terça-feira, 2 de abril de 2019

MISCELÂNEA

José Paulo 02/04/2019


MEMORIA, DEMOCRACIA, AUTORITARISMO
Democracia e ditadura significam dois espaços políticos distintos radicalmente? A ditadura pura dispensa o sistema representativo dos partidos, soberania popular e, portanto, eleições periódicas; há ditadura que usa o sistema representativo para se legitimar, como foi o caso do Brasil da “ditadura militar”; Argentina viveu uma ditadura militar purificada do sistema representativo. Os generais foram julgados e encarcerados.
A democracia pura se define pela exclusão de processos autoritários em sua história. A democracia brasileira 1988 embarcou em um período com autoritarismo da extrema-direita mitológica (“ele é o mito”), celebrando a memória do golpe de Estado 1964 e da ditadura militar que adveio daí.
A democracia 1988 se fez com negociação entre a ditadura e a história democrática; o passado autoritário sobreviveu, pois, a democracia não foi uma conquista das massas democráticas, e sim uma transação entre facções autoritárias (militares, inclusive) e facções contra autoritárias das elites com apoio da classe media urbana.
No Brasil, a memória política (das formas de governo) foi alvo de uma luta na qual o autoritarismo levou a melhor sobre a democracia. A narrativa do jornalismo criada na junção com a narrativa do general Geisel (abertura política, democracia relativa) e a narrativa dos intelectuais ligados ao governo Sarney (com Sarney começa a democracia pós-ditadura militar, Sarney campeão da democracia) são hegemônicas nos livros de história e ciência política; é hegemônica no ensino da escola pública e universidades.
No território da memória política, a ditadura venceu a democracia 1988.Bolsonaro levantou o problema da memória política (como repetição histórica) com a celebração nos quarteis do golpe de Estado 1964; o judiciário se dividiu quanto a legalidade do ato de 31 de março. Acabou prevalecendo a decisão de uma juíza federal a favor da legalização da celebração do ato 31 e, portanto, a favor da legalidade da ditadura contra a democracia, como reivindica o general Hamilton Mourão: vice-presidente da República. Porém, a celebração do 31 de Março se restringiu aos quartéis e manifestação com paus e pedras contra do PT e PSOL.
Não importam os fatos. Para os generais, a vitória da extrema-direita é a consagração irrevogável do movimento de 31 de Março 1964.
Trata-se do fluxo espermático da história autoritária na democracia 1988. O STF preocupado com sua honra de toga poderia ter se manifestado (individualmente e como grupo) contra o autoritarismo da extrema-direita em seu manejo e manipulação do Exército e da memória nacional. O presidente da Câmara (e o do Senado) poderia ter feito uma manifestação de repúdio ao ato autoritário do presidente da República. Nada fez!
Se as altas esferas do poder democrático não defendem a democracia 1988 como memória nacional, um simulacro político toma conta da cena política. Neste simulacro político, a esquerda burocrática (PT, PSOL, PCdoB, Rede) faz de conta que é a defensora da democracia populista (1946-1964) - e a extrema-direita se apresenta como defensora da memória de 31 de Março 1964.
A questão que se apresenta é a da hegemonia sobre as massas contrárias à extrema-direita. O PT e o PSOL fazem uma aliança tácita para controlar as massas democráticas e se oferecem para o “sistema político” como oposição oficial à esquerda. Assim, o processo autoritário messiânico (de Jair Messias Bolsonaro) desenha a nossa geografia do espaço político da terceira década do século XXI.
A “Nova Reforma da Previdência”, abre um espaço de lutas de massas e organização da articulação da hegemonia à esquerda do espectro político. Vivemos um momento no qual a luta das massas pode se tornar o centro da política nacional em choque frontal e aberto com os mass media, os partidos de direita e esquerda e o processo de aprofundamento da história autoritária na democracia 1988.
A luta das massas pode ser o meio de retomar a história democrática em um processo de aprofundamento dela.
O cético brasileiro não crê!

BANCO E CRIME
NO Brasil, a relação entre crime organizado e Banco inexiste na cultura brasileira da universidade, mass media ou PGR. Por quê?
A lavagem de dinheiro e o favorecimento ao crime organizado (pelo sistema financeiro) deveria ser uma preocupação de organização do Estado e da sociedade civil no Brasil. Todavia, os mass media e o Estado de polícia que combatem a corrupção público-privado nada fazem sobre os crimes de lavagem de dinheiro e favorecimento ao crime. Não há prática estatal para coibir manipulação de taxas de juros, evasão fiscal, manipulação de mercados e outros ilícitos do sistema financeiro.
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Se partimos da ideia de que a economia financeira mundial não é regulamentada, temos que buscar uma explicação econômica para tal fato.
A reprodução ampliada do capital e a acumulação capitalista integraram o “capitalismo criminoso” na economia mundial. Por exemplo, a compra dos produtos do complexo industrial militar mundial se fazem um espaço legal e ilegal; o crime organizado dos de baixo é um mercado na periferia para os produtos do complexo industrial militar do tráfico de armas; introduzir o mercado de armas para a maioria da população se defender da violência urbana, eis uma tática criminosa do complexo industrial militar mundial (EUA, Inglaterra, China, Israel etc.)
O capitalismo continua sendo a realidade dos países, povos, continentes etc. Uma diabólica tática capitalista usada na periferia é convencer a opinião pública de que a realidade não é, dominantemente, capitalista. Com a destruição das economias avançadas, líderes políticos ocidentais falam que a causa da destruição é o capitalismo. Os mass media da América Latina escondem as declarações dos líderes ocidentais. Os mass media estão envolvidos em uma conspiração informacionalis contra a opinião pública. Aliás, eles são o exercito comunicacional do sistema financeiro e suas práticas e aparelhos criminosos.
O Brasil da extrema-direita é abertamente um país que passa a servir à reprodução ampliada de capital e acumulação criminosa do capitalismo globalizado, sob a benção de Donald Trump.
Há alguma alternativa capitalista ao domínio do capitalismo financeiro das organizações criminosas entre nós?
A periferia do capitalismo se ligará ao capitalismo globalizado através, principalmente, do capitalismo financeiro globalizado como organização criminosa acima do Estados nacional?
No espaço político periférico do capitalismo globalizado criminoso ainda faz sentido falar de esquerda e direita, legais, que querem governar os países?


NÓS E O CAPITALISMO
O capitalismo necessita de reprodução ampliada do capital e acumulação para sobreviver. A sociedade capitalista formada por capitalistas, operários, pessoal do Estado, pessoal da cultura em geral não é suficiente para a realização do produto produzido pelo capitalismo.
Países não-capitalistas, economias não-capitalistas, camadas sociais não-capitalistas monetarizadas sempre foram necessários para a realização da mais valia-capitalizada. O capitalismo coloniza as sociedades não-capitalistas pelo consumo de seus produtos; no século XX, teve a internacionalização das relações produtivas capitalistas na periferia não-capitalista propriamente dita; países da América-Latina se beneficiaram desse fenômeno. Hoje, há uma desinternacionalização da produção capitalista na América-Latina. Assim, Brasil, Argentina e México perdem seu sistema industrial internacional nacionalizado no passado.
O leitor deve abandonar as jeremiadas de uma burguesia nacional criando um sistema industrial no século XXI. (A FIESP é um chiste capitalista). Getúlio acreditou nesse mito até que em seu governo de 1950 abriu as portas para o capitalismo internacional industrial. Todavia, criou-se no Brasil um modelo econômico baseada na crença ideológica econômica que a sociedade capitalista periférica bastava como consumidora dos produtos produzidos aqui; este é o real motivo para o fechamento da economia brasileira ao exterior.
A reprodução do capital nacional não se realiza no espaço de uma sociedade nacional; aí entra o comércio exterior como necessidade absoluta; mas o comércio exterior pode ser o das corporações capitalista mundiais no qual a periferia não tem assento; então, advém a crise do capitalismo dependente e associado industrial; constrói-se blocos econômicos regionais para a saída dos produtos industriais; hoje, os blocos regionais são espaços fechados como comprador de produtos; o fechamento dos blocos leva a paralisia da acumulação capitalista que não tem mais novos mercados para a realização da mais-valia capitalizada. Assim, o capitalismo globalizado é a ponte para o futuro do capitalismo corporativo industrial do sistema neomercantilista dos Estados asiáticos.
As economias monetárias da África não-capitalista servem para a acumulação de capital chinês. Assim, a China coloniza ou neocoloniza a África; a economia monetária não-capitalista da América-Latina serve à acumulação capitalista chinesa; A China briga com os EUA pelo controle econômico da Venezuela em colapso e o grande parceiro econômico do Brasil.
Erroneamente, antigos marxistas brasileiros falaram em capitalismo no Brasil colonial. Equivoco grosseiro, pois, uma sociedade capitalista precária só surgiu com a indústria paulista e carioca no início do século XX; o capitalismo brasileiro industrial tout court só surge na década de 1950. Só nesta década se constitui uma sociedade capitalista tout court, hoje em final de mandato.
A sociedade industrial brasileira em colapso produz seus efeitos sobre o espaço político; sem classe operária industrial, o Estado trabalhista getulista (criado antes do capitalismo industrial como uma profecia de Getúlio Vargas) perde sua base social, econômica, cultural e política de sustentação; o Estado trabalhista fica solto no ar ou da atmosfera da tela gramatical econômica de um Brasil em decadência industrial; naturalmente, as cidades e os estados colonizados pelo sistema industrial entram em decadência; São Paulo é o caso mais dramático dessa decadência industrial. O governador de São Paulo não vê sentido em manter a USP estatal em uma São Paulo desindustrializada. Alvinho não vê um palmo além de seu próprio pequeno nariz
O novo marxismo brasileiro deve se voltar para a discussão da história do capitalismo na periferia latino-americana se livrando do nosso passado cultural marxista que via capitalismo até de baixo da cama do latifundiário (capitalismo como pau para qualquer obra); nosso passado confunde monetarização da sociedade com modo de produção especificamente capitalista.
Eis o desafio atual do novo marxismo pragmático latino-americano.


HOUVE GOLPE EM 1964?
O jornalista das antigas diz:
“- Partidos e grupos comunistas, mais seus associados, discutiam qual a maneira de derrubar o capitalismo burguês e implantar a ditadura do proletariado: pela luta armada ou pelo caminho reformista? Isso era em 1964, e a ampla maioria da esquerda era reformista — pelas chamadas reformas de base, processo que começava com a agrária e incluía um amplo cardápio de estatizações”
O jornalista faz ideologia ao ocultar que o golpe de 1964 (com a presença de massas de classe média no Rio e São Paulo) foi um choque entre dois projetos: o projeto capitalista nacional (teorizado por Octavio Ianni) versus o capitalismo dependente e associado (teorizado por FHC). Trata-se da contradição capitalismo contra capitalismo.
O populismo de Jango era o sintoma do desenvolvimento do capitalismo nacional; o movimento civil-militar de massas de classe média carioca-paulista de Carlos Lacerda, gen. Geisel. gen. Golbery do Couto e Silva, gen. Castelo Branco era a expressão do capitalismo internacionalizado dependente e associado.
O Estado militar-populista (Estado de massas de classe média), autoritário, do general Castelo Branco substitui o Estado burguês populista-democrático de João Goulart. Estes fenômenos políticos constituem a expressão político-ideológico dos capitalismos em pugna.
1964 significa uma contrarrevolução capitalista do capitalismo na periferia das economias avançadas. A internacionalização das relações de produção capitalistas e, logicamente, a nacionalização, em uma certa periferia, das relações de produção capitalistas, eis o fenômeno dominante da época: plantas fabris capitalistas internacionais plantadas na periferia.
O fenômeno supracitado criou uma sociedade de classes sociais industrial, capitalista em São Paulo. enquanto isso acontecia a política militar instalava um Estado militar neofascista 1968. A política tem autonomia relativa em relação à evolução da economia.
No Ocidente ou extremo-Ocidente, a sociedade industrial da luta de classes é melhor governada pelo método democrático. Como movimento de massas, a classe operária do ABC iniciou as lutas que provocaram a queda do regime militar. A democracia do capitalismo dependente e associado vem em um período no qual os EUA deixam de apoiar as ditaduras latino-americanas.
Hoje, a sociedade industrial capitalista associada em colapso tem como expressão político-ideológica a extrema direita no poder central 1919. A extrema-direita é o jardim de infância da política civil em colapso, pois ela faz política arcaica, política neocolonial do americanismo.
Bolsonaro interpreta canhestramente o golpe de 1964 como efeito da contradição mundial capitalismo versus comunismo. Hoje, ele tenta convencer os generais que esta é a interpretação correta do golpe de 1964 e da existência da “ditadura militar”. Bolsonaro fala de uma repetição histórica 19642019.
Como ele não sabe governar, resta a ele jogar o Exército contra a opinião pública que tem aversão à ditadura militar. Já o Exército está vendo se abrir uma janela de oportunidades para impor sua verdade reprimida que é o credo quia absurdum: “o Estado militar não foi uma ditadura militar”.
O Exército se deixa enfeitiçar (fetichismo) pela velha oposição esquerda versus Exército.



GOVERNO DO QUÊ? MARX COM FOUCAULT
Para Freud governar é impossível. Creio que governar o real é impossível. Então resta saber se é possível governar a realidade dos fatos como tempo presente, passado e futuro.
Se se governa a realidade, o que é a realidade?
Foucaultianos creem que a realidade é o campo de poderes com autonomia absoluta em relação à economia. Então não é mais necessário fazer investigação sobre o capitalismo mundial ou capitalismos.
Esquecer Marx?
A realidade do século XXI é aquela do capitalismo (s) funcionando em uma plurivocidade de campo de poderes. A realidade pode existir como gramática ou sgrammaticatura, ou quase gramática. A gramática capitalista tem seus próprios campos de poderes distribuídos por continentes, arquipélagos, povos e países.
Os sujeitos institucionais da política ou do poder governam a realidade ou a gramática da realidade? Ou são governados pela gramática?
Há governo quando os sujeitos do poder político governam a economia; sem isto qualquer governo afunda cedo ou tarde. Para governar a economia, os sujeitos se movem pela lógica dos interesses do capitalismo(s); fazem o Estado andar pela lógica dos interesses do capitalismo, como no caso Brasileiro. Assim, a política (e o Estado) se articula pela lógica da gramática do capitalismo.
Se há ideologia na atualidade, ela consiste em ocultar o comando do capitalismo(s) na vida nacional. Uma ideologia foucaultina diz que a realidade é apenas o campo de poderes. Eis um exemplo do funcionamento ideológico do capitalismo nas instituições científicas e de alta cultura no Brasil.
O marxismo + a psicanálise em junção com Foucault se encontra em Deleuze Guattari, por exemplo. Eles podem ser um ponto-de-partida para a investigação da realidade dos fatos do século XXI, se reinventados na interpretação e análise gramatical.
Mão a obra.