José Paulo
O, “Barroco tropical” é um romance sobre a contemporaneidade
de nosso mundo, no qual Ocidente e Oriente fazem parte de uma guerra de posição
do neobarroco contra o barroco: última casamata de resistência do domínio
absolutista do neobarroco, entre nós.
Na contemporaneidade de Agualusa, a tela gramatical neobarroca
da indústria de comunicação espalha seu domínio sobre o mundo como anverso da
tela gramatical barroca. Trata-se de uma antítese agônica entre cultura e
comunicação de massa capitalista.
O livro começa expondo a luta do neobarroco contra o barroco
em Luanda na narrativa do romance:
“(Dou-me conta, enquanto releio o que escrevi, que parece o
guião de um filme publicitário. Este é o momento que devia surgir o frasco de
perfume. Teria de ter um nome apropriado, algo como La tempête. Mas não. A
partir deste instante o filme muda”. (Agualusa: 10).
O narrador fala de uma tela gramatical neobarroca e do barroco como o perfume nessa tela.
Em seguida se põe e repõe o problema fundamental para se
saber a verdadeira realidade da tela em tela:
“(O povo, o Eles, é como em Angola nós, os ricos, ou os quase
ricos, designam os que nada têm. Os que nada têm são a esmagadora maioria dos
habitantes deste país)”. (Agualusa: 11).
Angola é uma sintetização do mundo capitalista sob domínio do
neoliberalismo. O cosmopolitismo do neobarroco aparece como uma expressão
estética da indústria de comunicação.
O povo é o que nada tem como multidão. Qual é natureza da
multidão mundial?
Trata-se de uma multidão que sofre, pois, nada tem, por viver
no reino da necessidade absoluta. Assim, temos a multidão barroca que se
apresenta com o inconsciente mundial. O inconsciente é a linguagem do
sofrimento de um discurso, de um discurso barroco. (Bandeira da Silveira; 2022).
A multidão neobarroca é aquela dos festivais de música
popular ao redor do planeta. O Rio de Janeiro se tornou a capital da multidão
neobarroca com o Rock-em-Rio e a apresentação dos Rolin Stones para uma
multidão de 2 milhões de pessoas na praia de Copacabana.
Massas no romance já é a multidão barroca que julga esteticamente
o indivíduo:
“Ela estudara em Lisboa, em Londres ou Nova Iorque.
Eventualmente em Lisboa, Londres e Nova Iorque. A forma como estava vestida
sugeria um gosto em conflito com os atuais padrões ecológicos. Talvez sentisse
prazer em afrontar, ou tivesse tanto dinheiro que se achasse acima do
julgamento das massas”. (Agualusa: 12).
A multidão barroca aparece (na narrativa do narrador) como um
juiz que julga o gosto da mulher rica e bela neobarroca em uma nave espacial ao
redor do planeta:
“Ao meu lado não havia ninguém, Núbia deu-se conta disso e
veio ter comigo. Despiu o casaco de peles e guardou-o na bagageira. Por baixo
vestia uma simples blusa branca, muito elegante, que deixava adivinhar uns
seios largos e firmes”. (Agualusa: 13).
Núbia é uma alegoria barroca da mulher, na
tela gramatical neobarroca, com sua blusa elegante transparente que revela os
barrocos seios largos e firmes.
A guerra de posição do neobarroco na alma perfumada da Núbia,
pelo barroco, conquista uma posição dominante:
“As revistas tinham nomes Cacau, Tropical, Mulher
Africana, Caras e Cores. Núbia estava em todas as capas. Na primeira
aparecia vestida de noiva, a descer uma longa escadaria em caracol. Na segunda
posava em biquíni, deitada de costas numa toalha de praia, tendo ao fundo,
entre um friso de rochas, um mar cor de esmeralda. Na terceira vestia apenas
uns curtos calções de ganga, e ria, uma bela gargalhada juvenil, enquanto
procurava esconder o peito com ambas as mãos”. (Agualusa: 14).
O leitor pode procurar a tensão ente a fotografia
publicitaria neobarroca e os vestígios do barroco nos detalhes da cena.
Núbia vem de uma família pobre. Ela não dominava a gramática
da língua portuguesa falada em Angola:
“_ A minha família era muito pobre. Eu nem sabia falar o
português. Foi esta que me ensinou a falar.”
Apontou para a Presidente, numa das fotos. Soltou uma pequena
gargalhada.”. (Agualusa:15).
A gramática norma culta aparece como uma arma da distinção
entre a elite e o povo. A Presidente é a alegoria barroca que coopta a mulher
pela gramática culta.
O sagrado do barroco aparece iluminado na tela
neobarroca:
“_ Deus fala comigo. Um dia mostrou-me um dos teus livros. No
dia seguinte fui a uma livraria e comprei-o.”
_ Li mas não compreendi nada. Li-o poque Deus me disse,
‘Filha prepara-te. Tu és Núbia, a puta, e és Maria, pura. Bendito o furor do
teu ventre’. Ele disse-me isto porque vou engravidar, vou dar a mundo um novo
salvador...” (Agualusa: 15).
A profecia barroca do salvador define Núbia como a
personificação dela como multidão barroca. O destino de Núbia é um ato da
dramaturgia barroca na tela gramatical neobarroca plástica
É uma platitude, senso comum, que o barroco agência o sonho e
o dormir sonhando acordado e o campo dos afetos como uma importante
característica dessa gramática:
“Um sono branco, desembaraçado de sonhos, sem cores nem sons
nem emoções. Acordo e é como se ainda estivesse a dormir. Levanto-me e está na
hora e partir para o aeroporto”. (Agualusa: 29).
O aeroporto é o começo da viagem no neobarroco do narrador.
O neobarroco é um sonho que não já um sonho barroco. Também,
o neobarroco é um faz de conta que apela para o sentir, para o afeto barroco:
“Não tenho tempo para sentir.
Não tenho tempo para sentir, compreende? Não posso parar. Não
posso ter tempo para sentir, morrerei de tanto sentir”. (Agualusa: 29).
O neobarroco é o agenciamento do sentir como mais real que o
próprio sentir.
As novas gerações poderão descobrir o “Barroco tropical” como
o romance que inaugura o novo romance, um romance que já não é a crise da forma
gramatical romanesca.
Trata-se de um romance maravilhoso por sua atualidade e gramática
do português moderno.
AGUALUSA, José Eduardo. Barroco tropical. SP: Companhia das Letras,
2009
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Barroco, tela gramatical,
ensaios. EUA: amazon, 2022
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