segunda-feira, 29 de agosto de 2022

"BARROCO TROPICAL", de AGUALUSA

 

José Paulo 

 

 

 

O, “Barroco tropical” é um romance sobre a contemporaneidade de nosso mundo, no qual Ocidente e Oriente fazem parte de uma guerra de posição do neobarroco contra o barroco: última casamata de resistência do domínio absolutista do neobarroco, entre nós.    

Na contemporaneidade de Agualusa, a tela gramatical neobarroca da indústria de comunicação espalha seu domínio sobre o mundo como anverso da tela gramatical barroca. Trata-se de uma antítese agônica entre cultura e comunicação de massa capitalista.

O livro começa expondo a luta do neobarroco contra o barroco em Luanda na narrativa do romance:

“(Dou-me conta, enquanto releio o que escrevi, que parece o guião de um filme publicitário. Este é o momento que devia surgir o frasco de perfume. Teria de ter um nome apropriado, algo como La tempête. Mas não. A partir deste instante o filme muda”. (Agualusa: 10).

O narrador fala de uma tela gramatical neobarroca  e do barroco como o perfume nessa tela.

Em seguida se põe e repõe o problema fundamental para se saber a verdadeira realidade da tela em tela:

“(O povo, o Eles, é como em Angola nós, os ricos, ou os quase ricos, designam os que nada têm. Os que nada têm são a esmagadora maioria dos habitantes deste país)”. (Agualusa: 11).      

Angola é uma sintetização do mundo capitalista sob domínio do neoliberalismo. O cosmopolitismo do neobarroco aparece como uma expressão estética da indústria de comunicação.

O povo é o que nada tem como multidão. Qual é natureza da multidão mundial?

Trata-se de uma multidão que sofre, pois, nada tem, por viver no reino da necessidade absoluta. Assim, temos a multidão barroca que se apresenta com o inconsciente mundial. O inconsciente é a linguagem do sofrimento de um discurso, de um discurso barroco. (Bandeira da Silveira; 2022).

A multidão neobarroca é aquela dos festivais de música popular ao redor do planeta. O Rio de Janeiro se tornou a capital da multidão neobarroca com o Rock-em-Rio e a apresentação dos Rolin Stones para uma multidão de 2 milhões de pessoas na praia de Copacabana.  

Massas no romance já é a multidão barroca que julga esteticamente o indivíduo:

“Ela estudara em Lisboa, em Londres ou Nova Iorque. Eventualmente em Lisboa, Londres e Nova Iorque. A forma como estava vestida sugeria um gosto em conflito com os atuais padrões ecológicos. Talvez sentisse prazer em afrontar, ou tivesse tanto dinheiro que se achasse acima do julgamento das massas”. (Agualusa: 12).   

A multidão barroca aparece (na narrativa do narrador) como um juiz que julga o gosto da mulher rica e bela neobarroca em uma nave espacial ao redor do planeta:

“Ao meu lado não havia ninguém, Núbia deu-se conta disso e veio ter comigo. Despiu o casaco de peles e guardou-o na bagageira. Por baixo vestia uma simples blusa branca, muito elegante, que deixava adivinhar uns seios largos e firmes”. (Agualusa: 13).

   Núbia é uma alegoria barroca da mulher, na tela gramatical neobarroca, com sua blusa elegante transparente que revela os barrocos seios largos e firmes.

A guerra de posição do neobarroco na alma perfumada da Núbia, pelo barroco, conquista uma posição dominante:

“As revistas tinham nomes Cacau, Tropical, Mulher Africana, Caras e Cores. Núbia estava em todas as capas. Na primeira aparecia vestida de noiva, a descer uma longa escadaria em caracol. Na segunda posava em biquíni, deitada de costas numa toalha de praia, tendo ao fundo, entre um friso de rochas, um mar cor de esmeralda. Na terceira vestia apenas uns curtos calções de ganga, e ria, uma bela gargalhada juvenil, enquanto procurava esconder o peito com ambas as mãos”. (Agualusa: 14).

O leitor pode procurar a tensão ente a fotografia publicitaria neobarroca e os vestígios do barroco nos detalhes da cena.

Núbia vem de uma família pobre. Ela não dominava a gramática da língua portuguesa falada em Angola:

“_ A minha família era muito pobre. Eu nem sabia falar o português. Foi esta que me ensinou a falar.”

Apontou para a Presidente, numa das fotos. Soltou uma pequena gargalhada.”. (Agualusa:15).

A gramática norma culta aparece como uma arma da distinção entre a elite e o povo. A Presidente é a alegoria barroca que coopta a mulher pela gramática culta.   

  O sagrado do barroco aparece iluminado na tela neobarroca:

“_ Deus fala comigo. Um dia mostrou-me um dos teus livros. No dia seguinte fui a uma livraria e comprei-o.”

_ Li mas não compreendi nada. Li-o poque Deus me disse, ‘Filha prepara-te. Tu és Núbia, a puta, e és Maria, pura. Bendito o furor do teu ventre’. Ele disse-me isto porque vou engravidar, vou dar a mundo um novo salvador...” (Agualusa: 15).

A profecia barroca do salvador define Núbia como a personificação dela como multidão barroca. O destino de Núbia é um ato da dramaturgia barroca na tela gramatical neobarroca plástica

É uma platitude, senso comum, que o barroco agência o sonho e o dormir sonhando acordado e o campo dos afetos como uma importante característica dessa gramática:

“Um sono branco, desembaraçado de sonhos, sem cores nem sons nem emoções. Acordo e é como se ainda estivesse a dormir. Levanto-me e está na hora e partir para o aeroporto”. (Agualusa: 29).

O aeroporto é o começo da viagem no neobarroco do narrador.  

O neobarroco é um sonho que não já um sonho barroco. Também, o neobarroco é um faz de conta que apela para o sentir, para o afeto barroco:

“Não tenho tempo para sentir.

Não tenho tempo para sentir, compreende? Não posso parar. Não posso ter tempo para sentir, morrerei de tanto sentir”. (Agualusa: 29).

O neobarroco é o agenciamento do sentir como mais real que o próprio sentir.

As novas gerações poderão descobrir o “Barroco tropical” como o romance que inaugura o novo romance, um romance que já não é a crise da forma gramatical romanesca.

Trata-se de um romance maravilhoso por sua atualidade e gramática do português moderno.  

 

AGUALUSA, José Eduardo. Barroco tropical. SP: Companhia das Letras, 2009    

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Barroco, tela gramatical, ensaios. EUA: amazon, 2022