terça-feira, 16 de setembro de 2014

Crise do modelo político brasileiro?





“Um espectro ronda a Europa: o espectro do comunismo”. Esta frase do Manifesto do Partido Comunista é a condensação da lógica dos espectros de Marx que instaura, no discurso marxista, a articulação entre a grande política e o simulacro no sentido especificamente político (Derrida: 22, 60). O espectro é uma cópia sem vida do corpo político real passado ou futuro. Na frase supracitada, trata-se do espectro do futuro que se tornaria um corpo político real com Lenin na revolução bolchevique na Rússia.
Derrida esclareceu que o espectro é a não-contemporaneidade a si do presente. É preciso falar do fantasma uma vez que nenhuma ética e nenhuma política parecem possível, pensável e justas sem reconhecer em seu princípio o respeito ou por esses outros que não estão mais presentes, ou por esses outros que ainda não tenham nascido (Derrida: 11). Para nós, o fantasma interessa como a disjunção na presença mesma do presente, essa espécie de não-contemporaneidade do tempo presente a ele mesmo, essa intempestividade ou essa anacronia radicais. Trata-se da articulação entre o que se ausenta e o que se apresenta. O fantasma deve não ser nada, nada simplesmente (não-ente, não-efetividade, não-vida). Ou nada imaginário mesmo se esse nada toma corpo, corpo espectral (Derrida: 49).
A presença deste corpo na política é capaz de ligar o passado e o futuro ao presente. A conjuração dos mortos – quando os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado – se faz através da apropriação de uma linguagem espectral emprestada. Os homens evocam tal linguagem emprestada – com seu conteúdo de ideias e formas de arte – com suas ilusões de que necessitam para esconderem de si próprios as limitações do conteúdo de suas lutas e manterem seu entusiasmo no alto nível da tragédia histórica. Nesta, o simulacro é evocado para transladar o presente para uma época morta (Marx. 1974: 335-336). Na tragédia política, a multidão parece articular a política sem a lógica do espectro (Silveira: 2014).
O fantasma que se descreve como alguma “coisa” espectral faz da lógica do simulacro a porta de entrada para a política. O corpo espectral é o simulacro que permite a leitura da realidade política como algo virtual e factual ao mesmo tempo. Em O capital, a lógica do simulacro articula a estrutura simbólica, quando o capital morto controla o trabalho vivo (Eagleton: 85).  Trata-se do capital no lugar do grande Outro. O capital como o verdadeiro Deus da política. O capital é o corpo sem órgão do capitalista, ou antes, do ser capitalista. É no capital que se engatam as máquinas e os agentes, de modo que até o seu funcionamento é miraculado por ele. Quando as conexões produtivas passam das máquinas ao corpo sem órgão (como do trabalho ao capital), elas são submetidas a uma nova lei que exprime uma distribuição em relação ao elemento não produtivo como pressuposto natural ou divino, ou seja, as disjunções do capital (Deleuze e Guattari: 13-15).     
II     
O espectro mais importante da política brasileira republicana é o espectro populista que apareceu na democracia de 1934. Trata-se de Getúlio Vargas como espectro populista do futuro. Em 1934, Getúlio tem que ser entendido como corpo virtual (fantasma do futuro) e como corpo político real. Como líder efetivo populista (corpo político vivo), Getúlio só acontece em 1950 no governo da democracia populista.
O populismo pode ser caracterizado por três dimensões. Primeiro, a democracia é a condição de possibilidade dele. Segundo, ele depende de uma articulação da política feita pelo discurso do direito como expressão do antagonismo de classes ou de outros antagonismos. Terceiro, ele está associado à política de massas. Em 1934, há democracia e direito trabalhista, mas não existe política de massa. Como esta sobredetermina os dois outros aspectos, neste momento, o populismo só existe como um corpo espectral. Em 1934, Getúlio é o líder populista virtual como espectro do futuro.
A crise da democracia de 1934 pode ser compreendida, no plano político, pela metamorfose do espectro do populismo em bonapartismo que só ocorre na democracia despótica da Lei de Segurança Nacional de 1935. Este é também o momento do despertar do Urstaat colonial em uma experiência de democracia republicana regulada pelo discurso do mestre colonial oligárquico (Silveira: 2014). O golpe de Estado bonapartista instala um estado de exceção permanente – o Estado Novo- e Getúlio torna-se o tirano moderno da vida republicana brasileira. Getúlio não conjurou ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado? Ele não conjurou em seu auxílio o fantasma de um outro tirano republicano - o marechal Floriano Peixoto-, imortalizado por Lima Barreto no romance Triste fim de Policarpo Quaresma? (Barreto: 207). Na década de 1930, a lógica do espectro articula a crise da democracia e a instauração de um regime despótico como simulacro (cópia) de ditadura moderna. A crise de 1954 – que levou Getúlio finalmente ao suicídio – foi a tentativa de Carlos Lacerda de transformar o populismo em um espectro, em um corpo sem vida. Ao se transformar em um espectro, Getúlio possibilitou que o populismo continuasse a existir como um corpo político vivo através de JK (Juscelino Kubichek) que venceu a eleição presidencial, após a subida de Getúlio para o céu da política brasileira.
Na eleição presidencial de 1960, não houve espectro rondando a política. Mas Jânio Quadros na presidência da República é a própria crise. Ele queria transformar o populismo vivo em bonapartismo. O espectro do bonapartismo explica a crise política que levou o vice-presidente João Goulart ao cume do poder de Estado, após o simulacro de renúncia de Jânio Quadros. Ao contrário de Getúlio, Jânio fracassou em transformar o populismo em bonapartismo. O fracasso de tal substancialização provou que a alquimia de Jânio era uma alquimia de um professor de português comparada a uma verdadeira alquimia política como a de Getúlio. Na crise de 1964, a direita comandada por Carlos Lacerda aliada aos generais liderados pelo general Castelo Branco   evocaram o fantasma do comunismo – encarnado no governo Goulart – para desfechar um golpe de Estado. Este instalou um regime despótico militar que só acabaria na década de 1980. Este fantasma apareceu através da voz de Luís Carlos Prestes que declarou em março de 1964: “estamos no poder”. A ditadura militar é um simulacro de ditadura republicana, uma cópia militar do Estado Novo. Tal ditadura, por caminhos tortuosos, é uma herdeira de Floriano Peixoto e de Getúlio Vargas com sua cornucópia de tiranos militares. 
Na eleição de 1989, Collor esconjurou Lula e o PT com o espectro do comunismo simbolizado na bandeira vermelha estrelada do partido. A derrota de Lula significou a derrota de um corpo político espectral, pois o PT jamais foi comunista. Diz a lenda comunista que o General Golbery do Couto e Silva – considerado o bruxo do regime militar – criou o PT para acabar com a hegemonia do PCB entre os trabalhadores e intelectuais. E que Lula foi, no início de sua vida sindical, um agente da CIA. Os marxistas do PT jamais acreditaram em tais lendas urbanas – No lo creo em brujas pero que las hay las hay.
Em 2002, Lula disputou a presidência com o PSDB. Ele fez a “Carta aos Brasileiros” para esconjurar o fantasma do comunismo que parecia, para a elite e para camadas da população, possuir o PT. O governo de Lula pode ser concebido como uma vasta experiência de dissolução do espectro da luta de classe e de um possível exercício do poder de Estado capitalista pela classe operária. Lula governou um Estado capitalista para os capitalistas e em função do capitalismo. Ele foi a versão tropicalista de que a luta de classes deixara de ocupar o centro da política mundial, inclusive nas distantes redes da América Latina. Lula e Fernando Henrique Cardoso são os ideólogos da oligarquia política híbrida criada no século XXI. Esquerda e direita unidas em torno de um bem supremo: governar o Estado capitalista. Tal é a ética da oligarquia política híbrida. Uma vez FHC disse: “eu tenho um pé na senzala”. Esta frase revelava para a nação o desejo de FHC instalar no Brasil uma democracia fundamentada em um pensamento político mestiço? Mas para FHC tal pensamento só poderia ser uma paródia de um verdadeiro pensamento político mestiço. A oligarquia política híbrida corresponde na política ao sintoma neurótico da psicologia do indivíduo. Freud concebe o sintoma neurótico como uma “formação de compromisso”, já que em sua estrutura convivem tensamente duas forças antagônicas (Eagleton: 122). Na oligarquia política híbrida, há sempre uma “formação de compromisso” entre duas forças antagônicas: direita/esquerda.    
III   
Na eleição de 2014, não há espectros. A lógica do simulacro está ausente. Então, a eleição é obra do acaso ou da publicidade (marketing político)? Ou está sendo regida pelo inconsciente político – uma interseção entre o Real e o Simbólico que subsume o imaginário político brasileiro? Não é preciso pensar na possibilidade do inconsciente político operar como causa ausente da política no século XXI? O discurso do inconsciente é estruturado como uma linguagem. Trata-se da Ordem da Lei e do Direito de assinação atributiva ou excludente sob a forma da Ordem do significante, ou seja, sob a forma de uma Ordem formalmente idêntica à ordem da linguagem (Althusser: 23, 26). Linguagem política! Linguagem articulada a partir de dois significantes-mestre: público e privado. O Real é o significante foracluído do simbólico, ou seja, impossível de ser simbolizado. A entrada em cena do inconsciente político tem como causa a morte do candidato do PSB, Eduardo Campos. Tal morte é o real impossível de ser simbolizado. Marina Silva assumiu o lugar de Eduardo Campos e as pesquisas de opinião indicam que ela será a opositora de Dilma no segundo turno. Com exceção da eleição de 1989, as eleições presidenciais têm sido um confronto entre o PT e o PSDB. Um simulacro de confronto entre o capital e o trabalho. Isto não caracteriza a eleição no reino da oligarquia política híbrida? Mas para a população, Marina é o significante capaz de encontrar um caminho para a crise brasileira? Tal crise é um sintoma da eleição de 2014. A crise é o segredo bem guardado pela elite econômica e pela oligarquia política híbrida. Como o texto do sonho, o sintoma revela e oculta simultaneamente. Os jornais televisivos falam cotidianamente dele. E a crise, é possível descrevê-la?
Um primeiro aspecto da crise é a lógica da justiça que regula a política brasileira no século XXI. Trata-se de uma justiça que põe para funcionar o princípio da justiça oligárquica brasileira colonial: ajudar os amigos, e prejudicar os outros? Fazer o bem para os idênticos e prejudicar os diferentes? O PT é pilotado por tal justiça na era lula? A declaração de que o partido vai transformar a vida do governo de Marina em uma sucursal do inferno na terra não é algo pilotado pela justiça oligárquica? O fim da oligarquia política híbrida significa o fim da política para o PT como algo positivo? Significa lançar o país em uma crise política do tipo venezuelana? As declarações de Marina não parecem apontar para a construção de uma vontade política que expressa o desejo de encerrar o ciclo no poder da oligarquia política híbrida? O PT não poderia fazer parte desta vontade política saindo da órbita da lógica do simulacro? Marina advoga uma outra justiça para a articulação da política? A política não deve ter como cimento a família ou as redes de amizade oligárquicas, cimento da justiça oligárquica. Não se trata de articular a política pela ética oligárquica de fazer o bem para os amigos, e aos inimigos a lei. Trata-se de articular a política a partir do princípio socrático, que chegou até ao cristianismo primitivo, de não prejudicar ninguém. Uma justiça que não opere, na política, a partir da dialética identidade versus diferença.
Em posse do governo federal, o PT como partido hegemônico da oligarquia política híbrida não articula a política pela justiça oligárquica colonial. Então, qual é a lógica da justiça petista? Ajudar os amigos e buscar um equilíbrio com o inimigo para evitar a crise da oligarquia política híbrida. Trata-se de evitar a presença de Mefistófeles na política. Mefistófeles diz: “Sou parcela do Além, força que cria o mal e também faz o bem” (Goethe: 59). Com Goethe, o Diabo não é inscrito no lugar do grande Outro da política? Dividir os bens públicos com o “inimigo” – os governadores de oposição, por exemplo - não é um modo de evitar a posição do diabo na política? Collor que só sabia viver a política pela articulação da velha justiça oligárquica não foi abandonado pela elite política? Ele não seguia fervorosamente a ideia de justiça mefistofeliana?  Quando a multidão pediu na rua o seu impeachment, nem o pacto com o diabo foi capaz de salvá-lo. Collor colocou em prática um contrato com o diabo que aplicava a justiça oligárquica de um modo restrito: “para os amigos tudo, para os outros a lei”. Os amigos eram o pessoal restrito ao bando oligárquico, basicamente de Alagoas, seu estado natal. A justiça oligárquica ampliada teve uma longa vida no governo autocrático de José Sarney. Através dela, Sarney transformou a transição para a democracia em um regime autoritário civil (Silveira: 2013) que durou uma eternidade. Entretanto na ideologia dominante patrocinada pela velha justiça oligárquica colonial, ele é glorificado como a nêmesis do regime autoritário militar e o campeão da democracia de 1988.  A justiça socrática de Marina não significa um caminho para desfazer ou os nós da política amarrada pela oligarquia política híbrida, ou os nós da justiça oligárquica colonial capaz de amarrar a política brasileira no século XXI?   
IV
Qual é a ética da oligarquia política híbrida? A oligarquia brasileira tradicional fez da riqueza o seu bem supremo. O privatismo – a apropriação privada da riqueza pública – é o significante que a articula no espaço político. A oligarquia política híbrida tem a conservação do poder como seu sumo bem. A autarquia econômica é o significante que sustentou a oligarquia tradicional, significante geoeconômico, territorial (engenho, fazenda), que está na origem da transição da oligarquia como discurso do senhor para o mundo “moderno”. O privatismo e a autarquia sustentam, por um lado, a apropriação privada da riqueza e, por outro, o homem oligárquico como homo clausus. O corolário é a articulação, no campo simbólico, da cidade oligárquica como modelo para a política brasileira. A oligarquia política híbrida é articulada pelos significantes supracitados que a enredam como inconsciente político. Mas a ética dela tem a conservação do poder como bem supremo. O projeto de poder do PT – não deixar o poder federal, enquanto existir a democracia de 1988 – é a vontade de poder como expressão de tal ética.
A ética da oligarquia política híbrida é regulada por um certo realismo político. Trata-se da tentativa de subtrair os atos políticos à qualquer avaliação moral. O realismo político professa que a ética é algo do domínio da vida privada. A política é uma esfera autônoma integralmente separada da dimensão ética. Por isso, a política realista se define pela procura de certos efeitos a qualquer preço, sejam quais forem os meios, aos quais se deve recorrer, com a consequente exclusão da dimensão moral. Para a oligarquia política híbrida, a moral é uma forma de consciência, uma ideologia, ou seja, um conjunto de ideais, normas e juízos de valor – juntamente com atos humanos respectivos – que servem aos interesses de um determinado grupo social. Esta visão de mundo é derivada do marxismo do PT e da formação marxista de Fernando Henrique Cardoso – principal ideólogo do PSDB e da oligarquia política híbrida.
O mensalão é um fato produzido pelo realismo político do PT – que governava com Lula – que levou os dois principais militantes do núcleo duro estalinista do PT a serem condenados pelo STF. Outro fato deste tipo é a quase implosão da Petrobras no governo Dilma Rousseff, provocado pela corrupção dos partidos da base aliada e pela gestão irracional da empresa operada pela lógica privada de apropriação da riqueza pública (privatismo). Outro fato é o uso privado pelo PT e PMDB e outros partidos do capital dos Fundos de Pensão, revelado pela Operação Lava Jato da Polícia Federal. Esta é uma dimensão da crise brasileira que tem como causa ausente a soberania do discurso do senhor colonial sobre a nossa política no século XXI.  
Depois do mensalão, o PT deixou de ser o partido que pela ética republicana se contrapunha a ética oligárquica.  O egoísmo ético oligárquico promove a sujeição do universal ao particular. Ele não é apenas uma ideologia, mas uma forma real de comportamento efetivo do homo clausus oligárquico. Ele é parte de um processo “vivido” inconsciente e institucional no qual a lógica privada subsume a lógica pública do inconsciente político.
A relação do PT com a estrutura oligárquica obedece à lógica heterônoma. Ele é uma caixa de ressonância de uma voz que lhe fala de fora - do inconsciente político como cadeia causal do discurso oligárquico. Há uma determinação externa que faz do egoísmo ético petista o avesso de um fato moral, pensando o ethos como uma forma de vida política e o mores como “costumes” no sentido de um conjunto de normas ou regras adquiridos pelo hábito. Não há subjetivação do discurso do mestre pelo PT como algo substituto à subjetivação marxista-leninista (estalinismo). Assim, o PT continua, instrumentalmente, renegando seu papel de partido dirigente da oligarquia política híbrida na era Lula, e renegando que seja, ao lado do PMDB, o principal dispositivo de repetição da cultura política oligárquica colonial uma vez que esta funciona para ele como um Deus ex machina. Para o PT, a consciência é menos algo dentro de nós que algo ao redor de nós e entre nós, uma rede de significantes que nos constitui inteiramente, de fora, do exterior. Assim, o partido se mantém puro em seu ser político como subjetividade marxista-leninista. Este é o espírito dos revolucionários que tem raízes no populismo russo (narodovolchestvo). No Os Demônios, Dostoiévski escreveu: “Para o homem russo a honra é apenas um fardo supérfluo. Aliás, em toda a sua história sempre foi um fardo. O que mais pode atraí-lo é o franco “direito à desonra”. A nota do Editor diz que o nosso escritor joga com uma passagem da Publicação da Sociedade Vingança do Povo: “Nós, do povo...guiados pelo ódio a tudo o que não é o povo, somos isentos do conceito de obrigações morais e de honra em relação ao mundo que odiamos e do qual nada espera a não ser o mal...” (Dostoiévski: 360). Por caminhos tortuosos, o populismo russo não se tornou a matriz simbólica do marxismo-leninismo? Nas mãos do PT, a política brasileira do século XXI não tem um colorido russo?
Para o populismo russo petista, a quase implosão da Petrobras – um sintoma da crise brasileira – não diz respeito ao ser político do partido. Em setembro de 2014, o engenheiro Paulo Roberto Costa – ex-diretor da Petrobrás entre 2004 e 2012 – usou a delação premiada para não acabar como Marco Valério, operador financeiro do mensalão condenado a várias décadas de prisão. As investigações da PF revelam a existência de uma ampla rede de corrupção (privatismo) na empresa envolvendo funcionários de carreira, grandes empreiteiras, doleiros e políticos importantes. Para terem acesso aos contratos da estatal, as empreiteiras eram aconselhadas a reverterem parte de seus lucros aos cofres da rede de partidos do governo petista. Depois de lavado por doleiros, o dinheiro era distribuído entre os políticos e os partidos. Faziam parte de tal rede três governadores, seis senadores, um ministro de Estado e 25 deputados federais. Entre os mais notáveis estavam o presidente do Senado, Renam Calheiros (PMDB), o senador Ciro Nogueira, presidente do PP, e o tesoureiro nacional do PT, Vaccari Neto. Entre os governadores, Sérgio Cabral (PMDB), do Rio de Janeiro, e a filha de José Sarney, Roseana, do Maranhão. Paulo Roberto Costa declarou que conversou frequentemente com o então presidente Lula e que costumava tratar com ele dos assuntos da Petrobras: “Por várias vezes, tratei diretamente com o presidente Lula” (Veja. 10/09/2014). A quase implosão da estatal é um trabalho político da oligarquia política híbrida que foi pilotada pela mesma lógica da oligarquia brasileira tradicional: o privatismo. Tal lógica beneficiava o governo Dilma, pois o dinheiro sujo, arrecadado pela rede privatista, bancava a base de sustentação do governo no Congresso. O “presidencialismo de coalizão” não é uma necessidade da política brasileira, mas um mecanismo que sustenta o poder da oligarquia política híbrida. Trata-se da miséria da política que submete o presidente da República à lógica privatista do discurso do mestre. Assim, os presidentes petistas substituíram a ética republicana de usar o governo para fazer o Bem para o maior número de pessoas pela ética oligárquica de fazer o Bem para os amigos. Movendo bilhões de dólares, a “petrogate” explica a fala de Paulo Roberto Costa: “Se eu falar, não vai ter eleição”. Frase sibilina que retém o segredo da crise brasileira. Esta é a crise do modelo político brasileiro criado na década de 1990 que não alterou em um milímetro a estrutura simbólica (estrutura de poder) que articula a política brasileira. Dois partidos modernos (PT e PSDB) se transformaram em suporte e veículo do discurso do mestre colonial. O marxista Caio Prado Jr. sempre esteve certo em apontar a repetição do Brasil colonial no Brasil republicano. O pensamento conservador de um Oliveira Vianna e de um Gilberto Freyre também iluminou este fato. A possibilidade da vitória de Marina Silva não é uma conclusão lógica da crise brasileira? O modelo político está em crise e a população inventa um líder carismático como solução lógica para a crise? A vida pessoal e política de Marina a qualifica para ocupar o lugar do líder carismático? A população inventa o líder carismático como voz do discurso do Outro, da Ordem Simbólica. O problema é que a ordem simbólica não pode evitar a lógica do insignificante na política (Hegel: 26). As virtudes do líder carismático podem ser insignificantes para resolver a crise brasileira. Na política, as paixões, os objetivos do interesse particular e a satisfação do egoísmo são fatores mais poderosos que a razão e as virtudes; seu poder está em não considerar nenhum dos limites que o direito e a moralidade lhes querem impor. Aqui, trata-se de um direito e de uma ética que não são a expressão de vontade de poder oligárquica ou capitalista. Mas na visão de Hegel, se o Estado não é apenas um aparelho, nem tudo está perdido: se o Estado é o que existe, é a vida real e ética, pois ele é a unidade do querer universal, essencial, e do querer objetivo – isso é a moralidade objetiva (Hegel: 39). O mundo real, o bem verdadeiro e a razão divina universal têm o poder de se realizar. Esse bem e essa razão em sua representação mais concreta é Deus. Deus governa o mundo, e o conteúdo de seu governo, a realização de seu plano, é a história universal (Hegel: 37-38). O grande Outro governa a política na história universal. Isso não é um princípio de esperança para os povos submetidos ao inferno do discurso do mestre colonial no século XXI? No início reinou Cronos, o tempo. Foi a era de ouro, sem obras morais. O que foi criado, os feitos dessa época – foi devorado por ele mesmo. Um Deus político dominou o tempo e impôs um objetivo ao seu curso, criando uma obra moral: o Estado (Hegel: 69-70). Esta mitologia hegeliana da criação do Estado pelo grande Outro como um fato ético remete a política para a dimensão da lógica pública do inconsciente político. Algo que o capitalismo reduziu aos interesses da burguesia. Só foi possível conceber a ideia do Estado como aparelho que serve aos interesses de uma classe, quando ocorreu a subsunção integral do Estado (público) ao capital (privado). Como aparelho, o Estado deixa de ser articulado pelo grande Outro. A categoria interesse toma o lugar da ordem simbólica na articulação da política. Esta secularização abjeta da política é o desencantamento de um mundo que quer excluir o inconsciente político como um fator determinante da vida política.                                  
BIBLIOGRAFIA
                                                   
ALTHUSSER, Louis. Positions. Freud et Lacan. Paris: Editions Sociales. 1976
DELEUZE E GUATTARI, Gilles e Félix. O anti-édipo. Capitalismo e esquizofrênia. Portugal: Assírio e Alvim. Sem data
DERRIDA, Jaques. Espectros de Marx. RJ: Relume-Dumará. 1994
DOSTOIÉVSKI. OS demônios. SP: Editora 34. 2005
GOETHE. Fausto e Werther. SP: Nova Cultural. 2002
EAGLETON, Terry. Ideologia. SP: Editora da Universidade Estadual Paulista e Editora Boitempo. 1997
HEGEL. Filosofia da história. Brasília: Editora da UNB. 1995
LIMA BARRETO. Triste fim do Policarpo Quaresma. SP: Brasiliense. 1959
MARX. Os Pensadores. SP: Editora Abril Cultural. 1974
SILVEIRA, José Paulo Bandeira da. Leitura da política brasileira (1985-1992). “Publique-se”. Livraria Saraiva. 2013
SILVEIRA, José Paulo Bandeira. Oligarquia e política. “Publique-se”. Livraria Saraiva. 2014