, Boris Johnson mudou em 180 graus. Agora ele vai proteger o
trabalhador da sociedade industrial inglesa pagando 80% do salário do
proletariado. São trilhões de reais gastos com a sociedade salarial por um
Estado neoliberal em colapso.
A democracia inglesa não é uma democracia subalterna ao
capitalismo neoliberal, enfim. Assim como a inglesa, a democracia alemã está
pondo 500 bilhões de euros na sociedade salarial (mais de 5 trilhões de reais?)
para combater a covid-19.
Enquanto a Argentina estabelece um método democrático no
combate à pandemia, Bolsonaro fala em estado de sítio ou estado de defesa.
Bolsonaro quer fazer da pandemia uma oportunidade para instalar um estado de
exceção aprovado pelo parlamento.
A democracia brasileira é uma democracia subalterna ao
capitalismo subdesenvolvido neoliberal. O parlamento está aprovando leis que
permitem reduzir salário e jornada de trabalho na economia privada, no
capitalismo privado. Quer reduzir o salário dos servidores em 20%. O governo-parlamento
brasileiro age no lado anverso da democracia europeia ocidental.
No Brasil, a pandemia é usada para uma ofensiva neoliberal de
seus agentes neoliberais parlamentares contra a sociedade salarial. O Congresso
brasileiro é o centro real, mais agressivo, do campo de poderes/saberes
neoliberal.
A democracia ancilar é a democracia dos povos de países
capitalistas subdesenvolvidos. São povos subalternos à gramática dos interesses
do capitalismo neoliberal. Povos servis ao capitalismo subdesenvolvido.
O estado de exceção ou o estado de defesa de Bolsonaro se
transformará em um estado de exceção fático? Depois que passar a existir, o
parlamento perde o controle sobre o estado de exceção fático.
A ideia fixa de Bolsonaro é a implantação de uma ditadura
pós-modernista. Artefato político desconhecido no Brasil. Com o estado de
exceção, Bolsonaro poderá usar sua percepção tátil para medir o equilíbrio de
força favorável à ruptura com a democracia 1988.
Bolsonaro diz que certos governadores agem como estados do
ultra federalismo. Os estados estariam quebrando a unidade política nacional,
lembrando as revoltas separatistas contra a monarquia de d. Pedro II.
A solução regional para a pandemia (fechamento das fronteiras
estaduais) não é certamente o melhor método para lutar contra a covid-19. No
entanto, o ultra federalismo fático deve ser dissolvido com o método
democrático, e não com o estado de exceção bolsonarista.
A convid-19 apanhou o Estado nacional e local com as calças
nos joelhos. Porém, o parlamento de capitalistas neoliberais não deve destruir
a democracia 1988 para salvar o capitalismo neoliberal subdesenvolvido.
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A covid-19 aparece como uma crise humanitária na Europa e
balança a lógica pós-modernista do inumano no comando da vida:
“Mas assumem sempre o homem como sendo pelo menos um valor
seguro que não necessita ser interrogado. Que tem inclusivamente autoridade
para suspender, interditar, a interrogação, a suspeição, o pensamento que
corrói”. (Lyotard. 1990: 9).
Sobre o pós-modernismo do inumano: “Este discurso é
igualmente aquele que serve a quem decidi em política, em socioeconomia, para
legitimar as suas opções: competitividade, melhor repartição de cargos,
democracia na sociedade, na empresa, na escola e família. Não inclui, no
entanto, os direitos do homem, originários de um horizonte completamente
diferente, e que não podem ser chamados a reforçar a autoridade do sistema, da
mesma forma que este não pode fazer desses mesmos direitos, por construção,
mais do que um caso episódico”. (Lyotard. 1990: 13).
A característica do capitalismo subdesenvolvido globalizado
neoliberal consiste em ignorar, como política e sociedade civil, os direitos do
homem como parte orgânica da democracia ancilar. (Bandeira da Silveira: 2019b:39).
Daí, a diferença do choque civilizatório da covid-19 na Europa e na América
Latina. A luta da Argentina contra a pandemia porá em questão a hipótese
neoliberal pós-modernista na América Latina?
No Brasil, a hipótese neoliberal do inumano pós-modernista
resultará em uma política de terra arrasada na sociedade dos pobres e doentes? Eis
uma interrogação que será respondida nos próximos meses.
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Gramáticas do capitalismo.
Lisboa: Chiado Books, 2019a
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Subdesenvolvimento hoje. Lisboa:
Chiado Books, 2019b
HOLANDA, Heloisa Buarque (org). Pós-modernismo e política.
RJ: Rocco, 1991
JAMESON, Fredric. Pós-modernismo. A lógica cultura do
capitalismo tardio. SP: Ática, 1996
LYOTARD, Jean-François. O inumano. Lisboa: Estampa,1990
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017
VIRILIO, Paul. Velocidade e política. SP: Estação Liberdade,
1996
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