quarta-feira, 9 de maio de 2018

GRAMÁTICO MARXISTA – GUERRA E CULTURA

José Paulo


Do marxismo estruturalista ao marxismo gramatical

Deve-se a Marx a linguagem da cultura planetária até a década de 1980: sociedade de classes, sociedade capitalista, lutas de classes, Estado burguês.

No século XX, as transformações históricas ecoaram na linguagem da cultura. Então surgiram outros significantes como a sociedade do trabalho e seu Estado de direitos. Mais ainda o Estado providência. As lutas de classes fazem pendant com a conciliação de classes. O capital privado liberal faz pendant como capital monopolista nacional e depois internacional.

As transformações históricas e na linguagem cultural política demandou outras espécies de marxismo. Dois se destacam: o marxismo ocidental de Gramsci e depois das Segunda Guerra Mundial o marxismo estruturalista de Althusser e Lacan.

O marxismo estruturalista tem como matriz gramatical Freud em junção com a antropologia de Lévi-Strauss (Althusser.1976: 14-15). A dialética de Marx é lida a partir das estruturas de pensamento freudianas e estruturalistas. Trata-se da dialética da sobredeterminação que Althusser extraiu da revolução russa interpretada pela teoria do elo mais fraco de Lenin traduzida para o campo freudiano. (Althusser. 1979: 75-102). O estruturalismo foi usado para a feitura de uma teoria da crítica da economia pela escola althusseriana. (Althusser. 1969: 81-171).

Com Althusser, as lutas de classes são substituídas pelas lutas das massas. As classes deixam de ser o Sujeito da história sendo substituídas pelas massas como “sujeito”, entre aspas, pois a dialética althusseriana do processo histórico é sem sujeito e sem fim. (Althusser. 1973: 31; Cruz: 115-118) São as massas que fazem a história, mas é a luta de classes que é o motor da história. (Althusser. 1973: 27). O marxismo estruturalista propõe uma ruptura epistemológica com a filosofia da história hegeliana de Marx ou filosofia do Sujeito.   A escola althusseriana é a revolução cultural parisiense na linguagem do marxismo de Marx, sendo um escândalo no campo do stalinismo.   

O marxismo estruturalista de Lacan vai do Seminário 16 ao Seminário 18. Trata-se de um marxismo que lê Lenin contra Stalin. É uma ruptura com o marxismo-leninismo a partir do marxismo ocidental. No marxismo lacaniano, a luta de classes não faz mais a história, pois,  o próprio conceito de história como transcorrer de fatos (Heidegger: 159) é substituído por um “conceito de realidade” como plurivocidade de discurso: discursos do maître, da histérica, universitário, do analista (Lacan. 1991: 31), do capitalista. (Lacan. 2003: 518-519). Na “história” lacaniana não há fatos, e sim artefatos. (Lacan. 2009: 15).  

No marxismo de Lacan, a estrutura (significante) é real e causa do discurso. (Lacan. 2008: 30-31). E o sujeito é um efeito do discurso ou significante. (Lacan. 2008: 47). Assim, o sujeito luta de classes se torna um efeito da realidade capitalista (Lacan. 2008: 38) como plurivocidade de discurso.   

                                                                         II

Para uma crítica da economia política do signo é o livro, ainda estruturalista, do marxismo quase pós-modernista de Baudrillard. Ele desenvolve uma sociologia transdialética da sociedade de classes a partir do consumo. O livro é de 1972. Sete anos depois, Baudrillard publica seu livro de ruptura com o marxismo estruturalista, em particular, e o marxismo em geral: Da sedução. Em outro ensaio já interpretei este segundo livro como uma ponte erguida na problemática do pós-modernismo que capina o caminho que vai dar no marxismo gramatical ocidental. De 1981, Simulacres et simualtion é o livro que planta os fundamentos de uma filosofia sociológica pós-modernista. É assunto para outros ensaios.  

Para crítica... traz novidades no âmbito da dialética da sociedade de classes, pois a dialética se converte em transdialética sociológica.  Baudrillard diz tudo no início do livro sobre a realidade capitalista. Ele toma o objeto de consumo como signo de prestigio recorrendo a teoria do consumo conspícuo de Thornstein Veblen.

Nosso filósofo chega à conclusão que a realidade capitalista é uma junção de coisas incompatíveis. Trata-se da transdialética do objeto-signo de consumo. A realidade capitalista é a junção do homo faber com o homo otiosus; junção da realidade do trabalho industrial capitalista com o sentido social aristocrático do prestígio, sob o modo do otium e do jogo, com o qual o hedonista do consumo procura reatar. Por outro lado, a sociedade de consumo se submete ao consenso fortíssimo da moral democrática do esforço, do fazer e do mérito. (Baudrillard. 1972: 15).  Trata-se de dois sistemas em contradição (moral aristocrática do otium versus ética puritana do trabalho industrial capitalista) se olhado pela lógica:
“Só a estética industrial ‘funcionalista’, porque ignora as contradições sociais do seu exercício, pode imaginar que reconcilia harmoniosamente a função e a forma”. (Baudrillard. 1972: 15). Estamos um passo à frente da reconciliação dialética, pois, se trata agora da transdialética suplementar dos incompatíveis.

A transdialética suplementar é uma invenção de Rousseau aperfeiçoado por Derrida como gramática suplementar transdialética:
“Quais são as duas possibilidades contraditórias que Rousseau quer salvar simultaneamente? E como as organiza? De um lado ele quer afirmar, atribuindo-lhe um valor positivo, tudo o que tem por princípio a articulação ou com o qual ela compõe sistema (a paixão, a língua, a sociedade, o homem etc.). Mas entende afirmar, simultaneamente, tudo o que é riscado pela articulação (o acento, a vida, a energia, também a paixão etc.). Sendo o suplemento a estrutura articulada destas duas possibilidades, Rousseau só poderia então decompô-lo e dissociá-lo em dois simples, logicamente contraditórios, mas deixando ao negativo e ao positivo uma pureza não-encetada. E contudo, Rousseau preso – como a lógica da identidade – no gráfico da suplementariedade, diz o que ele não quer dizer, descreve o que ele não quer concluir: que o positivo (é) o negativo, a vida (é) a morte, a presença (é) a ausência, e que esta suplementariedade repetitiva não é compreendida em nenhuma dialética, pelo menos se este conceito for comandado – como sempre foi - por um horizonte de presença”. (Derrida: 299).
A transdialética suplementar é aquela da gramática da sociedade em Rousseau que articula a dispersão dos homens e mulheres no estado de natureza fazendo a passagem desta para o estado de sociedade gramatical(Derrida: 307).  

O marxismo gramatical ocidental faz da transdialética suplementar o caminho para a definição da realidade capitalista da atualidade como plurivocidade de gramática em luta em um polígono mistilíneo. A gramática da sociedade se constitui em gramáticos em guerra de posição e guerra de movimento. Assim, se deixa para trás, finalmente, o marxismo estruturalista, pois as massas althusserianas e os discursos lacanianos não fazem guerra de posição ou guerra de movimento. O sujeito é um efeito do significante lacaniano, mas não como progressão da guerra de posição ou guerra de movimento. Na transdialética gramatical, o sujeito é um efeito da guerra de posição e/ou guerra de movimento da plurivocidade do gramático suplementar.
                                                                               III

A ideia do marxismo gramatical nasce com Gramsci:
“A questão que Croce pretende colocar – ‘o que é gramática? – não pode ser solucionada em seu ensaio. A gramática é ‘história’ ou ‘documento histórico’; é a ‘fotografia’ de uma determinada fase de uma linguagem nacional (coletiva), historicamente formada e em contínuo desenvolvimento, ou então os traços fundamentais de uma fotografia. A questão prática pode ser a seguinte: para que serve esta fotografia? Para fazer a história de um aspecto da civilização ou modificar um aspecto da civilização”. (Gramsci. 1968: 168; Gramsci. 1977. V. 3: 2341-2342).

A fotografia não é a gramática como gramático da sociedade? O gramático faz a história de um aspecto da sociedade (civilização) ou muda um aspecto da sociedade. O aspecto é a junção da articulação da hegemonia entre o Real, o Simbólico e o Imaginário (R.S.I). O gramático muda o aspecto através da guerra de posição ou/e guerra de movimento.

A articulação da hegemonia pelo gramático rhetor percipio da gramática normativa da sociedade altera o estado de dispersão gramatical territorial e cultural:
“Poder-se-ia esboçar um quadro da gramática normativa que opera espontaneamente em toda sociedade determinada na medida em que ela tende a unificar-se seja como território, seja como cultura, isto é, na medida em que nela existe uma camada dirigente cuja função seja reconhecida e seguida. O número das ‘gramáticas espontâneas’ ou ‘imanentes’ é incalculável: pode-se dizer, teoricamente, que cada pessoa tem sua própria gramática. Todavia, ao lado desta desagregação de fato, deve-se sublinhar os movimentos unificadores, de maior ou menor amplitude, seja como área territorial, seja como ‘volume linguístico’. As ‘gramáticas normativas’ escritas tendem a abarcar todo um território nacional e todo o ‘volume linguístico’, a fim de criar um conformismo linguístico nacional unitário que, outrossim, coloca num plano mais elevado o ‘individualismo’ expressivo, já que cria um esqueleto mais robusto e homogêneo para   o organismo linguístico nacional, do qual, cada indivíduo é o reflexo e o interprete”. (Gramsci. 1968: 169; Gramsci. 1977. V. 3: 2342-2343)

A gramática normativa persiste no ser da sociedade nacional como conformismo linguístico ou fotografia gramatical de um determinado período histórico. O conformismo gramatical e a fotografia gramatical fazem pendant com o gramático rhetor percipio. No marxismo gramatical de Gramsci, o indivíduo ou sujeito é o efeito (reflexo) e o interprete da sociedade nacional gramatical. Trata-se de uma leitura do sujeito que nulifica o determinismo do significante lacaniano sobre o sujeito. Assim, o sujeito aparece como rhetor percipio gramatical na política em si e na cultura política gramatical.      
Para tornar mais claro a função do gramático rhetor percipio:
“A gramática normativa escrita pressupõe sempre, portanto, uma ‘escolha’, uma orientação cultural, ou seja, é sempre um ato de política cultural-nacional”. (Gramsci. 1968: 170; Gramsci. 1977. V. 3: 2344).

Quem faz a escolha ou orientação cultural e pratica um ato de política cultural-nacional? Creio que isto já está claro. Trata-se do gramático rhetor percipio fazendo guerra de posição e/ou guerra de movimento para estabelecer e conservar a sociedade contra o estado de natureza dispersivo da gramática que pode alcançar a falta de gramática (sgrammaticatura) da política tout court.

                                                                                 IV   

O Brasil possui uma tradição marxista sem gramática marxista. Na universidade se estuda a tradição marxista em estado de dispersão e luta entre autores. Minha formação marxista profissional tem como ponto de partida o estado de dispersão do marxismo brasileiro que não se constitui como uma linguagem da política nacional .

A descoberta e invenção do marxismo gramatical está associado às correntes culturais e científicas que tiveram origem e desenvolvimento em outros países, em outras nações. O contato com tais correntes culturais ocorreu pelo estudo em cursos de graduação e pós-graduação (como o de Carlos Henrique Escobar, linguista Milton José Pinto e Maurício Tractenberg), discussão em grupos de estudos extra-universitários (grupo althusseriano carioca) e a influência familiar do linguista Abílio de Jesus.

Na pós-graduação paulista, aprofundei meus conhecimentos de marxismo brasileiro com Octávio Ianni e Florestan Fernandes. Durante décadas no exercício do magistério, ministrei cursos sobre marxismo de Marx, Engels, Lenin, Althusser, Gramsci. Ministrei cursos regulares sobre marxismo brasileiro. Meus trabalhos de tese do mestrado e doutorado são interpretações marxistas de fenômenos políticos brasileiros. Minha prática ensaística se constituiu, em parte, em estudos do marxismo brasileiro. Assim, me liguei culturalmente ao marxismo brasileiro.

A invenção ou descoberta do marxismo ocidental gramatical: “perde o caráter individual e casual e pode ser julgada nacional quando o indivíduo for estreita e necessariamente ligado a uma organização de cultura que tenha caráter nacional, ou quando a invenção for aprofundada, aplicada, desenvolvida em todas as suas possibilidades pela organização cultural da nação de origem”. (Gramsci. 2000. V. 2: 142-143).

O marxismo brasileiro se constituiu como um pedaço de cultura nacional sem conseguir tecer um gramático como o marxismo ocidental de Gramsci ou o marxismo da escola althusserina. O gramático significa que a gramática marxista se constituiu como uma força prática cultural nos casos de Gramsci e Althusser:
“Seria necessário, de resto, ressaltar o fato de que uma nova descoberta que se conserva como algo ínerte não é um valor: a ‘originalidade’ consiste tanto em ‘descobrir’ quanto em ‘aprofundar’, em ‘desenvolver’ e em ‘socializar’, isto é, em transformar em elemento de civilização universal; mas, precisamente nestes campos, manifesta-se a energia nacional, que é coletiva, que é o conjunto das relações internas de uma nação”. (Gramsci.2000. v. 2: 143).

GUERRA DE MOVIMENTO E GUERRA DE POSIÇÃO NA CULTURA GRAMATICAL

Para uma gramática se constituir em gramático na cultura política nacional, isto se realiza no território das lutas intelectuais na articulação da hegemonia de uma determinada força ou grupo de forças da política. A força política pode chegar a deter o domínio da cultura sem se constituir em um gramático da cultura política nacional. Trata-se da dominação cultural sem articulação da hegemonia.

O Brasil do século XXI viveu o fenômeno supracitado com a dominação política governamental do marxismo do bolivariano petista/lulista. Tal dominação se estendeu do governo petista até instituições culturais como a universidade pública. O marxismo do bolivariano fez uma guerra de posição conquistando cidadelas, casamatas e trincheiras das instituições culturais na estratégia Projeto Hegemonia petista. Tal projeto consistiu em limpar o terreno cultural (através da repressão de outras escolas de marxismo) para a existência única do marxismo do bolivariano. O projeto articulou vários países da América Latina fazendo pendant com o marxismo do bolivariano venezuelano Hugo Chaves. A cidade do Rio se transformou em uma capital do marxismo do bolivariano latino-americano.

De 2003 a 2012, o projeto marxismo gramatical da década de 1990 foi interrompido. Retomado em 2012, ele o fez como crítica do marxismo do bolivariano como força política prática, pois, o marxismo do bolivariano não chegou a se constituir em uma força prática da cultura política nacional ou latino-americana. Em 2012, os ensaios do marxismo gramatical não eram textos acadêmicos e sim textos gramaticais (máquina de guerra gramatical) de luta em uma guerra de movimento contra o marxismo do bolivariano. Os alvos gramaticais escolhidos tinham por objetivo destruir as trincheiras, casamatas e cidadela da dominação do marxismo do bolivariano na cultura política nacional.

O primeiro ataque sério estabeleceu como alvo o sistema judicial brasileiro. Tratava-se de mostrar que o “poder” judiciário funcionava como uma instituição judiciária da sociedade neocolonial do terceiro-mundo. E que os governos petistas nada fizeram para alterar tal situação. Ao contrário, a opinião pública ilustrada e as massas disponíveis para a gramaticalização da modernidade política 2013 esperavam dos governos petistas os primeiros passos na construção do Estado nacional da modernidade brasileira do século XXI. 

Outro ataque sério foi realizado contra o uso do marxismo pelo Partido dos Trabalhadores. Um terceiro ataque foi dirigido, em forma de análise concreta de situação concreta, contra a dominação do bolivariano na política nacional. A partir de 2014, a guerra de movimento do marxismo gramatical consiste em mostrar o caráter cada vez mais autoritário do governo Dilma Roussef como efeito/reação às lutas das massas da modernidade política nacional 2013.

A guerra de movimento gramatical contra o bolivariano pavimentou o caminho para o nascimento do campo de saber formal gramatologia marxista ocidental. Tal campo faz da cidade do Rio o polo mundial do marxismo gramatical. Trata-se do novo marxismo navegando no mar povoado por ilhas (trotskismo brasileiro) e continentes (China) do velho marxismo maoista.  

O combate ao marxismo do bolivariano é uma luta contra o lorianismo como forma ideológica que leva a dispersão da cultura em si e à cultura política pública nacional:
"Sobre alguns aspectos deteriorados e bizarros da mentalidade de um grupo de intelectuais italianos e, portanto, da cultura nacional (falta de organicidade, ausência de espírito crítico sistemático, negligência no desenvolvimento da atividade científica, ausência de centralização cultural, frouxidão e indulgência ética no campo da atividade científica-cultural, etc., não adequadamente combatidas e rigorosamente condenadas: irresponsabilidade, portanto, em face da formação da cultura nacional), aspectos que podem ser descritos sob o título geral de ‘lorianismo’. “. (Gramsci. 2000. v. 2: 257).
O
 marxismo do bolivariano se constitui como uma dominação ideológica do lorianismo petista na cultura. Tal fenômeno ideológico loriano quase destruiu as nossas ciências humanas. Este parece ser o caso da historiografia que lê a história como um confronto Europa versus África. A historiografia loriana petista aprovou um currículo escolar federal africano, pois com subtração da história e da cultura europeia substituída pela história da África.

Trata-se de um programa de estudos historiográficos para a escola pública da sociedade capitalista neocolonial do terceiro-mundo. O programa historiográfico africano é, em parte, um efeito da guerra de posição (no domínio da cultura) da aliança do governo federal com o multiculturalismo dos mass media. É como se o lorianismo do bolivariano causasse a dispersão das gerações (Derrida: 308-309) intelectuais da cultura política nacional, pois, esta como articulação hegemonikón é um fenômeno com linha de força gramatical europeu.

Após o fim do bolivariano na política, a retomada da linha de força gramatical europeia nas ciências humanas procura se pautar em velhos marxismos de face nova como o da sociologia londrina. A gramatologia marxista é o único polo mundial novo do marxismo. Ela criou uma nova linguagem marxista com novas estruturas de pensamento e novos campos de saber como: gramatologia marxista psicanalítica; gramatologia do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo; gramatologia marxista dos mass media, gramatologia marxista da mulher; gramatologia marxista da política; gramatologia marxista da cultura tout court.

A transformação da gramatologia marxista em um gramático rhetor percipio é contida pelo lorianismo da cultura universitária em aliança com o lorianismo natural dos mass media que explica uma boa parte a solução da crise do capitalismo dependente e associado ser o capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. O multiculturalismo loriano do bolivariano antecipou no espírito brasileiro a catastrófica articulação entre nós da sociedade neocolonial do terceiro-mundo.
                                                                          VI

Há resistência a realidade brasileira ser engolfada inteiramente pela sociedade do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. Basta olhar para a guerra de movimento da Lava-Jato persistente no sistema judiciário. Observar a guerra de movimento entre a fração ilustrada e o bando oligárquico no STF (Supremo Tribunal Federal). Acompanhar os efeitos da guerra de movimento judicial nos mass media do Sudeste.

Vivemos um estágio da cultura política nacional no qual a guerra de movimento tem que se tornar guerra de posição na construção do novo Estado nacional da modernidade política da terceira década do século XXI:
“Ocorre na arte política o que ocorre na arte militar: a guerra de movimento torna-se cada vez mais guerra de posição; e pode-se dizer que um Estado vence uma guerra quando a prepara de modo minucioso e técnico no tempo de paz. A estrutura maciça das democracias modernas, seja como organizações estatais, seja como conjunto de associações na vida civil, constitui para a arte política algo similar às ‘trincheiras’ e às fortificações permanentes da frente de combate na guerra de posição: faz com que seja apenas ‘parcial’ o elemento do movimento que antes constituía ‘toda’ a guerra, etc. ”. (Gramsci. 2014. v. 3: 24).

O gramático da sociedade do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo está dando os primeiros passos na transformação de sua guerra de movimento em guerra de posição. Então relativamente, nos encontramos em um tempo de paz na política. A realidade brasileira se encaminha para se tornar uma plurivocidade de gramático sob comando do gramático neocolonial. Ainda não chegamos neste ponto. Ainda há tempo para começar a transformação da guerra de movimento em guerra de posição em prol de um capitalismo do segundo-mundo articulando a realidade brasileira. O bolivariano iludiu o país com o mito lulista de que o Brasil estava fazendo a passagem para o primeiro-mundo capitalista, quando a realidade nacional se dispersava e acolhia a catástrofe capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.

                                                                                  VII

O livro De Thomas Piketty tem como objeto tático as desigualdades no século XXIO capital no século XXI usa a literatura como testemunho da situação da desigualdade na estrutura da renda e da riqueza. Publicado em 1935, O pai Gariot, de Balzac, traz uma radiografia da questão da desigualdade no século XIX das sociedades patrimoniais que teriam seu fim na I Guerra Mundial.

O discurso do personagem Vautrin ao personagem principal Rastignac é o resumo da ópera da desigualdade:
“O Mais assustador no discurso de Vautrin é a exatidão das cifras e do contexto social que ele desvela. Como veremos mais à frente, levando em conta a estrutura da renda e da riqueza em vigor na França do século XIX, os níveis de vida que se podia alcançar chegando ao topo da hierarquia dos patrimônios herdados eram bem mais elevados do que os correspondentes aos topos da hierarquia das rendas do trabalho. Sob tais condições, para que trabalhar e se comportar de modo ético e moral? Afinal, se a desigualdade social é sempre imoral, injustificada, por que não testar o limite da imoralidade e se apropriar do capital por qualquer meio disponível? ”. (Piketty: 236).

O uso da literatura serve para estabelecer a relação entre desigualdade social e moral de uma época. Se as carreiras privada ou pública significam viver em estado de penúria em uma sociedade rica, a corrupção se apresenta como solução para se transpor, driblar, a gramática da desigualdade social.

A desigualdade social explicaria a era de corrupção da esquerda do marxismo bolivariano no século XXI brasileiro? No entanto, graças à corrupção da elite do poder combatida pelo judiciário, a carreira de advogado criminal se diferencia da carreira de advogado do discurso de Vautrin:
"Mesmo que faça carreira jurídica das mais brilhantes, o que exigirá muitas concessões, ele terá de se  contentar com rendas medíocres e precisará renunciar à esperança de se tornar verdadeiramente rico”. (Piketty: 235).           

O advogado criminal que defende os corruptos da elite do poder pública e privada chega à sociedade dos ricos no Brasil do século XXI graças a gramática da sociedade que é uma junção de desigualdade da renda e da riqueza com corrupção público e privada.

Piketty diz que a gramática da sociedade do capitalismo do século XXI nas sociedades desenvolvidas em geral é aquela da desigualdade oculta aos olhos da classe média simbólica por uma ideologia de ascensão social via o trabalho/carreiras que foi real após a I Guerra Mundial. 

Trata-se de uma fantasia do passado sustentada pelo jornalismo dos mass media:
“Durante as décadas do pós-guerra , a herança se reduziu a quase nada em comparação com o passado, e pela primeira vez na história do trabalho  os estudos se tornaram o caminho mais seguro para e alcançar o topo da distribuição de renda”. (Piketty: 237).      

A situação do século XXI é uma ruptura com a época de ouro supracitada para a classe média do trabalho simbólico:
“Neste início do século XXI, ainda que todo tipo de desigualdade tenha ressurgido e que inúmeras certezas em matéria de progresso social e democrático tenham sido abaladas, a impressão difundida e dominante continua a ser que o mundo sofreu mudanças radicais desde o discurso de Vautrin. Quem aconselharia, hoje, um jovem estudante de direito a abandonar seus estudos e seguir a mesma estratégia de ascensão social sugerida pelo ex-prisioneiro? Decerto, é possível que existam casos relativamente raros em que botar a mão numa herança seja a melhor estratégia. Contudo, não seria mais rentável, e não somente mais ético, contar com os estudos, o trabalho e o sucesso profissional na imensa maioria dos casos? ”. (Piketty: 237).

O problema da desigualdade social em tela diz que a situação das sociedades dos países desenvolvidos do primeiro-mundo é objeto da guerra de posição do gramático do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo?

Como fundamento da gramática capitalista neocolonial do terceiro-mundo, a desigualdade social é o signo da guerra de posição que faz do capitalismo supracitado a forma gramatical do capitalismo mundial.
                                                           VIII

A desigualdade social faz pendant com o modo de produção precário da sociedade do trabalho, com o modo de produção flexível do capitalismo desenvolvido; faz pendant com a substituição no horizonte do trabalho assalariado pelo trabalho voluntário, a substituição da burocracia empresarial pela organização da sociedade pós-capitalista. O discurso de Weber é o paradigma de que o capitalismo se define pela existência da burocracia privada fazendo pendant com a burocracia pública. Esta tem como modelo o aparelho empresarial. (Weber: 1074).

A gramática da sociedade neocolonial significa o fim das carreiras publicas substituídas pelo trabalho voluntário. Significa a diminuição do trabalho assalariado na organização da empresa dominada pela organização da sociedade pós-capitalista com sua terceirização. (Drucker: 63-65). Significa que a sociedade do trabalho assalariado será colocada no canto da sociedade do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.       

 A gramática do capitalismo neocolonial do terceiro mundo faz pendant com uma superestrutura política que subtrai da história a era dos direitos. (Bobbio: 49-65). O gramático neocolonial faz atualmente uma guerra de movimento para destruir o Estado de direitos e a gramática do biopoder (Foucault: v. 3: 274) fazendo pendant com o Estado Providência. (Ewald: 524-564).      

A economia política da sociedade neocolonial vai do anarco-capitalismo (Deleuze: 578) ao autoritarismo liberal. A junção de liberalismo e autoritarismo em um mesmo fenômeno é a junção de coisas incompatíveis possíveis de permanecerem em uma unidade graças a transdialética suplementar da gramática da guerra de posição.

A gramática da transdialética suplementar neocolonial do terceiro-mundo junta o Estado Constitucional com o Kriminostat (Virilio: 54-55), o capitalismo legal com o capitalismo criminoso (Platt: 19-44). A guerra de posição neocolonial tem como estratégia transformar o Estado legal em aparência de semblância do Estado realmente existente: o kriminostat.

 A gramática da guerra de posição do capitalismo neocolonial se desenvolve assim:
1)    Formação do exército urbano de reserva dos miseráveis disponível para a política autoritária/despótica da sociedade neocolonial.
2)    Desenvolvimento da transdialética sociedade dos ricos e sociedade dos miseráveis. Guerra de movimento do lumpesinato dos de baixo nas grandes cidades se estendendo como guerra de posição para as cidades médias e pequenas. Transformação da elite de poder em uma sociedade mafiosa dos de cima.

Os mass media do Brasil se constituem em uma tela eletrônica que apresenta, diariamente, o desenvolvimento da sociedade do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. O jovem jornalista crê que ele está denunciando o estado de natureza brasileiro. Ele põe o Estado brasileiro nacional como causa do surgimento e evolução da sociedade neocolonial. De fato, o jovem jornalista já é um sujeito como efeito da guerra de movimento do gramático da sociedade neocolonial do capitalismo do terceiro-mundo.

Gramsci resumiu a gramática dessa espécie de jornalismo em um parágrafo luminar:
“O tipo de jornalismo considerado nestas notas é o que poderia ser chamado de ‘integral’ (no sentido que, no curso das próprias notas, ficará cada vez mais claro), isto é, o jornalismo que não somente pretende satisfazer todas as necessidades (de uma certa categoria) de seu público, mas pretende também criar e desenvolver estas necessidades e, consequentemente, em certo sentido, gerar seu público e ampliar progressivamente sua área. Se se examinam todas as formas existentes de jornalismo e de atividade publicístico-editorial em geral, vê-se que cada uma delas pressupõe outras forças a integrar ou às quais coordena-se ‘mecanicamente’ ”. (Gramsci. 2000, v. 2: 197).


ALTHUSSER, Louis. Positions. Freud e Lacan. Paris: Editions Sociales, 1976
------------------------- Para leer el capital. México: Siglo XXI, 1969
-------------------------  A favor de Marx. Pour Marx. RJ: Zahar Editores, 1979
-------------------------  Réponse a John Lewis. Paris: Maspero, 1973
BAUDRILLARD, Jean. Para uma crítica da economia política do signo. Lisboa: Edições 70, 1981
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. RJ: Editora Campos, 1992
CRUZ, Manuel. La crises del stalinismo: el “caso Althusser”. Barcelona: Ediciones Peninsula. 1977
DELEUZE & GUATTARI, Gilles e Felix. Mille Plateuax. V. 2. Paris: Minuit, 1980 
DERRIDA, Jacques. Gramatologia. SP: Perspectiva, 1973
DRUCKER, Peter. Sociedade pós-capitalista. SP: Pioneira, 1996
EWALD, François. L’Etat providence. Paris: Grasset, 1986
FOUCAULT, Michel. Dits e Écrits. v. 3. Paris: Éditions Gallimard, 1994
GRAMSCI, Antonio. Literatura e vida nacional. RJ: Civilização Brasileira, 1968
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------------------------  Cadernos do cárcere. v. 3. RJ: Civilização Brasileira, 2014
       HEIDEGGER, Martin.  ¿Que significa pensar? Buenos Aires: Nova, 1972
       LACAN, Jacques. Le Seminaire. Livre 17. L’envers de la psychanalyse. Paris: Seuil, 1991
        ---------------------  Outros Escritos. RJ: Jorge Zahar Editor, 2003
        ---------------------  O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008
                                       O Seminário. Livro 18. De um discurso que não fosse semblante. RJ: Zahar,                                 
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PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. RJ: Intrínseca, 2014
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017
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