terça-feira, 17 de outubro de 2017

AVESSO DA DEMOCRACIA - ITÁLIA

José Paulo

Subtítulo: TEORIA E PRÁTICA DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA.

O subtítulo do texto é um problema prático oportuno?

A democracia representativa é uma escola de política que como sujeito gramatical suporta a verdade da razão política. Todas as instituições da democracia em tela ou são racionais ou não são instituições democráticas. Ou os sujeitos gramaticais são racionais e razoáveis, ou não são sujeitos da democracia representativa. Tais teses podem ser tomadas como do campo da ideologia ou como do campo da cultura política pública. De qualquer modo, isto tudo nos remete para o problema teoria e prática.

Popper diz que o problema da teoria versus prática começa na era da modernidade com Marx. Marx é a spaltung, isto é, a quebra da metafísica milenar da questão teoria/prática aplicada à ciência da política:
“Contrairement aux hégéliens de droite, Marx s’est esforcé de résoudre par des méthodes rationelles les problèmes sociaux les plus aigus de son temps. Que ses efforts aient été, comme je me propose de le montrer, infructueux n’en réduit pas le mérite. La science ne progresse que grâce à l’expérience: les échecs étant aussi instructifs que les succès. Em dépit des erreurs que contient sa doctrine, son apport a été d’une telle importance que tout retour aux théories sociales antérieures est inconcevable. Notre dette envers lui est considérable, même si nous sommes em désaccord avec ses idées, et j’admets volontiers l’influence qu’il a exercée sur l’opinion que j’ai de Platon et de Hegel”. (Popper. 1979: 59-60).      

A Tese 11 do As Teses contra Feuerbacch diz: Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe transformá-lo. (Marx. 1974: 59). Transformá-lo como? A Tese 8 diz: Toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios, que induzem às doutrinas do misticismo, encontram sua solução racional na praxis humana e no compreender dessa praxis.

Nas Teses, Marx não diz o que é a teoria que vai substituir a filosofia como ideologia:
“Na consideração de tais transformações é necessário distinguir sempre entre a transformação material das condições econômicas de produção, que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito e o conduzem até o fim”. (Marx. 1974: 136).

No O Capital, Marx diz qual é o aspecto teoria. Trata-se da física da economia moderna ou crítica da economia política:
Le physicien, pour se rendre compte des procédés de la nature, ou bien étudie les phénomènes lorsqu’ils se présentent sous la forme la plus accusée, et la moins obscurcie par des influences perturbatrices, ou bien il expériment dans des conditions qui assurent autant que possible la régularité de leur marche. J’étudie dans cette ouvrage le mode de production capitaliste et les rapports de production et d’échange qui lui correspondente”. (Marx. 1977: 12).   

A física da economia moderna substitui a interpretação metafísica por um poder interpretativo gramatical. Trata-se do poder de interpretar com vontade de potência de transformar o mundo. Mas ainda nos encontramos no domínio da crítica da economia política tout court. Deslizando para o domínio da sociedade dos significantes capitalista, outra ciência aí age. Trata-se da ciência da política cujo modelo encontra-se no O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Aí, a física da economia capitalista faz pendant com a ciência marxista da política. Porém Marx não deixou o desenvolvimento completo da teoria/episteme de tal ciência.

A interpretação capaz de transformar o mundo é a interpretação gramatical (que se realiza também como explicação científica). Tal interpretação científica é um poder gramatical (link). Ela é uma teoria com uma prática que revoluciona o mundo. A física de Marx é a teoria da revolução capitalista (praxis) do modo de produção especificamente capitalista da mais-valia relativa.

A teoria de Marx é um poder gramatical de uma praxis que revoluciona o capitalismo. Transforma o capitalismo em socialismo, mas esquece da tecnologia social. A praxis só advém com o Manifesto do Partido Comunista 1948, que, na Rússia, se materializa como partido bolchevique leninista. O partido é a sintetização de teoria e prática.

No entanto, Popper tem razão em dizer que na teoria de Marx falta a tecnologia social da prática como instituições socialistas (Popper. 1979: 62-63; 1974: 94). Este vazio fez da revolução russa um campo experimental da unidade teoria e prática transdialética gramatical. A revolução russa mostrou que a teoria era um poder gramatical em unidade transdialética gramatical com a prática capaz de criar uma prática institucional: Estado soviético integral! Infelizmente o resultado foi a geração de uma prática marxista totalitária (com Stalin), que suporta a verdade do totalitarismo em Marx.  

Lacan diz: O que significa essa regra é que, precisamente, a verdade não é dita por um sujeito, mas suportada. (Seminário 16: 67). Como fenômeno da prática (pois a prática se define na relação instituição versus massas), as massas russas suportaram a verdade do marxismo totalitário. Esta verdade foi suportada pelos intelectuais marxista e as massas revolucionárias no Ocidente, no extremo-Ocidente e no Oriente.

Bobbio trata do problema da crise do poder gramatical da modernidade do socialismo à democracia representativa. Começo pela URSS. A interrogação que define a crise do totalitarismo marxista é: a URSS é um país socialista?
                                                                                      II

Durante décadas, a esquerda dialogou e se confrontou em torno da questão supracitada e não chegou a um consenso. Para os comunistas stalinistas (marxismo-leninismo), a URSS era uma pais socialista, pois, a propriedade dos meios de produção era coletivista. Para a esquerda do liberalismo político, a URSS não era um país socialista, por ser desprovido de liberdade política. Na China comunista neoliberal atual, os intelectuais podem fazer qualquer debate menos questionar o monopólio do poder de Estado pelo PCC (Partido Comunista Chinês).

Para resolver o impasse, surgiu a ideia do socialismo realmente existente. Trata-se, com efeito, de socialismo econômico marxista em junção com a sociedade dos significantes stalinista totalitária. Nesta sociedade, o marxismo torna-se uma ideologia como religião de Estado, como o islã político ou o budismo ideológico.

Bobbio diz que a única ideologia capaz de não se tornar uma religião é o liberalismo político. (Bobbio. 1988: 78). O liberalismo pode ser uma doutrina fazendo pendant com a cultura política pública liberalismo político. Há aí séculos de modernidade para se alcançar tal fato e artefato políticos.

Na URSS, o liberalismo político se constitui como uma cultura política pública na era da NEP (Nova Política Econômica). Bujarin foi o pensador da NEP e líder do comunismo de esquerda. A NEP se concebia como uma economia mista que combinava um setor público limitado com outro privado amplo. (Cohen: 104). No domínio político, Bujarin desejava:
“En particular, la revolución prometia la destrucción del monstruoso Estado Leviatán y todo lo que representaba en la sociedad moderna. Fuera cual fuera la perspectiva de otros bolcheviques, Bujarin tomó en serio la idea de un ˂Estado comunal> revolucionario, un Estado ˂sin policía, sin ejército permanente, sin burocracia>, como había esbozado Lenin (con el aplauso entusiasta de Bujarin) em El Estado y la revolución. El aspecto decisivo del ˂Estado comunal> había de ser su repudio de la autoridad burocrática política y económica. Sería un Estado sin burócratas, ˂es decir, gente privilegiada, alienada de las masas y situada por encima de las masas>. En resumen, sería un Estado sin élite, en el que las masas se convertirían em administradoras de la sociedade, del suerte que ˂todos serán ‘burocratas’ durante algún tiempo a fin de que nadie pueda convertirse en ‘burócrata’...> ”. (Cohen: 109).   

Se o liberalismo político tem como significante gramatical-mestre a liberdade, Bujarin é aquele que defende uma unidade gramatical teoria e prática, na política estrito senso, fundada na liberdade de um poder gramatical das massas grau zero sujeito sgrammaticatura socialista. Trata-se de um passo além da cultura do liberalismo político da sociedade capitalista. Trata-se do liberalismo democrático de massas socialistas. Neste, as massas recebem o direito de exercer o poder gramatical no campo de poderes estatizados socialista. Bujarin foi derrotado e fuzilado por seu amigo Stalin.   
                                                                         III

A cultura política liberal pública diz que a política não pode absorver o crime. O stalinismo faz do crime político seu instrumento para se manter no poder e dobrar as massas. A destruição da sociedade do significante camponesa foi o grande crime político de Stalin na instauração de sua sociedade totalitária sem classes sociais, sociedade do povo soviético sem contradições de classe.

Para a democracia representativa, o crime é metabolizado como um problema político (impeachment) ou como um problema criminal da elite política. No entanto, uma liberdade demasiada para o agir da elite política (garantida na Constituição estrito senso) pode transformá-la em uma elite do poder. A elite do poder é uma elite que se constituiu na sociedade técnica industrial e que se define pelo uso da violência industrializada sem limite para definir o curso da história mundial (Mills: 22). Criada na sociedade do americanismo pós II Guerra Mundial, a elite do poder é o sujeito gramatical de uma sociedade totalitária ocidental fazendo pendant com a democracia representativa. Marcuse fala de uma democracia de senhores onde a liberdade, sob um jugo totalitário, é transformada em poderoso instrumento de dominação. (Marcuse: 28).
                                                                      IV

No capítulo A política não pode absolver o crime, Bobbio trata da crise catastrófica da política italiana.

A política italiana entrou em um ciclo de decadência quando o Papa Pio XII fez um conluio com a CIA e a máfia italiana e ítalo-americana para tomar o poder nacional italiano nas eleições pós II Guerra Mundial. Tal fenômeno desfez a cultura política pública italiana como junção de moral e política. O crime político se tornou um elemento orgânico ao Estado italiano. O sistema partidário foi possuído por uma moral criminosa questionada pelas armas do terrorismo de esquerda. Bobbio parte deste ponto da crise italiana: o assassinato de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas e serviço secreto italiano. (Sanguinetti: 12, 9, 11, 13, 23, 63, 64).

Bobbio fala da influência de Maquiavel na cultura política pública italiana. Tal influência faz do juízo político o soberano da política com autonomia absoluta em relação à moral de uma época. (Bobbio. 1988: 125-126). O capitão da política deve ser julgado pelo êxito ou fracasso de seu agir político. O exemplo de Agátocles Siciliano (que se tornou rei de Siracusa “sendo não só de impura, mas também de condição abjeta”) é translúcido para mostrar como a política é um domínio absolutamente separado da moral.

Filho de um oleiro, sempre teve vida criminosa na sua mocidade. Suas maldades eram vigorosas em animus e de corpo. Na milícia, tais qualidades o levaram a ser pretor de Siracusa:
“Neste posto, deliberou tornar-se príncipe e manter, pela violência e sem favor dos outros, aquele poder que lhe fora concedido por acordo entre todos”. (Maquiavel: 41). Para obter sucesso, entendeu-se com Amílcar, cartaginês, que estava com seus exércitos na Sicília. Certa manhã, reuniu o povo e o Senado de Siracusa a pretexto de consultá-los sobre os negócios públicos. E a um sinal combinado fez com que seus soldados promovessem um banho de sangue, matando todos os senadores e os homens mais ricos da cidade. Assim, tomou posse do governo da cidade sem resistência dos cidadãos.

Em breve tempo liberou Siracusa do assédio dos cartagineses e reduziu-os a uma condição miserável. Agátocles não obteve o poder pela fortuna ou pelo favor de quem quer que fosse, mas passando por todos os cargos conquistados (graças a sua maldade e esforço) tornou-se um Príncipe maquiavélico:
“Ainda que não se possa considerar ação meritória a matança de seus concidadãos, trair os amigos, não ter fé, não ter piedade nem religião, com isso pode-se conquistar o mando, mas não a glória. Mas, considerada a habilidade de Agátocles no entrar e sair dos perigos, e sua fortaleza de ânimo no suportar e superar as coisas adversas, não há por que se deva julgá-lo inferior a qualquer dos mais ilustres capitães. Todavia, a sua bárbara crueldade e desumanidade e os seus inúmeros crimes não permitem que seja celebrado entre os mais ilustres homens da história. Não se pode, pois, atribuir à fortuna ou ao valor aquilo que ele conseguiu sem uma e sem outro”. (Maquiavel: 41-42).

O efeito sobre a cultura política pública italiana moderna da separação entre valor moral e política estrito senso é o indiferentismo moral. (Bobbio. 1988: 125-126). O indiferentismo moral abre as comportas para a invasão do crime na política, e a alienação das massas pouco gramaticalizadas. A política é feita de múltiplas causas, mas a separação entre o campo dos valores morais (da memória gramatical do político ilustre na história universal) e a política como astúcia e força (Maquiavel: 21) gera a corrupção na política como um fato gramatical maquiavélico legítimo. A gramática de Maquiavel é objeto de uma plurivocida de leitura. O livro Le travail de l’oeuvre Machiavel faz um panorama da (s) gramática (s) maquiavélica (s). No entanto, para mim, é muito difícil não ser levado por este elemento da gramática de Maquiavel, ao falar ele da cultura política pública dos romanos da antiguidade:
“Não lhes agradava fiar-se no tempo para resolver as questões, como os sábios da nossa época, mas só se louvavam na própria virtude e prudência, porque o tempo leva por diante todas as coisas, e pode mudar o bem em mal e transformar o mal em bem”. (Maquiavel: 19).

Nesta gramática encontra-se o princípio da gramática transdialética sacramentada por Nietzsche:
“˂Comment une chose pourrait-elle procéder de son contraire, par exemple la vérité de l’erreur? Ou la volonté du vrai de la volonté tromper? Ou le désintéressement de l’égoisme? Ou la purê et radieuse contemplation du sage de la convoitise? Une telle genèse est impossible; qui fait ce rêve est un insensé, ou pis encore; les choses de plus haute valeur ne peuvent qu’avoir une autre origene, un fondement propre. Elles ne sauraient dériver de ce monde éphémere, tromper, illusiore et vil, de ce tourbillon de vanités et d’appétites. C’est bien plutôt au sein de l’être, dans l’impérrissable, dans le secret de Dieu, dans ‘la chose en soi’ que droit résider leur fondement, et nulle part ailleurs >. Ce genre de jugement constitue le préjugé typique auquel on reconnaît les métaphysiciens de tout les temps”. (Nietzsche: 22).           

Como a gramática em narrativa lógica da democracia representativa pode tratar o crime na política (terrorismo, corrupção privatista, por exemplo) ou o crime comum do político profissional? Os crimes em tela não concorrem para a corrupção do ciclo exitoso da democracia representativa? Ele não abre as comportas para a substituição da democracia representativa pela autocracia representativa no século XXI?      
                                                                                            V

A ciência política brasileira vê a crise brasileira como um problema singular. Já as ciências gramaticais da política gramaticalizam a crise como um problema ocidental. Qual é o meu ponto de partida?

A crise é a crise da gramática em narrativa lógica do Estado ocidental moderno fazendo pendant com a crise da democracia representativa. Na Europa ocidental há um passado de correntes de pensamento à esquerda e à direita que permanecem como fantasmas e caricaturas do passado. Tais correntes viraram vapor com a mudança do significante Estado moderno. Trata-se da gramática gramsciano do Estado integral:
“Na realidade de todos os Estados, o ‘chefe do Estado’, isto é, o elemento equilibrador dos diversos interesses em luta contra o interesse predominante, mas não exclusivo num sentido absoluto, é exatamente o ‘partido político’; ele, porém, ao contrário do que se verifica no direito constitucional tradicional, nem reina nem governa juridicamente: tem o ‘poder de fato’, exerce a função hegemônica e, portanto, equilibradora dos interesses diversos, na ‘sociedade civil’; mas de tal modo esta se entrelaça de fato com a sociedade política, que todos os cidadãos sentem que ele reina e governa. Sobre esta realidade, que se movimenta continuamente, não se pode criar um direito constitucional do tipo tradicional, mas só um sistema de princípios que afirma como objetivo do Estado o seu próprio fim, o seu desaparecimento, a reabsorção da sociedade política pela sociedade civil”. (Gramsci. 1980: 102).

A gramática de Gramsci estabelece o partido político no comando do Estado integral moderno com a função de equilibrar interesses em luta. Gramsci já havia integrado em sua gramática a classe política da teoria das elites, as elites de poder, a organização burocrática do poder de Estado e mais ainda. O partido político é uma organização burocrática correlata ao exército nacional. A democracia representativa do século XIX teria sofrido uma spaltung (quebra de mundo da política), e no século XX ela tem no comando o partido político burocrático. Esta é a gramatica da realidade política de um século XX com revoluções socialistas, guerras mundiais, descolonização do terceiro mundo, sistema partidário com partido comunista, socialista, socialdemocrata, católico na segunda metade do século XX. Tal gramática ocidental moderna quebrou, aos poucos, na evolução política do século XX para o século XXI.

Norbert Bobbio é o mais sagaz cientista político gramatical da crise europeia ocidental na sua Itália: caso italiano. A crise é vivida como uma transdialética gramatical entre a democracia representativa e a autocracia representativa que a linguagem dos políticos e dos cientistas políticos (e grandes marxistas universitários) não transforma em linguagem da cultura política pública ocidental.

Bobbio trata sinteticamente da gramática autocrática em relação à gramática democrática. A primeira se define como realidade do governo invisível. (Bobbio. 1988: 208-211). Trata-se de um poder exercido de modo a ser subtraído o mais possível aos olhos do súdito. As decisões são um segredo de Estado que devem permanecer na escuridão dos palácios:
“À imagem e semelhança do ‘Deus oculto’, o soberano absoluto, o autocrata, será tanto mais poderoso quanto melhor conseguir ver o que fazem seus súditos sem fazer-se ver ele mesmo. O ideal do soberano equiparado a Deus na Terra é ser como Deus no céu, o onividente invisível”. (Bobbio. 1988: 208).

O poder autocrático se subtrai do controle público de dois modos:
“ocultando-se, ou seja, tomando suas próprias decisões no ‘conselho secreto’ e ocultando, ou seja, através do exercício da simulação ou da mentira considerada como instrumento lícito do governo”. (Idem: 208).

Em Paris, o sociólogo gramatical Baudrillard fez a teoria da política como simulacro de simulação adotada na era do globalismo neoliberal do século XXI. A cultura política do simulacro de simulação sustentou o sistema político em crise terminal até o momento em muitos países europeus ocidentais. 

Fazendo pendant com Baudrillard, Habermas fez a teoria do agir estratégico (simulação, dissimulação, manipulação, mentira) do partido político que já não é o partido político gramsciano. Não pode ser o Príncipe moderno que não mente para as massas gramaticais.  

A gramática da democracia representativa pressupõe a publicidade do agir político. Kant diz: todas as ações relativas ao direito dos outros homens, cuja máxima não seja suscetível de publicidade, são injustas. Em uma era generalizada de subgoverno e criptogoverno, que age no claro/escuro e na penumbra como poder do invisível (máfias, serviços secretos, terrorismo, organizações criminosas lumpesinais do de cima e dos de baixo) que governa ao lado do governo visível, a gramática do Estado integral gramsciano se dissolve na atmosfera do século XXI.

A invasão da democracia representativa pela autocracia significa a transformação do Estado gramsciano em uma estatização do campo de poderes vicários vicejo. (Deleuze: 82). Trata-se de poderes substitutos do Príncipe moderno gramsciano, poderes gramaticais e sgrammaticatura. Como poder substituto da classe dirigente, a elite do poder de C. Wright Mills já não é a elite de poder da gramática gramsciano. Como uma organização criminosa sociológica, a classe política não é mais a classe política ou classe dirigente gramsciano. 

Prossigo!

Bobbio classifica o governo do invisível como um poder invisível (sabemos que este se mostra quando o equilíbrio de força entre Estado e AntiEstado permite) como um poder que significa taticamente a invasão dos centros estatizados dos poderes gramaticais que   representam a aparência de semblância do Estado democrático representativo. Bobbio diz:
“Em segundo lugar, o poder invisível forma-se e organiza-se não apenas para combater o poder público, mas também para tirar benefícios ilícitos e buscar vantagens que uma ação feita à luz do sol não conseguiria”. (Bobbio. 1988: 210).

E em seguida, ele diz:
“Existe, finalmente, o poder invisível como instituição do Estado: os serviços secretos, cuja degeneração pode dar vida a uma verdadeira forma de governo oculto”. (Idem: 210).
Na América Latina, há uma opinião pública, cada vez mais influente e agressiva, que põe toda a culpa da realidade em tela no regime da democracia representativa. Tal opinião pública toma gato por lebre, pois, ela ignora que já vive em um regime de autocracia representativa (link México). Que o AntiEstado é o Criminostat. (Virilio: 54-55).

O que é a aparência de semblância (difundida pela ciência política universitária e jornalistas políticos)?

Recorro a Bobbio mais uma vez:
“Durante séculos, o Estado, a começar pelas cidades gregas até ao grande Estado territorial moderno, foi representado e concebido como um conjunto de partes ligadas entre si formando um corpo unitário. Não existe Estado sem um princípio unificador”. (Bobbio. 1988: 200).

O Estado é um sistema jurídico-político formado por um conjunto de partes interdependentes em sua trans-subjetividade, e, funcionalmente, um conjunto de partes das quais umas têm a função de gerar interrogações e outras a de converter tais interrogações em respostas práticas públicas. Por exemplo, sindicatos e partidos políticos articulam perguntas, selecionando-as e unificando-as, convertidas em respostas pelas instituições públicas competentes as quais compete tomar decisões válidas e razoáveis para toda a sociedade (poder legislativo) ou colocá-las em prática (poder executivo) e fazê-las respeitar (poder judiciário):
“Um sistema político funciona quando é respeitada a divisão do trabalho e dos papéis entre as diversas partes do todo, e, particularmente, quando é clara a distinção entre aqueles a quem compete dar as respostas; e, no âmbito dos que dão as respostas, aqueles que aplicam as decisões e aqueles que julgam quando e como elas estão sendo observadas ou não”. (Idem: 201).

Na crise do Estado democrático nota-se a falta de um centro de poder gramatical unificador: “os centros de poder se multiplicam. E, multiplicando-se, contribuem para criar um estado de confusão permanente que caracteriza a vida pública italiana. Surgem os centros de poder vicários (...) Várias vezes e com maior evidência nestes dias nos encontramos diante de iniciativas pessoais de magistrados que têm como meta autênticas decisões políticas”. (Idem: 202). Sabemos que o poder judiciário se transformou em um tribunal constitucional em uma luta agônica com as máfias italianas!

Termino com uma citação mais longa de Bobbio sobre o caso italiano, no final da década de 1970:
“Quando falta um centro unificador, o sistema vai se desmantelando, como um relógio desmontado ou um corpo desmembrado. As várias partes do todo não conseguem mais fazer um conjunto. E quando deixa de ter conexão com o conjunto, cada pedaço termina por ficar fora de lugar. E não estando cada peça em seu lugar, o sistema fica desequilibrado, descentrado, e, consequentemente, funcionando mal. Não consegue dar respostas adequadas às questões e, quando consegue dá-las, chega atrasado ou com margem de erro”. (Idem: 202).

O resultado mais óbvio é a desvinculação entre governante e governado, uma convivência mais desordenada e mais obstruída na comunicação entre os que mandam e os que obedecem, se tiverem juízo, se forem razoáveis. A desobediência civil pode se tornar uma regra do jogo vicário da Constituição em um sentido amplo e, inclusive, se tornar usual na relação entre as instituições estatais e entre as instituições público e privado.

O Partido político tem a função (de articulação da hegemonia) de pôr os interesses privados fazendo pendant com o interesse nacional. Se o sistema partidário se torna um sistema de facções políticas (articuladas pela gramática em narrativa lógica do privatismo da riqueza pública e privada, ou do jogo do poder pelo poder), este é o sinal mais forte da catástrofe que nos ameaça como sociedade de significantes nacional. Como a classe política italiana criminosa, a nossa classe política é idêntica a situação “que a maior parte da classe italiana possui em escassa medida as duas virtudes que Max Weber achava que o grande político devia ter: sentido de responsabilidade e largueza de vista. Todo aquele que sente a preocupação da democracia italiana não pode deixar de pronunciar, perante uma crise prolongada, palavras duras e fortes. Há muitos políticos que demonstram não ter o necessário sentido de responsabilidade para enfrentar os terríveis problemas do país, dando provas de uma miopia muito próxima da cegueira”. (Idem: 193).

As ciências gramaticais da política é um campo de saber gramatical situado na cidade do Rio. A cidade do Rio é um laboratório de sintetização da crise política ocidental em tela. Oremos?

BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. Brasília/SP: Editora da Universidade de Brasília/Polis, 1988
COHEN, Stephen F. Bujarin y la revolución bolchevique. España: Siglo XXI, 1976
DELEUZE, Gilles. Foucault. Paris: Les Éditions de Minuit. 1986
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. RJ: Civilização Brasileira, 1980     
LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008
LEFORT, Claude. Le travail de l'oeuvre Machiavel. Paris: Gallimard: 1972
MARX. Karl. Le capital. Livre premier. Texte intégral. Paris: Éditions Sociales, 1977  
MARX. Os Pensadores. SP: abril Cultural, 1974
MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial. O homem unidimensional. RJ: Zahar Editores, 1973
MAQUIAVEL. Os Pensadores. O Príncipe. SP: Abril Cultural, 1973
NIETZSCHE. Par-delá bien et mal. Paris: Gallimard, 1971   
POPPER. Karl. La société ouverte et ses ennemis. Tomo 2. Hegel e Marx. Paris: Seuil, 1979
POPPER, Sir Karl R. A sociedade aberta e seus inimigos. SP/Belorizonte: EDUSP/Itatiaia
SANGUINETTI, Gianfranco. Do terrorismo e do Estado. A teoria e a prática do terrorismo divulgadas pela primeira vez. Lisboa: Antígona, 1981
VIRILIO, Paul. Vitesse et politique. Paris: Galilée, 1977            
    
  
 
                   

    

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

DO PODER GRAMATICAL

José Paulo


A cultura trabalha com representação e é um campo de interpretação em si. O trabalho da ciência é a pesca do significante no oceano das sociedades dos significantes gramaticais. O poder do significante é a invasão do real da realidade dos fatos. O significante científico invade o real para encontrar a verdade da realidade dos fatos. A invasão do real pode se transformar em uma produção da realidade se a ciência opera como técnica industrial militar, ou seja, como técnica da guerra nuclear, por exemplo.

Qual é a distinção entre o poder do significante científico-técnico e o poder gramatical tout court?
O poder gramatical é o poder de interpretar a realidade pelo discurso político – no Congresso, no governo - na democracia representativa ou na autocracia representativa. Trata-se de uma interpretação gramatical que articula a realidade da política e/ou do mundo-da-vida. O discurso do direito da instituição judiciária também é poder gramatical, poder de interpretar gramaticalmente a realidade fazendo pendant com o uso da violência real de polícia. O poder gramatical do direito estatal é a interpretação como força de lei.

A cultura de massa é grau zero de poder gramatical assim como a opinião pública. O que elas fazem é exercer um poder de influência sobre a política estrito senso e amplo senso. O desenvolvimento desse aspecto encontra-se em Habermas. Aqui não vou abordá-lo.
                                                                                     II

A leitura política de Hegel por Popper foi acusada de simplificar a complexidade da filosofia e da metafísica hegeliana. No entanto, a leitura popperiana se estabelece pela divisão na filosofia entre pensamento autocrático e pensamento democrático liberal. A propósito, com Popper, não nasce a ideia de uma democracia direta liberal política? 

Popper trata a filosofia como celeiros de ideias para a política em um sentido amplo. Assim, há a identidade entre historicismo (Platão-Aristóteles-Hegel) e o totalitarismo moderno.

O Estado como senhor absoluto do palco da história; A história do mundo como teatro da infelicidade; filosofia racial do Sangue como substância do Espírito historial do mundo; identidade entre Estado-nação e guerra; o Estado-nação visa a dominação do mundo; portanto, as relações internacionais se constituem como um estado de guerra permanente entre os Estados; o Estado que triunfa se estabelece como senhor do mundo. O discurso do senhor/escravo hegeliano é a fonte da interpretação da história mundial; a decadência política da nação soberana tem como causa a poluição do sangue puro da classe aristocrática dirigente.

As ideias em tela são ideias hegelianas que influenciaram o pensamento político da cultura alemã. (Popper: 86-87). O historicismo hegeliano tornou-se a linguagem da intelectualidade alemã. Trata-se de uma linguagem política niilista que tem como sujeito gramatical tribal o homem heróico:
“A concepção do homem como sendo um animal não tanto racional quanto heróico não foi inventada pela revolta contra a razão; é um ideal tipicamente tribalista. Devemos distinguir entre esse ideal de Homem Heróico e um respeito mais razoável pelo heroísmo”. (Popper: 82).

Os “Grandes Homens”, a Personalidade Histórica Mundial, O Princípio do Líder é baseada no imperativo: praticai os atos que atraem glória! Contudo, a glória não pode ser adquirida por todos. A religião da glória é aquela da raça superior, ela implica o anti-igualitarismo. Trata-se de uma raça de senhores aristocráticos puro sangue. Seguidor de Hegel, Rosenberg assinalou que o racismo moderno não conhece igualdade entre almas, nem igualdade entre homens.  

As ideias autocráticas hegelianas (Hegel não é redutível às ideias autocráticas) são ideias que fizeram parte de um poder gramatical capaz de produzir a autocracia alemã moderna? Hegel foi um detentor de poder gramatical autocrático que articulou a realidade totalitária alemã do século XXI?

A filosofia se definia hegelianamente como busca da verdade verdadeira. A verdade capaz de agitar o sentimento das massas. (Hegel: 3-4), Para Hegel, o pensamento político é o pensamento do Estado. Indo para Berlim, Hegel foi declarado o ditador da filosofia oficial do Estado absolutista prussiano.

Ele levava tal posição a sério. Falando da filosofia do início do século XIX, Hegel diz:
“Aliás, essa filosofia expressamente declarou que a verdade não pode ser conhecida, ou é o que cada um ergue de dentro de si, do seu sentimento, e do seu entusiasmo sobre os objetos morais, particularmente sobre o Estado, o governo, a Constituição”. (Hegel: 7).

Popper diz que Hegel é da linhagem do pensamento político irracional. Ao contrário, Hegel diz:
“Este remédio caseiro, que consiste em tornar dependente do sentimento o trabalho muitas vezes milenário do pensamento e do intelecto, talvez sirva para dispensar todo o esforço de cognição e de inteligência dirigidos pelos conceitos do pensamento. Em Goethe (uma boa autoridade), Mefistófeles diz o que já citei noutro livro: ‘Se desdenhares da inteligência e da ciência, que são os dons mais altos da humanidade, entregas-te ao diabo e estás perdido’ “. (Hegel: 8).

A filosofia pop que Hegel combate é a luta para desmoralizar a ciência filosófica do Estado como ciência da verdade verdadeira. Hegelianamente. Lacan cria a fórmula: o sujeito é um efeito do significante (Lacan: 47, 65). Em Hegel, o sujeito é um efeito da história da ciência do Estado universal. Como pensar a tese Hegel-lacaniana na cultura política pública, na política estrito senso e no mundo-da-vida gramatical?

Está estabelecido sobre a verdade: “O que justifica essa regra é que, precisamente, a verdade não é dita por um sujeito, mas suportada”. (Lacan: 67).   

A ciência filosófica de Estado moderna não é filosofia cultivada à maneira dos gregos, como arte privada, mas possui uma existência pública ao serviço, principalmente, da coletividade ou até, exclusivamente, do Estado. (Hegel: 9-10). A decadência da filosofia deveria ser tratada como caso de polícia (como crime penal). A pugna entre Platão e os sofistas, entre episteme (ciência filosófica) e doxa (opinião vulgar) é o fato universal estabelecido por Hegel na modernidade para falar de crime de pensamento político:
“Além disso, depressa aquele género de pensamento por si mesmo cai, quando considera o direito, a moralidade, e o dever, nos princípios que, em cada um desses domínios, constituem precisamente o erro superficial, os princípios dos sofistas que Platão nos transmitiu, os princípios que fundamentam o direito em finalidades e opiniões subjectivas, no sentimento e na convicção particulares, os princípios de que provém não só a destruição da moralidade interior, da consciência jurídica, do amor e do direito entre pessoas privadas, como também a da ordem pública e das leis do Estado”. (Hegel: 10). 

Hegel ataca o livre-arbítrio do pensamento como uma espécie de niilismo político nefasto na cultura alemã:
“É isso que constitui a lei, e esta sentimentalidade que se arroga o arbitrário, que faz consistir o direito na convicção subjectiva, tem bons motivos para considerar a lei como o seu pior inimigo. A forma que o direito assume no dever e na lei, aparece-lhe como letra morta e fria, como uma prisão. Nela não se pode reconhecer, nela não se pode encontrar a sua liberdade, pois a lei é a razão em cada coisa e não permite que o sentimento se exalte na sua própria particularidade. A lei é também, como se verá no decurso deste manual, a pedra de toque com se distinguem os falsos amigos e os pretensos irmãos daquilo a que eles chamam o povo”. (Hegel: 9).

O sujeito gramatical não precisa ser o efeito do significante. O livre-arbítrio do pensamento pode se constituir em poder gramatical de um sujeito gramatical (indivíduo, grupo de sujeitos, redes de sujeitos) que povoa o campo estatizado dos poderes gramaticais. Então Hegel está enganado quando diz policialmente:
“Ora como estes trapaceiros do livre-arbítrio se apossaram do nome da filosofia e conseguiram convencer uma grande parte do público de que tal maneira de pensar é a filosofia”. (Hegel: 9).

O livre-arbítrio é o avesso do sujeito como efeito do significante. Contudo, não significa a subsunção real do pensamento político ao campo dos afetos como faz a cultura de massa. O livre-arbítrio do pensar politicamente só se realiza a partir de uma sociedade de significantes gramatical. Ele possui uma autonomia relativa em relação ao significante. Assim, o sujeito gramatical pode ser aquele que faz o exercício do poder gramatical; exercício de interpretação gramatical ou como efeito de realidade ou como força de lei.

O exercício do sujeito gramatical livre-arbítrio público (estatal) é a fronteira do uso da violência como um conceito obscuramente místico: risque d’un concept obscur, substantialiste, occulto—mystique, risque aussi d’une autorisation donnée à la force violente, injuste, sans règle, arbitraire”. (Derrida: 20).

O exercício do poder estatal tem que ser o avesso da sgrammaticatura!
                                                                        III

No Brasil, ocorre o desenvolvimento de um antagonismo entre o parlamento e o STF (Supremo Tribunal Federal). Os sujeitos do antagonismo parecem ser o sujeito lacaniano como efeito do significante antagonismo. Com efeito, os sujeitos têm interesses particulares movendo seu agir. No parlamento, a fração corrupta quer ser imune a invasão do STF em seu domínio político. Até o momento, a fração corrupta parece ter o domínio tanto da Câmara de deputados como do Senado. Porém, ela não pode pôr seu sentimento de imunidade absoluta à frente do significante Constituição Integral (na definição da juíza Cármen Lúcia). Chegamos a discussão da gramática em narração lógica da soberania dos poderes estatais.

Habermas trabalha como uma definição de Estado pré-foucaultiana. Para ele, o Estado não é a estatização do campo de poderes. (Deleuze: 82). Porém. Habermas fala da legitimidade de um direito criativo (no âmbito do liberalismo político transdialético) e do antagonismo gramatical entre os poderes admitir a criação de um tribunal constitucional como poder gramatical de invadir o domínio da política estrito senso do parlamento e do governo. (Habermas: 299-304). Trata-se de uma gramática em narração lógica que não dissolve a autonomia dos poderes e a divisão dos poderes.

Habermas jamais viu um campo de estatização de poderes autocrático, representativo, bürokratisch, de massas. Tal fenômeno é do século XXI como junção da cultura política pública com o direito, com a política estrito senso e a política ampla do mundo-da-vida (massas gramaticais de variadas espécies). O fenômeno em tela é uma descoberta das ciências gramaticais da política.

A Constituição 1988 é um artefato tecido sob a direção das oligarquias urbano/rural. A oligarquia brasileira vem de uma tradição aristocrática. Três livros pernambucanos guardam os segredos da teoria do nosso poder aristocrático. O primeiro é o Um estadista do Império, do aristocrata Joaquim Nabuco. Os outros são: Casa-Grande e Senzala e Sobrados e Mucambos do aristocrático Gilberto Freyre.

A teoria do poder aristocrático diz que a democracia imperial é um simulacro. (Nabuco: 988). Em Gilberto Freyre, o sujeito esquizo aristocrático é equilíbrio de antagonismos (Freyre. 1975: 6-7). O familialismo tutelar é a forma do poder aristocrático. (Freyre.1985: XXXIV). Tal poder aristocrático continua a regular a vida republicana:
“Não é inexpressivo o fato de, fundada a República, vários dos seus principias líderes – alguns deles mestiços com sangue fidalgo ou de origem plebeia, mas já aristocratizado pela instrução acadêmica ou pelo casamento com iaiá ou moça do sobrado – terem se distinguido como chefes de polícia particularmente enérgicos na defesa da Ordem, isto é, da ordem já burguesa, mas ainda patriarcal, que constituía a segurança da sociedade brasileira daqueles dias”. (Freyre 1985. LXX).

O que fica claro lendo Nabuco e Freyre é que a República era uma junção de republicanismo vulgar com monarquismo pela aristocratização oligárquica da classe dirigente e de suas instituições públicas (como o Senado) e do agir político da República Velha. Trata-se do equilíbrio de antagonismos monarquia e república. Mesmo a Revolução de 1930 é um sujeito de equilíbrio de antagonismos , uma revolução da aristocracia populista banhada de republicanismo castilhista condensada na figura do líder heroico dos pampas Getúlio Vargas.

O aristocratismo da classe política e de instituições como a presidência e o Senado (a Câmara é feita da matéria política oligarquia vulgarmente aristocrática) pode ser vista como causa final (para onde se encaminha o sentido final da política), da política só fazer sentido como privatismo oligárquico. Neste trans-sujeito, a riqueza pública deve ser algo para o usufruto (gozo) da classe política. Assim, a classe política se constitui em uma organização sociológica criminosa, parodiando Gilberto: “A realidade sociológica é das que não prescindem de História”. (Freyre. 1985: LXVI). 

Entramos no ciclo político de republicanização do aristocrático regime 1988. A republicanização significa que a Constituição é agora ampliada (na criativa interpretação do poder gramatical dos juízes do STF) na dinâmica da luta do Tribunal Constitucional (Lava-Jato, STF republicano versus STF aristocrático) contra a corrupção que faz pendant com a luta pela republicanização do regime 1988. É verdade que os sujeitos querem dispor do livre-arbítrio de pensar a política fundadora do regime 2019 em uma estatização do campo de poderes autocrático, bürokratisch, de massas. É um fato gramatical.

O tribunal constitucional será um agir suficiente no uso do poder gramatical vigente para fundar uma República democrática representativa, liberal política, de massas?

Ele será a vontade de articulação da hegemonia democrática no campo da cultura e massa (TVS privadas, internet) e no campo do mundo-da-vida onde se realiza a política das massas gramaticais?

Ainda é cedo para avançar qualquer interpretação! 

DELEUZE, Gilles. Foucault. Paris: Les Éditions de Minuit, 1986
DERRIDA, Jacques. Force de loi. Paris: Galilée, 1994
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. RJ: José Olympio, 1975
---------------------   Sobrados e Mucambos. RJ: José Olympio, 1985

HABERMAS. Direito e democracia. Entre facticidade e validade. v. 1. RJ: Tempo Brasileiro, 1997                                           
HEGEL. Princípios da filosofia do direito. Lisboa: Guimarães Editores, 1990
LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008
NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império. v. 2. RJ. Topbooks, 1997
POPPER, Sir Karl R.  A sociedade aberta e seus inimigos. Belo Horizonte/SP: Itatiaia/EDUSP, 1974
      
      
       

          

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Gramática da autocracia representativa realmente existente - México

José Paulo

Dialética e transdialética gramatical

“Podemos discutir, mais tarde, outras questões a forma de responde-las pode exigir de nós que revisemos respostas já dadas. Esse procedimento de vai-e-vem não é raro”. (John Rawls: 63).

Na quase total derrota e desorganização visível das ciências humanas, só se pode falar com um mínimo de razoabilidade se o sujeito que fala, falar de uma posição de episteme, ou seja, falar de um lugar no qual esteja claro qual é a estrutura da teoria: ciência gramatical da política.

Falo do lugar ciências gramaticais da política. Esta possui como lugar de episteme a transdialética gramatical. A transdialética gramatical é para Merleau-Ponty a hiperdialética:
“A má dialética quase começa com a dialética, só é boa dialética aquela que critica a si mesmo e, se ultrapassa como enunciado separado; a boa dialética é hiperdialética. A má dialética é a que não quer perder sua alma para salvá-la, que quer ser dialética imediatamente, tornar-se autônoma e termina no cinismo, no formalismo, por ter evitado seu duplo sentido. O que chamamos hiperdialética é um pensamento que, ao contrário, é capaz de verdade, pois encara sem restrições a pluralidade das relações e o que chamamos ambiguidade (...) O que se deve aqui apontar é que a dialética sem síntese de que falamos não é o ceticismo, o relativismo vulgar ou o reino do inefável. O que rejeitamos ou negamos não é a ideia da superação que reúne, é a ideia de que ela redunde num novo positivo, numa nova posição. No pensamento e na história, como na vida, conhecemos apenas superações concretas, parciais, atravancadas de sobrevivências, sobrecarregadas de déficits; não há superação de todos os aspectos que conserve tudo o que as fases precedentes tenham adquirido, ela acrescenta a elas, mecanicamente algo a mais e permite arrumá-las numa ordem hierárquica do menos ao mais real, do menos ao mais válido. Mas, numa parte definida do caminho, pode haver progresso e, sobretudo, soluções excluídas durante o percurso. Em outros termos, o que excluímos da dialética é a ideia do negativo puro, o que procuramos é uma definição dialética do ser,  que não pode ser nem o ser para si nem o ser em si – definições rápidas, frágeis, lábeis e que, como disse Hegel muito bem, nos levam uma à outra – nem o Em-Si-para-si, que leva a ambivalência ao máximo [uma definição]*, que deve reencontrar o ser antes da clivagem reflexiva, em  torno dele, no seu horizonte, não fora de nós e não em nós, mas onde os dois movimentos se cruzam, onde ‘há’ alguma coisa”. (Merleau-Ponty: 95-96).

Um dicionário à mão (o Aulete) me diz que o prefixo hiper tem como sentido gramatical ‘a mais’. E que o prefixo trans tem como sentido gramatical ‘além de’, transferência, deslizamento, deslocamento. Além de e a mais se coadunam como duplo sentido da gramática da boa dialética. Assim, hiperdialética é homóloga gramaticalmente à transdialética que significa transliteratura, ou melhor, o deslocamento do sentido literário para um campo extraliterário (Bakhtin: 29)). A transdialética trabalha com o duplo sentido do ser: literário e extraliterário.

Na política, trata-se do deslizamento do sentido da política estrito senso (política fática) para a cultura pública da política. O ser da política é o cruzamento desse duplo sentido gramatical. A cultura política se realiza no presente como o passado sobredeterminado pelo presente. 

                                                                                   SOBREDETERMINAÇÃO (FREUD)

 Em 1967, li o ensaio de Althusser Contradição e sobredeterminação. Althusser transportou para a ciência da história a sobredeterminação freudiana. Rigorosamente, não se trata mais da dialética hegeliana ou marxista. Trata-se de um deslizamento transliterário da dialética para um outro campo de saber fazendo pendant com outra realidade dos fatos. Há uma lacuna no discurso de Althusser onde falta o significante gramatical capaz de nomear o procedimento althusseriano com rigor, pois não se trata mais de dialética.

Althusser não pensou que sua dialética freudiana e leninista era um fenômeno novo, uma nova episteme no sentido lacaniano. Uma nova posição de ver o campo de saber fazendo pendant com a realidade dos fatos. Esta nova episteme explica a crise russa (deslocamento e condensação de contradições em um ponto de fusão) e, portanto, a revolução bolchevique como transdialética. A transdialética também contempla o sujeito gramatical esquizo e os antagonismos de equilíbrio da Revolução mexicana.

A transdialética (ou dialética com sobredeterminação) é a mudança do passado no presente como produção da contemporaneidade. A transdialética leninista não alterou o curso gramatical historial do século XX? O passado do capitalismo capitalista e representativo democrático do século XIX foi alterado em seus múltiplos sentidos dialéticos por um sentido transdialético único, tendo como causa o confronto e diálogo com o leninismo da revolução russa. A transdialética mexicana é um recurso simbólico para se chegar a compreensão da política do século XXI?

O capitalismo capitalista passou a ser um movimento gramatical transdialético de ruptura consigo próprio. O capitalismo capitalista adquiriu a forma do capitalismo monopolista de Estado dissipando a fronteira entre o privado e o público: na economia, cultura e sociedade. O capitalismo se misturou com o Estado na articulação do ser da economia internacional do século XX.

O globalismo neoliberal da década de 1990 é um movimento transdialético gramatical, onde o passado gramatical do século XX é modificado por um novo presente, por uma nova maioridade gramatical. Trata-se da tentativa de refundar o capitalismo capitalista do século XIX? Com efeito, o neoliberalismo tem o capital fictício no comando da economia fazendo pendant com o capitalismo corporativo mundial. Se aproximando da década de 2020, há a crise transdialética do movimento do globalismo neoliberal. No momento, o presente começa seu trabalho de sobredeterminação gramatical sobre o passado. A crise se define também como o velho que não quer morrer e o novo que ainda não saiu do útero. O globalismo neoliberal foi rechaçado pela transdialética gramatical mexicana até pouco tempo atrás.  

No caminho visível da transdialética mundial, a gramática da guerra em narração reflexiva na cultura mundial torna-se vapor barato, articulação da realidade dos fatos por delírios psicóticos de governantes-crianças mimadas.

O livro sobre a sobredeterminação de Althusser é de 1965 (Pour Marx). Althusser não era um leitor atualizado das publicações em filosofia, assim como não leu O Capital, de Marx.  O livro O visível e o invisível (Merleau-Ponty) é de 1964, pela editora Gallimard. Trata-se de um livro que traz a transdialética gramatical freudiana no território da ontologia, antes de Althusser, portanto. Encerro citando um longo trecho sobre a criação parisiense da transdialética gramatical freudiana no terreno da episteme da filosofia de Merleau-Ponty, para a reflexão do leitor:

"De sorte que o Ser, pela própria exigência de cada uma das perspectivas do ponto exclusivo que o define, torna-se um sistema de várias entradas; não pode, portanto, ser contemplado de fora e na simultaneidade, devendo ser efetivamente percorrido; nessa transição, as etapas passadas não são simplesmente passadas, como trecho da estrada percorrido, mas chamaram ou exigiram as etapas presentes exatamente no que têm de novo e desconcertante, continuam, pois, a ser nelas, o que quer dizer também que retroativamente são por elas modificadas; aqui não se trata, pois, de um pensamento que segue uma rota preestabelecida, mas de um pensamento que abre seu próprio caminho, que se encontra a si próprio avançando, provando a viabilidade do caminho, percorrendo-o – esse pensamento inteiramente subordinado a seu conteúdo, de quem recebe incentivo, não poderia conceber-se como reflexo ou cópia de um processo exterior, é engendramento de uma relação a partir de outra. De forma que, não sendo testemunha estranha e muito menos agente puro, está implicado no movimento e não o sobrevoa”. (Merleau-Ponty: 91-92).

A Revolução mexicana é o passado retroativamente no presente (já passado) sobredeterminado pelo sistema político do Partido de massas de Estado?
                                                                           II

A transdialética gramatical é o recurso mais apropriado para se pensar uma realidade política (Latino-Americana) que se funda na era moderna a partir do colonialismo cultural. Dois livros (e talvez outros) tentam dar uma resposta epistêmica e política ao problema do colonialismo cultura europeu na A-L. O de Pablo Casanova é de 1965 (A democracia no México). O outro de Caio Prado Jr. (A revolução brasileira) é de 1966. Caio Prado, provavelmente, não leu Casanova, pois, o livro desse mexicano foi publicado no Brasil em 1967. No entanto, há essa coincidência significativa entre os dois livros: são uma demolição crítica do colonialismo intelectual soberano na alta cultura, principalmente marxista, no México e no Brasil.

Pablo e Caio pensam o moderno latino-americano a partir do passado. O passado de Caio é aquele colonial luso-brasileiro. O passado de Pablo é o passado da sociedade tradicional mexicana que desagua na Revolução Mexicana do início do século XX. Se Caio Prado fala de uma Revolução brasileira que não aconteceu, Pablo Casanova fala da Revolução Mexicana que é um fato marcante na paisagem da política de seu país no século XX e na contemporaneidade do século XXI na forma da autocracia representativa realmente existente!

A Revolução mexicana é um significante da gramática em narração lógica da política mexicana. A política mexicana padece do mesmo problema brasileiro identificado por Oliveira Vianna: o idealismo da Constituição. Trata-se do sentido virtual da política em um contraste clamoroso com o duplo sentido que articula cultura política privada e/ou pública com política estrito senso.
A gramática da política mexicana é resumido por Pablo assim:
“A ANÁLISE de todas as instituições implantadas no México segundo o modelo de governo da teoria política euro-americana revela que há um partido preponderante, dependente e auxiliar do próprio governo, que o movimento operário encontra-se em condições semelhantes de dependência, que o Congresso é controlado pelo presidente, que os estados são controlados pela Federação, que os municípios são controlados pelos estados e a Federação, e, em resumo, que não ocorre o modelo dos ‘três poderes’, ou do sistema dos ‘contrapesos e balanças’, ou do governo local dos vizinhos eleitorais, idealizado pelos filósofos e legisladores do século XVIII e princípio do século XIX, mas uma concentração do poder: a) no governo; b) no governo central; c) no Executivo e d) no presidente. Exceção feita às limitações que a Suprema Corte impõe, em casos particulares e na defesa de interesses particulares e direitos cívicos, se só fossem analisados estes elementos, o Presidente do México apareceria gozando de um poder ilimitado”. (Casanova. 1967: 35-36).    

A Constituição liberal anticlerical de 1917 é uma Constituição idealista se cotejada com a gramática supracitada. A sociedade política mexicana não é liberal. Trata-se de uma sociedade política autocrática representativa caudilhesca e do caciquismo envelopada por uma cultura política privada (quase invisível) do latifundiarismo eclesiástico. (Casanova. 1967: 43-45). Nesse meu vai-e-vem textual, a secularização da cultura eclesiástica e do mundo-da-vida mexicana é um fato tático essencial para a leitura gramatical do presente mexicano da atualidade. 

A gramática da política tem como sujeito idealista o cidadão da Constituição de 1917. Na realidade dos fatos o cidadão é substituído por: caudilho e cacique regional e local; exército; clero; latifundiário; empresários nacional e estrangeiro. (Casanova. 1967: 36). 

No texto O idealismo na evolução política do Império e da República (1922), Oliveira Vianna resume o contraste entre o ideal constitucional e o real do ser da política brasileira:
“O trabalho de construção do aparelhamento político tem, no Brasil, um processo inteiramente oposto ao seguido, na sua organização política e na sua estruturação constitucional, pelos grandes povos da antiguidade, como o romano, ou pelos grandes povos modernos, como o inglês, o japonês, o norte-americano, o alemão da fase imperial. Entre nós, com efeito, não é no ‘povo’, na sua estrutura, na sua psicologia, na sua economia íntima e nas condições particulares de sua psyché, que os organizadores brasileiros, os elaboradores dos nossos códigos políticos vão buscar ao materiais para as suas formosas e soberbas construções: é fora de nós, é nos modelos estranhos, é nos exemplos estranhos, é nas jurisprudências estranhas, em estranhos princípios, em estranhos sistemas que eles se abeberam e inspiram – e parece que é somente sobre estes paradigmas forasteiros  que a sua inteligência sabe trabalhar com perfeição”. (Vianna. 1922: 7-8).

A política brasileira tem esse sentido virtual em tela constitucional no Império e na República do século XX. Trata-se da política do idealismo constitucional do sujeito gramatical oligarquia virtualmente liberal brasileira. No século XX mexicano, qual sujeito gramatical ocupa o lugar da oligarquia brasileira no real do ser da política da sociedade dos fatos? O caudilhismo fazendo pendant com o caciquismo?

A oligarquia intelectual brasileira se constitui por uma gramática importada da alta cultura europeia. A do México também é semelhante na formação da sua ciência política?

Oliveira Vianna diz sobre o Brasil imperial [e republicano]:
“Há também que assinalar, no período da independência e do Império, a aparição de um novo fator, de um novo modificador da estrutura política, ao lado dos fatores já estudados. É a influência das ideias exóticas, a repercussão, na América, das novas teorias políticas, que então agitam e renovam, desde os seus fundamentos, o mundo europeu: o Liberalismo, o Parlamentarismo, o Constitucionalismo, o Federalismo, a Democracia, a República”. (Vianna. 1933: 252).

Trata-se do festejado autocolonialismo cultural, pois, a ciência política europeia é metabolizada espontaneamente pela oligarquia intelectual brasileira (e latino-americana) gerando uma cultura política virtual ficcional (que é usada para fazer Constituições) que jamais se atualiza faticamente. Há essa decalagem entre teoria e prática, uma unidade entre teoria e prática virtual, hiperficcional que leva Joaquim Nabuco a falar de uma cultura política democrática do simulacro no século imperial. (Nabuco: 988). O século imperial foi pós-modernista antes do pós-modernismo baudrilladriano. (Baudrillard: 177-178).           

A revolução mexicana é uma revolução de frações do caudilhismo e do caciquismo, que veio a diminuir a presença do exército na política da autocracia representativa realmente existente com aparência de semblância virtual democrática representativa na Constituição. (Casanova:38,40). A gramática revolucionária tem seus percussores intelectuais na alta cultura familial (cultura do pessoalismo cultural) mexicana? Sim! Mas ela vai além disso!
                                                                                            III

Para efeito do uso da gramática transdialéticos, escolho um dos sujeitos gramaticais do México até a década de 1960. Trata-se da Igreja católica que atravessou, como política clerical, o período colonial e permaneceu como um fator muito influente na política e no mundo-da-vida do México.

No século XX, o México atravessa um período de urbanização, industrialização e modernização com o aumento da população de incrédulos. Porém, tal secularização da cultura política privada/público não diminuiu o poder simbólico clerical sobre a política lato senso. Há um campo de estatização poder, no qual o clericalismo é bem influente:
“O clericalismo do século XIX e princípios do século XX explica-se também em função de todo um sistema social, no qual o latifúndio, o caciquismo e o militarismo são seu complemento. O de hoje (1960) insere-se numa estrutura bem diferente”. (Casanova: 48).

Na conjuntura da Guerra Fria década de 1960, outra situação de cultura política econômica, outro imaginário religioso tradicional/moderno, outra situação psíquica aponta para uma gramática trans-subjetiva em narrativa cristã e anticomunista:
“No México atual, e em zonas relativamente vastas do país, nota-se uma estreita vinculação do clericalismo tradicional com a guerra fria, do cristianismo político com um anticomunismo que manipula símbolos primitivos, os temores da sociedade tradicional, para provocar verdadeiros fenômenos de pânico e de agressividade entre a população mais ignorante e fanática, seja camponesa ou de classe média.
A manipulação destes temores e fobias da sociedade tradicional e sua vinculação com a guerra fria, mediante campanhas de boatos, acusações, convocações alarmantes; as histórias e fantasias de medo que se fazem circular no campo, nos povoados e até nas cidades; o uso de instrumentos religiosos – amuletos, exorcismos e sinos que tocam de improviso -, de profetas e profecias, de apóstolos e santos, de imagens supersticiosas do monstruoso, e conceitos populares do demoníaco, vinculados e comparados ao comunismo como entidade infernal e diabólica, no sentido tradicional do termo; ligados a uma ação política cada vez mais efetiva, na qual os sacerdotes vão substituindo os professores como líderes das comunidades e dos ejidos – para formular demandas, levantar protestos e organizar manifestações político-religiosas – provoca um medo perfeitamente racional entre os próprios políticos – governantes, deputados, líderes -, ameaçados sempre de serem acusados de comunistas, com a conotação mágico-diabólica do termo e as fobias brueghelianas que desperta”. (Casanova: 50-51).

Trata-se da estatização do campo de poder distinto do final do século XIX e início do século XX. Neste novo campo de poder o comunismo e a guerra fria ocupam lugares de internalização da política das massas gramaticalizáveis pelo cristianismo político. É uma nova gramática em narrativa tradicional-moderna que se derrama para fora da nação mexicana como trans-sujeito gramatical em narrativa transdialética, onde há a junção da sociedade tradicional com uma recente sociedade moderna:
“Que os extremos desta política encontram-se localizados em certas regiões mais atrasadas do país, que a conceituação mágica e medieval do anticomunismo cede lugar em estratos superiores a uma propaganda menos primitiva, que os setores liberais e de pensamento mais continuam dominando a situação nos povoados, e que, inclusive nas universidades federativas onde mais se acusa este fenômeno há grande número de camponeses com terras, de ejidatarios revolucionários, que apoiam as elites liberais e ajudam-nas a manter o poder, são fatos indubitáveis. Não impedem, entretanto, que hoje o clero tradicionalista represente uma das forças mais vivas e atuantes na política mexicana, e constitua um dos grupos de pressão mais poderosos e diversificados, que os governantes devem levar em conta em suas decisões, umas vezes como aliado frente às exigências populares que fazem perigar sua força ou seus interesses, outras como inimigo que tenta derrubá-los e substituí-los”. (Casanova. 1967: 51).

Qual a posição do cristianismo no século XXI mexicano?      

Uma outra periodização ocorre com o significante gramatical KRIMINOSTAT (Virilio: 55-54) e a narco cultura política privada. Novamente, o passado que persiste no real do ser da sociedade mexicana será retroativamente transmutado pelo presente. O que aconteceu com os sujeitos gramaticais e significantes gramaticais modernos da década de 1960 como o empresário fazendo pendant com o capitalismo a mexicana, urbanização, modernização e secularização? Qual estatização do campo de poderes se instalou na vida mexicana após o Kriminostat? A gramática da insegurança do território (Virilio) tornou-se soberana, no mundo-da-vida popular, na sociedade civil e sociedade política?
                                                                                                IV

No Norte do México, o estado de San Luis de Potosí é o estado gramatical como alavanca da revolução mexicana 1910-1917. A revolução depõe o porfiriato (regime autocrático hiperpresidencialista representativo de Porfírio Díaz [1977-1911]), com a eleição de Francisco I. Madero (1911). Homem do liberalismo oligárquico, hacendado e homem de negócios que dirigiu o Partido Nacional Antirreleicionista (1910-1911), que triunfará com a derrocada de Porfírio Díaz por meios violentos.  

Em San Luis Potosí, um punhado de famílias acaudaladas, frequentemente em cooperação com homens de negócios estrangeiros, dominaram a vida econômica, política, social e cultural político (caciquismo, caudilhismo). Trata-se de um sistema de interesses econômicos no qual a cidade, la mina e a hacienda, ligados por um laço gramatical a ser dito, tendiam a incrementar a industrialização, a monopolização, a mecanização, a exploração e participação do capital estrangeiro.
A americanização econômica do México é um dos elementos da gramática em narrativa lógica que explica a história desse país (Cockcroft: 25). A revolução de 1910 é uma luta política contra o porfiriato e uma luta contra o americanismo no comando da economia mexicana. A luta tem como fração dirigente de San Luis de Potosí uma família oligárquica aburguesada decadente representada pelo engenheiro liberal nacionalista Camilo Arriaga. (Cockcrofot: 23).

A gramática da política mexicana tem como sujeito gramatical esquizo da transdialética equilíbrio de antagonismos. Gilberto Freyre articulou o equilíbrio de antagonismos (Freyre: 6,7) para pensar a formação do nosso povo no Brasil colonial. Na física de Heráclito, encontramos a transdialética do equilíbrio de antagonismos:
“51, Idem, ibidem, IX, 9.
Não compreendem como o divergente consigo mesmo concorda; harmonia de tensões contrárias, como de arco e lira”. (Heráclito: 84).

Há no México a transdialética gramatical do equilíbrio de antagonismos, de arco e lira? A oligarquia familial aburguesada mexicana é um sujeito esquizo liberal e autocrática, do americanismo e do nacionalismo em terras e território trans-sujeito gramatical Potosí povoados por lutas articuladas por uma ambivalência econômica, política e cultural política como as lutas que desabrocham na revolução mexicana 1910-1917. A Constituição 1917 fecha o ciclo revolucionário em tela.  A ambivalência (Cockcrofot: 26) significa a colaboração econômica com o americanismo (amor à América) e o rechaço nacionalista à burguesia e ao imperialismo EUA (ódio oligárquico familial à América). 

Se o sujeito esquizo é um fenômeno virtual, o ersatz de industrial não estrangeiro do estado de San Luiz de Potosí Pedro Barrenechea é uma atualização inequívoca. Ele enviou uma fiança de dez mil pesos para libertar Madero da prisão do regime de Díaz. Um ano mais tarde se postularia para governador contra o candidato de Madero. Ele representava um mal-estar crescente para os homens de negócios independentes e desenvolvimentistas. Havia enriquecido colaborando com o capital americano e a americanização da economia oligárquica ersatz de economia capitalista se mantendo fora do domínio do monopólio do capital estrangeiro. Em 1914, funda uma companhia petrolífera controlada totalmente por homens de negócios de San Luis Potesí, não muito depois que o governo de Madero “estableció una política de no concesión y un impuesto especial del timbre sobre petróleo crudo. Hasta el régimen de Díaz había advertido el aumento del sentimento antiextranjeiro entre la alta burguesía cundo en 1908 había hecho arreglos para que la nación comprara la mayoría de los intereses ferrocarrileros – aunque Esquivel Obregón entre otros, sostiene que las negociaciones eran fraudulentas. El control por parte del gobierno sobre los ferrocarriles, dice Esquivel Obregón, sólo era uma protección ‘meramente ideal’, y ‘las empresas yanquis estaban detrás del negócio’”. (Cockcroft: 42).   

                                                                                              V

O esplendor em cultura política econômica da revolução mexicana podes ser observado pela formação do bloco político formal composto por várias classes sociais (oligarquia decadente de San Luis de Potosí, a pequena burguesia rural arruinada de Zapata, frações em revolta da classe média intelectual e do proletariado intelectual etc.) e pelo bloco ideológico informal constituído por intelectuais orgânicos das famílias oligárquicas dissidentes do porfiriato, intelectuais pequenos burgueses de grupos de baixo status, pelo PLM (Partido Liberal Mexicano). Este partido político foi a principal força política do movimento precursor da revolução.

O PLM dirigia uma coalizão cultural política econômica de operários, camponeses, pequenos comerciantes, e um amálgama de classe baixa e classe média baixa. Como a coalizão de Madero, o PLM possuía um dirigente intelectual e uma imprensa influente, embora clandestina. O PML é uma força política em contradição com o bloco político formal de Madero; podemos ver aí o correlato das contradições no seio do povo que se opõe ao porfiriato. A vontade de potência política do PML acabou produzindo efeitos na Constituição de 1917, por exemplo, o artigo 123 ‘declaração dos direitos’ dos trabalhadores retirado do programa do PLM de 1906. 

A gramática da política mexicana era um desenvolvimento desigual e combinado de autocracia representativa realmente existente que sob os efeitos das lutas cultural política econômica se abria para períodos de “democracia política”, como nos governos de Madero e do general Cadernas. Tais períodos de “democracia” cultural política econômica não subtraia a repressão do Estado autocrático mexicano as lutas dos de baixo:
"De 1911 a 1913, bajo el régime del presidente Madero, los mineros de Matehuala, La Paz, El Catorce y de otras partes intrépidamentre sostuvieran una casi ininterrumpida serie de huelgas. El Gobierno ‘revolucionario’ envió tropas con frequencia y bastante mineros fueran asesinados”. (Cockcroft: 49).
                                                    Uma palavra a mais sobre o PLM.

O Partido liberal Mexicano é um sujeito gramatical esquizo de uma transdialética cultural política econômica esplendorosa do extremo-ocidente latino-americano. O PLM se formou na conjuntura das lutas contra o regime autocrático-ditatorial de Porfírio Diaz. Ricardo Flores Magón foi o chefe do anarquismo mexicano que com outros intelectuais criaram o PLM. Tal partido revolucionário manteve ligações com a esquerda americana criadas na época da comunidade dos exilados mexicanos nos EUA. Foi perseguido pela empresa de detetives Pinkerton que também persegui durante anos os militantes da esquerda americana. Um sistema internacional de espionagem foi criado para vigiar, molestar, perseguir e aprisionar os chefes do PLM nos EUA e no México.  

O PLM formou-se, no início, com intelectuais das famílias oligárquicas e intelectuais sem nenhuma linhagem familial. A coalização contra o porfiriato unia o PLM e Madero e outros oligarcas dissidentes. Na sua evolução, o PLM se transformou em um partido anarquista e socialista de massas populares participando (e dirigindo) rebeliões, revoltas e o que no Brasil se chamaria de revoluções populares. A partir de um determinado período optou em seu Programa pela revolução violenta de um exército revolucionário para derrubar Porfírio Díaz e implementar uma política sócio econômica favorecendo os camponeses pobres, os operários, a reforma agrária e o direito obreiro.

Madero escolhe confrontar Díaz pela via pacífica eleitoral. Ele contava com o fim da instituição reeleição que perpetuava Porfírio Díaz, durante décadas, no poder nacional mexicano com apoio dos EUA. Quando Madero teve certeza que Díaz ía permanecer no poder pela reeleição fraudulenta, Madero chegou a conclusão da necessidade da revolução violenta para depor o tirano Porfírio.

Na luta armada contra o regime mexicano, O PLM e forças de Madero combateram lado a lado. Trata-se da transdialética dos antagonismos de equilíbrio do sujeito gramatical esquizo. Depois Madero deflagrou a guerra civil contra os exércitos populares do PLM (e de Zapata) e usou o exército constituído na era do porfiriato para desarmar os maderistas em armas com violência real desproporcional e implacável.   

Na gramática da cultura política mexicana, a violência é um elemento gramatical inelutável. Madero usou o exército nacional mexicano para conter a revolução da esquerda e depois foi deposto por um golpe de Estado dos mesmos generais que serviram a seu propósito. Blanquet, Huerta e Reyes foram os principais dirigentes do golpe de Estado contra Madero, em fevereiro de 1913. Madeiro morreu assassinado assim como o presidente Carranza (1920) que favoreceu a tessitura da Constituição revolucionária virtual 1917.

A Constituição 1917 tem elementos do Programa do PLM como a reforma agrária e o código direito obreiro, artigos, respectivamente, 27 e 123. Se a Constituição é a concepção política gramatical de um país, a Constituição 1917 foi um efeito virtual da guerra civil revolução mexicana (1910-1917).
Como presidente, Carranza violou sistematicamente a Constituição, como no caso da supressão dos sindicatos durante 1916-1920 e da não realização efetiva dos mandatos constitucionais de reforma agrária.  Carranza não é uma exceção!

Hoje, a violência mexicana dos cartéis de drogas não é uma continuação por outros meios (do governo do invisível) da violência política do período da revolução mexicana e antes dela?                          
                                                       O partido governante de Estado

Durante décadas o México foi governado por um partido dominante de massa, partido de Estado por excelência (Poulantzas: 259-268). Tal partido é o sujeito gramatical do estatismo autoritário na forma da autocracia representava realmente existente. Tal partido é um sujeito estratégico/tático na constituição e funcionamento da gramática política mexicana antediluviana. Um partido que é o anverso do PLM.

Os presidentes são escolhidos pelo partido oficial, desde sua fundação em 1929 e “regularmente” eleitos e reeleitos. Em 1979, como partido oficial, o nome PRI comemorou a supremacia civil sobre o poder militar em uma América Latina que foi dominada durante décadas pelo Estado militar.

O Exército federal de Porfírio Díaz foi desmantelado em 1914-1915. Inicia-se o reino dos senhores da guerra. A cultura política passa a ter como sujeito gramatical o caudilho militar territorial, cada um senhor de um exército não-profissional. Entre os mais notáveis temos Huerta, Obregón, Carranza, Villa e Zapata. Com exceção de Huerta, o contrarrevolucionário, todos os outros, assim como os chefes, os generais, e os oficiais superiores eram civis. O antimilitarismo burocrático de Villa era o sintoma dessa era pós-revolucionária (Rouquié: 239).

Gera-se a estatização de um campo de poderes desburocratizado, onde as rivalidades políticas violentas e a multiplicidade aberta ao caudilhismo desagregam o Estado mexicano oficial. Há inúmeros Estados dentro do Estado. A reconstrução do país passava pela contenção dos “generais” conturbadores e pela unificação das forças centrífugas. Obregón e mais ainda Calles - o caudilho, por excelência, presente na política mexicana de 1924 a 1935 - ambos serão os fundadores da gramática moderna da política em tela.

A eliminação violenta dos senhores da guerra não metabolizáveis pelo campo de poder estatizado moderno será um recurso que leva ao assassinato de Zapata (1919) e Villa (1923). Assim, se subtrai da gramática os caciques regionais e, ao mesmo tempo, abra-se a janela de oportunidade para se criar um Exército burocrático profissional e instituições políticas centralizadas. Desmilitarizar a política significava militarizar o exército burocrático.

O partido de Estado de massa estava destinado a ganhar eleições através da ausência de competição, e teve como primeira tarefa tática gramatical unificar os partidos armados e dominá-los. O partido oficial torna-se a pressuposta arena política legítima na qual as forças revolucionárias devem dialogar e se combater em torno de interesses particulares e/ou comum. A transferência do centro do campo de poderes para o PRI só pode se realizar depois que Calles consegue disciplinar os militares e passar a usar o exército burocrático para impor seu domínio sobre a nação durante dez anos. O triunfo do Estado sobre as forças centrífugas impôs a dominância do PRI sobre o Exército, após a fundação desse partido.  

O partido oficial de massas associado à revolução mexicana compreende, na era Cárdenas (1934-1940), os seguintes setores: camponês, operário, popular (um conjunto heterogêneo) e militar. Os militares são politizados e isto significa a desmilitarização da política e a despotencialização do exército como força de golpe de Estado. São absorvidos no campo de estatização dos poderes como sujeito gramatical grau zero de exercício do poder central do Estado burocrático. A desmilitarização da política levou à desmilitarização do Estado nacional. Nessa gramática, os militares se constituem, até certo ponto, ao lado do PRI, da presidência e dos sindicatos parte do bloco-no-poder. Nesse México, o Estado militar (patrocinado pelos EUA) não vinga, pois, um Exército burocrático fraco - ao invés de dominar a gramática do sistema político – é seletivamente integrado ao PRI através de transações onde o clientelismo domina.

A gramática pós-revolucionária tem como um sujeito gramatical a corrupção das famílias do governo plenipotenciário presidencialista. (Castañeda: 298). Em 1946, o PRM (Partido da Revolução Mexicana) se transformou em PRI (Partido Revolucionário Institucional), durante a presidência de Ávila Camacho. Assim, o poder político partidário dispôs do dispositivo institucional que permitiu controlar a vida política e cultural política do país e dirigir a transformação econômica da sociedade de significantes mexicana pós-revolucionária: “ O PRI é, pois, uma forma de Estado mais do que um partido político”. (Touraine: 213).

Arnaldo Córdova faz um resumo claro da relação do Estado com a paisagem política:
“El Estado de la Revolución mexicana se caracteriza, entre otros de sus rasgos peculiares, por una extraordinaria, permanente y progressiva concentración de facultades constitucionales en la instituición presidencial. Con mucho, se trata del elemento más importante, el que domina a todos los demás y el que define, en su esencia y en su funcionamiento, al actual Estado mexicano”. (Casanova. 1990:543).             
                                                                   A falta de gramática da política estrito senso hoje
  
         
As forças do cultural político econômico do pluralismo partidário (que puseram um fim na gramática da política em tela PRI instaurando uma democratização da autocracia representativa realmente existente) não contavam com a emersão de um novo fenômeno mundial que estacionou no território da trans-subjetividade territorial mexicana como um dilúvio. Me refiro ao Kriminostat fazendo pendant com a cultura política privada do narcopoder e a lúmpen-elite lumpesinal dos de baixo.

A nova política em reprodução ampliada mexicana mundial articula uma gramática militar R.S.I. (Real/Simbólico/Imaginário) onde o que está em cima é igual ao que está em baixo. Onde o governo visível é também governo do invisível. Onde o governo do invisível gera uma nova espécie de autocracia representativa realmente existente.

O que se pode afirmar sobre a gramática RSI mexicana é que ela é a gramática militar da insegurança gramatical do território. A verdadeira nova guerra instalada pelo Kriminostat (complexo industrial militar, serviços de espionagem da Okhrana mundial, oligarquia financeira mundial sem regulamentação estatal, máfias italianas, narcopoder e outros fenômenos em expansão) tem um correlato com a gramática alemã da primeira metade século XX:
"En supprimant les frontières, la guerra totale abolit les franges protectrices des réalités nationales; ce qui se passait sur les fronts linéaires se passe à l’ntérieur. C’est avec une sorte de sombre entrain que la population allemande va s’installer dans une réalité qui, chaque jour, disparaît. ˂La question morale ayant été laissée de côte> (général Harris), les schémas industriels et  militaires réalisant à domicile la grand vision ascétique et amputatrice de l’Occident, sa ˂croisade>, comme dit Eisenhower”. (Virilio. 1976.35).

A linha de força gramatical autocrática representativa se apossa também da União Europeia, e a gramática da insegurança do território da democracia representativa se expande. A Europa mantém sua fachada de democracia representativa, uma aparência de semblância criada e recriada pela cultura política autocrática do jornalismo, dos partidos políticos de fachada, e dos governos de fachada democrática. A fachada democrática oculta a invasão do governo do invisível no espaço da gramática da política da Europa Ocidental.  
                                                                          DA FRANÇA AUTOCRÁTICA HOJE

O Congresso da França fez uma lei que substitui o estado de emergência. Trata-se de uma lei que dá poderes excepcionais policiais de vigilância e repressão aos prefeitos do país.

A França está em uma transição da democracia representativa para uma autocracia representativa realmente existente. O terrorismo islâmico doméstico é o fator que põe o cidadão francês contra si próprio. E desarma a vontade de potência democrática da oposição das massas populares a tal destruição da democracia representativa.

Aos poucos, o cidadão francês perde seus direitos de liberdade para um Estado de polícia e vigilância brutalmente racista ariano. Tal Estado é um efeito do antagonismo gramatical irremediável entre a população muçulmana, na França, e a sociedade branca francesa. A República revolucionária francesa se tornou a República ariana dos prefeitos.

A Espanha caminha a passos largos para a autocracia representativa monárquica com um estado de sítio permanente a Catalunha.

Uma linha de força gramatical narrativa lógica autocrática representativa vai desenhando a paisagem política da Europa Ocidental na União Europeia, que assiste impassível a tal fenômeno cultural político econômico com vontade de potência universalizante.


Allons enfants de la Patrie
Le jour de gloire est arrivé
Contre nous de la tyrannie
L'étendard sanglant est levé
L'étendard sanglant est levé:
Entendez-vous dans les campagnes
Mugir ces féroces soldats!
Ils viennent jusque dans vos bras
Égorger vos fils et vos compagnes
Aux armes citoyens
Formez vos bataillons
Marchons! Marchons!
Qu'un sang impur
Abreuve nos sillons
Que veut cette horde d'esclaves
De traîtres, de rois conjurés?
Pour qui ces ignobles entraves
Ces fers dès longtemps préparés
Ces fers dès longtemps préparés
Français, pour nous, ah quel outrage
Quel transport il doit exciter!
C'est nous qu'on ose méditer
De rendre à l'antique esclavage               


BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. SP: Martins Fontes, 1992
BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et simulation. Paris: Galilée, 1981
CASANOVA, Pablo González. A democracia no México. RJ: Civilização Brasileira, 1967
---------------------------------- (org). El Estado en América Latina. Teoría y práctica. Mexico: Siglo Veintiuno, 1990
CASTAÑEDA, Jorge G. Utopia desarmada. SP: Companhia das Letras, 1994
COCKCROFT, James D. Presursores intelectuais de la revolución mexicana. (1900-1913). México: Siglo Veintiuno, 1971
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. RJ: José Olympio, 1975
Merleau-Ponty, M. O visível e o invisível. SP: Perspectiva, 1971
HERÁCLITO. Pensadores. Os pré-socráticos. Fragmentos, doxografia e comentários. Edição Especial. SP: Abril Cultural, 1978
NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império. v. 2. RJ: Topbooks, 1977
PRADO JR, Caio. A revolução brasileira. SP: Brasilense, 1972
POULANTZAS, Nicos. L’état, le pouvoir, le socialisme. Paris: PUF, 1978
RAWLS, John. O liberalismo político. SP: Ática, 2000
ROUQUIÉ, Alain. O Estado militar na América Latina. SP: Alfa-Omega, 1984
TOURAINE, Alain. Palavra e sangue. Política e sociedade na América Latina. Campinas/SP: Editora da Unicamp/Trajetória Cultural, 1989
VIANNA, Oliveira. O idealismo na evolução política do Império e da República. SP: Biblioteca “O Estado de São Paulo”, 1922
VIANNA, Oliveira. Evolução do povo brasileiro. SP: Companhia Editora Nacional, 1933
VIRILIO, Paul. L’insécurité du territoire. Paris: Galilée, 1976
---------------- Vitesse et politique. Paris: Galilée, 1977