segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

DEMOCRACIA MARXISTA DA SOCIEDADE POS-CAPITALISTA

José Paulo


DOMINAÇÃO E HEGEMONIA

Dominação é dar uma ordem, é ordenar que as massas gramatizalizáveis pensem em se dirigir até um determinado ponto. Ordenar significa submeter com força simbólica ou real as massas. Há técnicas de sujeição da dominação em várias espécies de discurso.

Dominação significa repressão ou recalcamento de significantes democráticos para conduzir as massas até um ponto determinado do outro lado da fronteira da política democrática. Ir além da política é o que significa pensar no sentido de representação da dominação.

Ir de um ponto político a outro ponto político democráticos, eis o que significa pensar como articulação da hegemonia na democracia direta (a grega politeia), ou na democracia moderna representativa, ou da democracia marxista.  

Seguindo Hegel, Gramsci diz que hegemonia é direção intelectual e/ou moral (direção  política) das massas em uma sociedade democrática representativa. Trata-se de uma definição generalista que não alcança o território da política da Terra? Com efeito, a direção intelectual e moral é junção da cultura com a política, sem chegar a ser a palavra cultura política. É cultura e política mais moral. O que significa pensar? na junção de cultura e política mais moral?   

Heidegger fala da interrogação o que significa pensar? pela diferença entre dominação e hegemonia. Dominar significa submeter as massas pela repressão, ou recalcamento, ou subtração do pensar como representação. Trata-se de técnicas de subtração do caminho da política representativa democrática para as massas. Técnicas além da ética, além do bem e do mal; técnicas além da moral, além do bom o do mau para as massas.

Dominar é conduzir as massas arbitrariamente e/ou violentamente para um determinado ponto além da política representativa democrática. Trata-se do caminho para a autocracia onde o que significa pensar deixa de significar um caminho de um lado a outro lado da política como polígono mistilíneo. A política com lados retilíneos e curvilíneos. Política que subtrai a linha reta entre dois pontos em uma superfície lisa (sem estrias, sem resistências, sem furos ou protuberâncias, saliências, sem contrariedade de forças) como no caminho autocrático. 

A representação da política como uma linha reta que vai da direita, passa pelo centro e chega à esquerda é uma representação geométrica que poder ser ou imaginária ou autocrática, dependendo do uso que se faz dela. A representação democrática é o mistilíneo. A política democrática representativa tem lados e a luta política consiste em abrir o caminho que conduza as massas a pensar suavemente a ir de um lado a outro através da soberania popular como democracia marxista.

O que significa pensar a política é um pensar lógico, um pensar pela lógica, um que significa que pensamos como homo logicus perceptio e appetitus? (Heidegger. 1972: 109, 112, 90, 72, ). A lógica é o caminho em linha reta e unívoco: lógico-formal (Idem: 109, 72). O gramático é o caminho da plurivocidade de interpretação, do equívoco da gramaticalização do pensamento pensado (Idem: 72- 95).    
                                                                                      II
Um texto de Heidegger que desata a interpretação:
“Significar, entendiéndolo en sentido lato, quiere decir: poner en marcha, poner en camino, lo qual puede hacerse de una manera que por ser suave, será poco llamativa y por esto mismo más efectiva. En el Nuevo Testamento, Mat, VIII, 18, se lee: Videns autem Jesus turbas multas circum
se, iussit ire trans fretum. Lutero traduce: “Y viéndose Jesús rodeado por numeros  pueblo, les significó que se transladaran al otro lado del mar”. Aqui el verbo significar corresponde ao verbo latino iubere en el texto de la Vulgata; iubere significa propriamente: desear que algo ocurra. Jesús les ‘significó’ que se transladaran a la otra orilla; no dio una orden; no promulgó un mandato. Lo que ‘significar’ alude en este lugar sale a luz con mayor claridad aún si nos atenemos a la versión más antigua del texto evangélico que es la griega y dice así: : poner em la carretera, poner en camino. La palabra griega πέλενδος significa: camino. El que en el antiguo verbo ‘significar’ no predomine la idea de ‘exigir’ sino la de ‘hacer llegar’, y que, en consecuencia, en el verbo ‘significar’ más bien se evoca el matriz de ‘ayudar’ y ‘ser obsecuente’, se atestigua por el hecho de que en el sánscrito la misma palabra significa todavía tanto como ‘invitar’”. (Heidegger. 1972: 113-114).


Que significa pensar na política? não significa dar uma ordem ou promulgar um mandato. Significa pôr em marcha, pôr em caminho; significa desejar que algo ocorra através do desejo do outrem (multidão); o desejo é o desejo do outrem que move as massas, que as põem em marcha em um caminho para o outro lado do mar, da fronteira entre a apolítica e a política; pensar na política é o pensar da multidão movida pelo desejo de seguir o caminho que o leva além da fronteira da autocracia em direção à democracia marxista. A fantasia do futuro põe em marcha a multidão.

Marx viu as massas atravessassem o mar do capitalismo em direção ao comunismo; o fantasma do comunismo (fantasia do futuro lacaniano) rondava a Europa na década de 1940; a fantasia é um pensar como caminho, um fazer chegar, ajudar as massas proletárias a ser obsequente ao que nos significa que pensemos no caminho para o marxismo gramatical moderno, se o marxismo moderno é um caminho que atravessa a fronteira e passa a habitar a democracia marxista da sociedade pós-capitalista.

O que significa pensar na política? Parafraseando Heidegger, significa: “Escuchando esta pregunta, no se nos ocurre sin más ese significado del verbo ‘significar’ según la cual quiere decir: instruir, solicitar, hacer llegar, poner en camino, en-caminar, dotar de curso”. (Idem: 114). O caminho é a articulação da hegemonia para fazer chegar à alguma espécie de democracia: direta grega antiga, representativa moderna, marxista gramatical da sociedade pós-capitalista. Trata-se do caminho da ética da felicidade política. Em Aristóteles, “o homem feliz vive bem e se conduz bem, pois praticamente definimos a felicidade como uma forma de viver bem e conduzir-se bem”. (Aristóteles. 1992: 25-26).

É um truísmo dizer que toda tradução do grego antigo é uma traição à gramatologia do texto original.

Na versão espanhola, o enunciado supracitado é assim:
“Pues la idea de que viver bien y tener éxito constituyen la felicidad está de acuerdo con nuestro razonamiento, y las palabras felicidad y éxito nos resultan casi sinónimas”. (Aristoteles. 1982: 285).
Viver bem e ter êxito não é o mesmo que viver bem e se conduzir bem. O que significa ter êxito na sociedade grega da antiguidade? Se conduzir bem significa uma referência à ética do Bem supremo na política que consiste no agir para a conservação da politeia:
“Acaso se podría también suponer que el fin de la vida política es preferentemente la virtud. Pero también la virtud se manifiesta como algo inacabado; pues parece posible que alguien, en posesión de la virtud, se pase la vida entera durmiendo o en una total inactividad y, lo que es más aún, suportando los peores males y las peores desgracias; y nada diría que quien así vive es feliz, a menos que éste empeñado em defender una ‘tesis’ ”. (Idem: 277).

A virtud significa o que nos significa que pensemos no caminho da conservação da felicidade se o homem grego vive a atividade da política na politeia. O que nos significa que pensemos é a articulação da hegemonia da politeia.  

Viver bem significa viver de acordo com determinada condições materiais de existência. O cidadão grego via as despensas da economia escravagista. Esta proporcionava a ele o viver bem fazendo pendant com a ética do se conduzir bem na política. Quando as massas gramaticais de cidadãos deixam de se conduzir bem na política, ou seja, desinteressadamente, a politeia deixa de existir.

No final da politeia, o Estado pagava para o cidadão participar da vida política da ágora; a inscrição do interesse econômico na política é um fator importante no desaparecimento da politeia. Transformar a democracia direta grega em uma política ordinária significa substituir a linguagem política habitada pelo homem e suas vozes habituais por palavras ordinárias. (Heidegger. 1972: 116).
O falar político vulgar é o que se faz corrente. Platão atribui a vulgaridade da politeia aos professores sofistas que cobravam para ensinar a eloquência às vozes dominantes da ágora. Porém, a escola sofistica não parece ser o fenômeno de vulgarização da política na democracia ética antiga. Esta discussão não está encerrada, pois, ela retorna na democracia marxista gramatical da sociedade pós-capitalista. E em certa medida, ela retorna na democracia representativa em acentuada decadência no Ocidente.
                                                                             II
O que significa pensar a política como salvação da democracia representativa no século XXI. SE pode pensar a política no reino da técnica industrial? Tal reino consiste:
“A destruição total da Terra é o horizonte necessário da técnica, não pela razão particular de que exista tal ou qual prática, militar por exemplo, ou nuclear, que institua esse risco, mas porque é da essência da técnica mobilizar o ser, brutalmente tratado como simples reserva de disponibilidade pelo querer, na forma latente e essencial do nada”. (Badiou. 1991: 19).  

O pensamento da técnica como niilismo é vontade arrazoamento e domínio sobre o ente que convoca ao nada o ser do ente, o ser do fenômeno. A técnica é a vontade de subjugar o ente em sua totalidade. O termo técnico da metafísica tem como consequências a ciência moderna e o Estado totalitário determinado pelo pensamento como niilismo. (Badiou. 1991: 18).

Como a essência da técnica faz pendant com o pensamento como eterno retorno do mesmo? Este como vontade que quer eternamente seu próprio querer. (Heidegger. 1972: 102-103). O querer do reino da técnica não é a devastação da política ocidental na Terra? Heidegger não viu o comunismo russo como uma atualização do reino da técnica. Viu a América como atualização do reino da técnica que influenciou a escola marxista de Frankfurt na sua interpretação do mundo depois da II Guerra Mundial: americanismo.

Heidegger esclarece:
“A maquinação é o acabamento incondicionado do ser enquanto vontade de poder. Mas mesmo a maquinação enquanto essência do ser tem ainda uma inessência.
A inessência da maquinação exige uma humanidade que não desertifique toda tradição, mas propague para além da desertificação, isto é, para o interior de sua inessência, justamente uma tradição desertificada da metafísica (e, isto é, da história ocidental), essencialmente sem raízes. Esta instauração da inessência da maquinação está reservada ao americanismo.
Mas tenebroso do que toda e qualquer selvageria asiática é esta ‘moralidade’ desenraizada e alastrada até o engodo incondicionado.
Somente aqui o abandono do ser alcança a condição extrema de uma constância.
Será que reconhecemos suficientemente que tudo o que há de tenebroso reside no americanismo e de modo algum no mundo russo? ”. (Heidegger. 2000: 156-157).                                                                   
A subjugação do ser do ente pela técnica explica a vontade de violência do americano que tem como efeito a eleição de um presidente niilista da república como Donald Trump voz do sistema industrial militar americano e mundial. Trump é política historial heideggeriano!

Como pensar a conservação da democracia representativa frente a destruição niilista do reino da técnica como vontade de violência e/ou vontade de devastação da Terra?

Badiou cataloga Heidegger no socialismo feudal cujo condottiere universal é Hitler. (Badiou. 1991: 23, 26). Caracterizar o nosso tempo como reino da técnica fazendo pendant com o niilismo é uma ideia ridícula. O socialismo feudal é a saudade do tempo dos vínculos sagrados entre homem/natureza, entre os homes, entre os grupos e a cidade, entre a vida mortal e a vida eterna vinculo da samblância sagrada do ser:
“Asi es como nació el socialismo feudal, mescla de jeremiadas y pasquines, de ecos del passado y de amenazas sobre el porvenir. Si alguna vez su crítica amarga, mordaz e ingeniosa hirió a la burguesía en el coración, su incapacidad absoluta para comprender la marcha de la historia moderna concluyó siempre por cubrirle de ridículo”. (Marx. 1975:44).

O tempo do capital é dessacralização do vínculo sagrado como aparência da semblância do ser do ente na época moderna. Se o niilismo é a “ruptura da figura tradicional do vínculo, o desligamento como forma de ser de tudo que faz semblante de vínculo” (Badiou. 1991: 25), na sociologia alemã, o niilismo é a vontade de potência que faz passagem da sociedade tradicional à sociedade moderna. Como a sociedade tradicional é o passado vivo da presença presente, o niilismo deve significar dessacralização, significar o que pronuncia que o acesso ao ser da verdade é impossível.

Vivemos o tempo do capital e: “Para pensar além do capital e de sua prescrição medíocre (a conta geral do tempo), ainda é preciso partir daquilo que ele revelou: o ser é essencialmente múltiplo, a Presença sagrada é puro semblante, e a verdade como qualquer coisa, se ela existe, não é uma revelação, menos ainda a proximidade do que se retira. Ela é um procedimento regrado, cujo resultado é múltiplo suplementar”. (Badiou. 1991: 26).

Badiou é otimista sobre a dessacralização:
“ ‘Niilismo’ é um significante tapa-buraco. A verdadeira questão permanece o que aconteceu com a filosofia para que ela recuse friorentamente a liberdade e a potência que uma época dessacralizante lhe propõe? ” (Badiou. 1991: 28).

Gramsci não foi varrido do cenário da cultura ocidental pelo reino da técnica fazendo pendant com o niilismo, mesmo encarcerado na prisão de Mussoline.

Lendo Maquiavel, Gramsci diz:
“O caráter fundamental do Príncipe é o de ser um tratado sistemático, mas um livro ‘vivo’, no qual a ideologia política e a ciência política fundem-se na forma dramática do ‘mito’. (Gramsci. v. 3: 13).
O Príncipe moderno é a estratégia homóloga ao fantasma do comunismo que ronda a Europa em 1948. E que ronda o Brasil como democracia marxista gramatical. É a fantasia na forma dramática do ‘mito’ soreliano:
“Entre a utopia e o tratado escolástico, formas nas quais se configurava a ciência política até Maquiavel, este deu à sua concepção a forma da fantasia e da arte, pela qual o elemento doutrinário e racional personifica-se em um condottiero, que representa plástica e ‘antropomorficamente’ o símbolo da ‘vontade coletiva’ “. (Gramsci. v. 3: 13).

A verdade da política faz pendant com a forma da fantasia e da arte através da qual a ideologia política e o elemento racional personificam-se em um condottiero, em uma vontade das massas gramaticalizáveis, pois, todo homem é portador de filosofia, mesmo que seja a filosofia política popular.

A política moderna é fantasia, razão e paixão articulados como vontade da multidão fazendo pendant como o Príncipe moderno:
“O processo de formação de uma determinada vontade coletiva, para um determinado fim político, é representado não através de investigações e classificações pedantes de princípios e critérios de um método de ação, mas como qualidades, traços característicos, deveres, necessidades de uma pessoa concreta, o que põe em movimento a fantasia artística de quem se quer convencer e dá uma forma mais concreta às paixões políticas”. (Gramsci. v. 3: 13).

O enunciado supracitado significa articulação da hegemonia enquanto pôr em movimento a vontade coletiva que é sinônimo de democracia marxista gramatical da sociedade pós-capitalista. Então cabe a pergunta de Badiou: se pode pensar a política na atualidade?

Gramsci pensou a política na década de 1930. Neste tempo, o socialismo realmente existente abria a janela para se pensar a política do comunismo como, ou democracia comunista da sociedade pós-capitalista, ou como totalitarismo stalinista. (Cohen: 4. El bujarinismo y la via hacia el socialismo). Com o fim do marxismo stalinista que dominou o marxismo no século XX outro marxismo (só pode ser marxismo ocidental) pode pensar a política?  
                                                                               IV

Na década de 1980, Badiou escreveu o livro Se pode pensar a política? Trata-se do político como objeto da relação entre política, filosofia e marxismo na França.

Badiou parte da ideia heideggeriana da retirada (ou subtração) da política como acontecimento histórico e nacional. As categorias fundadoras da política batem em retirada: esquerda/direita; movimentos obreiro e patronal; nacionalismo e internacionalismo; capitalismo e socialismo; socialismo e comunismo; liberdade e autoridade. Estes sujeitos são engolidos por um automatismo político sucedâneo do automatismo do capital como Fortuna e Repetição compulsiva. A subtração da política faz do político uma ficção na cultura política francesa: Lo político no há sido nunca más que la ficción donde la política hace el agujero del acontecimiento. (Badiou. 1990: 9).

As massas não fazem mais a história, eis o enunciado canônico de Rousseau a Mao jogado na lata de lixo da política francesa. Em 1992, Baudrillard publicou o livro L’illusion de la fin ou la grève des événements. Levando a ideia de ficção política até seu fim, trata-se de um texto sobre a política como narrativa do simulacro de simulação, onde cada fato (político, histórico ou cultural) está dotado de uma energia cinética que o arranca ao seu espaço e o lança no hiperespaço no qual perde o sentido, uma vez que jamais regressará. (Baudrillard. 1992: 12).

Sobre as massas, Baudrillard é categórico:
“É o astro frio do social, em torno de cuja massa a história se arrefece. Os acontecimentos, sucedem-se e neutralizam-se na indiferença. Neutralizadas, falsificadas pela informação, as massas, por seu turno, neutralizam a história e funcionam como ecrã de absorção. Elas próprias não têm história, não têm sentido, não têm consciência, não têm desejo. São o resíduo potencial de toda a história, de todo o sentido, de todo o desejo. Todas estas belas coisas, manifestando-se na nossa modernidade, fomentaram uma contrapartida misteriosa, cujo desconhecimento desorganiza atualmente todas as estratégias políticas e sociais”. (Baudrillard. Sem data: 11).

Na cultura europeia, as massas ficcionais da cultura do simulacro de simulação batem em retirada no livro de Manuel Castells de 2012: Redes de indignação e esperança. Movimentos sociais na era da internet. Massas gramaticalmente reais ocupam o espaço político da Tunísia, Islândia, Egito, insurreições árabes, o occupy Wall Street, indignados da Espanha em uma espécie de revolução de democracia direta, em alguns casos, em rede da junção rua/internet. (Castells: 137-143). Em 2013, o Brasil viu surgir o mais importante movimento de massas gramaticais na América Latina inaugurando a época pós-baudrillardiano, entre nós.

O que deixamos para trás em 2013, nós brasileiros? A ficção do Estado e da Revolução como laço social fundamento do político? Fim da política como dominação e hegemonia? Fim da possiblidade de se pensar a política, pois, em retirada como greve de acontecimentos?

Badiou pontifica:
La ficción de lo político es una ficción fúnebre, y tanto más cuanto que ello ordena la evaporación verdadeira da política. En su centro, esta ficción es la de la reunión, del lazo, de la relación. Articula la soberanía sobre a comunidad. La política es representada filosóficamente como el concepto del lazo comunitario y de su representación em una autoridade. (Badiou. 1990: 11).

Em 1992, Maffesoli fala da tribalização do político e da política pela força viva do sentimento. (Maffesoli. 1997: 147-160). Os acontecimentos supracitados significam o fim do marxismo dominante do século XX. Significam também (e este é o maior problema do Ocidente) o colapso conceitual e fático da representação substituída pelo laço comunitário. Assim, a democracia representativa se porá em marcha, tomará o caminho de sua desintegração lenta, pari passu, mas irrevogável. Fazendo pendant com a crise da democracia, o mundo capitalista moderno se retira, modernamente, da periferia em desenvolvimento deixando se desenvolver três mundos: primeiro-mundo do capitalismo moderno da sociedade pós-capitalista; segundo-mundo em retirada do subcapitalismo (ersatz de capitalismo moderno); terceiro-mundo do capitalismo neocolonial a ferro e fogo.

Na década de 1990, o filósofo da pós-modernidade publica o livro Spectres de Marx. Trata-se do trabalho de Derrida para fundar a Internacional do século XXI. Obra excepcional sobre o conceito de fantasma (Derrida. 1993: 14-15) do livro de Marx e Engels A ideologia Alemã, a Internacional marxista pós-moderna morre na praia e ressurgi como Internacional marxista gramatical ocidental. E é deste platô que tenho interpretado e analisado a realidade dos fatos do fim da época da pós-modernidade do globalismo neoliberal.

Derrida parte e reage à ideia de Badiou: “De la crisis del marxismo, hoy em día es preciso decir que es completa. (Badiou. 1990: 17). A crise completa é a do marxismo-leninismo (marxismo stalinista). Trata-se da crise da política marxista, no Ocidente, como totalitarismo russo ou asiático. O leninismo e o maoísmo deixam de fazer sentido para a política emancipatória ocidental do primeiro-mundo. No Brasil e América do Sul, deixam de fazer sentido e advém a derrocada do bolivariano petista e chavista afeta, inclusive, a política de um Noam Chomsky e da esquerda do partido democrata americano. Afeta também a esquerda europeia do bolivariano na Espanha e Catalunha.

No Brasil, a derrocada do bolivariano começa com o movimento de massas de 2013. O governo petista de Dilma Rousseff viu que 2013 era um novo modo de fazer política das massas gramaticalizadas pela filosofia política popular digital no Rio, São Paulo e outras capitais e médias cidade em todo o país. Se tratava de um movimento nacional espontâneo que trazia consigo ideias de democracia direta como na Espanha e EUA. 2013 é contra a organização hierárquica e representativa da política dominado por uma partidocracia weberiano. Tal acontecimento de democracia direta ficou claro nas imagens da televisão.

A reação da partidocracia oligárquica resultou em leis contra o terrorismo no Congresso para desarticular 2013. Lei antiterrorista em um país sem terroristas. Hoje, há uma aparente desocupação da rua pelas massas políticas, como se houvesse uma retirada das massas da política. No entanto, o carnaval de 2018 assistiu o retorno das massas de 2013 na forma do folião. Tal Carnaval politizado recebeu uma resposta imediata da partidocracia oligárquica. Trata-se da intervenção militar no Rio imediatamente após o fim do Carnaval. A intervenção atualizou o Artigo 34 da Constituição 1988: Da Intervenção.

Do ponto-de-vista da genealogia política historial, o Carnaval do Rio, Recife e Olinda e de quase todas as partes do país se antagonizaram com o carnaval subcapitalista de Salvador e São Paulo. A transdialética gramatical entre um carnaval do desinteresse (democracia direta de rua mais democracia direta digital) e o carnaval do interesse autocrático (que faz pendant com os meios de comunicação da sociedade do espetáculo carioca/paulista) é a essência política que instalou no Rio um governo autocrático (pois, não é representativo) militarizado sob comando de generais do CML (Comando Militar do Leste).

Em meu livro Oligarquia política tem um ensaio sobre a democracia direta das massas de 2013. O livro não mereceu um debate universitário digno de nota acadêmica. Também passou desapercebido pela imprensa e pela cultura brasileira em geral. No entanto, os fatos caminham (quando se abre um furo no campo do simbólico da partidocracia oligárquico) para o retorno das massas no sentido da democracia direta ou democracia marxista gramatical. No Brasil, a inventividade das massas gramaticalizáveis já deixou para trás a política como cultura do simulacro de simulação. Quanto a relação entre ficção e política de massas, Lacan diz que a verdade tem estrutura de ficção. (Lacan.2008: 186).

Diz Lacan: “O discurso que se sustenta é aquele que pode manter-se por muito tempo sem que vocês tenham razão para lhes pedir que explique sua verdade (...) Um discurso que não se articula por dizer alguma coisa é um discurso de vaidade”. (Lacan. 2008: 42). Seguindo a linha de força de seu marxismo ocidental mai 1968, Lacan evoca Lenin para iluminar mais ainda a ideia supracitada, pois, “O que justifica essa regra é que, precisamente, a verdade não é dita por um sujeito, mas suportada”. (Lacan. 2008: 67).

E indo além:
“Aliás, nesse mesmo artigo, ‘A ciência e a verdade’, relembrei o dito de Lenin sobre a teoria marxista do social, a qual ele diz que triunfará por ser verdadeira – mas não forçosamente por dizer a verdade. Isso também se aplica aqui”. (Lacan. 2008: 169).

A verdade é aquela seguida pelas massas proprietárias de uma interpretação gramaticalizável. Enfim, nada de homo logicus para se pensar o saber político da multidão:
“A interpretação não é submetida à prova de uma verdade que se decida por sim ou não, mas desencadeia a verdade como tal. Só é verdadeira na medida em que é verdadeiramente seguida”. (Lacan. 2009: 13).

No Brasil, como estrutura de ficção, a verdade seguida é aquela do desinteresse político em antagonismo gramatical com a soberania apropriada como lugar do interesse representativo oligárquico (do pessoal, passando pelo grupo, comunidade e institucional como é o caso da  partidocracia).

Como nada há de objetivante na realidade dos fatos, e estratégia das massas é o fantasma da democracia marxista gramatical de uma sociedade pós-capitalista. Trata-se do mesmo fantasma comunista de Marx de 1848 a brasileira. Sobre o princípio de realidade da democracia marxista das massas, ela é o princípio de realidade articulado como fantasia lacaniano do futuro. (Lacan. 1975: 75).

                                                                                            V
Um certo esquerdismo filosófico uspiano que fazer a discussão da crise da esquerda latino-americana associada ao neoliberalismo. Ele evita falar em globalismo para subtrair da cultura paulista o excelente e seminal A era do globalismo, de Octávio Ianni. Problemas do choque da sociologia marxista com a filosofia marxista na cultura paulista.

O esquerdismo filosófico marxista erra em um ponto básico. A era que se consolida na década de 1990 é a da estratégia (fantasia lacaniano) globalismo neoliberal. A moral neoliberal não é o fundamento desta estratégia que significa a subtração conceitual e prática da era do Estado do Bem-Estar Social da cultura política ocidental. Porém, trata-se de uma história em zigue-zague, um passo à frente dois atrás, com idas e vindas, avanços na vontade destruição do passado socialdemocrata e recuos como no caso dos EUA com Obama e Trump.

O fundamento da estratégia globalismo neoliberal se articula como gramático rhetor percipio (o capital fictício digital fazendo pendant com a corporação capitalista da era digital) em uma tela gramatical em narrativa lógica do mundo subdividido em países desenvolvidos e países em desenvolvimento capitalista moderno. Trata-se hoje de uma representação imaginária geométrica da política na Terra. Portanto, não se trata de moral neoliberal, mas de um gramatico de uma tela sociológica gramatical de uma geopolítica da Terra, que envolveu, inclusive, a Ásia comunista realmente existente como sintetização do capitalismo moderno pelo comunismo maoísta.
                                                                          VI

Do ponto de vista do capitalismo mundial, o Brasil do bolivariano não tem diferença do Brasil de FHC. Ambos sustentaram, inercialmente, o mesmo modelo industrial com sede em São Paulo, modelo que FHC nomeou como capitalismo dependente e associado. A crise do nosso capitalismo industrial significa que o pôr-se a caminho de uma nova integração ao capitalismo mundial se deu por vias do capital fictício da oligarquia financeira do século XXI.

É inevitável o velho capitalismo dependente e associado entrar em desintegração lenta mas irrevogável com a nova tela gramatical da economia política produtiva da sociedade pós-capitalista. Esta é a sociedade do conhecimento organizacional pós-capitalista como força produtiva central no processo de produção e circulação do capitalismo mundial. A Ásia pôs-se neste caminho, neste rumo e a China e o Japão despontam como candidatos ao governo da Terra em uma fantasia do futuro. Nesta marcha, eles se tornarão o centro do primeiro-mundo do capitalismo moderno da sociedade pós-capitalista.

Com golpes publicitários governamentais de aparência de semblâncias, o Brasil lulista se apresentou como candidato a ingressar no primeiro-mundo do capitalismo moderno. Hoje tal golpe de Estado publicitário aparece como ele sempre foi, ou seja, fumos machadianos (Machado de Assis) que se evaporam no ar da realidade dos fatos 2018.

Em 2018, o Brasil desce a ladeira de país do subdesenvolvimento capitalista do segundo-mundo para país do terceiro-mundo neocolonial capitalista. É via o neocolonialismo capitalista do terceiro-mundo que nosso país vai se integrando ao capitalismo mundial do primeiro-mundo. Este fato é a essência econômica geral da crise de nossa democracia liberal. Outro fato da crise é da genealogia gramatical política historial.

As massas querem percorrer o caminho da democracia direta no espaço da democracia liberal. Este caminhar faz o caminho da eleição presidencial de 2018 se fechar para a vitória de uma candidatura do imaginário político centro-direita.

O meu texto relido sobre 2013 diz:
“Na América Latina, a dimensão estética da política já se apresentara através de figuras grotescas como Perón e Getúlio Vargas. Isabelita não foi a repetição cômica de Perón? Mais recentemente uma série de líderes são sintomas estéticos da era pós-moderna.

Qual é a estética do discurso do mestre bolivariano de um Chaves? O tradicionalismo de Chaves é o sintoma de uma estética ainda sem significante que a nomeie, que responde a uma atitude sincera em termos de ética política, que não separa religião e política e que coloca Chaves contra os direitos e as lutas das minorias (El Pais. Edição América. Primera: 29/10/2013).

Maduro não parece uma paródia de Chaves? A relação mística de Maduro com Chaves é o signo mais visível do cômico. Para Maduro, Chaves é o olhar da pátria que está em todos os lados, inclusive em fenômenos inexplicáveis. Chaves está em todos os lugares. Todos somos Chaves (El Pais. Edição América. Meza: 31/10/2013).

Daniel Ortega e Rafael Correia não são figuras estéticas que seguem o tradicionalismo de Chaves e estão ligadas à dominação oligárquica pós-moderna da América Central? No México, Peña Nieto quer ser moderno em um país dominado por uma cultura política oligárquica grotesca que tem como signo mais exuberante o narcopoder pilotado pelos cartéis de drogas.

No Brasil, Lula não surgiu como a repetição cômica pós-moderna do discurso do mestre oligárquico? Repetição cômica do grotesco encarnado por Getúlio? O cômico é o imaginário como ficção política sem laço com o real e que estabelece laço com o simbólico através dos fantasmas do passado, da fantasia. Trata-se também da relação da ação com o desejo, e de seu fracasso fundamental em alcançá-lo (Lacan. 1991: 376). Getúlio é o espectro através do qual Lula estabelece um laço com o simbólico. Isto remete para a fantasia – ficção oligárquica – deixando claro que a revolução republicana pregada pelo PT e por Lula, nas décadas de 1980 e 1990, era apenas um fantasma que remetia para o simulacro de republicanismo brasileiro. O desejo da revolução republicana não remete para a ação cômica de Lula? A conciliação entre o republicanismo e a cultura política oligárquica significa uma comédia histórica não no sentido vulgar, e sim no sentido de Marx cuja obra o 18 Brumário de Luís Bonaparte é a comédia histórica que encerra a República Democrática francesa (1848-1851).

 Nas jornadas de junho de 2013 no Brasil, a multidão questionou tanto o simulacro de República quanto o discurso do maître oligárquico. O efeito mais visível foi a queda espetacular da popularidade de Dilma Rousseff, identificada com o discurso do mestre oligárquico por sua associação metonímica com a cultura da partidocracia. Esta é dominado por uma oligarquia política criminosa que cada vez mais parece querer representar e implantar (não sabendo que sabe) a hegemonia do capitalismo de commodities sob comando político da nova oligarquia rural capitalista. Esta é ainda uma saída para a crise de hegemonia do capitalismo industrial dependente e associado paulista.

Rousseff é a carta roubada do conto “A Carta Roubada” de Poe, ou seja, um significante puro como automatismo da repetição (Lacan. 1998: 18) do inconsciente do discurso do político? Rousseff seria o significante “barroco” por sua ambivalência política em relação à multidão e por sua posição política em relação à ambivalência das classes sociais (Elias: 150, 152)? Um fenômeno estético andrógino invisível, insidioso, um compartilhamento fantasmático incerto trabalhado pelo inconsciente do discurso e tecido por todos os imaginários, por todas as utopias antropológicas como um “terceiro sexo” (Buci-Glucksmann:164).

Ao esboçar o retrato barroco de Leibniz, Deleuze nota a marca da extrema tensão entre uma fachada aberta e uma interioridade fechada, sendo cada uma independente, e sendo ambas reguladas por uma estranha correspondência preestabelecida (Deleuze: 55). No retrato de Dilma, nota-se uma extrema tensão entre uma fachada visível ao mundo político, uma fachada pública, e uma interioridade fechada legível somente no teatro da vida privada. O público e o privado são independentes, mas ao mesmo tempo regulados por uma estranha correspondência preestabelecida pela androginia estética.

Portanto, a volta da popularidade de Rousseff diz respeito às relações da política com a estética e a comunicação eletrônica. A multidão 2013 foi um primeiro ato de uma possível revolução política que exige uma mudança profunda da democracia, do capitalismo brasileiro e do Estado nacional. Como as forças do espaço político que deveriam levar adiante tal revolução não são capazes de se afirmarem no cenário eleitoral de 2014, Rousseff retoma sua popularidade com manobras melífluas. Ela já se apresenta como um possível instrumento político da estratégia hegemonia no bloco no poder do capitalismo de commodities. Na verdade, seu possível governo aponta para a repetição de um modo novo do bloco no poder da ditadura militar. Nesta, predominava a aliança do capitalismo de Estado com o capitalismo cartorial e a oligarquia rural. Agora predominará a aliança do capitalismo de Estado, com o capitalismo cartorial e a nova oligarquia rural capitalista”. (Bandeira da Silveira. Oligarquia e política, 2014).

O leitor pode observar que é um modelo de genealogia gramatical política historial desconhecido do leitor latino-americano. A ideia da multidão de 2013 como uma vontade de poder democracia direta já é central em minha interpretação. Continuo:
 “Enquanto a sociedade moderna era perversa na sexualidade (Foucault. 1988: 47), a sociedade pós-moderna é perversa na política. É preciso pontuar que a violência dos black blocs, cada vez mais tomada por uma irracionalidade política, desarma o sentido épico da ação black blocs. Assim, esta deixa de ser, na rua, uma força política capaz de agir como um agente da revolução política, ao concorrer para o aniquilamento da multidão 2013 como autora de tal revolução; em tal posição, os black blocs caem no niilismo.

Segundo sondagem do Datafolha, 95% da população rechaçam a violência nas ruas. Segundo outras sondagens, em junho, 87% da população apoiavam a multidão; em setembro, tal apoio caiu para 74%, descendo mais ainda em outubro para 66% (El Pais. Edição América. Arias: 28/10/2013).

A estrutura da ética trágica quer o bem (Lacan. 1991: 312-313). A multidão trágica que conduz a comunidade está aí para o bem de todos; ela é o avesso do niilismo. Entretanto o trabalho da mídia eletrônica em transformá-la em uma fantasia black bloc é tremendamente eficiente atingindo o inconsciente do discurso do político mais dos pobres do que dos ricos. Devido a ação contínua do Urstaat sobre os pobres, eles têm um verdadeiro temor de qualquer tipo de violência. Portanto estamos longe da violência proletária que, exercida como uma manifestação pura e simples do sentimento da luta de classes, aparece assim como algo belo e heroico. No século XIX, ela estaria a serviço dos interesses primordiais da civilização. Talvez não fosse o método mais apropriado para obter vantagens materiais imediatas, mas tinha o sentido de salvar o mundo da barbárie (Sorel: 110-111).

A multidão trágica pode ser o agente imediato de uma revolução política? Esta seria um acontecimento-signo rememorativo, demonstrativo e prognóstico de um progresso permanente que arrebataria a população na sua totalidade. No entanto, é significativa a maneira que a revolução faz o espetáculo, a maneira como ela é acolhida pelo espectador, pela população que não participa da ação que significa democracia direta mas que a observa, que a assiste e que se deixa arrebatar por ela. Como um resultado da revolução da democracia marxista, a Constituição é o signo político de que a ação da multidão tornou-se um espetáculo revolucionário (Foucault. 1994: 684, 685).

 Em sentido contrário ao da revolução da democracia marxista, os ataques ao trágico da multidão e ao épico dos black blocs são realizados pela mídia eletrônica, que age como dispositivo ideológico da oligarquia política sobre o inconsciente do discurso do político dos ricos e dos pobres.

A renegação do trágico e do épico pelas mídias eletrônicas é uma tentativa de recalcar nas massas o significante revolução política. Tal fato não acentua o tipo de relações entre dominação política, estética e mídia eletrônica na era pós-moderna? Tal fato insinua o possível estreitamento do sistema democrático que tem como causa a provável estratégia hegemonia da nova oligarquia capitalista no bloco no poder. A fusão entre oligarquia capitalista e oligarquia política não dinamiza a dominação da estética “barroca” em contraposição à tragédia política da multidão? A sociedade do espetáculo de massa é o palco da estética “barroca” como extensão da hegemonia da oligarquia capitalista e da dominação da oligarquia política”. (Bandeira da Silveira. Oligarquia e política). 

A crise da hegemonia do modelo industrial paulista capitalismo dependente e associado e sua impossível solução prática pela transmutação da articulação da hegemonia para o capitalismo de commodities é o conteúdo econômico “nacional” da crise da democracia liberal. O conteúdo mais diretamente político constitui-se pela democracia marxista da multidão que aponta para uma anunciada derrota antecipada do centro-direita do sistema cultural oligárquico que domina o regime 1988.

Concluindo! A democracia marxista da multidão não tem inscrição no território específico da política, na política estrito senso. A democracia marxista é de um modo expressivo na rua e na internet a própria maioria da soberania popular que não encontra na política um grupo que a represente. Eis a essência da crise política da democracia liberal cuja solução encontra-se na vontade de potência da soberania popular democracia marxista.
Em suma, a dominação oligárquica criminosa é o bloqueio para o pôr-se a caminho suavemente da articulação da hegemonia (por via eleitoral) da democracia liberal fazendo pendant com a democracia marxista gramatical como atualização da tragédia histórica.         

ARISTOTELES. Obras. Etica Nocomaquea. Espanha: Aguilar, 1982
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Brasília: Edunnb, 1992
BADIOU, Alain. Manifesto pela filosofia. RJ: Aoutra Editora, 1991
--------------------  ¿ Se puede pensar la política? Buenos Aires: Nueva Visión, 1990
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Oligarquia e política. Rio: amazon, Edição de autor, 2014
----------------------------------------------   Física da história do Brasil contemporâneo. Rio: amazonan. Edição de autor, 2015     
BUADRILLARD, Jean. L’illusion de la fin ou la greve des événements. Paris: Galilée, 1992
--------------------------- A ilusão do fim ou a greve dos acontecimentos. Lisboa. TERRAMAR, Sem data
BUCI-GLUCKSMANN. Christine. La raison baroque. De Baudelaire à Benjamin. Paris: Galilée. 1984.
CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança. Movimentos sociais na era da internet. RJ: Zahar, 2013
COHEN, Stephen F. Bujarin y la revolución bolchevique. Espanha: Siglo XXI, 1976
DELEUZE. Gilles. A dobra. Leibniz e o barroco. Campinas: Papirus. 1991.
DERRIDA, Jacques. Spectres de Marx. Paris: Galilée, 1993
ELIAS. Norbert. O processo civilizador. v. 2. Formação do Estado e civilização. RJ: Jorge Zahar Editor. 1990.
FAUCAULT. Michel. História da sexualidade. A vontade de saber. RJ: Graal. 1988.
FOUCAULT. Michel. Dits et écrits. 1954-1988. IV. 1980-1988. Paris: Gallimard. 1994.
GREIMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 3. RJ: Civilização Brasileira, 2014
HEIDEGGER, Martin. ¿Que significa pensar? Buenos Aires: Nova, 1972
--------------------------- Nietzsche. Metafísica e niilismo. RJ: Relume & Dumará, 2000
IANNI, Octavio. A era do globalismo. RJ: Civilização Brasileira, 1996
LACAN. O Seminário. Livro 7. A ética da psicanálise. RJ: Jorge Zahar Editor. 1991.
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LACAN, Jacques. O Seminário. De um Outro ao outro. Livro 16. RJ: Zahar, 2008
--------------------------------------    De um discurso que não fosse semblante. Livro 18. RJ: Zahar, 2009
LACAN, Jacques. Le Seminaire. Livre XIX. Encore. Paris: Seuil, 1975 
MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político. A tribalização do mundo. Porto Alegre: Editora Sulina, 1997
MARX Y ENGELS. Obras Escogidas de Marx y Engels. Tomo 1. Madrid: Editorial Fundamentos, 1975
SAFATLE, Vladimir. Só mais um esforço. SP: Três Estrelas, 2017
SOREL. Georges. Reflexões sobre a violência. SP: Martins Fontes. 1992
    
                        
      



                      


       

                   



  

            
          

                 

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

TEOLOGIA NEGRA DO PRÍNCIPE INFAME

José Paulo

Há o Brasil legal e o Brasil Real (Oliveira Vianna)


Desde minha adolescência católica me interessei por teologia negra. Tomei um tremendo susto quando li O 18 Brumário de Luís Bonaparte, de Marx. Ao terminar de ler este texto, verifiquei que Marx usara uma ideia da teologia negra (magia negra) para tecer a tela gramatical em narrativa lógica do golpe de Estado de Luís Bonaparte e a construção do II Império francês.

Desde estudante universitário me tornei marxista. Ao me tornar professor, ministrei durante 3 décadas um curso sobre o 18 Brumário... Mas nunca cheguei ao fundo da construção gramatical marxista do texto em tela com receio de provocar uma psicotização nos estudantes, ateus que consideravam o saber científico como o avesso do saber teológico natural.

No ensaio científico de Marx, há o fenômeno lúmpen-proletariado. Trata-se de uma classe social que não é uma classe, uma classe que se define pela indefinição sociológica de seus integrantes. Ela é uma classe lumpesinal gramatical criminosa dos de cima e dos de baixo. Tal classe gramatical é o suporte prático do agir do Príncipe infame Luís Bonaparte, sobrinho de Napoleão Bonaparte.

O Príncipe infame de Marx é um bufão, um clown, um fenômeno grotesco que unifica o lumpesinal dos de cima (alta burguesia) com os de baixo, propriamente inscritos no lúmpen-proletariado como uma força política do golpe de Estado e da instauração do II Império napoleônico.

O enunciado da teologia negra diz: tudo que está em cima é igual a tudo que está em baixo. O que há no céu, há também no inferno, e vice-versa. Esta é a definição estética na teologia negra do lúmpen-proletariado e de seu Príncipe infame Luís Bonaparte.

Marx viu a destruição da República democrática francesa de 1848, o golpe de Estado e a construção do II Império como uma rede em série de fenômenos que jogam a política historial francesa para o reino da teologia negra ou magia negra. Na escola francesa para os jovens, os professores de história descrevem Luís e seu II Império como grandes obras da política francesa do século XIX. Os jovens aprendem que ambos fenômenos políticos são da ordem do sublime.

Marx mostra que os fenômenos em tela são da ordem de um sublime-grotesco. Trata-se da estética da política francesa como grande comédia historial levada a sério como memória política pela elite cultural francesa. Para Marx, trata-se da grande comédia histórica levada a sério pelos franceses, daí sua natureza de magia negra que seduziu o povo francês na destruição da República democrática de 1848.
                                                                         II

Traço um paralelo como o Regime 1988 brasileiro. Tenho que mostrar que a nossa situação política se transformou em um fenômeno de magia negra.

Entre nós, a partir de um determinado momento da política historial 1988, se constitui uma oligarquia política criminosa na atualidade combatida pelo fenômeno judicial Lava Jato. Mais de cem políticos do Congresso de Brasília estão na mira do STF (Supremo Tribunal Federal) e da Lava Jato. Lula já foi condenado em segunda instância, ele que tem fama mundial de ser o líder carismático ou condottiere da esquerda ocidental latino-americana.

Com Lula no poder de Brasília, o PT foi transformado em um fenômeno lumpesinal criminal da política nacional. O escândalo do Mensalão envolvendo a corrupção do Congresso para obter maioria parlamentar governamental no governo Lula quase destruiu a carreira dele ainda no primeiro governo. Como o judiciário e o Congresso não aniquilaram Lula, ele resolveu se reeleger e eleger duas vezes a apolítica Dilma Rousseff.

Com o segundo governo Lula ocorre o Petrolão. Trata-se da corrupção sistêmica do Estado envolvendo a Petrobras - um privatismo do Estado pela oligarquia política e grandes empresas privadas. Integrantes da cúpula do PT foram julgados, alguns presos, tornando o PT o lúmpen-proletariado de seu líder Lula, então nomeado, inconscientemente, pela cultura política como Príncipe infame do proletariado paulista.  

Em 2013, o movimento de massas de rua no Rio, São Paulo, Belo-Horizonte (se espalhando para o resto do país) foi interpretado por Rousseff como um o desenvolvimento de um movimento contra o poder do bolivariano na América-Latina. Dilma tratou as massas como terroristas e como inimiga a ser destruída. Daí nasceu a lei antiterrorista em um Brasil sem terrorista ou terrorismo. Depois o serviço secreto do exército inventou pobres diabos terroristas para a lei ser aplicada. No entanto, não há terrorismo no Brasil, hoje!

A atitude de Rousseff com as massas 2013 levou o Congresso a destituí-la do cargo de presidente. Não se trata de um Congresso que defendia as massas 2013, mas de um Congresso que depois de combater as massas resolveu que Dilma não era mais uma política da esquerda brasileira.

Desmoralizada, Dilma foi expulsa da política nacional.
                   
                                                                                           III

Na era do bolivariano, o crime dos de cima se tornou uma questão de polícia. A classe política se tornou em uma questão de polícia. No governo Temer o crime dos de baixo se tornou uma questão de política.

Vice de Dilma, Michel Temer assumiu a presidência junto com o grupo de conjuntura do PMDB (Sarney, Moreira Franco, Eliseu Padilha, Romero Juca), seu partido. No governo Dilma, o crime dos de baixo estava sobre controle das polícias estaduais. Em um ano de governo Temer, o crime comum passou a ameaçar as metrópoles, estradas e o campo. Em São Paulo, o crime comum se instituiu como partido vindo a disputar o domínio do crime nacionalmente. No Rio, facções ou organizações criminosas comuns disputam o poder criminal onde o PCC (Primeiro Comando da Capital) quer entrar e dominar.

Rumores dizem que o crime comum funciona em rede se enredando com as redes lumpesinais dos de cima. A prisão do governador do Rio Sergio Cabral pela Lava Jato gerou a certeza de que tudo que está em cima é igual a tudo que está em baixo. O Rio se transformou em um fenômeno político de magia negra. Sérgio Cabral era tido como o candidato do PMDB à eleição presidencial 2018. Assim, o PMDB já tinha seu Príncipe infame, seu Príncipe Negro.

Temer começou seu governo como um presidente fraco, impopular, voltado para agradar o sistema financeiro e interesses espúrios, interesses negros, pois, infames do capitalismo brasileiro do segundo-mundo. Em algum momento, ele deixou de respeitar a fronteira entre magia branca subcapiatlista e a magia negra lumpesinal.

A Reforma Trabalhista generalizou o subemprego no Brasil. A propaganda da classe política em extensão (oligarquia política mais televisão e jornalismo em geral) é que a Reforma Trabalhista salva o capitalismo do Sudeste. A Reforma da Previdência salva o capitalismo e o Estado deficitário brasileiro. Como os trabalhadores sofrem as precariedades cotidianas no universo do trabalho, A Reforma da Previdência é vista como uma tentativa insana de destruição do Estado de direitos brasileiro. Com as reformas, Temer se candidatou à galeria dos Príncipes infames nacionais.    
                                                                                       IV

Com o governo Temer, o crime comum se tornou uma vontade de potência ameaçando o cotidiano da cidade do Rio e de outras capitais. No entanto, a luta no Rio entre o PCC e as facções criminosas cariocas fez do crime comum uma questão de política nacional. Esta luta é redesenhada pelo estado de sítio midiático criado peal TV Globo. Trata-se de um fenômeno de banalização da violência em forma de imagens na tela eletrônica. Temos aí uma verdadeira violência real do crime comum de rua e outros habitats lumpesinais dos de baixo recriada artificialmente pela tela da TV como cultura da violência de rua eletrônica.

No Carnaval 2018, milhões de foliões tomaram a rua carioca. As polícias não conseguiram (ou não quiseram) manter os ladrões de rua longe dos foliões. Além disso, grupos lumpesinais populares negro e mestiço passaram a usar violência física contra as pessoas (moradores ou não) na zona sul carioca, onde moram os ricos da cidade. O estado de sítio midiático carioca e paulista recriaram tal ambiente de horror em uma escala insuportável!

Os fatos narrados acima foram o pretexto para o grupo de conjuntura do PMDB decretar a estratégia estado de exceção constitucional. Ela consiste em começar como o Artigo 34 (Da Intervenção), criando um governo militar no Rio. Os generais dizem que tal governo vai dar um combate sem trégua as facções criminosas comuns que controlam o Rio. Espera-se sem exagero banhos de sangue (pois, o soldado do exército é treinado para destruir o inimigo) e a socióloga Alba Zaluar fala de uma tomada do poder criminal no Rio pelo PCC. Ela é especialista na área de Segurança Pública.

A estratégia estado de exceção transformou o grupo de conjuntura do PMDB em nosso último Príncipe infame, último Príncipe negro. O grupo em tela transformou o Rio em um fenômeno político de magia negra. Não para por aí...

Políticos negros, pois, infames falam na necessidade de se alcançar o Artigo 136, ou seja, o Estado de Defesa que é o Estado de Sítio aplicado em um estado da federação. Outros desejam a atualização da rede de artigos que vai do 137 ao 139, ou seja, o Estado de Sítio nacional. A classe política em extensão crê da necessidade de realizar as eleições de 2018 em um estado de sítio, pois, a bandidagem das grandes cidades são uma ameaça ao processo eleitoral e, portanto, a democracia 1988.  

A Constituição da República democrática francesa de 1848 foi feita em um estado de sítio (período de 25 de junho a 10 de dezembro da ditadura dos republicanos burgueses puros). Tal fato diabólico da democracia representativa francesa tornaria esta forma política vulnerável a sua própria destruição pelo fenômeno criminoso bonapartismo.

A situação política brasileira atual se transmutou em um fenômeno político de magia negra homólogo ao 18 Brumário de Luís Bonaparte. No entanto, no lugar de um condottiere negro, temos um grupo de conjuntura negro, infame, um Príncipe infame que é uma posição de partido político.                
        

 


sábado, 17 de fevereiro de 2018

DO PRÍNCIPE INFAME


José Paulo 

GENEALOGIA DA POLÍTICA HISTORIAL 

A genealogia materialista racional da moral em descontinuidade reaparece como genealogia da vontade potência. Nietzsche é usado em geral para a reflexão da cultura como história. Trata-se de manejá-lo para pensar a vontade de potência na filosofia da história política do século XXI.

Primeiro, a crítica demolidora de Nietzsche à política moderna como continuação da decadência do homo logicus de Sócrates e Platão. Trata-se da ruptura entre o trágico e o racional. Marx mostrou como o trágico histórico criou a sociedade burguesa. Weber mostrou como a sociedade burguesa se transforma em uma sociedade capitalista regida pela razão instrumental em detrimento da narrativa trágica, lírica ou épica. Trata-se da sociedade da burocracia capitalista ou privada ou pública.

Marx viu uma fantasia do futuro como o lugar de uma história épica em uma genealogia da vontade de potência política:
“A revolução social do século XIX não pode tirar sua poesia do passado, e sim do futuro. Não pode iniciar sua tarefa enquanto não se despojar de toda veneração supersticiosa do passado. As revoluções anteriores tiveram que lançar mão de recordações da história antiga para se iludirem quanto ao próprio conteúdo. A fim de alcançar seu próprio conteúdo, a revolução do século XIX deve deixar que os mortos enterrem seus mortos. Antes frase ia além do conteúdo; agora é o conteúdo que vai além da frase”. (Marx. 1974: 337).   

A genealogia em tela tem um ponto de partida em Maquiavel com as noções da política como um agir de um gramático como efeito da Fortuna e da Virtú. Maquiavel designou seu gramático prático ou rhetor percipio como condottiere. Gramsci fala de um gramático Príncipe moderno fazendo pendant como o partido comunista. Então vamos avançar devagar.

O que é Fortuna? O que é Virtú?

O que é Fortuna?

A Fortuna é a época dada como conjuntura no sentido de Marx no O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Na genealogia materialista racional da política como vontade de potência, Maquiavel fala das particularidades do tempo e das coisas da política local, nacional e internacional. Ele pensa a Fortuna política como um quadro global de forças.

Nietzsche diz:
“Tudo esteve aí inúmeras vezes, na medida em que a situação global de todas as forças sempre retorna. SE alguma vez, sem levar isso em conta, algo igual esteve aí, é inteiramente indemonstrável. Parece que a situação global forma as propriedades de modo novo, até nas mínimas coisas, de modo que duas situações globais diferentes não podem ter nada de igual”. (Nietzsche.1999 :439).

Se as situações globais de forças são sempre diferentes, temos aí a ideia da conjuntura política como um quadro de forças de uma época (os estruturalistas falariam em estrutura do quadro global de forças) atualizada em uma situação política concreta com suas particularidades do tempo e das coisas políticos
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    II                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            Gramsci estabelece a Fortuna como os graus de relações de força na sociedade capitalista do século XXI:
“1) uma relação de forças sociais estreitamente ligada à estrutura, objetiva, independente da vontade dos homens, que pode ser mensurada com os sistemas das ciências exatas ou físicas. Com base no grau de desenvolvimento das forças materiais de produção, têm-se os agrupamentos sociais, cada um dos quais representa uma função e ocupa uma posição determinada na própria produção.
2) O momento seguinte é a relação das forças políticas, ou seja, a avaliação do grau de homogeneidade, de autoconsciência e de organização alcançado pelos vários grupos sociais.
 3) o terceiro momento é o da relação das forças militares, imediatamente decisivo em cada oportunidade concreta. (O desenvolvimento histórico oscila continuamente entre o primeiro e o terceiro momento, com a mediação do segundo) ”. (Gramsci. 2014: 40-43).
Há a passagem do quadro de relações de força onde um gramático permite pensar a dimensão relações de força na tela gramatical? Trata-se do Príncipe moderno gramatical voltado para a realização da revolução social gramatical do século XXI? Gramsci pensou o quadro de relações de força para a sociedade moderna capitalista da Itália e da Europa ocidental do século XX - quando tudo era claro e distinto para a política do marxismo ocidental.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 III                                                                                                                                                                                                                                                                     O quadro global de forças obedece à lógica da força? Ou se pode pensar uma tela gramatical onde habitam as relações de força?

Maquiavel diz que há uma relação sujeito político (Príncipe) e o objeto político (Estado) onde existe o governo do um como governo dos homens. Fundar, conquistar, governar e manter o Estado é obra do Príncipe? Claude Lefort diz que o imperio é o nome dado ao poder político que exerce o um ou grupo de homens (oligarquia) sobre os outros homens (Lefort: 348-349), mulheres e crianças. Trata-se de um poder que se exerce no Estado e na sociedade, sobre os civis e os religiosos.

Em Maquiavel, é claro que se trata do governo de uma força animal/homem (Príncipe/condottiere) sobre o quadro global das forças. (Maquiavel. 1973: cap. X). O imperio governa pela força (sujeito despótico animal) ou pela lei (sujeito político humano). A distinção entre natureza e cultura vai muito além da lógica da força. (Maquiavel. 1973: cap. XVIII). A lei inscreve o Príncipe ou poder político no reino da liberdade em contraposição ao reino da necessidade da força. Com a cultura ergue-se uma tela gramatical e o agir do gramático ou imperio. Assim, o Príncipe é definido como o gramático por sua relação com o imperio na tela gramatical animal e humana.

Maquiavel pensa a relação de força como natureza/cultura (animal/homem) e Nietzsche e Gramsci pensam a relação de força como gramatical.

O imperio é abarcado por significantes como Fortuna, virtú e Príncipe infame. A virtú diz respeito a um Príncipe com qualidades que remetem para o Bem. Aí, o Príncipe não está além do bem e do mal. No entanto, conquistar, governar e manter o Estado depende das relações do exercício do poder político com a Fortuna e a virtú não subtrai um terceiro fenômeno que surge na tela gramatical. Trata-se do fenômeno designado pela teoria política grega clássica como tirano. Se esta rechaça o tirano da ordem da lógica da política normal, já Maquiavel trata o tirano como o Príncipe infame.

Qual a diferença entre tirano grego e Príncipe infame maquiavélico?

O tirano é prisioneiro da lógica do antagonismo bem e mal. O tirano jamais será visto como um fenômeno positivo, e sim como devastação da política grega. Ao contrário, Maquiavel vê o Príncipe infame como um fenômeno positivo na época moderna.

 Agátocles Siciliano é o exemplo historial de Príncipe infame, de um poder político infame. Há duas maneiras de se chegar ao poder as quais não se podem atribuir totalmente à fortuna e a virtú (mérito, competência, habilidade, qualidades políticas subjetivas). Tais modos são: “chegar ao principado pela maldade, por vias celeradas, contrárias a todas as leis humanas e divinas; e tornar-se príncipe, por mercê do favor de seus conterrâneos”. (Maquiavel. 1973: cap. VIII).

Agátocles vem de condição impura e abjeta. Filho de oleiro, foi um criminoso em sua juventude. Fazia o mal com um vigor de animus e de corpo, e assim fez carreira vertiginosa na milícia de Siracusa: “Neste ponto, deliberou tornar-se príncipe e manter, pela violência e sem favor dos outros, aquele poder que lhe fora concedido por acordo entre todos”. (Idem: cap. VIII). Para expandir seu imperio, assassinou todos os senadores e os homens mais ricos de Siracusa. Mortos estes, ele se apoderou do governo daquela cidade e o conservou sem nenhuma hostilidade por parte dos cidadãos.

O Príncipe infame: “Como acima se disse, não por favor de quem quer que fosse, mas passando por todos os postos conquistados na milícia através de inúmeros dissabores e perigos é que alcançou o principado que manteve depois, à força de tantas decisões audazes e cheias de perigo. Ainda que não se possa considerar ação meritória a matança de seus concidadãos, trair os amigos, não ter fé, não ter piedade nem religião, com isso pode-se conquistar o mando, mas não a glória. Mas, considerada a habilidade de Agátocles, no entra e sair dos perigos, e sua fortaleza de ânimo no suportar e superar as coisas adversas, não há por que se deva julgá-lo inferior a qualquer dos mais ilustres capitães (condottiere). Todavia, a sua bárbara crueldade e desumanidade e os seus inúmeros crimes não permitem que seja celebrado entre os mais ilustres homens da história. Não se pode, pois, atribuir à fortuna ou a valor aquilo que ele conquistou sem uma e sem outro”. (Idem: cap. VIII).

O príncipe infame encontra seu gramático na transdialética para além do bem e do mal:
“Nossas mentes rechaçam a ideia do nascimento de uma coisa que pode nascer de uma contrária, por exemplo: a verdade do erro; a vontade do verdadeiro da vontade do erro; o ato desinteressado do egoísmo ou a contemplação pura do sábio, da cobiça. Tal origem parece impossível: pensar nisso parece próprio de loucos. As realidades mais sublimes devem ter outra origem, que lhes seja peculiar. Não pode ser sua mãe esse mundo efêmero, falaz, ilusório e miserável, esta emaranhada cadeia de ilusões. Desejos e frustrações. No seio do ser, no qual não morrerá nunca, num deus oculto, na ‘coisa em si’ é onde deve se lobrigar seu princípio, ali e em nenhuma outra parte”. Nietzsche.  :17-18)

O Príncipe é cultuado como um fenômeno sublime, figura ilustre e, talvez, bela da política historial. Só assim ele é metabolizado positivamente. Maquiavel inscreve o infame na positividade da política na aurora da era moderna. Maquiavel é nietzschiano antes de Nietzsche. Ele pensa o gramático na tela gramatical transdialética na ciência da política moderna. O Bem não é um valor transcendental e sim um valor conjuntural usado estrategicamente; ele não é uma virtude; ele é usado se for útil à fundação e/ou conservação do poder de Estado. Ele pode ser posto como um significante entre outros do poder estratégico. (Maquiavel. 1973: cap. XVI). 

Para termos base de comparação, Habermas fala do poder estratégico no espaço da comunicação. Pode ser o Príncipe eletrônico (Octavio Ianni) na sociedade do espetáculo de comunicação de massa ou mais ainda:
“Pero Habermas considera las formas ˂estratégicas>de comunicación (tales como mentir, despistar, engañar, manipular, etc.) como derivadas; implican la suspension de ciertas pretensiones  de validez (especialmente de la veracidade), son parásitas del habla orientada ao entendimiento genuino”. (McCarthy: 333). O poder estratégico usa atos de fala na superfície da cultura como: mentir, despistar, enganar, manipular, sugestionar, simular, dissimular, etc. Tal fato consiste em um modo de produção da aparência da semblância da política em si (discurso do político) e da cultura da política.

Ao se descoberta como algo equivalente, na alta cultura, ao Príncipe infame da sociedade da comunicação, o condottiere Habermas e sua brilhante, substanciosa, teoria do espaço público procedural (a alta cultura como efeito do diálogo e da luta entre interlocutores competentes, vencendo o melhor) foram sepultados no cemitério da cultura mundial.

O agir estratégico de Habermas teve como objeto de desejo infame o escritor renovador da filosofia alemão na década de 1980 (com sua obra magistral, desafiadora e instigante Crítica da razão cínica) Peter Sloterdijk.        
                                                                           IV
                       
A política é aparência e os resultados dos fatos consumados (Maquiavel. 1973: cap. XVIII). Então, o Príncipe mesmo com sendo infame no real da política pode ser tomado como um poder positivo. Ele não pode ter a aparência de odioso: “desprezível, o ser considerado volúvel, leviano, efeminado, pusilânime, irresoluto”. (Maquiavel. 1973: cap. XIX). Porém, o poder deve aprender a ser mau, a fazer o mal: “Assim, é necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade”. (Idem: cap. XV).

Maquiavel pensa a política a partir do Príncipe natural (príncipe hereditário), príncipe antigo e do Príncipe novo. O Príncipe infame só pode estar na espécie Príncipe novo. Ele jamais será um efeito da natureza (das linhagens de sangue reais da Idade Média) ou da ética da política da antiguidade. Ele pode ser um efeito da política como campo de forças onde o poder deve encontrar as condições de um equilíbrio. (Lefort: 352).

A propósito. A Fortuna é mulher! (Idem: cap. XXV). A Fortuna é não-todo, não-toda. Trata-se de um quadro global de forças incompleto (não é a totalidade fálica do quadro global completo). Assim, há lacunas de força (buracos no poder político) onde o Príncipe pode agir na tela gramatical de forças. A tela gramatical tem espaço para o acaso e o agir na sua incompletude ou lacunas ou falta de lógica (sgrammaticatura) da narrativa da política.
                                                                     V- APARENCIA E SEMBLANCIA  

Um discurso que não fosse semblância parece desejar o retorno da dupla metafísica: aparência e essência; superfície e profundidade; verdade e erro; verdadeiro e mentira, etc. Já observamos que o discurso nietzschiano sepulta a dupla da metafísica socrática/platônica. Maquiavel pensa como Nietzsche que em política só existe superfície e aparência. No entanto, Hannah Arendt fala da aparência da semblância tornando o pensar do espaço político mais complexo e intrincado. E Lacan fez da semblância um caminho necessário para se pensar o discurso político em sua relação com o real. (Lacan. 2003:  535).

Hannah Arendt pensa a semblância fazendo pendant com o conceito de ideologia de Marx? Lacan julgou que a ideologia é concepção-do-mundo. Marx não fez ideologia; o pensamento de Marx é um evangelho. (Lacan. 1975: 32-33). Marx agiu no território da teologia materialista racional? então, trata-se de aniquilar a ideia de mundo teológica como uma ideia metafísica. (Lacan. 1975: 43). Não há mundo; há a Terra, o planeta, o território. Mundo é aparência da semblância da ideologia no território da teologia religiosa, da filosofia metafísica e da história tradicional.

Lacan vê a incultura de massa como satisfação do blablabla que não faz laço social. (Lacan. 1975: 49). A incultura da sociedade do espetáculo de massa luta para produzir a aparência de semblância sem chegar a ser um dos discursos lacanianos. (Lacan. 1991: 31).     
           
                                                                                 VI
O sujeito diante de uma árvore florida vê o quê? Vê a realidade tout court?

Heidegger fala da relação do homem com a árvore florida como imagem e signo, de onde retira-se o dito. (Heidegger. 1972: 53). Indo além, trata-se da linguagem da representação do pensar. Se a árvore é o mundo, a física desmancha a árvore como imagem e signo do homem comum; dissolve no discurso do físico o mundo como representação, o olhar do homem comum sobre a realidade; o mundo aparece para o físico como constituído de partículas. O homem comum pensa a realidade como um todo cultural de sentido (e como engano dos sentidos) e jamais vê o mundo do discurso do físico. O mundo do discurso do físico é falta de sentido, ou melhor, não é a realidade do físico um mundo. (Heidegger. 1972: 330).

Pensar o mundo é o caminho do pensar o sentido do mundo. Assim é o enunciado de Nietzsche “O deserto está crescendo: desventurado aquele que alberga desertos”. (Heidegger. 1972: 52). A desertificação significa que o homem não consegue mais se manter no caminho do pensar a realidade do pensamento ocidental como homo logicus. (Heidegger. 1972: 26). Trata-se do gravíssimo de uma época grave não estar no caminho do pensar a própria época: decadência do pensar ocidental. Chegamos a época na qual pensar é apenas opinar.

As ciências em geral não têm meios de pensar o que é o pensar; a matemática é incapaz de pensar o que é a matemática, a historiografia o que é a ciência da história. (Heidegger. 1972: 36). O pensar é menos do que o saber científico da história que conhece em detalhe a realidade histórica. No entanto, a linguagem da ciência da história não pode pensar o que é tal linguagem. A coisa se complica quando Lacan diz que a linguagem (a língua forjada no discurso filosófico que pensa o mundo) não existe. (Lacan. 1975: 126). A matemática não sabe se pensar como língua, mas ela é capaz de atingir um real, de ser a matematização do real como fantasma (fantasia lacaniana) na realidade de lalangue (Idem: 118, 126).

A realidade como fantasia se inscreve no habitus. O homem tem o habito de ver o sol nascer e/ou se pôr. O nascer do sol não se espera na base de uma intelecção científica. SE contestará que o homem está habituado com a regularidade deste fenômeno. (Heidegger. 1972: 39). Aqui se subtrai o olhar científico sobre o fenômeno como realidade objetiva em prol de um olhar da realidade como fantasia lacaniana ou princípio da realidade freudiano. O que tudo isso tem a ver com a realidade política? 

Nesse caminho do pensar a realidade com Heidegger e Lacan encontro Hannah Arendt e sua teoria da semblância.

Não há identidade entre aparência e semblância: “A semblância é inerente em um mundo governado pela dupla lei do aparecer para uma pluralidade de criaturas sensíveis, cada uma delas dotada das faculdades de percepção”. (Arendt: 31).

A aparência da semblância remete para a percepção do mundo político?

Hannah diz:
“O mundo aparece no modo do parece-me, dependendo de perspectivas particulares determinadas tanto pela posição no mundo quanto pelos órgãos específicos da percepção. Esse modo não só produz erro (que posso corrigir por uma mudança de posição, aproximando-me do que aparece ou aguçando meus órgãos perceptivos com o auxílio de instrumentos e implementos, ou, ainda, usando minha imaginação para levar em conta outras perspectivas), mas também dá origem a semblâncias verdadeiras, ou seja, à aparência ilusória que não posso corrigir, como corrijo um erro, já que é causada por minha permanente posição na Terra e que continua inseparavelmente ligada à minha própria existência como uma das aparências terrenas. A semblância [dokos, de dokei moi], disse Xenófanes, está ‘inscrita em todas as coisas’, de tal modo que ‘não há nem haverá nenhum homem que conheça claramente os deuses e tudo sobre o que falo; pois mesmo que alguém tentasse dizer o que aparece em sua realidade total, ele próprio não conseguiria’ ”. (Arendt: 31).

O mundo político é percebido pelo homem comum do mesmo modo que ele percebe o sol se pôr? A política é como um hábito de quem habita a Terra? O homem comum olha a política representativa democrática como dando origem à aparência de semblâncias verdadeiras? Maquiavel parte deste pressuposto ao falar do agir correto do Príncipe. Este é um cadinho de aparência de semblâncias verdadeiras.

Pode-se falar também de semblâncias autênticas e inautênticas:
“Estas últimas miragens como a da de alguma fada Morgana, dissolvem-se espontaneamente ou desaparecem com uma inspeção mais cuidadosa. As primeiras, como o movimento do Sol levantando-se pela manhã para pôr-se ao entardecer, ao contrário, não cederão a qualquer volume de informação científica, porque esta é a maneira pela qual a aparência do Sol e da Terra parece inevitável a qualquer criatura presa à Terra e que não pode mudar de moradia. Aqui estamos lidando com ‘ilusões naturais e inevitáveis’ de nosso aparelho sensorial, a que Kant se referiu na introdução à dialética transcendental da razão. Ele chamou a ilusão no juízo transcendente de ‘natural e inevitável’ porque era ‘inseparável da razão humana e..., mesmo depois que seu caráter ilusório foi exposto, não deixará de lográ-la e de atraí-la continuamente para aberrações momentâneas que sempre pedem outras correções’. O argumento mais plausível, senão o mais forte, contra o positivismo estreito que acredita ter encontrado um solo firme de certeza quando exclui de sua consideração todos os fenômenos espirituais e restringe-se aos fatos observáveis, à realidade cotidiana dada aos nossos sentidos, é que semblâncias naturais e inevitáveis são inerentes a um mundo de aparências do qual não podemos escapar” (Arendt: 31), como escapa o astronauta em sua nave espacial, pois não habita mais a Terra.

Na tela gramatical da política, há esta diferença entre o mundo do político e o mundo do representado. Este habita a Terra, ou melhor, o território da política e não pode escapar da aparência das semblâncias que são um efeito do processo de representação político representado/representante.

O representante é o astronauta que olha a Terra de sua nave espacial saindo da estratosfera. A aparência de semblância de que ele representa a vontade ou o interesse do representado não existe para o político, a não ser que ele queira viver na auto- ilusão da racionalidade política da representação. Trata-se da semblância da razão política. (Arendt: 36).

Em suma:
“Assim, em nosso contexto, a única questão relevante é se tais semblâncias são autênticas ou inautênticas, se são causadas por crenças dogmáticas e pressupostos arbitrários, simples miragens que desaparecem diante de uma inspeção mais cuidadosa, ou se são inerentes à condição paradoxal de um ser vivo que, embora parte do mundo das aparências, tem a faculdade – a habilidade de pensar, que permite ao espírito retirar-se do mundo, sem jamais poder deixá-lo ou transcendê-lo. (Arendt: 36).

A tela gramatical em narrativa da aparência da semblância fala-nos sobre a linguagem política como ideologia e ciência como elaboração crítica no domínio das ciências:
“Um corpo permanece ‘maciço’ no sentido tradicional ainda que a ‘nova’ física demonstre que ele é constituído por 1/1.000.000 de matéria e por 999.999 partes de vácuo. Um corpo é ‘poroso’ no sentido tradicional, não no sentido da ‘nova’ física, mesmo após as afirmações de Eddington. A posição do homem permanece idêntica; nenhum dos conceitos fundamentais da vida é minimamente abalado e, ao menos, invertido”. (Gramsci. 2015: 169).

A ideologia ou concepção-do-mundo é o reino da aparência de semblâncias naturais ou artificiais, autênticas (ideologia orgânica) ou inautênticas (ideologia inorgânica) na tela gramatical. A luta política ocorre, até o fim, no reino supracitado como assinalou Marx. (Marx. 1974: 136).

Gramsci diz que todos os homens são filósofos gramaticais capazes de manejar uma linguagem com palavras plenas de conteúdo:
“É preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos. É preciso, portanto, demonstrar preliminarmente que todos os homens são ‘filósofos’, definindo os limites e as características desta ‘filosofia espontânea’, peculiar a ‘todo o mundo’, isto é, da filosofia que está contida: 1) na própria linguagem, que é um conjunto de noções e de conceitos determinados, e não, simplesmente, de palavras gramaticalmente vazias de conteúdo; 2) no senso comum e no bom senso; 3) na religião popular e, consequentemente, em todo o sistema de crenças, superstições, opiniões modos de ver e de agir que se manifestam naquilo que geralmente se conhece por ‘folclore’ ”. (Gramsci. 2015: 93).      

Todos os homens são “filósofos” na cultura mundial até a incultura da sociedade do espetáculo de massa destruir a pertinência da cultura oral popular urbana. Há uma ruptura na cultura mundial que desviou o caminho desenhado por Gramsci, pois, aniquilou a “filosofia espontânea” das massas gramaticalizáveis filosoficamente, pois, a própria linguagem não existe; fez desaparecer o  senso comum e o bom senso como aparência de semblâncias; afetou de um modo irrevogavelmente destruidor a religião popular, o sistema de crenças, opiniões, modos de ver e de agir do folclore político (a aparência das semblâncias da ideologia política)  do sistema da representação democrática:  
“Nota 1. Pela própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e de agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos homem-massa ou homens-coletivos. O problema é o seguinte: qual é o tipo histórico de conformismo, de homem massa do qual fazemos parte? Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homem-massa, nossa própria personalidade é compósita, de uma maneira bizarra: nela se encontram elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista, preconceitos de todas as fases históricas passadas estreitamente localistas e intuições de uma futura filosofia que será própria do gênero humano mundialmente unificado. Criticar a própria concepção do mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais evoluído. Significa também, portanto, criticar toda a filosofia até hoje, existente, na medida em que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia popular. O início da elaboração crítica é consciência daquilo que é realmente, isto é, um ‘conhece-te a ti mesmo’ como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços acolhidos sem análise crítica. Deve-se fazer, inicialmente, essa análise”. (Gramsci. 2015: 94).   

A época do globalismo neoliberal é aquela da destruição da filosofia popular urbana na tela gramatical da política democrática representativa das metrópoles da Terra no Ocidente. A metrópole do Oriente asiático como sintetização do Ocidente capitalista vai no mesmo rumo de subtração de sua filosofia popular da cultura gramatical filosófica da Terra?    

Seguindo Nietzsche, Heidegger estabelece a cultura como técnica de interpretação de interpretação de um gramático em uma tela gramatical que pode ser a da política. A interpretação faz pendant com a loucura na tela gramatical em narrativa lógica ou sgrammaticatura.

Foucault diz que a morte da interpretação espreita no crer “que existem símbolos que existem primariamente, originalmente, realmente, com marcas coerentes, pertinentes e sistemáticas”. Ao contrário, a vida da interpretação consiste em uma abrir mão da ideia de profundidade (essência, “coisa em si”, ideia transcendental, eterno, Deus) e navegar interpretativamente na superfície da aparência das semblâncias. A vida da interpretação abandona o suspeitar da linguagem da filosofia como metafísica.

Em Marx, a técnica cultural da interpretação como metafísica é a contemplação ideológica da aparência das semblâncias. Crer que não há mais do que interpretação, eis uma crença de Marx que o separa do marxismo do século XX. A ideologia crê que há profundidade abaixo da interpretação:
“La vie de l’interprétation, au contraire, c’ést de croire, qu’il n’y a que des interprétation. Il me semble qu’il faut bien comprende cette chose que trop de nos contemporains oublient, que l’herméneutique et la sémiologie sont deux farouches ennemies. Une herméneutique qui se replie en effet sur une sémiologie croit à l’existence absolue des signes: elle abandonne la violence, l’inachavé, l’infinité des interprétations, pour faire régner la terreur de l’indice, et suspecter le langage. Nous reconnaissons ici le marxisme aprés Marx. Au contraire, une herméneutique qui s’enveloppe sur elle-même entre dans le domaine des langages qui ne cessent de s’impliquer eux-même, cette région mitoyenne de la folie et du pur langage. C’est lá que nous reconnaissons Nietzsche”. (Foucault. v. 1: 574).

Na tela gramatical em narrativa lógica da política espreitam fenômenos com falta de gramática (sgrammaticatura), algo, que no domínio da cultura ocidental significa dançar na política com a loucura.

ARENDT, Hannah. A vida do espírito. O pensar, o querer, o julgar. RJ: Editora UFRJ/ Relume- Dumará, 1992
FOUCAULT, Michel. Nietzsche, Freud, Marx. Dits et écrits. v. 1. 1954-1969. Paris: Gallimard, 1994
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 1. RJ: Civilização Brasileira, 2015
----------------------------------------------------- . v 3.   RJ: Civilização Brasileira, 2014       
HEIDEGGER, Martin. ¿ Que significa Pensar? Buenos Aires: Nova, 1972
LACAN, Jacques. Le Séminaire. Livre XVII. L’envers de la psychanalyse. Paris: Seuil, 1991
LACAN, Jacques. Le Séminaire. Livre XX. Encore. Paris: Seuil, 1975
LACAN, Jacques. Outros Escritos. RJ: Jorge Zahar Editor: 2003
LEFORT, Claude. Le travail de l’oeuvre Machiavel. Paris: Gallimard, 1972
McCARTHY, Thomas. La teoría crítica de Jürgen Habermas. Madrid: Tecnos, 1992
MAQUIAVEL. Os Pensadores. O Príncipe. SP: Abril Cultural, 1973
MARX. Os Pensadores. SP: Abril Cultural, 1974 
NIETZSCHE. Os Pensadores. SP: Nova Cultural, 1999
NIETZSCHE. Além do bem e do mal. SP: Hemus, 1981