segunda-feira, 8 de junho de 2020

BRASIL – transição inacabada para a democracia


José Paulo



A política em 2020 põe e repõe um problema que não quer calar. Falo da <transição inacabada para a democracia>.
Estabelecer o problema, nomear toda a dramaticidade da política na terceira década do século XXI requer recorrer à história como método de interpretação da política em junção com a cultura econômica.  
A crise fabricada da democracia encontra seu intérprete na antropologia política. Esta eleva o Exército ao papel de partido político, que quer, novamente, governar o Brasil. O Exército é apresentado como o sujeito antropológico que deseja fundar um novo Estado militar.
Na antropologia em tela, Bolsonaro aparece como um instrumento político (de uma estratégia militar do caos) do planejamento militar visando adquirir legitimidade para mais uma intervenção militar na política.
Entre o homem (Jair) e a instituição (Exército), a política antropológica faz do homem um efeito institucional. Aí, temos uma versão institucional da história política. Entre nós, a interpretação institucionalista da política é quase como uma percepção natural da vida nacional.
O militarismo republicano é um fenômeno da história da América Latina, como diz Hegel no seu magnífico livro  “Filosofia da história”:
“Vemos a prosperidade da América do Norte, graças ao desenvolvimento da indústria e da população, à ordem civil e a uma firme liberdade; toda a confederação constitui apenas um Estado e tem os seus centros políticos. Ao contrário, na América do Sul, as repúblicas repousam somente no poder militar, toda a sua história é uma revolução constante: estados confederados separam-se; outros, que estavam separados, unem-se de novo, e todas essas mudanças são operadas por revoluções militares”. (Hegel: 76). 
 O desenvolvimento do poder civil e da sociedade civil fazendo pendant com o capitalismo industrial define os Estados Unidos em um contraponto com o desenvolvimento do poder militar hegemônico na América do Sul.
 No final do século XIX, o Brasil monárquico se latino-americanizou no sentido de Hegel. Uma escola de militarismo derrubou a monarquia e instalou uma república na qual o militarismo político viverá como tradição republicana, até a terceira década do século XXI. Trata-se de uma rica, deslumbrante, aventureira, história de revoluções militares e intervenção militar na política nacional e nos regimes democráticos.
Diante da confusão gerada no campo da representação pelo governo Bolsonaro, uma interpretação da nossa história se faz urgente, pois, a filosofia paulista, por ingenuidade ou interesses obscuros, quer reduzir a política ao agir sentimental de um só homem: Bolsonaro.
Contra a mistificação e o fetichismo da política atual, a política deve ser interpretada pela ação e condensação do passado no presente e do agir presente sobre o futuro.   
                                                                2
A condensação e o agir do passado no presente é exatamente a transição inacabada do regime autoritário para o regime democrático 1988.  O corte no fluxo político 1988 tem como fato a história econômica globalizada. Este fluxo exige uma nova interpretação da política gramaticalizada pela Constituição 1988. A gramática da Constituição em tela não definiu virtualmente a política determinada pelo capitalismo globalizado corporativo cibernético comunicacional.
Na década de 1990, Octavio Ianni pontificou sobre o corte do fluxo supracitado:
“No conjunto, no entanto, se tomarmos em conta a globalização do capitalismo e a nova divisão transnacional do trabalho, tanto ocorrem intercâmbios e acomodações como se revelam excedentes mais ou menos notáveis de força de trabalho. Na época da globalização do capitalismo, decisivamente dinamizada pela microeletrônica, automação, robótica, telecomunicações, informática e outras tecnologias eletrônicas, tem ocorrido uma intensa e generalizada tecnificação do processo de trabalho e superpopulação absoluta, e não apenas relativa”. (Ianni: 1980.
Se na década de 1990 a sociedade brasileira já estava ao par do corte do fluxo no regime político 1988, então, por que o mundo intelectual não tomou consciência dessa faceta da nossa história?
O capitalismo corporativo industrial mundial (CCIM) é o corte no fluxo da história econômica mundial. (Bandeira da Silveira. 2002: 135). O capitalismo corporativo industrial cibernético da comunicação é a vanguarda do CCIM. O Príncipe cibernético substituirá o Príncipe eletrônico (Ianni) como corte no fluxo da política hegemônica brasileira, nos dias de hoje.
O Príncipe cibernético é um fenômeno da sociedade civil corporativa industrial da comunicação em junção com a velha sociedade política. Trata-se da história econômica do capitalismo determinando, em última análise, a política nacional.
É preciso pensar uma transição para a democracia a partir dos cortes de fluxo supracitados. Trata-se da produção da contemporaneidade tout court. Todavia, o presente é, também, condensação do passado.
Jair Bolsonaro e família são condensação do passado em 2020? O clã de Bolsonaro pilota o Príncipe cibernético nacional, com já mostrei em outros textos. Portanto, este é o ponto de partida para se pensar a encruzilhada política de hoje.
A biografia de Bolsonaro (e de seus filhos) é material iluminador da história política da terceira década do século atual?
Bolsonaro é uma sintetização da escola de revolução militar com décadas de política no baixo clero da oligarquia parlamentar. Ele tem uma parte de sua biografia ligada aos porões da economia da milícia carioca. Aí, entram seus filhos nessa história local. Ao menos o filho Flavio tem ligações orgânicas com a economia da milícia. E seu filho Carlos é um vereador eleito, talvez, pela comunidade miliciana. Junto com Carlos, o filho Eduardo é apresentado como envolvido com o <gabinete de guerra cibernético> do Palácio da Alvorada (<gabinete do ódio>).
A política atual é uma sintetização de revolucionarismo militar do republicanismo autoritário, com política do baixo clero (Centrão hegemônico no parlamento bolsonarista), mais método político miliciano/mafioso; tudo isso sob comando do Príncipe cibernético infame em luta contra o Príncipe eletrônico representado pela TV Globo.
Bolsonaro usa a tática do caos nosso de cada dia para aturdir inimigos e a sociedade brasileira. Porém, há razão na nossa história da década de 2020 apesar das loucuras de governo.
                                                                3
O revolucionarismo militar é uma tradição política do nosso republicanismo. Os dois primeiros governos republicanos se parecem com uma ditadura militarista. Depois, a República Velha foi um cenário político do Tenentismo (movimento político rebelde da oficialidade do Exército) - que corroeu o regime democrático limitado.
 O Tenentismo esteve presente na Revolução 1930 e na ditadura de Getúlio. Ele militarizou PCB e foi uma força da rebelião comunista 1935. Ele também impulsionou e legitimou o fascismo de generais associados ao Getúlio no Estado Novo. Um desses generais de Getúlio se tornou o primeiro presidente da democracia populista derrubada por militares em 1964. 
Durante mais de 20 anos, os generais governaram o Brasil. Um corte no fluxo do militarismo republicano está associado à história do regime econômico industrial corporativo, que começa com Getúlio em 1950.
A ditadura militar foi o instrumento político de um modelo econômico sob hegemonia do capitalismo industrial corporativo das multinacionais ou transnacionais, na narrativa de Celso Furtado. A Constituição 1988 é a gramática da era da hegemonia em colapso do modelo econômico supracitado. A Constituição não teve como romper com todo o entulho autoritário virtual da política determinada pela história econômica da hegemonia corporativa industrial das multinacionais.
O Artigo 142 é um significante jurídico do pensamento republicano autoritário (o presidente no comando da vida política de uma certa ordem presidencialista absolutista). Ele foi escrito pelo constituinte FHC em conversação com o general-ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves. Um certo consenso republicano autoritário mostra o limite da transição para a democracia inscrita na gramática da Constituição 1988.
O governo Sarney gerou uma atmosfera política de tutela militar dos constituintes. Sarney aparece, então, como o campeão de um republicanismo autoritário oligárquico. Trata-se de um governo que pôs a república contra a democracia. 
   O Artigo 142 define a forma de transição inacabada para a democracia
Artigo 142. As Forças Armadas constituídas pela Marinha, Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República; e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Qualquer criança de 10 anos lê que as Forças Armadas têm o direito de desfechar um golpe de Estado presidencialista, como quer Bolsonaro.
A facção de constituinte da tradição do republicanismo autoritário inscreveu na gramática da Constituição 1988 o autoritarismo como método de golpe de Estado presidencialista contra a Democracia 1988. Assim, temos uma transição para a democracia inacabada. Bolsonaro e um jurista menor levantaram a lebre em tela.  
Bolsonaro evoca o artigo 142 para transformar a forma de governo. Trata-se de substituir o presidencialismo de coalizão presidente/parlamento por uma forma de governo presidencialismo militar/policial. Tal estratégia está falindo o contexto da política nacional atual.
Se olharmos a política como governo dos campos de poderes/saberes. Após a Segunda Guerra Mundial, a política tomou um rumo e sentido com o governo do campo de poderes populista-democrático. Este campo acumulava e desenvolvia contradições econômicas que o destrói. A hegemonia econômica era disputada por um capitalismo social desenvolvimentista e um capitalismo corporativo das multinacionais.
O campo de poderes que substitui o campo populista é o governo autoritário do capitalismo corporativo multinacional em aliança com um capitalismo burocrático de Estado, tendo como instrumento político a ditadura militar.
 A substituição da ditadura pelo regime democrático 1988 se deve à crise econômica estrutural do campo corporativista multinacional autoritário. Na transição da ditadura para a democracia, a política nacional vive como se possuísse uma autonomia absoluta em relação à história econômica em colapso, cujo signo maior é a desindustrialização corporativa.  
Os governos de FHC se caracterizam por tentar produzir um campo de poderes adaptado à história econômica em atraso em relação ao desenvolvimento do capitalismo corporativo globalizado cibernético. FHC vive a ilusão de criar um campo de poderes xifópago com alternância de poder entre PSDB e PT.
Lula no poder político significa a vontade política de criar um campo de poderes/saberes da esquerda. A sociedade corporativa industrial multinacional em colapso retira o terreno material do projeto lulista/petista.
Com o colapso do campo da esquerda, ergue-se um campo da direita no poder político sob a hegemonia da extrema-direita neoliberal com laivos fascistóides. O projeto desse campo é mergulhar o Brasil em um a história econômica do subdesenvolvimento neoliberal.   
A substituição do governo do campo da esquerda por um governo do campo da direita do subdesenvolvimento neoliberal entra em crise agônica com a pandemia da covid-19.
O campo da direita no poder político queria fazer do Brasil um polo de acumulação capitalista do capitalismo corporativo industrial cibernético da comunicação. Dessa história econômica surge o Príncipe cibernético infame pilotado pela família de Bolsonaro. A covid-19 pôs em colapso o governo desse Príncipe cibernético.
A política da família de Bolsonaro aparece como destruição do governo do campo da direita em si. Daí, o <bolsonarismo sem Bolsonaro> aparecer como uma ideia brilhante para salvar o campo da direita no poder político.
Derrubar Jair e o substituir pelo general Mourão é a estratégia de salvação do campo da direita. Em uma aliança com os intelectuais paulistas, a TV Globo se reúne em torno do Príncipe eletrônico como salvadores da pátria do campo da direita.
Usar o campo da direita como trampolim para o retrógado exercício do poder político pelo Príncipe eletrônico, eis uma ideia extemporânea que reúne em um mesmo barco FHC (PSDB), Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) em um antagonismo crescente com o PT lulista.   
A sociedade capitalista corporativa industrial da comunicação é um corte no fluxo histórico da política brasileira como ponto de não-retorno. A política do atraso da coalizão paulista mais TV Globo se define, também, por não pensar um modelo econômico utópico pós-pandemia. Evocar a política desenvolvimentista do capitalismo burocrático, eis o atraso como solução para a salvação do campo da direita.
Há projetos no parlamento para tosar a hegemonia da sociedade corporativa industrial de comunicação, se espelhando na luta de Donald Trump com a hegemonia do Príncipe industrial cibernético. Trata-se de ideias e lutas de uma política do atraso.
A pandemia da covid-19 desenvolve a hegemonia do Príncipe cibernético da comunicação no Ocidente e Oriente. Um fenômeno associado à hegemonia em tela é o Estado-cientista cibernético, natural, cuja forma acabada encontra-se na China.         
 O Príncipe cibernético com Estado-cientista se constitui como a força prática do desenvolvimento das forças produtivas capitalistas na terceira década desse século.
O governo do campo de poderes/saberes da política nacional dos grandes países ou é um governo do campo de poderes cibernético industrial da comunicação ou é o governo do atraso, como esse governo do Príncipe eletrônico que levanta em uma coalizão reacionária sob comando do general Mourão.
Somente o atraso intelectual da nossa formação cultural impede que surja uma força política prática que crie uma alternativa ao campo da direita em colapso.
Na vanguarda do atraso, FHC e Ciro Gomes se deixam levar pela estratégia do Grupo Globo em um confronto agônico com Bolsonaro. Convencer o parlamento e o poder judiciário aparece como uma tarefa muito difícil para a política extemporânea do atraso.
O general Mourão não é Michel Temer. Ele é o vice de Tancredo, o Sarney. Com a morte de Tancredo, antes de assumir a presidência da República, um pequeno grupo de políticos com o general Leônidas decidiu, ilegalmente, que Sarney se apossaria da presidência.  A ordem legal foi mandada para as calendas gregas, pois, o que cabia era convocar uma eleição direta presidencial, sob comando do governo transitório de Ulisses Guimarães.  
 A situação supracitada se repete. Agora, Mourão é Sarney com a morte simbólica de Jair decretada pelo Príncipe eletrônico. Não obstante, as cúpulas dos poderes da república são refratárias a embarcar na aventura do governo do Príncipe eletrônico pilotado pelo general Mourão, até o próximo carnaval chegar. É um Deus nos acuda!
A crise do governo do campo da direita mostra bem a nossa elite perdida na beira do caminho. Daqui há alguns meses, o Brasil vai quebrar como história econômica e como política nacional.  
Com o passar dos dias, o desespero da nossa elite se tornará um espetáculo deprimente e aterrador na sociedade industrial corporativa da comunicação.
Então, Inês é morta!

Bandeira da Silveira, José Paulo. Capitalismo corporativo mundial. RJ: Papel & Virtual, 2002
Hegel. Filosofia da história. Brasília: UNB, 1995
IANNI, Octavio. A era do globalismo. RJ: Civilização Brasileira, 1996       
    
  
   
          







domingo, 31 de maio de 2020

GRAMÁTICAS DO BRASIL CONTEMPORÂNEO


José Paulo


No ponto-de-partida teórico dessa nova leitura da história do Brasil contemporâneo encontramos a ideia de <gramática>, de Gramsci:
“Poder-se-ia esboçar um quadro da <gramática normativa> que opera espontaneamente em toda sociedade determinada na medida em que ela tende a unificar-se seja como território, seja como cultura. Ou seja, na medida em que nela existe uma camada dirigente cuja função seja reconhecida e seguida. O número das <gramáticas espontâneas> ou ‘imanentes’ é incalculável; pode-se dizer, teoricamente que cada pessoa tem sua própria gramática. Não obstante, ao lado desta desagregação de fato, deve-se sublinhar os movimentos unificadores, de maior ou menor amplitude, seja como área territorial, seja como ‘volume linguístico’. As ‘gramáticas normativas’ escritas tendem a abarcar todo um território nacional e todo o ‘volume linguístico’, a fim de criar um conformismo linguístico nacional unitário que, outrossim, coloca num plano mais elevado o ‘individualismo’ expressivo, já que cria um esqueleto mais robusto e homogêneo para o organismo linguístico nacional, do qual cada indivíduo é o reflexo e o intérprete. (Gramsci: v. 3: 2343).  
A história é uma plurivocidade de gramática, que dá a ela, história, uma aparência anarcogramatical. Ao contrário, a gramática hegemônica é o laço social contrário ao anarcogramaticalismo desagregador do significante sociedade nacional.   
A hegemonia gramatical faz pendant com uma classe dirigente que surge nos momentos de transformação da história nacional associada à história internacional. Identificar o ponto de não retorno da gramática hegemônica é o método mais seguro no estudo da história nacional.
O ponto-de-partida histórico da gramática do Brasil contemporâneo é a revolução econômica da corporação capitalista multinacional?
Na política, a Constituição 1988 é o ponto-de-partida da nossa contemporaneidade gramatical de uma ordem corporativa?
                                                                  2
Para falar da gramática constitucional é preciso dizer que ela é um plurivocidade de gramática. Assim, as gramáticas necessitam do STF para interpretar as frases e orações constitucionais, atualizando-as. 
Para atualizar a gramática constitucional 1988, falo do Artigo 142 objeto de uma luta gramatical entre o STF e o presidente da República, Jair Bolsonaro. Este usa a leitura do jurista Ives Gandra de que as Forças Armadas podem agir, constitucionalmente, como o velho <poder moderador> monárquico.   
Artigo 142. As Forças Armadas constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
A oração fala da garantia dos poderes constitucionais. Na realidade empírica natural, garantia pode ser atribuição do Estado de polícia. Os constituintes fizeram um texto conservador de viés autoritário ao militarizar a garantia do funcionamento dos poderes republicanos.  Trata-se de uma excrecência da gramática da ditadura militar na Constituição democrática 1988.  Na própria Constituição não acontece uma ruptura clara, evidente e devastadora com a ditadura militar.  
Por iniciativa de qualquer dos poderes republicanos, as F.A. podem funcionar como <poder moderador> na garantia da lei e da ordem. Na atual conjuntura política, Bolsonaro quer usar o Artigo 42 no seu discurso <transição ao regime autoritário> por via pacífica.  Como os juristas dizem, Bolsonaro quer constitucionalizar a ruptura autoritária na democracia 1988. 
Bolsonaro usa a leitura jurídica do artigo 42 para desenvolver a sua gramática política pessoal. Como diz Gramsci, a realidade é feita de uma plurivocidade de gramática, incluindo as gramáticas dos indivíduos.
A ambiguidade gramatical do Artigo 42 encontra-se no palco principal do conflito aberto entre Bolsonaro e o STF e o mundo jurídico da sociedade civil. Como há ambiguidade, cabe ao pleno da Corte interpretar a Constituição e pôr um fim na ambiguidade. Se Bolsonaro usar ao artigo 142 para um agir político, envolvendo a cúpula das F. A. como poder moderador, ele faz das F.A. um poder aconstitucional. Ele põe estas forças republicanas na ilegalidade gramatical constitucional.
                                                                        3   
Escrever sobre a gramática do Brasil não é uma tarefa fácil, se se é leigo no estudo teórico e empírico das gramáticas. A essa minha leitura do Brasil se realiza após várias interpretações, minhas, da história do Brasil moderno. 
A revolução econômica da corporação capitalista multinacional é o signo da gramática econômica do Brasil da contemporaneidade.  Trata-se de um novo começo de leitura do Brasil.
No livro “Subdesenvolvimento hoje”, estabeleci um princípio de funcionamento da gramática da história:
“Fatos estão fora da interpretação da realidade histórica. A realidade não é feita de fatos, e sim de artefatos. Há que dizer um fato para que ele exista como artefato. (Lacan. S. 18:15). A gramática da história trabalha com a realidade definida como conjunto de artefatos”. (Bandeira da Silveira. 2019b: 257).
Leitura de uma determinada camada de significações do Brasil da contemporaneidade pode ser dita, assim:
“Uma república rural, oligárquica, capitalista foi hegemônica até o surgimento da república urbana, industrial paulista do capitalismo subdesenvolvido industrializado. A Constituição 1988 é a gramática da burguesia industrial, urbana, paulista. A gramática econômica da burguesia rural, industrial de hoje está destruindo a Constituição 1988. Hoje, temos um Congresso que é um efeito da gramática econômica da burguesia rural, industrial, amazônica, que avança sem controles do Estado-cientista sobre a Amazônia”. (Bandeira da Silveira. 2019: 263).
Esta leitura da gramática do Brasil contemporânea é incompleta. Outros artefatos precisam ser acrescentados por uma nova leitura:
“Os campos de poderes/saberes (econômico, político, cultural) constituem os artefatos por onde começar a interpretação da história. Os sujeitos individuais e institucionais existindo no campo de poderes/saberes são os artefatos que atualizam a gramática da história, gramática que articula as formações sociais”.  (Bandeira da Silveira. 2019b: 257-258).
O campo de poderes/saberes da contemporaneidade tem como artefatos, além dos já mencionados, a corporação capitalista multinacional, o capitalismo burocrático de Estado, a corporação científica dos cientistas e instituições de ciência e a universidade estatal nacional ou local, corporativas. Corporações de juízes e militares se integram à ordem corporativista das multinacionais constitucionalizadas pela Constituição 1988. O mundo do trabalho das corporações multinacionais foi a base econômica de governos de esquerda que entram em colapso com a crise do modelo corporativo capitalista das multinacionais, cujo signo é a desindustrialização urbana do país.
Um artefato do modelo da contemporaneidade é o capital corporativo da sociedade de comunicação cibernética. Trata-se de uma ruptura com o modelo multinacional que tem no Príncipe eletrônico seu grande fenômeno de cultura política nacional.
                                                             4   
A nacionalização do Príncipe cibernético se faz na junção da economia com a política. Falo dessa realidade.
A pré-condição para a existência do Príncipe cibernético infame é o país ser parte da acumulação ampliada mundial de capital do departamento 4, departamento do capitalismo corporativo cibernético da sociedade de comunicação. É o caso do Brasil.
O Príncipe infame é a capacidade para produzir o mal na política. A insídia e a intriga são parte da narrativa digital na política infame O Príncipe é <amari aliquid>, sinistro, impiedoso, virulento, imoral no mundo cibernético.
Em 2019, surgiu o Príncipe cibernético amari aliquid no Brasil. Trata-se do discurso político <transição ao regime autoritário>. A família de Bolsonaro pilota o Príncipe infame.
As notícias falsas (Fake News) são a parte substancial da gramática cibernética do nosso Príncipe. As Fake News bolsonaristas foram usadas para eleger Bolsonaro presidente da República. A oposição oficial acreditava que era só um fenômeno eleitoral. E não é! Trata-se de um fenômeno político cibernético tout court.
O Príncipe infame virou o “gabinete do ódio” digital no Palácio da Alvorada. As manifestações de rua da massa bolsonarista aparecem com uma espécie de simulacro de simulação de populismo de direita do Príncipe. Ele passou a descarregar todas as suas baterias no STF. O Príncipe é uma máquina de guerra política cibernética cujo objetivo é aterrorizar as altas cúpulas do aparelho de Estado e da sociedade civil, como o jornalista W. Bonner e o apresentador conservador da televisão Datena, por exemplo.
A presença do Príncipe infame cria e recria a atmosfera pestilenta de que o país vive uma crise política natural. De fato, o país vive uma crise política cibernética. Nesta crise, a luta entre os ramos do aparelho (de Estado e dentro do aparelho de Estado) significa que a governabilidade existe como governo em colapso. Há uma suspensão do governo como direção intelectual, moral e política da nação.
O Brasil vive uma época de prodigalidade infame na política. Bolsonaro ombreia com Trump na ocupação do lugar do Príncipe infame na política mundial. De fato, a capacidade de produção do mal político (e econômico) de Bolsonaro é infinitamente maior do que o de Trump.
Na linguagem real da política mundial, o Príncipe cibernético e o discurso político cibernético são parte da hegemonia do capitalismo corporativo cibernético mundial.
                                                                  5
“Todo hecho es ya teoría, dice Goethe. (Hegel: 23).
Todo fato é já gramática da história. O fato histórico é artefato, pois, a realidade dos fatos só existe em um dizer de um discurso e como fato de um outro discurso como espelho da realidade. 
O Príncipe do século XXI é um artefato cibernético na realidade dos fatos. Tal artefato é parte das gramáticas da história econômica do capitalismo corporativo cibernético mundial. Para evitar o anarcoempirismo na leitura da política da contemporaneidade se faz necessário trabalhar com artefatos cibernéticos: discurso político cibernético, Estado-Cientista cibernético etc.  
A sociedade de comunicação cibernética abre a porta para o Príncipe cibernético, que substitui a hegemonia política do Príncipe eletrônico. A sociedade em tela é o lugar da acumulação ampliada capitalista mundial de capital cibernético (ou digital na linguagem vulgar). Então, a questão da hegemonia deve ser vista a partir do campo de poderes/saberes cibernético.
No campo em tela, a nova ordem mundial faz a junção do Ocidente com o Oriente, do país desenvolvido com o país subdesenvolvido, da sociedade moderna ou tradicional com a sociedade cibernética.
A covid-19 fez nascer o Príncipe cibernético mundial como Estado-cientista cibernético, natural. A forma acabada do Estado-cientista encontra-se na China em aliança com a OMS. Por isso, Donald Trump fala de uma OMS chinesa.
Como já vimos o Príncipe cibernético tem suas formas nacionais. Nas Américas, ele existe como Príncipe infame capaz de praticar o genocídio covidiano, com um  Donald Trump envergonhado e, especialmente, com um Bolsonaro.
A gramática cibernética regula um campo de poderes/saberes cibernético mundial e, em certos casos, nacional. Não há como fazer a leitura da história da contemporaneidade sem a presença, em determinados países, da gramática da política cibernética.
Um país pode ser um atraso por sua história econômica subdesenvolvida e avançado pela simples existência em seu território da gramática do capitalismo corporativo cibernético da comunicação:
“O essencial é o entrelaçamento da sociedade do conhecimento com a sociedade industrial. Baseada no trabalho simbólico, a sociedade do conhecimento é antiprodução na produção que gerou o capitalismo globalizado e a sociedade industrial cyber. Trata-se de uma revolução no capitalismo que fez do Ocidente o centro de uma sociedade pós-capitalista e do Oriente asiático o espaço de uma nova formação social capitalista industrial cyber”. (Bandeira da Silveira. 2019a: 150).
O Estado-cientista surge como antiprodução; ele conduz o subdesenvolvimento chinês para a sociedade industrial corporativa cibernética desenvolvida sob a hegemonia do capitalismo corporativo de Estado; o modelo chinês aparece como a via de desenvolvimento para os grandes países subdesenvolvidos com indústria corporativa cibernética da sociedade de comunicação.
O Príncipe infame cibernético é um uso estratégico de uma coalizão reacionária do campo da direita para tomar o poder político e conservá-lo. Esse Príncipe unifica o campo da direita que desenvolve fenômenos como o <capitalismo criminoso> (Platt)  e o  <kriminostat> (Virílio). Ele tem na sua retaguarda o Príncipe eletrônico que existe como representante do capitalismo subdesenvolvido neoliberal.
O campo da esquerda e o campo progressista ainda não tomaram consciência que o inimigo é a aliança espúria do Príncipe cibernético com o Príncipe eletrônico:
“Na atualidade, o campo de poderes econômico tem duas redes-centros que atravessam países capitalistas subdesenvolvidos e tentam invadir as fronteiras econômicas dos países desenvolvidos. São eles: o <Kriminostat>, (Virilio: 54-55) e o <capitalismo criminoso>, especialmente da lavagem de dinheiro. (Platt: 45). 
No Brasil, uma burguesia tribal (Maffesoli: 147) africanizada neoliberal (Bandeira da Silveira. 2019a: 191-202) se tornou o centro social do campo de poderes econômico neoliberal. Ela conduz o país direto para o desenvolvimento (aprofundamento) do capitalismo subdesenvolvido neoliberal caboclo”. (Bandeira da Silveira. 2019b: 235).
                                                               6
A transição ao regime autoritário é a estratégia de Bolsonaro e seus generais agora com reforço do Centrão (coalizão de partidos reacionários oligárquicos) e maioria do empresariado nacional e local, rural e urbano.  Contra essa coalizão reacionária do capitalismo subdesenvolvido neoliberal se levanta a corporação jurídica da sociedade civil. Esta ocupa o proscênio do palco da oposição oficial.
Aa contradição agônica na política recebe um involucro jurídico. O mundo jurídico passa a agir como uma força prática da política nacional contra a estratégia transição ao regime autoritário via golpe de Estado, ou tutela militar do poder civil pelo poder dos generais e quejandos! 
As contradições do regime 1988 exigem uma solução democrática em sua solução. O campo da direita no poder político com Bolsonaro (ou bolsonarismo sem Bolsonaro) se define como a única alternativa de poder à esquerda petista.
O país se encontra e um beco sem saída, pois, a derrota do bolsanarismo sem Bolsonaro (efeito do impeachment) depende da esquerda e progressistas pensarem um modelo econômico utópico para retirar o Brasil do subdesenvolvimento neoliberal.
A esquerda não se define como teoria em posse de uma gramática do Brasil da contemporaneidade. Assim, ela é não-contemporânea do presente e do futuro.
A formação de uma frente política requer uma gramática que cimente essa política como força prática da história do presente e do futuro pós-covid-19.
Então, a maioria do Brasil espera por essa força prática gramaticalizada.  
      
  
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Gramáticas do capitalismo. Lisboa: Chiado Books, 2019a
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Subdesenvolvimento hoje. Lisboa: Chiado Books, 2019b
GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. V. 3. Torino: Einaudi, 1977
HEGEL. Lecciones sobre la filosofia de la historia universal. Madrid: Alianza Editoria, 1980
LACAN, Jaques. O Seminário. Livro 18. De um discurso que não fosse semblante. RJ: Zahar, 2009
MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político. A tribalização do mundo. Porto Alegre: Sulina, 1997
PLATT, Stephen, Capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017
VIRILIO, Paul. Vitesse et politique, 1977   
    

    

  

      



quinta-feira, 21 de maio de 2020

ORDEM DA COMUNICAÇÃO CIBERNÉTICA MUNDIAL


José Paulo 


DO CAPITAL ELETRÔNICO AO CAPITAL CIBERNÉTICO

Em Marx, temos o departamento 1 (o capital de meios de produção, de bens de consumo produtivos) e o departamento 2 (do capital de produção de bens de consumo improdutivos). Com Rosa, se acrescenta o departamento 3: de bens da circulação, produção de dinheiro. (Rosa: 73).   
Com o capitalismo globalizado corporativo cibernético se acrescenta à divisão do trabalho capitalista mundial o DEPARTAMENTO 4. Trata-se do departamento de capital corporativo cibernético em dois espaços econômicos em junção e disjunção: capital produtivo corporativo cibernético e capital corporativo cibernético da sociedade de comunicação. 
Depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos desenvolvem a sociedade de comunicação fazendo pendant com a sociedade do espetáculo, de um Guy Debord. A sociedade de comunicação é o lugar do capital eletrônico da publicidade capitalista que usa o excedente crescente do capitalismo monopolista na <campanha de vendas>. (Baran: 1974:119):
“Há dúvidas sérias quanto ao valor dos programas artísticos apresentados pelos meios de comunicação de massa e servindo direta ou indiretamente como veículos de publicidade; mas não há dúvida de que todos eles poderiam ser apresentados aos consumidores a um custo incomparavelmente menor do que estes são obrigados a pagar através da publicidade comercial”. (Baran. 1974: 126).
A lógica da venda tem autonomia em relação à lógica do entretenimento:
“O objetivo de um comercial não é <divertir> o telespectador, e sim <vender> para ele. Horace Schwerin conta que não existe correlação entre as pessoas gostarem dos comerciais e <serem convencidas a comprar> por eles”. (Ogiluy. 2003: 147).
A lógica da publicidade dominante dos mass media se define como um regime de imagens eletrônico:
“Nos primeiros tempos da televisão, cometi o erro de confiar nas palavras para fazer a venda. Eu estava acostumado com o rádio, onde não existia imagem. Agora sei que na televisão você tem de fazer com que as <imagens> contém a história. O que você <mostra> é mais importante do que o que você <diz>. Palavras e imagens devem caminhar juntas, reforçando-se mutuamente. A única função das palavras é explicar o que as imagens estão mostrando”. (Ogiluy. 2003:148)

Associada à um regime de imagens eletrônicas, a <lógica do mostrar>a mercadoria aparece como espetáculo:
“ 37. O mundo presente e ausente que o espetáculo <faz ver> é o mundo da mercadoria dominando tudo aquilo que é vivido. E o mundo da mercadoria é assim mostrado <como ele é>, pois seu movimento é idêntico ao <distanciamento> dos homens entre si e em relação a tudo que produzem”. (Debord: 36).
A sociedade do espetáculo não existiria sem o capital eletrônico:
“4. O espetáculo não é um conjunto de imagens, e sim uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. (Debord: 16).
O capital eletrônico, também, articula e regula a sociedade de informação. (Wolton: 19):
“existe correlação rigorosa e necessária entre os dois, na medida em que a informação é diretamente destruidora ou neutralizadora do sentido e do significado. A perda de sentido está diretamente ligada à ação dissolvente, dissuasiva, da informação, dos medias e dos mass media”. (Baudrillard. 1981:120).  
A sociedade de comunicação é aquela da compreensão mutual à distância (mediada pela técnica ou capital da comunicação) que supõe se apresenta como <comunicação normativa> pois supõe a existência de regras, de códigos e símbolos (Walton:17). Trata-se da <gramática da comunicação>. 
Uma <comunicação funcional > é a razão comunicacional instrumental do capital <tout court>, deslizando nas trocas de bens e serviços, fluxos econômicos, financeiros e de administração econômica. (Wolton: 17). Temos aí uma gramática da economia.  
A vida cotidiana muda radicalmente com a internacionalização do capital eletrônico nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
                                                                 2
Como indústria da comunicação, o capital eletrônico é o motor da <mundialização da comunicação> como liame social da sociedade ocidental e extremo-ocidental da <sociedade moderna individualista de massa>. (Wolton: 98-99). O capital eletrônico cria e recria as aparências de semblância de que a vida dos países desenvolvidos é igual a dos países subdesenvolvidos.
Na América Latina, a passagem do subdesenvolvimento tradicional para o subdesenvolvimento com sistema industrial produz a atmosfera de uma tela gramatical eletrônica na qual o subdesenvolvimento desaparece como representação da realidade dos fatos. Depois, o capitalismo neoliberal usou a publicidade nos mass media para falar em <países em desenvolvimento> no lugar de países subdesenvolvidos. 
O princípio do igualitarismo entre os receptores vale também como princípio de igualitarismo entre nações na representação e visibilidade dos países na mundialização da indústria da comunicação.
A propósito, a televisão entra nos lares de todas as classes sociais e classes de idade.  E ela os trata como um único público, um público homogêneo. Ela trata os indivíduos como homólogos da soberania popular na qual as classes se dissolvem no voto, mas não na representação política produzida pelo voto.
Quem a televisão representa na política? A audiência ou o capital na política? Os mass media se articulam pela gramática econômica da indústria de comunicação. Tal gramática faz da televisão um centro do campo de poderes da mundialização do capital eletrônico existindo nacionalmente. Não há internacionalização tout court do capital eletrônico como centro de poderes econômico dos países desenvolvidos de uma mundialização da indústria da comunicação, voltada para a acumulação capitalista mundial. Os mass media significam uma nacionalização do capital eletrônico, uma indústria de comunicação nação a nação.
No entanto, a <ideologia da comunicação mundial> é um artefato econômico que organiza a hegemonia do <capitalismo corporativo das multinacionais> nos países dependentes industriais da América Latina. Tal ideologia foi e é fundamental no estabelecimento e aprofundamento do capitalismo neoliberal subdesenvolvido em países com sociedade industrial em colapso.  
Aliás, a ideologia da comunicação mundial é um fenômeno de ocultação da articulação dos grandes países subdesenvolvidos pelo <capitalismo criminoso> (Platt: 19, 45, 101)  e <criminostat> (Virilio: 55).
                                                                 3
O príncipe eletrônico se caracteriza pela intervenção dos mass mediia na eleição presidencial. No Brasil, a eleição de Bolsonaro teve a intervenção da televisão como ação de uma unidade política de um campo de poderes da direita.
O príncipe cibernético emerge na crise da covid-19. Ele é a unidade de uma ação política que tem como forças o capitalismo corporativo cibernético, o Estado-cientista cibernético natural, as elites científicas de países desenvolvidos com sociedade industrial cibernética (China no proscênio), a OMS e elites políticas nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Alguns países se recusam a seguir a orientação científica e política do príncipe cibernético. A hegemonia deste culmina com a primeira Assembleia Mundial da Saúde, em 2020, com centenas de governos. As políticas nacionais fora da hegemonia em tela são representadas como política genocida.
O príncipe cibernético aparece em uma mudança radical do discurso político.
O discurso político é a junção de fantasia (imaginação) e realidade dos fatos. Então, é fácil constatar que a covid-19 alterou a estrutura do discurso político contemporâneo.
O tempo do discurso foi alterado. O tempo se desarticula da vida presencial e assume a forma de um tempo de uma fantasia cibernética. O espaço existe virtualmente e já parece como natural o funcionamento digital da política.
Em maio, ocorre uma ASSEMBLEIA MUNDIAL DA SAÚDE DIGITAL como fato e artefato do príncipe cibernético.
O discurso político tem como fenômeno principal o Estado-cientista no lugar do capital. Trata-se do Estado-cientista, cibernético, natural. A Assembleia da saúde da ONU reúne centenas de países para discutir estratégia e táticas de combate à pandemia.
Como discurso político, o capitalismo globalizado (ou globalização econômica) foi substituído pela <globalização do discurso político>, como príncipe cibernético. Nesta globalização, o Estado nacional tem como tangente o <modelo corporativo cibernético>.
A adaptação biológica e/ou espiritual ao discurso político atual é algo tão novo e desconhecido, desconcertante, que os governantes e população em geral se mostram hostis uns com os outros. A estratégia de “isolamento social” é um fenômeno que salva vidas, mas, também, põe e repõe novos problemas para o ser humano – problemas excruciantes.
Como pensar a existência de um campo de afetos sem o contato físico do cotidiano? A própria ideia de relação social é posta em questão. Estaríamos frente a frente com o fim da sociedade como fonte de carinho inesgotável? A sociedade pode existir com um campo de afetos do prisioneiro? O discurso político cibernético é aquele da penitenciária digital globalizada.
O avesso do discurso do prisioneiro cibernético é o risco de morte que implode o sistema de saúde público e privado. Jamais a vida humana dependeu tanto de seus governantes em nível mundial. Do príncipe cibernético.
“Navegar é preciso, viver não é preciso”. Hoje, viver tem que ser preciso. A vida depende da engenharia cibernética na planificação da política e da sociedade. Ou, o deixar correr o barco sem engenharia poderá ser a opção dos povos que não suportarem o ser do discurso político do príncipe cibernético da terceira década do século XXI.
Há um novo sujeito na gramática da política do contemporâneo. É o sujeito como prisioneiro de uma penitenciária cibernética globalizada. Neste tempo político, a liberdade de ir e vir não é mais garantida pelos direitos fundamentais individuais das Constituições democráticas.
O campo do (s) sujeito (s) encontra-se aturdido.  
                                                                    4
Com o príncipe eletrônico, a mesma mensagem dirigida a todo mundo nunca é recebida da mesma maneira. A televisão tem um centro de transmissão de mensagens. É o capital eletrônico dividido em partes de si contra partes de si como indústria da comunicação.
O príncipe cibernético é um ciberespaço anárquico, pois não tinha um centro hegemônico discursivo até a sociedade covid-19 em colapso. Já apontamos a natureza do príncipe cibernético. A hegemonia do príncipe eletrônico é nacional e do príncipe cibernético globalizada.
A globalização da sociedade de comunicação corporativa de massa se realiza através do príncipe cibernético.
O príncipe eletrônico é feito de capital eletrônico e receptores ou audiência. Ele funciona pelas aparências de semblância do princípio da igualdade entre os receptores como se fosse equivalente ao fenômeno da soberania popular.  
Assim como o princípio da igualdade da soberania popular (um homem um voto) só existe na teoria democrática, não existe na realidade política, o princípio da igualdade entre os receptores só existe na teoria da comunicação.
O campo dos receptores-sujeito é heterogeneamente desigual, pois, ele funciona como leituras da mensagem que o capital eletrônico dirige a ele. O receptor é um intérprete da mensagem da televisão, que se comporta como um sofista. Ela é capaz de enviar uma mensagem política a favor de Bolsonaro e depois enviar uma mensagem contra Bolsonaro. Ela é capaz de atacar Bolsonaro com mensagens que são o inverso das mensagens de defesa de Bolsonaro. O príncipe eletrônico é um sofista.
A televisão se dirige a todas as classes sociais e classes de idade. Trata-se de uma ilusão da televisão querer satisfazer todo mundo. Eis a ilusão do princípio da igualdade se o sujeito faz parte do príncipe eletrônico. A televisão quer tocar todo mundo. (Wolton: 103).
O <Grande público>do príncipe eletrônico faz deste o Grande Outro lacaniano no lugar da soberania popular do sufrágio universal?
O ciberespaço não tem o Grande Outro? o cibernauta se dirige ao ciberespaço como um campo simbólico no qual ele fala com um Deus mortal que substitui o Deus mortal de Hobbes: o Estado. (Hobbes: 110)
O príncipe cibernético é o Deus mortal no qual o cibernauta fala com Deus sobre seus problemas e os problemas da realidade. Trata-se de um campo anarco-empirista das mil repúblicas autorais que desenha uma plurivocidade de realidade dos fatos imaginários e reais.
                                                            5
O príncipe cibernético é um fenômeno que emerge como parte do departamento 4 do capitalismo corporativo mundial. O departamento 4 é formado pelo capital corporativo produtivo cibernético e pelo capital corporativo da sociedade de comunicação cibernética.
O capital corporativo produtivo cibernético existe na sociedade industrial cibernética que tem como polo mais dinâmico de acumulação capitalista países da Ásia oriental.
O capital corporativo da comunicação cibernético faz laço entre os países desenvolvidos e os países subdesenvolvidos. Há um subdesenvolvimento com capital corporativo cibernético da comunicação. Este funciona como motor de acumulação capitalista do capitalismo corporativo mundial privado.   
A covid-19 não significou uma crise para o capital cibernético da comunicação. Ao contrário, ele aparece como motor dinâmico da acumulação do capitalismo corporativo cibernético privado mundial.
 A nova ordem capitalista vai se construindo como ordem capitalista da comunicação cibernética mundial - tendo como fenômeno principal a hegemonia planetária do príncipe cibernético.
O capital corporativo cibernético faz a junção da estrutura econômica com a superestrutura ideológica; junção do Ocidente com o Oriente; junção dos países desenvolvidos entre si e destes com os países subdesenvolvidos.
Na covid-19, o Estado-cientista cibernético natural existe como uma nova espécie de Estado, ainda não gramaticalizado pelas ciências humanas dos países desenvolvidos.
Pouco se sabe sobre a gramática do Estado-cientista e sobre a estrutura e natureza do príncipe cibernético nos países desenvolvidos.  Talvez, o fato dessa forma acabada do Estado-cientista ter sido criada na China venha dificultando a gramaticalização ocidental dele.
Nos Estados unidos, a elite americana fala na criação de uma sociedade cibernética como estrutura da vida do dia-a-dia. A universidade de Cambridge já fala de um ano levo em 2021 totalmente digital, se até lá não for produzida uma vacina contra o novo corona-vírus.
Há um milenarismo cibernético se apossando do mundo da vida concreto?  Mundo concreto definido pela fenomenologia (Pizzi: 17).

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Capitalismo corporativo mundial. RJ: Papel & Virtual, 2002
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. gramáticas do capitalismo. Lisboa: Chiado Books, 2019
Bandeira da Silveira, José Paulo. Subdesenvolvimento hoje. Lisboa: Chiado Books, 2019  
BARAN E SWEEZY, Paul e Paul. Capitalismo monopolista. RJ: Zahar Editores, 1974
BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et simulation. Paris: Galilée, 1981
DEBORD, Guy. La Société du spectacle. Paris: Gallimard, 1992
HOBBES. Leviatã. Pensadores. SP: Abril Cultural, 1974
OGILUY, David. Confissões de um publicitário. RJ: Bertrand Brasil, 2003
ROSA LUXEMBURGO. A acumulação do capital. RJ: Zahar Editores, 1970
VIRILIO, Paul. Vitesse et politique. Paris: Galilée, 1977
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017
PIZZI, Jovino. O mundo da vida.  Brasil: Unijui, 2006
WOLTON, Dominique. Penser la communication. Paris: Flammarion, 1997