José Paulo
O ponto-de-partida é as relações
entre o indivíduo, a família e o socius?
Trata-se da relação entre o individualismo moderno e a tradição em junção no
Texto de Freud e Marx. Será preciso vários ensaios para chegar aqui.
“Existem , sobretudo, dois tipos de grupos, os
grupos-sujeitos e os grupos-sujeitados – Édipo e a castração formam a estrutura
imaginária sob a qual os membros do grupo sujeitado são determinados a viver ou
fantasmar individualmente sua pertença ao grupo”, (Deleuze/Guattari: 78).
Para pensar os grupos como
unidade básica da interpretação precisamos pensá-los em um domínio específico
com suas formas e seus conteúdos. Escolho o domínio político como o espaço do
acontecer dos grupos: dominante e dominado.
A relação original é aquela do phallus com as formas políticas. De saída lidamos com os
enunciados no livro “Da horda ao Estado”:
“a questão crucial é a da
violência e da harmonia, da criação de instituições, de tentativas de persuasão
ou de imposição que apoiem o tipo de social assim criado, da produção de certos
tipos de personalidades indispensáveis ao funcionamento social e da construção
de mitos(religiões ou ideologias) cuja textura garanta à sociedade uma
coerência mínima”. (Enriquez: 23).
O enunciado geral civilizatório
desce do céu para a terra na Grécia da antiguidade da polis e da politeia.
Desde logo se põe e repõe o problema da política sob o comando da razão e da
política sob o comando da fantasia ou imaginação. A politeia faz a junção da
razão com a imaginação no comando da política. A polemos (guerra entre Estados)
deve ser excluída da política que pode enfrentar a stásis em suas diversa
formas: rusgas, rebelião, insurreição, guerra civil ou guerra subcivil das
facções criminosas como societas sceleris.
Na modernidade, a política busca
a paz no espaço social; a stásis só é admitida como rusgas; a guerra é a guerra
entre Estados ou povos vivendo em territórios distintos. De qualquer maneira, a
sociologia aprendeu com Freud, a duras penas, que não se pode estudar a
política sem os mitos, as forças irracionais, os processos de decisão no
fantasma de grupo.
A sociologia freudiana da
política trabalha com conceitos transespecíficos (Canguilhem) ou
transliterários (Bakhtin), ou seja, com o significante como o conceito
transespecífico por outros meios, meios gramaticais; significante gramatical.
O significante gramatical se
estabelece no domínio da civilização da política como: razão e fantasia ou
imaginação; racional e irracional; manifesto e latente; representação
consciente, sublimação, recalque, foraclusão, denegação, neurose, perversão e
psicose; configuração Real/Simbólico/Imaginário (RSI); como produção do socius:
relação social e força produtiva; família (Édipo, castração) e instituição da
ordem ou da revolução; formas política, pulsão e sujeito individual e/ou
grupal. Ele é impensável sem a história
econômica que o articula como sociedade antiga, feudal e capitalista.
II
Falar de política é falar de vida
política; a ciência da política é uma gramática de significantes mais real que
o mundo percebido; a ciência gramatical não é obra de nossa inteligência, ela é
a geradora das coisas da vida política como fato e artefato.
Falar de forma política é falar
do universal como abstrato fantasmático? (Canguilhem: 340). A forma política
não remete para um plural ontológico de indivíduos. Qual relação se estabelece
entre os indivíduos e a forma política viva?
A forma política viva é um poder
próprio à imaginação, de infidelidade em relação aos laços da experiência, ela
é o poder que faz os indivíduos sonharem de olhos abertos. Na modernidade, o
princípio do igualitarismo gera um processo de identificação entre certos
indivíduos escolhidos e as massas (todos são iguais ao nome que sonha em ser
presidente). Tal fato é a representação de todos os indivíduos particulares da
mesma espécie: presidencialistas.
As formas existenciais da
psicologia do sujeito podem ser reduzidas ao abstrato fantasmal. Elas reúnem em conjuntos
humanos vivos uma coleção de indivíduos neurótico, perverso psicótico. Estas
formas existenciais mantem relação com as formas abstratas fantasmal da
política? A patologia existencial pode ser um efeito da patologia do fantasma
abstrato ou universal da política?
Um caso de patologia saída do
forno é a situação do Brasil atual. Uma história dos sujeitos forma uma opinião
majoritária eleitoral que se define por uma vontade política de resolver as
questões da realidade dos fatos (crise econômica do futuro, violência real
generalizada, falência fiscal de estados e municípios) com pensamento mágico.
Eleger aquele que se apresenta como superhomem e, depois, este formar um
governo superpresidencialista aparecem como signos do colapso do
presidencialismo.
Vive-se a política viva como algo
fora da normalidade, com um fenômeno patológico. O colapso do presidencialismo
é um fenômeno fantasmal de grupo que põe e repõe o poder da imaginação doentia
no lugar de um mínimo de razão na política.
A realidade das condutas e
atitudes encontra-se com a realidade fantasiada no processo de identificação do
sujeito com a lei paterna do uno, no presidencialismo. O reconhecimento entre
indivíduos como semelhantes forma o vínculo social pela identificação com o
pai; o pai autoritário, tirânico é a referência do superhomem capaz de
encontrar a solução para os problemas vividos existencialmente regulados por
amor e ódio, segurança/perseguição. Trata-se de ancorar em um outrem (no lugar
da lei tirânica) a satisfação de nossas pulsões, de nossas fantasias, de nossos
medos formando um laço social que desce do imaginário ao real.
No estudo da patologia política presidencialista, a formação do grupo fantasmal (opinião eleitoral lugar ficcional da representação, massa política de rua lugar do laço olfativo, cybermassa eleitoral lugar do laço digitalis) significa uma forma de ligação (identificação, amor, solidariedade, hostilidade, amigo/inimigo) viva da política para além do espaço político representativo. A ligação política de alteridade estabelece o vínculo com o outrem (autrui), e o outro só existe enquanto existe para nós.
Nós contra eles, amigos versus
inimigos já é um vínculo patológico no espaço da política representativa
democrática. Investir no campo de afetos das massas para gerar sujeitos
semelhantes pela identificação com a lei tirânica leva a formação de um supereu
cultural que dá os comandos para articular as massas em um agir mortífero: organizem-se!
Na política, o sujeito
constitui-se como tal pela existência do outro. O outro nos ama, nos odeia, nos
fala, e nos olha e sente nosso odor, aí nós existimos como sujeito; só
existimos se somos reconhecidos pelo outrem em um campo de afetos e animus.
A Ministra da Família do governo
Bolsonaro diz: “menino veste azul, menina azul”. Ela diz que é uma metáfora de:
“menino tem pênis, menina vulva”; homem gosta sexualmente de mulher e mulher de
homem. Peço perdão ao leitor, mas ela diz que “homem gosta de buceta e mulher
de pica”. Temos aí embutido a retomada da estratégia do Édipo (família como
triangulo papai, mamãe e filhinho). Menino veste azul, menina rosa, eis a
versão evangélica da “anatomia é o destino”.
Já na velhice, Freud subverteu a gramática sexual a anatomia é o
destino. No livro “Análise terminável, análise interminável”, o velho Freud
chegou a conclusão que a diferença sexual entre o homem/mulher e o animal irracional
é a bissexualidade de um poder de imaginação viva (que vale a pena ser vivida)
do ser humano: menino/menina veste azul e
rosa.
Azul ou rosa é a instauração de
uma linha de força metafórica (e da vida política) entre o normal e o
patológico pela estratégia simbólica messiânica (de Jair Messias Bolsonaro). O
Édipo político é o estado normal do fantasma de grupo e o outrem fantasmal (e in re ipsa) é o inimigo existencial em
junção com o inimigo político: mulher rebelada contra a ordem do phallus, LGBT.
A linha de força afeta milhões de pessoas reunidas e repartidas entre o normal
e o patológico.
A forma política presidencialismo
é aquela que faz pendant com a máquina de produção social de desejo da ordem
edipiana da família patriarcal. Ela é a forma gerada e recriada, em conjunturas
historiais, como o permanente abstrato fantasmal ou universal. Depois do Brasil
colônia, uma monarquia absolutista teve um monarca, de um regime
parlamentarista, que se definia como republicano, ou seja, como
presidencialista. O fantasma de grupo universal ´presidencialista é a anatomia
do destino da Américas.
A forma política pilota o
fantasma de grupo através da libido objetal, investimento que se vincula ao
outrem, e de algo irredutível à presença “do outro”, qualquer que sejam a
influência e a importância dos “outros” específicos. O eu é a fonte do investimento
narcísico que se inclina à aliança com a pulsão de morte (que visa o desejo do
não-desejo). A forma política opera pelo princípio do prazer temperado pelo
princípio de realidade na regulação das pulsões na direção da realização da
satisfação do desejo.
A forma presidencialista virtual constitucional realiza-se/atualiza-se, na conjuntura catastrófica, como desejo de “onipotência do pensamento” (em um grupo fantasmal presidencialista a noção de impossibilidade desaparece; a massa desconhece a dúvida e a incerteza; a massa é tão intolerante quanto obediente à lei tirânica; o funcionamento da massa é o avesso do indivíduo racional) transformado em uma vontade tirânica. Ela é a compulsão à repetição das massas em se identificar com o uno. O eu da massa (fruto da sedimentação de imagens e de identificações passadas) é governado por uma resistência á gramaticalização do narcisismo e da pulsão de morte. O indivíduo do presidencialismo tem as experiências acumuladas pela história fortemente inscritas nele que sempre governarão, em parte, o seu agir; o narcisismo e a pulsão de morte podem ser metabolizadas, mas não podem ser eliminados.
III
Chegamos na gramática econômica do
abstrato fantasmal. Marx mostra que o fantasmal abstrato ideológico (metafísica
secular) pode durar além dos modos de produção econômicos. Isso é fácil de
constatar na história do homem, mulher, criança. No entanto, a gramática
econômica do fantasma político faz pendant com o modo de produção
especificamente econômico. A politeia é uma gramática econômica do modo de
produção escravagista; a gramática econômica da forma política dois corpos do rei faz pendant como modo
de produção econômico feudal; a gramática econômica da política representativa
da modernidade parlamentarista faz pendant com o modo de produção e circulação
especificamente capitalista europeu.
A forma presidencialista
americana é uma gramática econômica como desvio da gramática econômica
parlamentarista europeia. Enquanto a primeira se baseava em máquinas de desejos
de uma estratégia de edipianização da vida política, a segunda se abria à
outras estratégias de conjunção de princípio de prazer com princípio de
realidade. Recentemente, uma Europa dominada pelo Banco põe e repõem o
parlamentarismo sobre um salto Luís XV.
A rebelião aberta da mulher só poderia acontecer em um espaço político presidencialista regulado por uma gramática econômica do abstrato fantasmal sob domínio da ordem do phallus. Toda a violência americana contra a mulher é impossível de ser imaginada ou pensada sem a existência da gramática econômica do presidencialismo fálico. O serial killer é uma implosão no tecido da vida americana privada da gramática econômica presidencialista fálica. A interpretação islâmica de aviões suicidas jogados nas torres gêmeas de Nova York (símbolo do capitalismo fálico americano) caiu em cheio no imaginário fálico da gramática econômica do presidencialismo americano dos mass media, da sociedade do espetáculo fálica, da sociedade de consumo da publicidade fálica com modelo feminino blond . (Baudrillard. 1981; 241); do consumo como estratégia publicitária de ersatz de inveja do pênis.
Retomando a psicanálise. A gramática
econômica do presidencialismo favorece o poder mágico das palavras do uno no
transformar diretamente a realidade dos fatos. A linguagem presidencialista possui
este poder na mente e no coração da massa; trata-se do encantamento da
linguagem política, linguagem enfeitiçada, repetitiva (ritualísticas dos mass media ´presidencialistas). A linguagem
agencia a neurose narcísica dos indivíduos (e seus desejos de onipotência). Instala
uma atmosfera maniqueísta de projeções sobre o adversário de todas as características
negativas. Trata-se de uma linguagem que
não pretende demonstrar e argumentar, e sim de sugestionar, seduzir, fascinar,
por repetições de fórmulas simples e o uso inapropriado de figuras de estilo na
busca do laço emocional. (Freud. V. XVIII:117).
Freud fala da estrutura libidinal
de grupo fantasmal como a Igreja e o Exército:
“Numa Igreja (e podemos com
proveito tomar a Igreja Católica como exemplo típico), bem como num Exército,
por mais diferentes que ambos possam ser em outros aspectos, prevalece a mesma
ilusão de que há um cabeça – na Igreja Católica, Cristo; num Exército, o
comandante-em-chefe – que ama todos os indivíduos do grupo com um amor igual. Tudo
depende dessa ilusão; se ela tivesse de ser abandonada, então tanto a Igreja
quanto o Exercito se dissolveriam, até onde a força externa lhes permitisse
fazê-lo”. (Freud. V. XVIII: 120).
Em tais grupos artificiais, cada indivíduo está ligado por laços libidinais por um lado com o líder (Cristo, comandante-em-chefe) e por outro aos demais integrantes do grupo. Para além do narcisismo das pequenas diferenças, a dialética amigo/inimigo é parte da gramática econômica do exército e de todas as religiões:
“Desse modo, uma religião, mesmo
que se chame a si mesma de religião do amor, tem de ser dura e inclemente para
com aqueles que a ela não pertencem. Fundamentalmente, na verdade, toda
religião é, dessa mesma maneira, uma religião de amor para todos aqueles a quem
abrange, ao passo que a crueldade e a intolerância para com os que não lhes
pertencem, são naturais a todas as religiões”. *Freud. V. XVIII: 125).
Em certos aspectos, o presidencialismo
constitui grupo fantasmal homólogo á Igreja e ao Exército. Na gramática econômica
presidencialista, o presidente é o ersatz de Cristo ou do comandante-em-chefe,
pois, ele ocupa no imaginário presidencialista o lugar de substituto do pai,
pai substituto. (Freud. v. XVIII: 120).
A gramática econômica da forma
política é completa como gramática capitalista:
“por esse caurim, a mais-valia é
a causa do desejo do qual uma economia faz seu princípio: o da produção
extensiva, portanto insaciável, da falta-de-gozar [manque-à-jouir]. Esta se acumula, por um lado, para aumentar os
meios dessa produção como capital. Por outro lado, amplia o consumo, sem o qual
essa produção seria inútil, justamente por sua inépcia para proporcionar um
gozo com que se possa tonar-se mais lenta. (Lacan. 2003: 434).
A insaciável falta-de-gozar das
massas presidencialistas se encontra na Igreja e no Exército como suporte do
sujeito suposto saber, correlativa do próprio Édipo, definindo a função do Pai
Ideal. (Lacan. 2003: 262-263). Ao contrário do parlamentar no parlamentarismo,
o presidente ocupa esse lugar do sujeito suposto saber que não é o não sabe que
sabe. É um truísmo dizer que a criança é aquele olhar que institui o pai como sujeito
suposto saber.
A gramática econômica do abstrato
fantasmal pode ser lida:
“No que a gramática já mede a força
e a fraqueza das lógicas que dela se isolam, por clivá-las com seu subjuntivo,
e se indica como concentrando o poder de para todas abrir caminho”. (Lacan.
2003: 449).
A gramática econômica pode não expressar
certeza, e sim uma dúvida ou desejo; ela não postula exatidão ou rigor como
nomes da ciência. (Canguilhem: 339). Ela concentra poder para abrir caminho
para a política formar laço social sem necessidade de Cristo ou
comandante-em-chefe ou presidente da república. Um discurso político capaz de
formar laço social sem grupo fantasmal pode existir na atividade do parlamentarismo?
(Lacan. 2003: 475).
Na periferia do capitalismo, o presidencialismo
em colapso é capaz do remanejamento dos grupos sociais pela ciência
introduzindo duros processos de segregação em escala ampliada?
Lacan diz:
“A terceira facticidade, real,
sumamente real, tão real que o real é mais hipócrita (bégueule) ao promovê-la do que a língua, é o que torna dizível o
termo campo de concentração, sobre o qual nos parece que nossos pensadores,
vagando do humanismo ao terror não se concentraram o bastante”. (Lacan. 2003:
263).
Não é propriamente um segredo de
polichinelo que o sistema penitenciário brasileiro é o campo de concentração ao
acaso no qual facções criminosas governam dentro e fora na rua. O presidencialismo
brasileiro deixou de ter uma gramática econômica (teve em algum momento?) e se
transformou em um fenômeno meramente fáctico fazendo pendant com a facticidade da
societas sceleris?
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de
consumo. Lisboa: Edições 70, 1981
CANGUILHEM, Georges. Études d’histoire
et de philosophie des sciences. Paris: J. Vrin, 1975
DELEUZE E GUATTARI. L’ANTI-OEDIPE.
Capitalisme et schizophrénie. V. 1.
Paris: Minuit, 1972
ENRIQUEZ, Eugène. Da horda ao Estado.
Psicanálise do vínculo social. RJ: Jorge Zahar Editor, 1990
FREUD. Obras Completas. Psicologia
de grupo e análise do ego. V. XVIII. RJ; Imago, 1976
LACAN, Jacques. Outros Escritos.
RJ: Jorge Zahar Editor,2003
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