quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

CAPITALISMOS E GEOGRAFIA ECONÔMICA


José Paulo



A chefe do FMI fala de uma crise do capitalismo no futuro próximo. E, no entanto, os livros científicos sobre a economia capitalista mundial estão em falta. Em 2002, publiquei um livro sobre o capitalismo corporativo mundial (CCM). Hoje o CCM é u mundo cyber com sede no sistema neomercatilista de Estados asiáticos com os Estados Unidos como um enclave científico do CCMcyber (CCMc).

Uma crise no capitalismo será uma crise na sociedade capitalista industrial asiática. O que sabemos da estrutura e funcionamento da sociedade asiática? A sociedade asiática é um atopia industrial? O lado insituável do capitalista asiático, o lugar nenhum do seu ser na sociedade capitalista mundial? É to pragma, a Coisa freudiana, o encontro do inefável sujeito burguês asiático com o real do capitalismo mundial?

Como to pragma, a sociedade de classes socius-gramatical asiática pode dar uma resposta do real à crise global do  capitalismo corporativo mundial cyber?

A crise do capitalismo tem nos EUA uma mola propulsora? Donald Trump se rebela contra o princípio da dispersão do capitalismo mundial? Ele gostaria que o capitalismo ficasse amontoado no Ocidente?

A necessidade do capitalismo faz pendant com o princípio da dispersão, pois o capitalismo é mais estado de “pura natureza” do que cultura (Derrida. 1973: 334-335). A crítica da economia política fala em reprodução alargada geográfica do capitalismo como limite para a existência do modo de produção especificamente capitalista. Donald trata o capitalismo como paixão e não como necessidade de dispersão. Como lei do espaçamento, a dispersão é ao mesmo tempo a pura natureza, o princípio de vida e o princípio de morte da sociedade industrial capitalista.

Nos EUA, há um movimento parlamentar capaz de desmantelar a posição da América como enclave científico do capitalismo corporativo mundial cyber. Trata-se de pôr a paixão pelo capitalismo no lugar da necessidade capitalista.

Hoje, o problema mundial imediato não consiste na dialética capitalismo versus comunismo (sociedade econômica planificada pelo Estado). O problema consiste na dialética capitalista Ocidente versus Oriente no comando da economia, cultura e política planetária. O CCMc tem sua sede principal industrial na Ásia e pedaços industriais cybers espalhados pelo Ocidente. O medo dos Estados Unidos consiste em deixar de ser o enclave científico do CCMc. A Ásia vem construindo suas cidades científicas cybers a partir do trabalho científico asiático formado nos EUA.

A necessidade capitalista gera o “capitalismo satélite neocolonial internacional” (CSNI) como satélite do CCMc. A parte mais visível do CSNI é o setor de mineração.  Com o CSNI, a reprodução ampliada geográfica do capitalismo mundial invade a África negra. As corporações capitalistas do CSNI se transformaram em um problema mundial, pois, elas podem provocar pequenos apocalipses ambientais e humanos. Trata-se de um setor capitalista avesso à regulamentação jurídica capaz de proteger o meio ambiente e a fauna, flora, cidades e gente.   

O CSNI põe o lucro predatório acima da lei dos Estados. Para ele, o ideal é a inexistência de Estado moderno. Assim, a África (sem Estado moderno) aparece como seu habitat natural.
                                                                              II
Há uma transformação histórica no Brasil que tem como causa efeitos do CSNI na economia, política, mass media e Estado. O CSNI se transformou em um poder econômico, político e cultural no comando de uma parcela significativa da vida local e nacional. 

O CSNI redefine a nação como prática e teoria. O capitalismo internacional neocolonial no comando da economia, política e cultura significa que o Brasil tomou uma linha reta em direção à África - território sem nação moderna. A elite brasileira não se mira mais na América ou Estados Unidos, ela se tornou uma elite cujo modelo se encontra na África do terceiro-mudo. Por isso, ela elegeu como superpresidente Bolsonaro, o Africano.

O caminho da África sempre foi desejado pelo multiculturalismo do negro. Uma reivindicação do movimento negro no poder petista foi substituir o estudo da história ocidental pelo estudo da história da África. Hoje, o movimento negro pode ser visto como uma profecia racional da hegemonia do CSNI sobre a vida brasileira.

                                                                           III

Os capitalismos industrias comandam a vida humana e animal planetária. Se ele entrar em crise global, advirá um longo período de sublevações, batalhas, lutas, revoluções continentais e oceânicas como parte da reorganização da história econômica planetária:
“A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco. O que nas espécies animais inferiores indica uma forma superior não pode, ao contrário, ser compreendido senão quando se conhece a forma superior. A Economia burguesa fornece a chave da Economia da Antiguidade etc. Porém, não conforme o método dos economistas que fazem desaparecer todas as diferenças históricas e veem a forma burguesa em todas as formas de sociedade. Pode-se compreender o tributo, o dízimo, quando se compreende a renda da terra. Mas não se deve identificá-los. (Marx. 1974; 126).

A anatomia humana encontra-se na Ásia capitalista do CCMcyber. Na Ásia, temos a forma superior da história econômica industrial do século XXI. Mas não se deve ler a história econômica do CSNI pela história econômica do CCMcyber. Revoluções pós-capitalistas no espaço do CSNI tomarão caminhos muitos distintos das revoluções pós-capitalistas no CCMcyber.

Em que sentido as revoluções pós-capitalistas do século XXI redefinirão a gramática de Marx sobre o período de transformações históricas?

Marx diz:
“Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham movido. De forma de desenvolvimento das forças produtivas estas relações se transformam em seus grilhões. Sobrevém então uma época de revolução social. Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura se transtorna com maior ou menor rapidez. Na consideração de tais transformações é necessário distinguir sempre entre a transformação material das condições econômicas de produção, que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito e o conduzem até o fim. Assim como não se julga o que um indivíduo é a partir do julgamento que ele se faz de si mesmo, da mesma maneira não se pode julgar uma época de transformação a partir de sua própria consciência; ao contrário, é preciso explicar esta consciência a partir das contradições da vida material, a partir do conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma formação social nunca perece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais ela é suficientemente desenvolvida, e novas relações de produção mais adiantas jamais tomarão o lugar, antes que suas  condições materiais de existência tenham sido geradas no seio mesmo da velha sociedade. É por isso que a humanidade só se propõe as tarefas que pode resolver, pois, se se considera mais atentamente, se chegará à conclusão de que a própria tarefa só aparecerá onde as condições matérias de sua solução já existem, ou, pelo menos, são captadas no processo de seu devir. Em grandes traços podem ser caracterizados, com épocas progressivas da formação econômica da sociedade, os modos de produção: asiático, antigo, feudal e burguês moderno. As relações burguesas de produção constituem a última forma antagônica do processo social de produção, antagônicas não em um sentido individual, mas de um antagonismo nascente das condições sociais de vida dos indivíduos; contudo, as forças produtivas que se encontram em desenvolvimento no seio da sociedade burguesa criam ao mesmo tempo as condições materiais para a solução deste antagonismo. Daí que com esta formação social se encerra a pré-história da sociedade humana”. (Marx. 1974: 136).

O modo de produção comunista moderno seria o modo no qual o antagonismo nascente das condições sociais de vida dos indivíduos desaparece. Seria o fim da sociedade de classes sociais movida pela luta de classes como palco da história. Então, a história econômica da sociedade industrial chegaria ao seu fim. O capitalismo industrial parece ter posto a história natural da Terra em um rumo apocalíptico. O fim da história do capitalismo poderia ser a salvação de Gaia?
O Platão socialista diz:
“Que nossos colonos dividam a terra e as habitações, mas não cultivem a terra em comum, visto que uma tal prática estaria além da capacidade das pessoas do nascimento, formação e treinamento que supomos.  E que a distribuição seja feita com esta intenção, ou seja, que o homem que recebe seu lote ainda assim o considere como propriedade comum de todo o Estado e que cuide da terra, que é sua terra natal, com maior diligência do que uma mãe cuida de seus e filhos, porquanto ela sendo uma deusa (Gaia), e também senhora sobre sua população mortal, e que observe a mesma atitude igualmente em relação aos deuses e dáimons locais”. (Platão: 217).

As forças produtivas técnicas existentes já são capazes de fazer com que não haja mais fome na população mundial. As relações de produção capitalistas impedem tal sucesso. Será preciso uma reinvenção da história econômica mundial para reorganizar a distribuição dos serviços de bens econômicos de primeira necessidade. A gramática da Gaia articulado por gramáticos angelicais (dáimons) é apenas um caminho a seguir na sociedade desprovida de antagonismo econômico entre forças produtivas técnicas e relações de produção gramatical.  

A elite capitalista ocidental se desfez da sociedade capitalista industrial ao fazer deslizar para o Oriente asiático o capitalismo corporativo mundial cyber. O cyber é a essência das forças produtivas sociais da contemporaneidade. Ele define a velocidade (aceleração ou desaceleração) da história econômica mundial produtiva e comercial.  

Uma consciência cyber mundial se faz necessária no colapso do capitalismo mundial e na transição para uma outra história econômica.  Porém, se o mundo cyber necessita de bens minerais (cuja a extração significa a destruição de Gaia) o planeta será invadido por uma contradição entre a história natural da terra e a história técnica da humanidade. Resolver esta forma de contradição, eis um tipo de desafio que já se encontra em um mundo pós-capitalista.  


DERRIDA, Jacques. Gramatologia. SP: Perspectiva, 1973            
MARX. Pensadores. SP: Abril Cultural, 1974
PLATÃO. As leis, incluindo Epinomis. SP: EDIPRO, 2010
               
       



 



       

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

FALASSER -- LENIN COM LACAN


José Paulo


Lacan teve que enfrentar a questão da definição do inconsciente como particular de um indivíduo e do inconsciente de um discurso: do mestre, do universitário, do analista, da histérica.

“Há apenas inconscientes particulares, na medida em que cada um, a cada instante, dá uma mãozinha à língua que ele fala’. (Lacan. S. 23: 129)
A pergunta feita a ele é:
“- Cada ato de fala, golpe de força de um inconsciente particular, não é coletivização do inconsciente?” (Lacan. S. 23; 132).

O ato de fala é um golpe de força de um inconsciente particular, cada ato de fala é um dizer. O que é um dizer?

O dizer é o dizer de Lenin no qual o ato de fala como golpe de força é uma gramática da contradição que produz a realidade da revolução. O escrito “As Teses de Abril” (Lenin: 11-16) é o ato de fala como golpe de força de onde sai a realidade da revolução. O ato de fala de Lenin é um golpe de força que funda o marxismo como gramática de uma realidade emaranhada na contradição. A realidade não é o real. O real é impossível de ter sentido; ele é sem lei, sem ordem, ou melhor, sem gramática como máquina de produção de sentido. A gramática é máquina da ordem produtora de sentido da realidade. 

O a ato de fala do inconsciente de Lenin é virtual, pois, para se atualizar como dizer de uma gramática da realidade realmente existente, ele precisa do agir revolucionário do partido político bolchevique. Lenin teve que convencer o partido bolchevique de que havia chegado a hora da revolução comunista na Rússia. O ato de fala do inconsciente particular necessita de aparatos políticos (em vários territórios) para se constituir em uma gramática da realidade revolucionaria ou contrarrevolucionária. O aparato do ato de fala do inconsciente do discurso é o caminho e dispositivo para a gramaticalização pelas massas (de rua ou institucional) do dizer leninista.                                                                                                                                                                                                         

A ideia de Lenin da reta torta, do bastão que pode ser entortado para ser endireitado é a teoria da contradição no qual encontramos o caminho mais curto de um ponto a outro: revolução leninista ou bolchevique.  

O ato de fala de Lenin “Teses de Abril” é o dizer como golpe de força na realidade realmente existente, realidade da Rússia. Ele é um ato de força de um inconsciente particular que funda o discurso marxista, inapropriadamente, vulgarmente, chamado de marxismo-leninismo. Funda o discurso marxista ao lado dos outros quatro discursos supracitados.  Assim o discurso não se define por coletivização do inconsciente. O inconsciente é aquele de um discurso que existe através dos atos de falas particulares (tal como se define o agir no golpe de força revolução ou golpe de Estado). O nome próprio Trotsky, ou Bukharin, ou Stalin definem um campo do dizer fracassado ou exitoso.
 O inconsciente do discurso do analista é o golpe de dizer de Estado gramatical de Lacan sobre Freud.
                                                                                II
Para falar de um golpe de força na periferia americana do capitalismo, qual ato de fala do inconsciente ensejou a realidade vulgarmente conhecida como ditadura militar 1964?

O ato de fala do inconsciente de Carlos Lacerda fez uma teoria da contradição do golpe de Estado para pôr um fim à “democracia populista.”. Lacerda acreditava que seria o presidente da transição para uma democracia udenista, por ser o teórico da revolução da classe média carioca e paulista.  No entanto, o ato de fala do inconsciente do general Wernon Walter pôs o general Castelo Branco como presidente de um governo que se definiu como uma máquina de guerra gramatical de produção de sentido da realidade Estado militar 1964. 

A máquina gramatical em tela criou a ordem militar através de atos de fala particulares do inconsciente. Porém, não criou um discurso militar. Os atos de fala do inconsciente não se planificaram em um dizer militar. Não há um dizer do falasser (o inconsciente é um saber falado) que faça pendant com um discurso militar brasileiro.

Hoje, o vice-presidente da República general Mourão fez um ato do de fala (um golpe de força) do inconsciente sobre um possível golpe de Estado com rompimento da ordem democrática 1988.  O general pode vir a ser o nosso Carlos Lacerda da terceira  década do século XXI?

Parece que todos os caminhos levam a Roma! 


LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 23. O sinthoma. RJ: Zahar, 2007

LENINE. Oeuvres. Tome 24. Theses. Paris/Moscou: Éditions Sociales/Éditions du Progrès, 1982  

       

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      

domingo, 20 de janeiro de 2019

POLIFONIA DO CAPITALISTA - ESQUECER O OCIDENTE


José Paulo


 

O psicótico tem qual espécie de gozo? Não se trata de um gozo que faz emenda entre o simbólico (discurso, escrita, gramática) e o real? Qual real? Real da realidade dos fatos? O que é um fato?
A ment-alidade enquanto mente é um fato; trata-se da sentimentalidade própria do FALASSER (inconsciente); o nó faz o fato? O inconsciente faz o fato? Só há fato pelo fato de o falasser o dizer. Não há outros fatos senão aqueles que o falasser reconhece como tais dizendo-os. Só há fato pelo artifício. E é um fato que ele (falasser) mente, isto é, instaura falsos fatos e os reconhece, porque tem mentalidade, isto é, amor-próprio. (Lacan. S. 23:63-64.

O falasser diz por meios materiais ou dispositivos de fala? Política, imprensa, mass media, ´mundo cyber, Estado de polícia são todos meios de dizer do falasser? Todos têm mentalidade, a sentimentalidade próprio do falasser -, a mentalidade, uma vez que eles sentem, sentem seu fardo – a ment-alidade enquanto mente é um fato. (Lacan. S.  23: 63) Só há fato pelo artifício. E é um fato que ele (falasser) mente, isto é, instaura falsos fatos e os reconhece, porque tem mentalidade, isto é, amor-próprio.

Não há uma história natural no estabelecimento do fato.   

O saber inconsciente se mostra na forma do sintoma na análise. Ele pode emergir selvaticamente na vida prática? Buscar o sentido através do exposto ao longo de seu sintoma, eis o objeto de resposta do analista ao exposto do paciente. O analista ensina ao paciente como emendar, fazer emenda entre o sinthoma e o real parasita do gozo.  O analista torna o gozo possível que é a mesma coisa que ouvir um sentido (Lacan. S.23:70-71).
 A psicanálise em gramática econômica ouve o sentido produzido pela máquina gramática da realidade realmente existente.   
Suturas e mendas é o que se trata na análise das instancias RSI separadas. Encontrar um sentido implica saber qual é o nó, e emenda-lo bem, graças ao artifício. [O que é o artifício?]. O RSI no sintoma é carência da relação sexual. Ela toma uma forma. Pode ser o exílio em sua própria pátria como não relação sexual. O sintoma é feito de crença (Lacan.  S. 23: 67).  Crer numa raça é um sintoma associado ao povo alemão do nazismo, ao dizer do inconsciente de Hitler, do falasser hitlerista. Crer numa raça já foi um signo científico, inclusive. Com o nazismo derrotado o signo deixou de ser matéria para a consciência nacional?

Falar do racismo como supremacia política é falar da loucura de um povo? Como se configurou uma gramática RSI com o sintoma supremacia ariana na política mundial? O problema é que Lacan (e Freud) só admite falar do inconsciente de Joyce? O discurso é sempre o discurso de um indivíduo qualquer? Não mesmo! Lacan fala do inconsciente do discurso (Lacan. S. 16: 68); portanto não se trata mais de um inconsciente particular qualquer, mas do ato de fala particular do inconsciente de Hitler .Aliás, Lacan fala do discurso do capitalista; não se trata de um capitalista singular, mas do capitalista tal como encontra-se no dizer do falasser de Marx: discurso do capitalista (Lacan. 2003: 519) fazendo pendant com a realidade capitalista e o sujeito capitalista. (S. 16: 38). “Só ex-sistem discursos”. (2003: 539). Chegamos no falasser do dito do discurso capitalista: Mehwert (mais-valia) e plus-de-jouir ou Mehrlust.

O dize do inconsciente de Marx estabeleceu o capitalismo como fato. O capitalismo é um artifício ou artefato de um ato de fala do falasser de Marx. 
                                                                          II

O sujeito é efeito do discurso. (Lacan. S. 16: 47). O capitalista é o efeito do discurso capitalista como personificação do capital.

O discurso capitalista faz pendant com o falasser da sociedade industrial capitalista que surge no século XIX europeu. Hoje, o Ocidente não tem mais sociedade industrial capitalista no comando da economia, política e cultura. Ela deslizou para a Ásia. O discurso capitalista faz pendant com o falasser de uma gramática capitalista industrial asiática? 


O discurso capitalista não produz o advento do real? O discurso político faz isso antes do discurso capitalista:
“Mas ao entrar o discurso político – atente-se para isso – no avatar, produziu-se o advento do real, a alunissagem, aliás, sem que o filósofo que há em todos, por intermédio do jornal, se comovesse com isso, a não ser vagamente”. (Lacan. 2003: 235).

O que é o discurso político em Lacan? Alunissagem! Falar da alunissagem, e também do sujeito político como efeito do discurso político. Qual é a categoria do discurso político equivalente [será homólogo?]  a mais-valia e mais-de-gozar?  É o morrer de vergonha (Lacan. S. 17: 209-212).

O sujeito é efeito do discurso e ele constitui um certo número de significações (Lacan. S. 16: 13) advindas de um signo como o signo morrer de vergonha. (Lacan. S. 17: 209). Um sujeito é aquilo que pode ser representado por um significante para outro significante. O sujeito não pode reunir-se em seu representante de significante sem que se produza, na identidade, uma perda, propriamente chamada objeto a. Marx decifrou a realidade econômica, ou seja, o sujeito do valor de troca representado perante o valor de uso. É nessa brecha que se produz e cai a chamada mais-valia. O que importa para o discurso em geral é a perda. Já não idêntico a si mesmo, daí em diante o sujeito não goza mais. Perde-se alguma coisa que se chama o mais-de-gozar. Ele é estritamente correlato à entrada em jogo do que determina, a partir de então, tudo o que acontece com o pensamento.

A gramática da história economia capitalista industrial perdida faz do pensamento ocidental algo que não pensa mais; o sujeito ocidental não goza mais. Pensar é ter prazer.   

                                                                                III

Não é diferente no sintoma. Que é ele senão a maior facilidade da conduta do sujeito em torno desse algo que chamamos de mais-gozar, mas ao qual é incapaz de dar um nome. A menos que se faça seu percurso, ele não pode proceder a nada que dependa não ´só de suas relações com seus semelhantes, mas também de sua relação mais profunda, da relação que chamamos vital. Aqui as relações e configurações econômicas são muito mais propícias do que as que se ofereceram a Freud, provenientes da termodinâmica. (Lacan. S. 16: 21).

O sujeito capitalista encontra-se na sociedade industrial capitalista; ele encontra-se no comando da economia, política e cultura. Qual a relação do sujeito capitalista com o discurso político? Qual a relação do signo morrer de vergonha com o sujeito como certo número de significações econômicas? Como alunissagem, o discurso político moderno adquire autonomia absoluta em relação à história da economia capitalista industrial?

Alunissagem consiste no ato de pousar uma nave espacial em um satélite natural (na Lua, de maneira especial). Incluem-se nesta categoria tanto os pousos tripulados quanto não tripulados (missões robóticas). Pousar é articular um certo número de significações para a persistência do ser do sujeito na sociedade capitalista que provenha a política como sentido da gramática RSI com sinthoma. Sobre a política não tripulada por humanos e sim por robôs, a era cyber dá um outro sentido político ao significado do dicionário alunissagem. Aliás, alunissagem pode ser pousar no real da política? No lado escuro da Lua?  

A alunissagem é um efeito do signo morrer de vergonha degradado em significante político. A política deixa de ser produção de signo quando da sua degenerescência em significante “ser para a morte”. Ser para a morte diz sobre a finitude da política moderna se ela é o contrário de alunissagem. Se ela é voar do Ocidente para o Oriente, pois, a história econômica industrial capitalista voou para a Ásia.

Lacan diz:
“Mais de uma coisa no mundo é passível do efeito do significante. Tudo o que está no mundo só se torna fato, propriamente, quando com ele se articula o significante. Nunca jamais surge sujeito algum até que o fato seja dito”. (Lacan. S. 16: 65).

O sujeito capitalista é um dizer do Marx para o Ocidente. O sujeito capitalista asiático é um dizer da psicanálise em gramática econômica? Há uma alunissagem do discurso político na Ásia? A política japonesa é uma alunissagem do signo morrer de vergonha? Ela evita o significante ser para a morte? Uma cadeia da gramática RSI com sinthoma (Lacan. S. 23: 89) é a bússola da política japonesa para evitar o significante ser para a morte da nação moderna?   

Qual é a perda (homologia com a mais-valia ou mais-de-gozar) na política? O que é o objeto a, ou seja, o objeto de desejo na política que se perde? Na política antiga é a perda do desejo morrer de vergonha. Na política moderna, a perda é própria participação direta na política; perda da política tout court na soberania popular como signo da perda política moderna. O morrer de vergonha é recalcado como objeto de desejo. Então, o que é o advento do real como alunissagem?

A representação política toma o lugar da política tout court. A representação  é o recalcamento do morrer de vergonha. Aliás, a representação política não é o morrer de vergonha caso o político não resolva os problemas nacionais? aí governar é impossível.

A sociedade industrial capitalista no comando da política faz do Estado burguês o comitê central da burguesia. A política é a política de uma classe social. Surge o dominante na política que representa a sociedade industrial capitalista ao contrário da politeia onde não tem dominante. A política se define como dominação capitalista sobre as massas gramaticalizadas pelo discurso  do capitalista; é o signo maior do governar é impossível; pelo menos os gregos da politeia tentaram encontrar sentido no governar com a construção do imaginário morrer de vergonha.    

O que se perde? O prazer da política. A política é também a perda do mais-de-gozar. Quem extrai o mais-gozar da vontade da soberania popular? O burguês na pele do político. A política representativa é a política burguesa como perda de desejo do proletariado pela política. O proletariado é o fantasma da revolução social, uma espécie de aversão sexual à política representativa burguesa. A linguagem do proletariado é o sintoma da perda de desejo da classe operária pela política representativa: ditadura burguesa, ditadura do proletariado. Em 1871, a Comuna de Paris aparece como signo da ditadura do proletariado:
“O triunfo de Paris sobre o agressor prussiano teria sido o triunfo do operário francês sobre o capitalista francês e seus parasitas dentro do Estado. Nesse conflito entre o dever nacional e o interesse de classe, o governo da defesa nacional não vacilou um instante em converter-se num governo de traição nacional”. (Marx.1975: 180).
 O burguês não morre de vergonha por trair a nação francesa com os prussianos. Entre o dever nacional e o interesse de classe, o interesse de classe define a gramática burguesa europeia. A luta de classes suprassume a luta entre nações. O burguês é o sujeito como efeito do discurso capitalista cuja gramática é a exploração do trabalhador assalariado na extração da mais-valia e do mais-de-gozar. então, o trabalhador se entrega à guerra de classes.

O estado de guerra de classes é o real impossível de ser suportado pela sociedade industrial capitalista. Com a ciência como parte da força produtiva, a mais-valia relativa acresce produtividade e abre a porta para os cuidados com a população operária mais pobre, começando com redistribuição de renda. A boa vontade econômica do dominante tem uma contrapartida na política representativa dando ensejo ao aparecimento dos partidos políticos europeus socialistas de massas da sociedade salarial. A Europa da sociedade capitalista industrial se pacifica em uma civilização burguesa? Ao contrário, a revolução social não deixa de ser um signo utópico e na Alemanha ela é sufocada em banho de sangue já no século XX.  

O signo morrer de vergonha da política faz a alunissagem no burguês como morrer de vergonha do fim do capitalismo suplantado pelo comunismo da URSS, instalado pela revolução bolchevique. O morrer de vergonha em tela passa a ser um signo da gramática burguesa no centro do capitalismo europeu. Na periferia, um ersatz de burguês se define por não ter vergonha por conviver com economia não-capitalista em uma mesma região geoeconomica como no caso do MERCOSUL, no século XXI.
O morrer de vergonha de ser substituído pelo comunismo  se transforma em estratégia de acabar com a sociedade industrial capitalista e sua luta de classes no Ocidente, deslocando a fronteira do capitalismo corporativo mundial industrial para a Ásia. A estratégia da China de sintetização de socialismo e capitalismo somada a estratégia neomercantilista asiática em curso (confederação de Estados asiáticos fortes economicamente) deslancha em uma sociedade industrial do capitalismo corporativo mundial reterritorializado na Ásia.

O Ocidente perdeu a sociedade industrial capitalista e vai junto sua política representativa com o presidencialismo em colapso na América e o parlamentarismo em colapso na Europa desenvolvida. A ilusão de que falamos de fenômenos resilientes turva a percepção ocidental da perda da gramática da história da sociedade industrial moderna e sua política representativa.

A gramática da cadeia RSI determina um certo número de encaixes. Esses campos são lugares nos quais se colocarmos o dedo, ficamos agarrados. A cadeia real, simbólico, imaginário fazem o nó da sociedade industrial capitalista com política representativa; assim   determinou-se um certo número de encaixes nos quais os povos ocidentais puseram o dedo e ficaram agarrados. Vivemos um tempo ocidental de desnodamento da gramática RSI moderna industrial capitalista e sua política representativa democrática.   

O desnodamento da gramática RSI moderna aparece como sintoma das falas impostas. Escutar a linguagem moderna como uma torção de voz reduz o significante ao que ele é:um equívoco. (Lacan. S.23: 92).  A fala da gramática em colapso é um parasita, uma excrescência de falas impostas onde o segredo da gramática como elemento da separação público privado desaparece. É o mundo da transparência absoluta ou telepatia onde as pessoas não têm segredos. O telepata é o rhetor percipio que sabe o que acontece com as pessoas sobre as quais ele não tinha mais informação que qualquer um. (Lacan. S. 23: 93). O telepata usa signos, declarações na atmosfera da tela gramatical da comunicação como sintoma de uma escrita em colapso que faz com que não haja mais identidade fonatória. A fala se decompõe ao se impor como tal, a saber, em uma deformação acerca da qual permanece ambíguo saber se é o caso de se livrar do parasita falador; ou se deixar invadir pela polifonia da fala.   

O fenômeno em tela expressa a carência do pai ocidental. Em Hegel e Gramsci, o pai articula-se como dominação e articulação da hegemonia. A polifonia da fala desarticula permanentemente o fenômeno supracitado.

 
Fazer emenda entre o simbólico e o real, fazer emenda entre seu sintoma e o real parasita do gozo; tornar o gozo possível é a mesma coisa que ouvir um sentido. Encontrar o sentido implica saber qual é o nó, e emendá-lo bem. Tal prática é uma ciência da psicanálise em gramática econômica. Assim, é possível tomar um caminho que não seja o da polifonia da fala. ((Lacan. S. 23: 70-71).   
                                                                         IV
O Real se define por não ter sentido algum. Só é verdadeiro o que tem sentido. (Lacan. S. 23: 112). O verdadeiro é fruto da interpretação:
“A interpretação não é submetida à prova de uma verdade que se decida por sim ou não, mas desencadeia a verdade como tal. Só é verdadeira na medida em que é verdadeiramente seguida”. (Lacan, S. 18: 13).

A interpretação verdadeira seguida por quem? Antes de qualquer coisa, o capitalismo (assim como o comunismo de Marx) é uma interpretação seguida por massas de homens, mulheres e crianças aos borbotões. O capitalismo faz sentido como modo de produção especificamente capitalista ou história econômica da sociedade industrial capitalista. A forma política representativa moderna faz sentido com o pendant do discurso capitalista descoberto em Marx.  Desfeito o nó da gramática capitalista RSI, dissolve-se o discurso do capitalista.

Há uma sociedade do capitalismo corporativo mundial industrial na Ásia. Ela é a realidade fática de um sistema no qual não persiste no ser da sociedade asiática o discurso da burocracia como discurso do mestre moderno; discurso que se especifica por ser não saber-de-tudo, e sim tudo saber.  (Lacan. S. !7:34). O sistema não tem necessidade de sentido. (Lacan. S. 17: 14). O sistema não precisa ser verdadeiro ou verdadeiramente seguido pelas massas, pois ele não faz pendant com o só é verdadeiro o que faz sentido para as massas gramaticalizáveis pela verdade de uma interpretação.

A sociedade capitalista industrial asiática não é a repetição da história econômica do capitalismo ocidental. O capitalismo corporativo mundial é a descoberta de uma outra história econômica capitalista industrial. Qual a relação entre a história do capitalismo industrial e as formas políticas asiáticas?
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EDIPO EM COLAPSO

Creio com Freud no sujeito edipianizado, o sujeito como efeito de uma ordem edipiana, ordem trágica: sujeito trágico. A políteia é uma continuação no território político da ordem do Édipo, do trágico na versão da cultura do sério. Morrer de vergonha por não ter condições de resolver os problemas da polis é da ordem do trágico, é algo sério. 

A ordem do trágico gira em torno da castração, do recalque do desejo pela mãe, pois tais coisas falam do tirano. Castrar o soberano e recalcar o tirano são equivalentes. A política tout court se funda pela aversão sexual ao tirano no lugar do pai.

Na política moderna, o tirano é recalcado por significantes como representação política e soberania popular. Tomando um atalho! O moderno americano faz do presidente da república um pai que não é um tirano no imaginário político nacional. Aliás, o presidencialismo em colapso é equivalente ao Édipo em colapso. Os efeitos patológicos desse colapso são tratados pela indústria psiquiátrica farmacêutica e os hospitais psiquiátricos camuflado de clínicas terapêuticas. 

O Édipo em colapso apresenta fenômenos para além do psiquismo individual. Todo o movimento do multiculturalismo (mulher, negro, LGBT no comando da cultura e da política) é imediatamente  reterritorialização da ordem política no solo do Édipo em colapso. Tal fenômeno faz vertigem. Daí vemos gays querendo edipianizar formando legalmente família - papai, mama, filhinho.

A política representativa perdeu o recurso da edipianização em segundo grau, edipianização como processo sublimatório da civilização ocidental moderna. Agora, é um Deus nos acuda na sociedade narcose inventada por Freud e realizada pela economia das drogas ilegais e legais.

As formas políticas do Édipo encontram-se em colapso. A civilização da ordem do Édipo em colapso não é um fato de uma história natural. Trata-se de uma história de artifícios ou estratégias de anedipianização. Se a liberdade é a realização da satisfação dos desejos para além da ordem do Édipo, o século XX e XXI se caracterizam por construir estratégias para tornar a liberdade O fundamento da vida ocidental. Marx considerava que a liberdade em tela ´só poderia acontecer em uma sociedade do modo de produção comunista moderno. Mas quanta a liberdade temos pressa, não?

Antes, a anatomia era o destino. Agora, as drogas são o destino!
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A mulher não faz sentido para Joyce. (Lacan. S. 23: 112). A mulher não faz sentido para o homem, pois ela é não-toda, por permanecer estranha, por não fazer sentido para o homem. A mulher é um conjunto. Um conjunto de mulheres engendra, em cada caso, lalíngua (socius como inconsciente), seguindo a história de uma língua que se decompunha, no caso, o latim.

O homem é portador da ideia de significante. Essa ideia, na lalíngue, tem seu suporte na sintaxe. Lalíngue é gramática como continuação por outros meios dos equívocos da sintaxe. O significante é onde se emenda com um nó a gramática RSI com sinthoma, ou seja, com falso furo no RSI: “é o falo que tem o papel de verificar que o falso furo é real.

Na medida em que o sintoma faz um falso furo com o simbólico, há uma práxis qualquer; alguma coisa proveniente do dizer, da a arte-dizer, para deslizar junto ao ardor. (Lacan. S.23: 114). O único real que verifica o que quer que seja é o falo, pois, ele é o suporte da função do significante, ele que cria o significado.

A lalíngue capitalista asiática será uma invenção de um conjunto de mulheres. O homem asiático como portador do significante capitalismo corporativo mundial cyber remete para a gramática RSI determinada pela lalíngue, onde o único real que verifica a realidade do capitalismo em tela é o falo, sem vínculo direto com a ordem edipiana em colapso.

A mulher como sinthoma do homem asiático faz um falso furo com o simbólico, e aí surge uma práxis, uma arte-dizer a gramática do mundo cyber capitalista da contemporaneidade. O falo é o único real que verifica a realidade dos fatos, pois, ele é o suporte da função do significante que engendra o significado; é claro que o falasser asiático instaurará pelo dizer os fatos que rearticularão a realidade do sujeito do mundo ocidental. Trata-se de gramaticalizar o falasser em questão nas nossas próprias línguas ou gramáticas em economia psicanalítica.     

O presidencialismo em colapso e também o parlamentarismo em colapso aparecem como efeito da dissolução da lalíngue ocidental, ou seja, Édipo em colapso. Porém, a mulher é como o diabo do romantismo alemão que inventa o homem como portador do significante no colapso do latim:
“MEFISTÓFELES
Sou parcela do além,
 Força que cria o mal e também faz o bem!
FAUSTO
Que dizes com palavras dúbias, meu herói?
MEFISTÓFELES
Eu sou aquele gênio que nega o que destrói!
E o faço com razão; a obra da Criação
Caminha com vagar para a destruição.
Seria bem melhor se nada fosse criado.
Por isso, tudo aquilo o que chamas pecado,
Ou também ‘destruição’, ou simplesmente ‘o mal’
Constitui meu elemento eleito e natural”. (Goethe: 59-60).

GOETHE, J.W. Fausto & Werther. SP: Nova Cultural, 2002
LACAN, Jacques. Outros Escritos. RJ: Jorge Zahar Editor, 2003
LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008
Lacan, Jacques. Le Séminaire. Livre XVII. L’envers de la psychanalyse. Paris: Seuil, 1991
LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 18. De um discurso que não fosse semblante. RJ: Zahar, 2009
LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 23. O sinthoma. RJ: Zahar, 2007
MARX. E Engels. Textos. V. 1. SP: Edições Sociais, 1975

    
        




         



   
     

  



sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

O BRASIL É A VENEZUELA DO AMANHÃ?


José Paulo



Um debate precário sobre o sentido do governo-2019 fala da americanização do Brasil a partir de 2014. A característica desse debate É o pouco conhecimento que os debatedores têm da história brasileira republicana em uma época na qual a historiografia brasileira universitária caminha tropegamente.

O debate supracitado não é capaz de falar das forças associados reunidas sob o signo 2019. Ele se perde nas questões da pauta moral, na substituição das questões econômicas por questões da cybermoral. Antes do mundo cyber dominar, as lutas da mulher, negro e LGBT ganharam a cena da política nos EUA e depois no Brasil de Lula. Mas isto não é aquilo que define o nosso momento presente e futuro.

De fato, o governo 2019 vai materializando sua narrativa antidireitos humanos. Essa narrativa pretende atingir os índios (sociedades tribais) economicamente, enfraquecendo-os no que diz respeito ao guarda-chuva protetor de leis que os protegem. A luta contra os índios nada tem a ver com “guerra cultural”, um nome tirado da supremacia dos mass media na cultura brasileira.

A luta do governo-2019 contra a sociedade tribal é a luta secular da “produção” contra a “preservação”? trata-se da luta dos interesses econômicos dominantes predatórios no campo (economia de commodities do dominante devastadoramente lumpesinal) contra os índios e a preservação da Floresta e outros domínios de reserva natural ecológicos do país. Esta luta do “fazendeiro” contra o índio é parte da nossa história econômica secular e é um signo sinistro integrado à narrativa eleitoral do atual governo. Assim não há surpresa.

A segunda força aliada do governo 2019 advém de um furo no simbólico nacional. Trata-se do jornalismo da televisão carioca. Este jornalismo sustenta a necessidade de destruição econômica e jurídica do Estado brasileiro. Como os jovens dos 16 aos 40 anos não sabem o que é o Estado brasileiro atual, é preciso falar sobre ele.

O Estado atual é o Estado-1988. Ele é uma leitura constitucional1988 do Estado social getulista 1930. O Estado 1930 é uma máquina de exceção governamental que começa a construção do Brasil moderno atribuindo direitos trabalhistas a sociedade salarial. Estava claro para Getúlio que o Estado social precisava substitui a luta de classes, entre nós.

O Estado social-30 se tornou uma tradição da política brasileira e evoluiu até o Estado social 1988 - que expandiu a sociedade de direitos do dominado. O Brasil teve sua era dos direitos que começa com o populismo getulista e se completa com os constituintes que nos legaram a Constituição 1988.

Na Década de 1980, o Brasil possui uma sociedade industrial capitalista e a luta de classes tinha um peso considerável na política. Esta luta de classes ganhou expressão jurídica com a Constituição 1988 na sociedade salarial de direitos.

O governo-2019 se constitui por uma reunião de forças que tem como objetivo destruir o Estado social 1988. Assim, ele é uma contrarrevolução, pois, um fenômeno dissolvente da Revolução 1930. Uma força da destruição do Estado-1930 é a narrativa do jornalismo carioca da televisão.

A narrativa do jornalismo do Grupo Globo pela dissolução do Estado getulista começa com o patriarca dono dessa empresa de comunicação de massa, o patriarca versado em um liberalismo econômico infantil: Roberto Marinhos. Roberto esteve envolvido em todos os golpes de Estado contra o populismo getulista até que seu esforço a mais ajudou a instalar o Estado militar 1964, conhecida vulgarmente como “ditadura militar”.

A narrativa infantil neoliberal robertomarinho guia o agir narrativo do jornalista dos mass media brasileiros da atualidade. Há um alinhamento desse jornalismo infantil com as teses econômicos do governo-2019 comandado pelo chicago boy ou banqueiro Paulo Guedes. Não estou fazendo julgamento ideológico e sim falando  da realidade dos fatos econômicos.

A outra força do governo-2019 é o Exército brasileiro representado por uma plêiade de generais no comando do aparelho econômico de Estado. Para ser delicado, posso dizer que esse clã militar é da tribo do general neoliberal Castelo Branco. Para surpresa geral, os generais no governo são do partido neoliberal de Paulo Guedes, ma non troppo.

Na Reforma da Previdência, Paulo Guedes prepõe aos generais que eles percam os anéis para não perder os dedos. O partido neoliberal parece ter como necessário mostrar consistência evitando uma Reforma da Previdência baseada em uma justiça oligárquica: fazer o bem ao amigo, prejudicar os outros.

A unidade das forças 2019 encontra-se na narrativa de destruição do Estado populista 30/1988. É o tempo da contrarrevolução-30. É a nossa história que tem como superfície dominante a economia do país na produção da contemporaneidade.

A narrativa do dominante 2019 parece ser economicista em vários aspectos. Falo agora do aspecto principal da contradição principal.

Qual é a contradição cadente no Brasil? Trata-se da contradição entre o Estado legal 1988 e a desenvolta e, aparentemente, irrevogável societas sceleris.

A societas sceleris significa a substituição da política (como ciência de resolução de problemas nacionais e locais) por um equilíbrio de poder entre a própria societas sceleris e o Estado brasileiro. Hoje, o equilíbrio de poder pende favoravelmente ao Estado brasileiro 1988.  No entanto com a destruição do Estado do legislador 1988, a societas sceleris terá o peso maior na balança de poder. Situação desesperadora?

Temos uma imagem já completa do que vai acontecer com o Brasil. Trata-se do destino funesto da Venezuela. Este país é hoje um Estado sustentado em dois pilares. O primeiro é o Exército; o outro é a societas sceleris. Esclarecendo. A junção dos dois pilares supracitados criou um Estado negro venezuelano como fenômeno de territorialização do criminostat, de Paul Virilio. Não estou falando nenhuma novidade, pois venho mostrando tal acontecimento na última década.

Fora da universidade, pude escrever mais livremente sobre o destino que nos aguarda na terceira-década do século XXI. Mas é impressionante como uma reunião de forças negras venezuelanas parecem estar decidindo sobre a espécie de mundo no qual iremos viver em breve.

Um importante secretário de Estado guedista 2019 fala de demitir massas de funcionários do Estado concursados. Como já mostrei tal fala é parte do presidencialismo em colapso. Este faz, agora, uma espécie de dança negra para exorcizar as leis nacionais. Com um poder judiciário eclipsado, o Estado negro venezuelano vai plantando suas garras afiadas na vida nacional de todos nós.

O Brasil é a Venezuela do amanhã?  


Há mais de um caminho para se chegar a Venezuela.  

Quase esqueci! Através dos desfiles das escolas de samba no Sambódromo, o Grupo Globo faz parte de uma rede cultural com ligação com o Estado negro venezuelano no Rio.   






                            







segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

POLÍTICA - PLATÃO E LACAN


José Paulo

POLÍTICA -ANTIGOS E MODERNOS

A psicanálise em gramática econômica começa no “As leis” de Platão. Começa em uma interrogação de Platão:
“pode-se atingir a perfeição sem uma luta obstinada contra as hordas de prazeres e desejos que impulsionam para a impudência e a ação incorreta, e sem subjugá-las mediante o discurso, o ato e a arte, tanto nos jogos quanto no trabalho – e, realmente, sem se submeter a quaisquer dessas experiências?”. (Platão. 2010: 98).
 O sujeito é o legislador (legifer, νομοθέτης) ou todo homem digno desse nome. O legislador é um sujeito que tem medo da vergonha em qualquer tempo da civilização ocidental, e talvez da civilização oriental. O medo da vergonha faz parelha com a honra no pudor (que sustenta o respeito de si por si) e a atitude de evitar a impudência (falta de medo da vergonha), pois a impudência é um mal para todos tanto no espaço público como no espaço privado. 

O indivíduo em Platão é partes de si contra partes de si; ele é um campo de luta do eu (sede da consciência e da razão) mediante o discurso, o ato, a tekhne, tanto nos jogos de linguagem da vida pessoal subjetiva como na vida prática na família, no trabalho, instituições em geral. O  νομοθέτης  é aquele capaz de legislar sobre sua vida interior e objetiva; ele é o gramático da vida em situações interiores, institucionais e na rua.

Freud inventou a psicanálise com um recurso técnico de um discurso analítico que se alia simbolicamente ao indivíduo na luta deste contra as forças (internas e externas) capazes de desestabilizar o sujeito ouνομοθέτη no homem comum. Todo homem vive a partir de sua própria gramática existencial que permite ao indivíduo atravessar o mundo-da-vida como sujeito definido como partes de si contra partes de si. É no mínimo uma visão razoável do viver na polis.

A gramática em tela, comporta a luta contra `a subjugação do indivíduo à cólera, concupiscência, ignorância, cobiça, prodigalidade, aura sacra fames, desejo de beleza inalcançável, vigor como a única condição psicológica aceitável. O sujeito νομοθέτης é o avesso do escravo das paixões pública e privada. Está claro que o   νομοθέτης precisa se virar para viver sua simples vidinha em qualquer situação.
                                                                                  II
O que é o avesso da psicanálise lacaniana?
A vergonha é o avesso da psicanálise. (Lacan: S. XVII: 211)). A vergonha faz pendant com as formas estéticas do sério (tragédia histórica e épico histórico) em um contrapondo à comédia histórica (bonapartismo de Napoleão III), em Marx, no texto o “!8 Brumário de Luís Bonaparte”.

A vergonha nos remete para a política moderna como lugar onde a bufonaria (Lacan. S. 17: 211) tomou o lugar do sério, se morrer pela vida política elide o morrer de vergonha ao não se morrer de vergonha por não acontecer nada.  
Morrer de vergonha é o signo que possui genealogia, pois, ele descende, e degenera do significante política, em uma genealogia só revelada no campo da ciência da política da psicanálise em gramática econômica, pois, morrer de vergonha traça uma fronteira entre a economia do signo da política na vida e na morte.

O cientista político universitário que escreve sobre a política o faz porque o sistema universitário espera dele uma produção escrita e oral (aula, palestra, conferência). O universitário não tem vergonha, ele não põe um pouco de vergonha no tempero de sua fala. A consciência ignóbil, vil, que provoca aversão sexual é o signo da falta de vergonha no tratar da coisa política; ela é o discurso do mestre pervertido, discurso no qual a política é vida de palhaço de circo: fazer rir o “nobre público”.

O morrer de vergonha é o fracasso do significante, ou seja, o ser para a morte, na medida em que ele concerne ao sujeito. O ser para a morte é o cartão de visita pelo qual um significante representa um sujeito para outro significante. (Lacan. S. XVII: 209).

Esse cartão de visita nunca chega a bom porto, já que, por levar o endereço da morte, ele precisa ser rasgado. Se o honesto é aquele que preza a honra, morrer honestamente de vergonha é o cartão de vista rasgado para o honesto como o impossível. O honesto não é um homem impulsionado por um sentimento de vergonha e relutante em exibir-se em público antes de gozar da melhor condição possível.  O sujeito ouνομοθέτη teme pela reputação não por ser honesto, mas por em incorrer numa má reputação ao fazer ou dizer algo vi. Este medo do sujeito ouνομοθέτη dá-se o nome de vergonha. (Platão: 96).

O sujeito ouνομοθέτη morre de vergonha em não ser superior a si mesmo, ou seja, em ser inferior a si mesmo. Se ele não domina a si mesmo, ele morre de vergonha. Então, se a política é inferior a si mesma, ela não morre de vergonha, pois, ela não se define como a atividade que existe para resolver seriamente os problemas da polis. Assim, ele faz da bufonaria seu modo de ser; ela se volta para a abundância das palavras sobre os assuntos insignificantes. A política se torna a embriaguez das massas e, às vezes, o Estado sob controle de uma única criança ou de um grupo de criança.

O Estado de crianças legal (para quem a vergonha inexiste) só pode fazer a política cadmiana. Política que semea dentes de dragão dos quis nascem os aparti, que, a despeito de colherem uma vitória acabam matando entre si, ou seja, é uma política que acarreta mais saldo negativo que positivo.

O Estado-criança é a administração da vida política como brincadeira, como jogo de cabra-cega, pois, o tempo sério da política acabou. É verdade que crianças bem educadas se revelarão bons indivíduos, que sendo bons vencerão seus inimigos em batalha, além de agirem com nobreza em relação a outras coisas. Para isso acontecer, a educação tem que ser realizada sob o sigo do sério e o signo morrer de vergonha senão a política vira uma comédia. Os franceses ensinavam para suas crianças que Napoleão III era um príncipe sério, e não um príncipe bufão, um clown grotesco.
Quando a França entrou em guerra com a Prússia de Bismark, a França finalmente entendeu que Napoleão III não era um imperador para valer, pois se transformou em motivo de riso para os alemães. Napoleão experimentou mais que o covarde os transtornos do medo.
                                                                    III
Se a política não é a aquilo que irradia a gramática na compreensão nos indivíduos e nas massas tanto do desejo de governar como de ser governado, não tem como ser algo sério. Se ela faz da palhaçada o modo de tratar os problemas, declarando-os assim insolúveis, então a vida em comum perdeu-se, honestamente, sem vergonha na cara.   

A avaliação das opiniões acerca do futuro (expectativas) movida pela dor do medo ou pelo prazer da confiança perde força de realidade para definir o que é boa ou má. E a avaliação que se torna lei já é apenas uma engenhosa máquina cujo efeito no sujeito é determiná-lo como marionete dos deuses (campo do simbólico, cadeia de significantes). Campo inventado para ser um brinquedo deles, mas jamais criado para ser um propósito sério, pois, o signo morrer de vergonha atravessou o horizonte irrevogavelmente.   

Se a transferência do saber deixa de ser algo possível, atravessasse-se a fronteira para o poder dos impossíveis freudianos: governar, educar, (psi) analisar. (Freud. v.23: 282). A comédia começa com o poder dos impossíveis, pois, não se pode governar, educar e psicanalisar seriamente. O significante política deixa de ser gramaticalizavel, ele não advém do real como vergonha. A vergonha é o buraco no real de onde brota o significante-mestre (Lacan. S. XVII:218) política. A política é o que é legível no real e faz discurso político. (Lacan. 2003: 535).

A luta de classes fazia na sociedade capitalista industrial um proletariado como a plebe romana, constituído por pessoas distintas, honradas, uma consciência de classe nobre ao lado da burguesia mergulhada em uma comédia histórica que derrota o socialismo trágico, porém que acaba como o fim do Ocidente.   

A comédia ocidental da antiguidade é associada a canções ou canto que se somavam às danças executadas durante as jubilosas e bufonescas festas em honra do deus Dionísio. O tom de gracejo e escárnio na representação artística (teatral ou musical) não podia faltar. O cômico é o avesso da falta do princípio de exatidão nas formas culturais (tendo como paradigma a melodia) a serem acolhidas como forma política e lei. (Platão.2010: 108,109).

Na vida política da antiguidade, o princípio da exatidão via ritmo e harmonia nas posturas e expressões vocais faz pendant com a ligação pela canção, dança e coro dos homens, mulheres e crianças. A educação é o treinamento da criança como disciplina dos prazeres e dores visando o belo e evitando o feio, distorcido, grotesco. A cultura pelo princípio da exatidão não é uma forma de utilitarismo.
                                                                       IV
O moderno europeu (no lugar do homem, ou seja, do universal) lida com a dor e o prazer pelo princípio da utilidade:
“A natureza colocou o gênero humano sob o domínio de dois senhores soberanos; a dor e o prazer. Somente a eles compete apontar o que devemos fazer, bem como determinar o que na realidade faremos. Ao trono desses dois senhores está vinculada, por uma parte, a norma que distingue o que é reto do que é errado, e, por outra, a cadeia de causas e dos efeitos”.
Os dois senhores de que falamos nos governam em tudo o que fazemos, em tudo o que dizemos, em tudo o que pensamos, sendo que qualquer tentativa que façamos para sacudir este senhorio outra coisa não faz senão demonstrá-lo e confirmá-lo. Através das suas palavras, o homem pode pretender abjurar tal domínio, porém na realidade permanecerá sujeito a ele em todos os momentos da sua vida.
O princípio da utilidade reconhece esta sujeição e a coloca como fundamento desse sistema, cujo objetivo consiste em construir o edifício da felicidade através da razão e da lei. Os sistemas que tentam questionar este princípio são meras palavras e não uma atitude razoável, capricho e não razão, obscuridade e não luz”. (Bentham: 9).

Na antiguidade, o ensinar a lidar com o prazer e a dor é um problema de Estado. (Platão: 108). No século XVIII, uma política medical submetida à medicina privada <liberal>, aos mecanismo da iniciativa individual e às leis do mercado se liga a uma  estrutura de poder que visa a saúde de uma coletividade.
Há uma política de saúde e de uma tomada em consideração da doenças como problema político e econômico em uma estratégia global privado e público. A nosopolítica (cuidado político com a população) não é o resultado de uma iniciativa vertical, aparece no século XVIII como um problema com direções múltiplas; a saúde de todos como urgência para todos; o estado de saúde de uma população como objetivo geral. (Foucault. V. 3: 14-15).
Os pobres doentes são o objeto da ´política de saúde coletiva; lidar com a pobreza objetivamente é fixá-la no pobre como útil, força de trabalho produtiva. Trata-se da relação dapobreza com o desenvolvimento da sociedade capitalista. Mas não se trata só de economia capitalista:
“Il ne s’agit plus là du soutien à une frange particulièrement fragile – troublée et pertubatrice  - de la population, mais de la manière dont on peut élever le niveau de santé du corps social dans son ensemble. Les divers appareils de pouvoir ont à prendre en charge les <corps>, non pas simplement pour exiger d’eux le servisse du sang ou pour les protéger contre les ennemis, non pas simplement pour assurer les châtiment ou extorquer les redevances, mais pour les aider, au besoin les contraindre, `a garantir leur santé. L’impératif de santé: devoir de chacun et objective general”, (Foucault.  V. 3: 16).

A estratégia da política da  saúde do corpo social do pobre faz pendant com a ideia de felicidade pelo princípio do utilitarismo? Na estratégia em tela, a felicidade do corpo social entra no cálculo dos aparelhos de poder. Trata-se de um recurso evolutivo da civilização europeia que evoca as ideias gregas do melhor estado e Estado para a população.

Cito Hannah Arendt sobre a questão da derrota da pobreza como uma questão da política da modernidade:
“Portanto, assim como a derrota da pobreza na América teve as mais amplas repercussões na Europa, a presença muito mais prolongada da miséria nas classes inferiores da Europa repercutiu profundamente no curso dos acontecimentos na América, após a revolução. A instituição da liberdade fora precedida pela libertação da pobreza, pois a prosperidade inicial pré-revolucionária da América – alcançada centenas de anos antes de a imigração em massa do final do século XIX e início do século XX  ter lançado anualmente em suas praias centenas de milhares, e mesmo milhões de pessoas das classes mais pobres da Europa -foi, pelo menos em parte, a consequência de um esforço deliberado e concentrado para a libertação da pobreza, como jamais tinha sido feito nos países do Velho Mundo. Esse esforço em si mesmo, essa primordial determinação de derrotar a miséria aparentemente perpétua da humanidade é certamente uma das maiores realizações da história ocidental e da história da humanidade. O problema foi que, sob o impacto de uma contínua e maciça imigração da Europa, a luta para abolir a pobreza sofreu a influência cada vez maior dos próprios pobres, e por isso passou a se subordinar a ideais nascidos da pobreza, distintos daqueles princípios que haviam inspirado a fundação da liberdade”. (Arendt. 1988110-111).

Os pobres institucionalizados na sociedade industrial capitalistas criam suas próprias fantasias de superação da pobreza. O fantasma ou fantasia do comunismo em 1848 é uma delas, e esta se apresenta como fantasia e profecia racional do socialismo científico. Tal fantasia racional ergue partidos políticos e pilota revoluções sociais na periferia da Europa no século início do XX. Nos países do sistema neomercantilista do centro da Europa (dos Estados europeus fortes em conteúdo econômico graças as suas ricas colônias em recursos naturais e mercado de consumo para mercadorias industriais), a pobreza é superada, em parte, como efeito do capitalismo científico da mais-valia relativa.

A política da sociedade industrial capitalista tem que lidar com a luta de classes, com as multidões populares que desejam e fantasiam, utopicamente, uma outra forma de sociedade. Qual é a diferença elementar entre a política da antiguidade grega e a política da sociedade industrial capitalista?

A política moderna ocidental tem que enfrentar o problema da erradicação da pobreza?
Hannah diz: “o anseio oculto dos pobres não é ‘a cada um segundo suas necessidades’, mas sim ‘a cada um segundo seus desejos’”, (Arendt. 1988; 111).

A felicidade não obedece mais à ética utilitarista, e sim a ética do desejo. A política da antiguidade obedece a uma disciplina da felicidade (Lacan.  S. 7: 351), baseada na moral do mestre, feita para as virtudes do mestre, e associada a uma ordem dos poderes. (Lacan. S. 7: 377): “A moral do poder, do serviço dos bens é – Quanto aos desejos, vocês podem ficar esperando sentados”. (Lacan. S. 7: 378).  
Ao contrário, a política moderna é assaltada por uma utopia (em Fourier, por exemplo) que sonha com a ética do desejo expresso em bufonaria:
“O efeito de bufonaria que dele se depreende deve instruir-nos. Ele nos mostra suficientemente a que distancia o que se chama de progresso social se situa em relação ao que quer que seja na perspectiva, não digo de abrir todas as comportas, mas simplesmente de pensar uma ordem coletiva qualquer em função da satisfação dos desejos”. (Lacan. S. 7: 275). 
                                                                          IV

A ordem da ética do desejo em busca da felicidade abriu as portas para a sociedade freudiana narcose (Freud. V. 21:97, 100) ocidental. Milhões de pessoas consomem drogas (artificiais e naturais) levando a um colapso da sociedade edipiana na América. Tal acontecimento põe em questão a forma da política dominante nas Américas, pois, a política americana é o paradigma da ordem edipiana presidencialista.

Fluxos de desejos anedipianos (Deleuze:82) erguem uma nova ordem sexual nos fazendo retornar ao princípio da civilização edipiana em colapso aberto. Trata-se de um novo começo da história universal regulada pela ética do desejo fourierniano, a sério?

ARENDT, Hannah. Da revolução. SP/Brasília: Ática/UNB,1988  
BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. SP: Abril Cultural, 1974
DELEUZE & GUATTARI. Capitalisme et schizophrénie. V. 1. L’anti-oedipe. Paris: Minuit, 1972/1973
FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits. V. III. Paris: Gallimard, 1994
FREUD. OBRAS Completas. V. XXI. RJ: imago, 1974
FREUD. Obras Completas. V. XXIII. RJ: Imago,1975  
LACAN, Jaques. O Seminário. Livro 7. A ética da psicanálise. RJ: Jorge Zahar Editor,1995
LACAN, Jacques. Le Séminaire. Livre XVII. L’envers de la psychanalise. Paris: Seuil, 1991
LACAN, Jaques. Outros Escritos. RJ: Jorge Zahar, 2003
PLATÃO. As leis. Incluindo Epinomis. SP: Edipro, 2010