segunda-feira, 29 de abril de 2024

Estado

 

José Paulo 

 

 

No Brasil, o iluminismo pós-moderno aparece na obra do carioca embaixador José Guilherme Merquior. FHC disse ao assumir o governo: <esqueçam o que eu escrevi>. É um <enigma> forjado pelo cérebro do sociólogo da USP Fernando Henrique.  Indo <aos conformes>, A sociologia desse autor é uma estrutura de dominação da modernidade paulista/carioca. FHC conhecia profundamente a sociologia política moderna weberiana da dominação.

O que fez FHC no governo? Ele criou e recriou o Estado posmoderno ilustrado. Ele substitui o velho Estado moderno patrimonialista por um estado pós-moderno patrimonialista, em aliança com partidos da Ditadura militar. Ele começou a transição barroca pós-moderna da conciliação da ditadura militar com a forma de governo da Constituição de 1988.

                                                                      2

Para se usar a imagem, é necessário comparar como enigma. São duas estruturas de dominação:

“O enigma ainda dissimulava a significação conhecida, e o que antes de tudo importava era revesti-la de sinais heterogêneos, distantes muitas vezes da sua verdadeira natureza”. (Hegel: 228).

O <enigma> aparece como strutura de dominação de uma subjetividade que dissimula o conhecimento do campo de conhecimento da Coisa em si. Os sinais heterogêneos dissimulam a significação estabelecida no pressuposto saber. Assim, tem-se uma estrutura de dominação ideológica que opera com o heterogêneo para além da semelhança e dissemelhança. O heterógeno já introduz o sujeito em um campo no qual a contradição se choca com a unidade gramatical do campo político/estético moderno? Assim, o agente julga o agir político através da região do cérebro do juízo de gosto. O campo do gosto cerebral sobredetermina a estrutura de dominação ideológica.

Na época pós-posmoderna, o <enigma> aparece através de sinais heteróclitos que constituem a subjetividade pós-moderna na esfera do molecular do indivíduo/instituição e no espaço da multidão.

                                                                        2

Em Hegel, a ideia de <imagem> é universal e com potência capaz de se atualizar em um campo da conjuntura. (Poulantzas: 90):

“Obtém-se uma imagem quando se reúnem dois fenômenos ou estados independentes, um dos quais corresponde a uma significação e o outro serve para tornar mais perceptível tal significação. A primeira determinação, a determinação fundamental é, pois, fornecida pela separação das duas esferas a que pertencem a imagem e a significação. Cada uma destas esferas existe por si, e o que entre ambas há de comum, propriedades, condições etc., não é, como no símbolo, vaga e imprecisa generalidade substancialidade, mas uma e outra possuem existência concreta e precisa”.

“Considerada deste ponto de vista, a imagem pode ter por significação toda uma espécie de estados, actividades, produções, modos de existência, e, sem lhes fazer a menor alusão, pode tornar esta significação perceptível pela imagem mesma, invocando a analogia que existe entre a esfera a que pertence a imagem e uma outra esfera, independente desta, mas semelhante a ela”. (Hegel: 231).

Merquior constrói a imagem do Estado brasileiro em analogia de semelhança e dissemelhança como Estado Argentino. Eles têm em comum o processo de desintegração do território nacional na origem deles. (Merquior: 389). Em ambos, há um choque agônico entre a capital política e as províncias, a estrutura de dominação política da cidade e aquela do campo. O choque resulta na guerra civil separatista das províncias ou da polis. A estrutura de dominação desses países tem em comum não ser uma tela gramatical cultural, e sim uma tela gramatical cerebral ideológica. A ideologia se refere ao ethos ou páthos. Retomo depois tal efeito. A diferença elementar consiste no seguinte: os países da América do Sul não conseguiram manter sua unidade territorial e, ao contrário, o Brasil teve êxito em sustar o processo de desintegração da unidade territorial. Assim, o tempo político [desses países dispares pela história dos efeitos da guerra civil separatista] da fabricação do Estado nacional explica a diferença do Brasil para a América do Sul. A imagem da desintegração é o fenômeno fundamental que ressalta o belo da imagem de um Brasil que não para de não se desintegrar como forma d governo monárquico. Ao contrário, a América Latina não para de se desintegrar como forma de governo republicano cesarista em repúblicas tirânicas militaristas. O tempo da diferença entre os países acabaria com o Brasil republicano dos generais:

“Os mecanismos da preponderância militar na Argentina não diferem, essencialmente, pelo menos em suas finalidades aparentes, dos do Brasil. (Rouquié:338).

O exército brasileiro até 1964:

“No que concerne às forças armadas, além do fato de que elas constituem um terreno e o alvo das lutas entre as frações das camadas privilegiadas, sua relação com o sistema mantém-se através de sua identificação com o próprio Estado. Esse Exército-Estado, dotado de uma margem de autonomia relativa em relação às classes superiores, ou melhor, em relação à sua fração dominante, encontra-se marginalmente ligado a todos os grupos organizados”. (Rouquié: 343).

Este era o exército do velho moderno. Hoje, existe um exército pós-moderno como parasita econômico do aparelho de Estado, um exercito que usa a proteção de sua própria legislação penal militar para se envolver na guerra civil de estrutura de dominação mafiosa.

Na Argentina do exército moderno:

“Restabelecendo o equilíbrio social e impedindo a preponderância de um setor sobre os outros, o exército visava preservar o sistema. Com efeito, ele impõe um jogo social sem ganhadores ou perdedores, que impede que a crise hegemônica seja ultrapassada, mas que, ao contrário, a perpetua. Bloqueando os desequilíbrios sociais motores da evolução e do progresso, as intervenções estabilizadoras fixam a sociedade argentina e prolongam sua crise global. Essas intervenções reproduzem a instabilidade política, da qual tiram proveito os <negociantes móveis> da grande burguesia. A <institucionalização da ilegitimidade>, ao invés de lançar as bases de uma <democracia forte e sólida> que não teria mais necessidade de recorrer aos soldados como proclamado pelos textos <revolucionários> marciais, enfraquece cada vez mais as chances do sistema representativo”. (Rouquié: 343).

 A crise catastrófica da Argentina no ano 2001 revelou para o mundo o exército argentino posmoderno  como uma estrutura de dominação mafiosa feudalizada em facções narcoterroristas.          

 

         

Dominação, governo, Estado, tela

José Paulo 

 

 

A sociologia política weberiana fala, sistematicamente, da dominação:

"Segundo a definição já dada, chamamos <dominação> a probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas [ou todas] dentro de determinado grupo de pessoas. Não significa, portanto, toda espécie de possibilidade de exercer <poder> ou <influência> sobre outras pessoas. Em cada caso individual, a dominação [<autoridade>] assim definida pode basear-se nos mais diversos motivos de submissão: desde o hábito inconsciente até considerações puramente racionais, referentes a fins. Certo mínimo de vontade de obedecer, isto é, de interesse [externo ou interno] na obediência, faz parte de toda relação autêntica de dominação” (Weber: 170).

Se o leitor observar bem o texto acima, verá que falta algo. O quê?

Marx diz:

“Os homens fazem sua própria história, porém não a fazem como querem; não a fazem sob circunstância de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”. (Marx. 1974: 335).

Em Weber falta o cérebro que contém a tradição ou hábitos inconscientes como estrutura de dominação. As regiões do cérebro se constituem como estrutura de dominação desde a Caverna?

Freud fala de aparelho psíquico. Vocábulo que corresponde à época das relações técnicas de produção do mercantilismo do capital europeu. Hoje, tela é o vocábulo que corresponde às relações técnicas de produção do mercantilismo do capital cibernético do celular. A tela gramatical é da época da escrita, da língua como escritura. A tela linguística é uma especificidade de tela gramatical.

O cérebro humano se constitui como plurivocidade de tela gramatical da tela natural à tela cultural. Para existir a cultura precisa se encontrar no cérebro. A tradição é tela gramatical da civilização rural; a tela gramatical ideológica é da civilização urbana e rural. Na tela moderna, fenômenos distintos na história universal aparecem como formas ideológicas:

“as formas jurídica, política, religiosa, artística ou filosófica, em resumo , as formas ideológicas [...].

Bem! As formas ideológicas necessitam ser postas no cérebro dos vivos para existir como a tradição. No caso da forma ideológica, o agente que põe e repõe ela no cérebro é a instituição. O que é a instituição?

“Na terminologia indicada [...] os <signos> implícitos em <significação> não devem ser equiparados à <símbolos>. Muitos autores tratam os dois termos como equivalentes, mas eu considero os símbolos, interpolados em ordens simbólicas, como uma dimensão principal do <agrupamento> de instituições. Os símbolos coagulam os <excedentes de significado> implícitos no caráter polivalente dos signos; eles unem aquelas interseções de códigos que são especialmente ricas em diversas formas de associação de significados, operando ao longo dos eixos da metáfora e da metonímia. As ordens simbólicas e os modos de discurso associados são um importante locus institucional da ideologia”. (Giddens. ‘1989: 26).

A instituição é um fenômeno do campo simbólico ao lado de: signo, símbolo, imagem, alegoria, fantasia, ideologia, cultura, tela. O campo simbólico une o campo político do indivíduo ao campo político da sociedade. Sair da caverna de Platão é mergulhar na cultura via educação. (Platon: 1101).

O que é a alegoria da Caverna?

A instituição faz pendant com constituição, que provém do verbo constituere: instituir, fundar”. (Sartori:13). Instituir qual fenômeno? Na civilização grega é instituir uma forma de governo. A forma de governo é sempre uma tela gramatical em um campo político civilizado?

                                                                        2

EM Platão, A alegoria da caverna faz par com a alegoria do Sol. Uma leitura diz que: “A caverna corresponde ao mundo do visível e o Sol é o fogo cuja luz se projeta dentro dela”. (Jaeger: 607). Platão diz que tem um fogo que ilumina a caverna. (Platon: 1102). Como os habitantes da caverna estão imobilizados de frente para a parede da caverna no fundo dela, não há como ter um fogo criado e mantido por eles. Portanto, o fogo só pode ser a luz do Sol? Tal imagem é importante, pois, se trata de um Sol como se fosse um fogo de lenha que permite o VER dos moradores da caverna?

A questão decisiva é o ver. O ver depende de luz natural. Assim Platão fala do homem culto e do inculto. Um é o homem da paideia ou outro no qual não existe Paidéia: homem ignorante e homem sem educação, homem comum e homem culto. (Platon: 1101).

A caverna é a alegoria de qual estado? Do homem desprovido do pressuposto saber da Paidéia. Trata-se de uma situação na qual o ver é aquele de ver sombras nas paredes como simulacros de gente e coisa que caminham na porta da caverna. (Platon: 1103). Eles veem a cópia das coisas na parede e não o original fora da caverna. A alegoria fala de um visível dos simulacros de um saber de simulação da percepção de simulacros. A alegoria da caverna é a do homem comum?   

Parece que a alegoria da caverna fala de uma estrutura de dominação de simulacro natural, fundado sobre a imagem, a imitação do ver, do que faz ver no reino da necessidade sem a Luz direta do Sol etc. (Baudrillard:177)):

“o conceito de esperança é aqui usado com especial referência à expectativa que o iniciado nos mistérios experimenta em relação ao além. A ideia da passagem do terreno à outra vida é aqui transferida para a passagem da alma do reino do visível ao reino do invisível. O conhecimento do verdadeiro Ser representa ainda a passagem do temporal ao eterno. A última coisa que na região do conhecimento puro a alma aprende a ver, <com esforço>, é a ideia do Bem. Mas, uma vez, que aprende a vê-la, tem necessariamente de chegar à conclusão de que esta ideia é a causa de tudo o que no mundo existe de belo e de justo, e de que forçosamente deve tê-la contemplado quem quiser agir racionalmente na vida privada e pública”. (Jaeger: 607).

O Sol é a alegoria da luz direta que cria as condições de possibilidade de ver a ideia de Bem e a série de ideias ligadas a ela como belo e justo. A alegoria do Sol remete para uma estrutura de dominação da Paidéia em contraposição ao homem da sensibilidade, do afeto, da afecção. O que se encontra no cérebro do homem educado é a Paidéia como estrutura de dominação/hegemonikon ou eu político de uma tela gramatical da cultura em contraposição à gramática natural do homem da caverna. Mesmo para ver o simulacro é necessário a gramática natural do cérebro, o signo virtual. Para ver as coisas reais é necessário um campo de conhecimento da estrutura de dominação do Sol em si. (Peirce: 48).

O que permite ver O Bem, o belo e o justo é a tela gramatical da forma de governo <normal>: monarquia, aristocracia, politeia. (Wolff: 110). A forma de governo heteróclita é sgrammaticatura (Gramsci: 2341, sem tela gramatical já que essa é uma Constituição, tela gramatical cultural que funda uma forma de governo normal. A forma de governo normal existe em um campo simbólico político com hegemonikon. O que é o campo simbólico?

O campo simbólico da forma de governo normal é aquele de uma Paidéia como cultura política, jurídica, estética ao qual o homem comum não tem acesso. A cultura é o Sol que ilumina a realidade de agentes e coisas; a política se rege pela ideia da verdade; o direito ´pela ideia de justo e a estética pelo belo. O ver a forma de governo exige um campo de conhecimento da Coisa em si, exige a Paidéia como estrutura de dominação do homem educado. A democracia constitucional depende da Paideia como estrutura de dominação com hegemonikon. Hoje, a instituição escola institui o homem comum em um conhecimento iniciático para ver a forma de governo pela realidade virtual do Bem?

Se a forma de governo normal, encontra-se na superfície solar do campo político, a forma de governo heteróclita encontra-se na superfície profunda da caverna sem a luz direta do Sol. É a superfície profunda da escuridão iluminada por um fogo mitológico do campo diabólico. (Godin: 732).     

Tela poética, tela analógica, tela alegórica são constitutivas do campo simbólico da política:

“Desde Pythagore e Platon, a analogia é um meio eficaz para se invadir a totalidade ao encontro do pensamento. Estabelece-se uma relação essencial entre os fenômenos distantes em aparência, a analogia permite englobar nas suas fórmulas (pequenas formas) o cosmo inteiro”. (Godin: 790).

A tela analógica é o telos que ordena o caos no pressuposto saber, aí entra o campo simbólico:

“Os signos da língua são totalmente arbitrários, ao passo, que em certas demonstrações de ´polidez (...) perderão esse caráter arbitrário para se aproximarem do símbolo [...]. A natureza do símbolo consiste em nunca ser completamente arbitrária; o símbolo não é vazio. Existem elementos de laço entre ideia e signo, no símbolo. A Balança símbolo de justiça”. (Todorov: 367).

O campo simbólico da política tem signo [espaço da arbitrariedade] e símbolo ou espaço da do laço social entre signo e ideia. O símbolo põe e repõe o signo na forma ideológica da cultura política, jurídica, estética;

“A comparação do Sol e da caverna, agrupada numa unidade, como vimos pela proporção matemática das quatros gradações do Ser, representam uma só encarnação simbólica da essência da Paidéia. Alegorias desse tipo nós encontramos em todas as exposições da filosofia antiga, onde são reproduzidas como símbolos impressionantes da ideologia platônica”. (Jaeger: 608).

A pós-modernidade cancelou a modernidade e jogou Hegel na lata de lixo da história do pensamento mundial. Com o tempo do pós-posmoderno, Hegel pode ser retomado como parte de uma tela gramatical mais moderna do que o moderno da época moderna de 1500, das grandes navegações. A tela da alegoria é restaurada, mas não in totó:

“Começa ela por personificar e conceber como sujeitos, generalidades ou propriedades gerais e abstratas, que tanto podem pertencer ao mundo humano como ao mundo natural: religião, amor, justiça, stásis, glória, guerra, Primavera, Verão, Outono, Inverno, morte etc. Mas nem pelo conteúdo nem pela forma, esta subjectividade chega a ser enquanto tal, um sujeito ou um indivíduo, e sempre permanece a abstração de uma representação geral que só adquire, da subjetividade, a forma vazia. Poder-se-ia chamar-lhe o sujeito gramatical”. (Hegel.1993: 226).

Há a tela gramatical alegórica no campo simbólico político da antiguidade. Com a tela cibernética surge paródia vulgar de fenômeno alegórico no campo infrapolítico pós-moderno?

Segue Hegel:

“um ente alegórico, apesar da sua figura e forma humana, nada tem da individualidade concreta de um deus grego, de um santo ou de qualquer sujeito real pois, para tornar a subjectividade mais ou menos conforme à sua significação abstrata, tem de a esvaziar até que desapareça dela todo o sinal de individualidade. Por este motivo se acusa a alegoria de ser fria e vazia também, dado que a sua significação não passa de um produto abstrato do intelecto, de ser, do ponto de vista da invenção, mais uma criação do intelecto do que da intuição concreta e da profunda fantasia. Poetas como Virgílio, por exemplo, limitam-se à criação de seres alegóricos porque não são capazes de imaginar deuses individuais, com os de Homero”. (Hegel. 1993: 226).

 A existência da alegoria desvinculada da fantasia e da intuição tem a ver com determinada época das relações técnicas de produção? Marx fala da estrutura das relações entre as relações técnicas de produção e obra de arte.  Ele pontua a relação entre a obra de arte da antiguidade grega com Shakespeare, que parece criar a obra de arte da época moderna de 1500. (marx. 1974: 130-131).

As relações técnicas da antiguidade fazem pendant com a obra de arte que tem como seu solo a fantasia dos poetas arcaicos e festas dionisíacas. O nosso problema é a relação da obra de arte de Virgílio.com as relações técnicas de produção de Roma:

“Para Hegel, a arte romana é a decadência da arte grega”.  (Bandeira da Silveira. 2022: cap. 12).

No entanto:

“A gramática do poder romano faz da articulação da hegemonia um fenômeno cosmopolita e mundial”. (Bandeira da Silveira. 2022a: cap. 12).  

A autonomia relativa da obra de Virgílio em relação à estrutura das relações técnicas de produção escravagistas e em relação à mitologia da antiguidade aparece como tela alegórica fria e vazia de individualidade de significações concretas, sem o recurso à fantasia do poeta [como em Shakespeare] ou à gramática da intuição de práticas barrocas de festa dionisíaca.  

Virgílio é da época da cesarismo como forma de governo virtual e atual. Sua tela poética/alegórica se define pela relação de sua obra com a forma de governo cesarista do cosmopolitismo romano mundial. Ela não é a expressão de uma cultura política estética, nacional romana. Então, alegoria parece como forma poética vazia de conteúdo nacional. Ao invés da relação da obra poética com as relações técnicas de produção econômica, a obra de arte é um efeito das relações técnicas políticas de produção e reprodução do cosmopolitismo mundial da forma de governo cesarista: Império de Roma.            

                                                                            3

Vejamos a ciência política literária materialista dos jogos de gramática do Bem e do mal. Ela opera com a economia pública da cultura política, jurídica, estética:

“O Estado lacaniano barroco é outro fenômeno da tela gramatical narrativa do mercantilismo do capital barroco. Ele administra a mais-valia pública”. (Bandeira da Silveira. 2023: cap.3).

 O Estado lacaniano é um ente da ciência política literária lacaniana. Ele é o uso da mais-valia pública ou Mehrlust (Lacan. S. 16: 30,29) pelo aparelho de Estado e pelos agentes políticos e grupos da sociedade. O uso da mais-valia pública pode ser público ou/e privado. O essencial, é se o uso visa o Bem comum ou é apropriado pelo capital e grupos parasitas do aparelho de Estado. O mal é esse uso de privatização patrimonialista da mais-valia pública estabelecendo um choque entre o Estado lacaniano e o Estado patrimonialista pós-moderno.

Os países subdesenvolvidos têm no choque supracitado a criação e recriação do campo simbólico político. A subjetividade política da esquerda consiste em procurar [na relação de força vigente] usar   a mais-valia pública como um Bem público. A subjetividade da direita é o mal uso da mais-valia pública, seja para a reprodução simples do capital subdesenvolvido, seja para alimentar o parasitismo de camadas privilegiadas da burocracia pública patrimonialista. As maiorias eventuais ou pontuais do parlamento decidem sobre o uso para o Bem comum ou para o Mal da mais-valia pública. A Suprema Corte também decide sobre o Bem e o Mal na economia pública da mais-valia pública. A gramática econômica do Bem comum constitui o campo simbólico da política/estética/jurídica. A sgrammaticatura do Mal do Estado pós-moderno põe e repõe o país no campo diabólico da infrapolítica. Sobre a esquerda, mais ainda:

“Ao desenvolver a região da esquerda no campo da psicanálise, Lacan fez de Marx um dos marxistas barrocos ao lado de Lenine e Bukharin? (Bandeira da Silveira. 2024: cap. 3).

                                                               4

No Brasil, o Estado lacaniano é um fenômeno específico da tela barroca latino-americana. Em sua origem brasileira, ele converte o mal (mais-valia privada) em bem público pela história de seus efeitos. A obra do Aleijadinho é um dos efeitos da tela barroca do mal privado. Em Nietzsche, há os jogos de gramática no qual o bem pode emergir do mal. (Nietzsche: 22). No ciclo do ouro em Minas Gerais:

“A estrutura social é bastante simples. A nobreza é importante em número, mas não pelo papel que lhe é atribuído, pois, constitui-se de militares de carreira ou de funcionários, a maior parte vindos do Reino e estranhos à essência da vida da colônia. A classe dirigente é formada pelos senhores de lavra ou concessionários das minas que possuem e produzem a riqueza; os empresários, comerciantes, trabalhadores são homens livres, entre os quais figuram pessoas de cor”. (Bazin: 72).

Observe leitor que no Brasil colonial não há mulher no campo político da exploração do ouro. A fêmea não existe na tela barroca mineira. Segue:

“A população é, então, composta de uma parte de brancos, em número maior que em outros lugares, e que contribuem para provocar, na província, um espírito de emancipação intelectual; de outra parte, por uma massa de homens de cor, livres, orgulhosos, e cônscios de seus direitos, e que influem na mentalidade geral. Tornada sensível pelo choque de sangues, a alma desses mestiços está sujeito aos impulsos os mais contraditórios. De temperamento apaixonado, são levados à fantasia, à sensualidade e a um misticismo grosseiro, alimentado pela superstição. Isso tudo contribui para a <atmosfera barroca> de minas Gerais no século XVIII – os negros e os mestiços não eram os últimos a animarem as ruas com espetáculos que, entre eles, tomavam uma forma particularmente estrepitosa e colorida”. (Bazin: 72).

A fêmea [de feminino] inexiste, seja na realidade coletiva, seja na realidade molecular dos campos do ouro. Ela é o mal/visto molecular? ela dá azar coletivamente?

 Recorrendo à mitologia, Jung diz:

“Se, partindo do ponto de vista a que chegamos, observamos a elaboração inconsciente do problema de SPITTELER, a nossa atenção será imediatamente atraída para o fato de que o pacto como o mal não obedece ao desígnio de Prometeu, mas à inadvertência de Epitemeu, possuidor apenas de uma consciência coletiva, porém destituído de qualquer faculdade diferenciadora para as coisas do mundo exterior, pondo à margem, portanto, o que é novo e singular”. (Jung: 229).

Como o mal na prática política coletiva, o mesmo, isto é, a compulsão à repetição no campo político aparece como subjetividade tirânica que unifica todas as classes socias da tela pós-moderna. Ao novo e singular do pós-posmoderno, a subjetividade do Estado pós-moderno patrimonialista faz a <guerra civil artes marciais com mãos e pés>: sem sangue. Aqui no Brasil, tentou-se passar à guerra civil capa e espada com sangue, essa como símbolo da guerra civil com armas de fogo e banho de sangue molecular e coletivo. Disse Jair Messias Bolsonaro: ”vou assassinar 30 mil esquerdista”                                                                                            

                                                                        5

Um problema heteróclito é a estrutura de dominação ideológica do Estado pós-moderno policial na época pós-posmoderna. No campo infra-ideológico pós-moderno, o saber do Bem é excluído como estrutura de dominação ideológica. um saber que não tem inscrição nas esferas da técnica e da política. (Gadamer: 113). Há uma autonomia absoluta entre a estrutura de dominação ideológica da técnica [e da política] e a gramática do Bem comum. Ora, a ideia de Bem é a ideia da tela gramatical narrativa em geral (Gademar:114). Daí a tela pós-moderna ser sgrammaticatura, uma tela <anarcoempirista>, que usa a guerra civil como modo de fazer a infrapolítica. A guerra civil artes marciais com as mãos e os pés (sem sangue) prepara a transição para a guerra civil capa e espada, inclusive, com banho de sangue civil coletivo.

A tela gramatical do Bem é chôrismos, ou seja, <separação> dela da esfera das práticas: técnica, política, econômica. (Gadamer: 114). O Bem é vinculado à tela gramatical cultural milenar ocidental. A técnica é exterior ao Bem, ela se torna uma estrutura de dominação ideológica com o capitalismo inglês do século XIX. (Spengler: 46). A tela cultural era o suporte da elite culta, isto é, elite útil culturalmente para a prática política e para a economia com o fenômeno do general intellect gramatical. (Bandeira da Silveira; 2022b) Com a época da técnica industrial moderna, a ideia de elite cultural perde a força de direito, deixa de estar ancorada no campo político moderno industrial europeu. 

                                                                        6

O Estado pós-moderno cria e recria o campo diabólico e o Estado moderno novo cria e recria o campo simbólico. Donald Trump e quejandos latino-americano aprecem como alegoria do diabo. Ainda não apareceu o anjo barroco como o Principe do novo moderno. O campo diabólico foi poetizado pelo moderno romantismo alemão:    

 “Mefistófeles  - Sou parcela do Além,

Força que cria o mal e também faz o bem!

(...)

Mefistófeles – Eu sou aquele gênio que nega e destrói!

E o faço com razão; a obra da Criação

Caminha com vagar para destruição.

Seria bem melhor se nada fosse criado.

Por isso, tudo aquilo a que chamas pecado,

Ou também <destruição>, ou simplesmente <o mal>

Constitui meu elemento eleito e natural”. (Goethe: 59-60).

Tal formulação do mal já é a sgrammaticatura anarcoempirista do campo diabólico do Estado posmoderno. Como Lula ensaia a criação e recriação do novo moderno como Estado nacional que procura a estrutura de dominação ideológica do Bem comum , ele é rechaçado imediatamente pela subjetividade hegemônica brutalista da estrutura de dominação pós-moderna.

 

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Barroco, tela gramatical, ensaios. EUA: amazon, 2022a

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Gramática do general intelect. EUA: amazon, 2022b

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Revolução barroca dentro da ordem. EUA: amazon, 2023

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época posmoderna

BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et simulation. Paris: Galilée,1981

BAZIN, Germain. O Aleijadinho. RJ: Record, 1971

EAGLETON, Terry. Ideologia. SP: UNESP, 1997

GADAMER, Hans-Georg. L’idée du Bien comme enjeu platônico-aristotélicien. Le savoir pratique. Paris: J.Vrin, k1994

GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. SP: Martins Fontes, 1989

GODIN, Christian. La totalité. V. 1. Paris: Champ Vallon, 1998

GOETHE. Fausto e Werther. SP: Nova Cultural, 2002

GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. V. 3. Torino: Einaudi, 1977

HEGEL. Estética. Lisboa: Guimarães, 1993\

JAEGER, Werner. Paidéia. Brasília: UNB, 1986

JUNG, C. G. Tipos psicológicos. RJ: Zahar, 1974

LACAN, Jacques. O Seminário. livro 16. De um Outro o outro. RJ: Zahar, 2008

MARX. Os Pensadores. SP: Abril Cultural, 1974

NESCHKE-HENTSCHKE, Ada. Platonisme politique et théorie du droit naturel. V. 1.Paris: Peeters, 1995

NIETZSCHE. Par-delà bien et mal. Paris: Galllimard, 1971

PEIRCE, Charles S. Semiótica. SP: Perspectiva, 2000

PLATON. Oeuvres Complètes. V. 1. La République. Paris: Gallimard, 1950

SARTORI, Giovanni. Elementos de teoría política. Madrid: Alianza Editorial, 1992

SPENGLER, Oswald. L’homme et la technique. Paris: Gallimard, 1958

WEBER, Max. Economía y sociedad. México: FCE, 1984

WOLFF, Francis. Aristóteles e a política. SP: Discurso Editorial, 1999   

TODOROV, Tzvetan. Teorias do símbolo. Campinas: Papiros,L1996           

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Do Espírito ao Capital? posmoderno e novo moderno

 

José Paulo 


 

O Espírito absoluto surge na história original do povo judeu, é um povo com consciência histórica superior (Hegel. 1955. V. 1: 4) a todos os outros povos do Ocidente e do Oriente.

Em Freud, a sublimação   guarda uma certa analogia com as aparências de semblância de Hannah (Arendt; 31) a as mediações da cultura hegeliana:

“O começo da cultura e do esforço para emergir da imediatez da vida substancial deve consistir sempre em adquirir conhecimentos de princípios e pontos de vista universais. Trata-se inicialmente de um esforço para chegar ao pensamento da Coisa em geral e também para defendê-la ou refutá-la com razões, captando a plenitude concreta e rica segundo suas determinidades, e sabendo dar uma informação ordenada e um juízo sério a seu respeito. Mas esse começo da cultura deve, desde logo, dar lugar à seriedade da vida plena que se adentra na experiencia da Coisa mesma. Quando enfim o rigor do conceito tiver penetrado na profundeza da Coisa, então tal conhecimento e apreciação terão no diálogo o lugar que lhes corresponde”. (Hegel. 1992: 23).

A cultura europeia teve seu começo na antiguidade grega. A episteme e sua arquitetura conceitual platônico/aristotélica podem ser considerados o começo da cultura mundial? Ou o começo é o povo judeu? Se a Coisa em si é a realidade realmente existente de uma plurivocidade de tela gramatical de um campo político/estético/jurídico, eis que o início é grego e romano? Greco-romano. A tela gramatical abrange do universal da forma de governo [o um] ao particular [obras e práticas políticas] e ao singular como Xantipa de Platão, esta como o molecular institucionalizado/casamento no campo simbólico político do indivíduo e/ou sujeito.                       

                                                                      2

Já é uma platitude dizer que no final do século XX as vanguardas da política e da arte declinam. Nesse vazio, fenômenos como globalização pós-moderna e mercantilismo do capital multinacional assumem o proscênio do palco da história Ocidente/Oriente. No lugar da vanguarda aparece um general intellect barroco. Um campo de ideologias heteróclitas aparece como efeito das relações técnicas de produção cibernéticas. Ao lado das ideologias pós-modernas heteróclitas, uma plurivocidade de tela gramatical faz pendant com a tela cibernética no campo político mundial.

A foraclusão ou extração violenta de linguagem na cultura feita, por exemplo, pelo FMI como o vocabulário argentino/brasileiro/marxista estadunidense do subdesenvolvimento e, também, de certos entes da cultura europeia milenar, tudo isso é gramaticalizado como um fato natural. Quer se evitar a coisificação da gramática europeia de fenômenos culturais como: sujeito, alma, consciência, espírito e pessoa. (Derrida: 26). No país subdesenvolvido da cultura não-soberana das Américas, os agentes em geral se viram como podem com esse novo cosmopolitismo pós-modernista. No campo das ideologias do direito, a exclusão do ente pessoa é o impensado. (Derrida: 22). O campo do impensado dos fenômenos novos da globalização ´pós-moderna gera um anarco/empirismo que se apossa da universidade e do jornalismo. Fala-se, então, de pós/verdade, fim da verdade, seja factual, seja de qualquer tela gramatical. O agir/poder estratégico torna-se a estrutura de dominação generalizada. Então é um vale tudo: mentir, enganar, simular, dissimular, assassinar, ser iníquo e, sobretudo, produzir ilusão em discurso infrapolítico na internet. A liberdade pós-moderna confronta o aparelho de Estado/legislação penal como estratégia da extrema direita, isto é, como meio de ascender ao governo nacional e local. Assim, o antigo vocabulário ocidental cai em desuso:

“Esses termos e esses conceitos não têm lugar numa analítica do Dasein, que procura determinar o ente que somos. Heidegger anuncia então que vai evitá-los (vermeiden). Para dizer o que somos, quem somos, parece indispensável evitar todos os conceitos da série subjetiva ou subjetal: em particular o de espírito”. (Derrida: 26).        

Heidegger aparece como o hegemonikon ou eu político do campo simbólico político Ocidente/Oriente, excetuando claramente a China.

A ciência política literária de Heidegger dos jogos de gramática da filosofia cosmopolita europeia é uma verdadeira Parúsia, a segunda vinda de Jesus ao Ocidente. O arrebatamento heideggeriano chegou, inclusive, na revolução teológica iraniana antiocidental e aparece, nas entrelinhas, em maio de 68 na Europa.

A pós-modernidade cria e recria um campo diabólico infrapolítico. O extraordinário é o declinar dos fenômenos da mediação cultural hegeliana e das aparências de semblância autêntica de Hannah Arendt. A crítica da gramática do cérebro se faz necessária, pois, a infrapolítica se estabelece por uma relação imediata do cérebro do líder posmoderno com o cérebro da multidão pós-moderna. Entes heteróclitos começam a ser eleitos nas Américas: Donald Trump. Bolsonaro, Milei, Bukele, Tarcísio em São Paulo, Ronaldo Caiado no centro-oeste. O bolsonarismo surge como uma criação do cérebro de Jair Messias Bolsonaro e do cérebro de Michel Temer, generais do Haiti E, sobretudo, do cérebro do ministro da Justiça de Michel Temer emerge do real o Estado posmoderno policial cesarista, que se desenvolve no governo de Bolsonaro. No Tennesse, o parlamento local faz uma lei para armar professores e funcionários de escolas. No governo de Bolsonaro, leis de liberação total de armas de fogo para a população civil anunciam, como no estado americano supracitado, a guerra civil institucionalizada e generalizada.            

A tela de gosto hegeliana se torna no território pós-moderno o impensável:

“Esta obra é dedicada à estética, quer dizer: à filosofia, à ciência do belo, e, mais precisamente, do belo artístico, pois dela se exclui o belo natural. Para justificar esta exclusão, poderíamos dizer que a toda ciência cabe o direito de se definir como queira, não é, porém, em virtude de uma arbitrária decisão que só o belo artístico é o objeto escolhido pela filosofia”. (Hegel. 1993: 2).

Hegel já trabalhava com a ideia de tela plástica (Hegel. 1955. V. 2: 47), tela de gosto, tela estética.   

                                                                           3

A pós-modernidade já aparece como um estilo anacrônico, isto é, como gramática de época extemporânea (Derrida: 10). O Estado pós-moderno latino-americano é aquele de uma burguesia infrapolítica que já não é uma burguesia em si. Ela não tem como objetivo a busca do lucro privado, da reprodução ampliada do capital,da mais-valia privada, ela quer a mais-valia pública ou Mehrlust. (Lacan. S.16: 31,29). Administrador da mais-valia pública, o Estado lacaniano torna-se antagônico ao Estado pós-moderno. Tal fenômeno define o campo político como subsunção ao campo infrapolítico:

“Em Lacan, a mais-valia ou plus-de-jouir ou Mehrlust aparece como objeto a barroco, isto é, lugar do campo da mais-valia pública sobre o qual se ergue o Estado lacaniano. O objeto a é o furo [buraco de minhoca] na Trieb da gramática ou aparelho articulado de linguagem do saber do explorado (Lacan. S. 17:17): ‘não se deve explorar o próximo’. O objeto a é a exceção. Lacan segue Guilherme de Ockham quanto ao fato de que a palavra genérica não deve ser sempre compreendida genericamente, pois, há exceção. Se não houvesse o poder papal seria o cesarismo absolutista grotesco:

“’o papa poderia legitimamente e por direito, <pela plenitude do poder, privar os reis e todos os demais infiéis de todos os bens, e doar estes a qualquer outro ou retê-los para si>”. [Ockham: 70]. (Bandeira da Silveira. 2024: cap 3).

O Estado pós-moderno aparece no lugar do papa medieval absolutista. Ele pode se apropriar de toda a mais-valia pública e doá-la para a burguesia infrapolítica. Mas, ele não é um fenômeno do grotesco absolutista. Ele é o absolutismo do brutalismo com gramática do cinismo, isto é, caminha-se para o grau zero da estética. O cinismo abre as comportas para o fim da crítica moderna da ideologia? (Sloterdijk: 45-46). O campo das ideologias heteróclitas evoca o quinismo da antiguidade [satírico] fenômeno que ri da tela gramatical moderna barroca do campo infrapolítico da pós-modernidade:

“A RELAÇÃO entre multidão e indivíduo é básico para se pensar e imaginar a evolução do Ocidente? Na antiguidade grega, a <sociedade> se organizava no campo político pelo governo monárquico do uno, pelo governo da pequena multidão de oligarcas ou pelo governo da grande multidão do demo. A grande multidão participar do campo político, eis o problema da antiguidade”. (Bandeira da Silveira. 2024: cap. 44).

No campo infrapolítico pós-moderno, a multidão aparece sem mediações de cultura política, jurídica, econômica, estética. Ela existe como páthos pela relação do cérebro dos indivíduos   com o líder pós-moderno. Ela é uma multidão que se define como vontade cerebral de instalar uma forma de governo cesarista heteróclita, uma forma de governo desconhecida no Ocidente e no Oriente. Não há jovens civis na multidão pós-moderna, só há velhos. É a tirania da gerontocracia, grupo infrapolítico de indivíduos senis ou de autoridade de um passado que pesa como chumbo no cérebro dos vivos. Um fenômeno heteróclito é a mulher evangélica jovem participar da multidão pós-moderna. Ela é a exceção do genérico, pois, esse não existe genericamente. Uma forma de governo infracesarista que não é do Espírito e tão pouco do capital?     

                                                       4

Três fenômenos se destacam na época pós-posmodernista. O processo de desintegração da globalização pós-modernista como gramática de época; o segundo é a desintegração do capital tal como definido por Marx; no terceiro, o Espírito hegeliano se transforma em campo de ideologias heteróclitas, ou seja, ideologia política como concepção política de mundo (Heidegger: 133), como vontade de poder de instaurar um campo político com uma forma de governo cesarista moderno. Aliás, há ainda um quarto fenômeno.

A emergência de um novo campo político moderno se choca com o campo político infrapolítico pós-moderno. O choque ocorre entre o Estado moderno lacaniano e o Estado policial pós-moderno cesarista. Tal choque redefine o campo político entre esquerda e direita, já como campo de ideologias políticas fundadas na tela gramatical moderna.

A luta de classes retorna no campo político moderno e transforma os fenômenos pós-modernos em modernos. É o caso do lumpesinato político pós-moderno. Este de lúmpen-apoio do Estado pós-moderno, se transforma em classe-apoio do Estado lacaniano que se torna expressão tanto da região da esquerda como da região da direita no novo campo moderno. O antagonismo entre moderno e pós-moderno se cria e se recria como um drama intenso barroco no mass media digital. O antagonismo também aparece como o choque entre o pós-moderno e a nova cultura política moderna, que redefine o campo das ideologias do direito como concepção política de vida. Há uma nova função moderna para o aparelho de Estado/legislação penal, isso na articulação de uma estrutura legítima de dominação da hegemonia e, também, na revolução barroca dentro da ordem constitucional de 1988:

“Encerrando com o Brasil, a revolução capitalista, autoritária, niilista de Um Bolsonaro se torna uma contrarrevolução do atraso em relação à revolução barroca de Lula. (Bandeira da Silveira. 2023: cap. 3).

O essencial é estabelecer que a estratégia do novo moderno consiste em sair do subdesenvolvimento tal como o fez a China moderna do século XX e XXI por uma revolução barroca contra a ordem chinesa feudal/capitalista.      

O Estado pós-moderno promove a guerra civil institucionalizada e o Estado moderno lacaniano procura pacificar a sociedade civil, as instituições público/privado. A nova cultura política moderna se apresenta como restauração de aparências de semblância e mediações culturais. Os ministérios da Educação, Saúde e Cultura adquirem uma nova função moderna, pois, se apresentam como prática política moderna do espaço do Bem comum em contraposição à lógica da mercadoria.

Na Argentina, o Estado pós-moderno de Milei procura desintegrar o Estado lacaniano moderno. No Brasil uma burguesia pós-moderna controla o parlamento, governos provinciais do Sudeste e outras regiões. A burguesia infrapolítica pós-moderna usa a guerra civil pós-moderna em uma ofensiva contra a estrutura de dominação/hegemonia do novo Estado moderno surgido no campo político moderníssimo como efeito da soberania popular moderna que derrotou a soberania popular do Estado pós-moderno.

Nos EUA, há um choque agônico entre o Estado moderno e o Estado pós-moderno policial cesarista do partido republicano de Donald Trump/Bush filho. A vitória do pós-moderno na eleição presidencial em 2024 pode fazer do Estado policial pós-moderno tirânico um ente capaz de ditar o rumo da política nas Américas. Resta saber se o partido democrata vitorioso se porá frontalmente em luta contra o Estado pós-moderno do complexo industrial militar americano. (Virilio: 46,49).             

                                                                   5

A história dos povos continua sendo o paradigma da história mundial? O povo alemão no cérebro do Hitler o que é? É um campo de ideologias heteróclitas como: biologismo, naturalismo, racismo. (Derrida: 50). A história do povo alemão aparece como estrutura de dominação universal:

“ênfase, emfhasis: a palavra <espiritual> ainda está sublinhada, ao mesmo tempo para marcar que aí se acha a determinação fundamental da relação com o ser e para conjurar uma política que não seria do espírito. Um novo começo é chamado. É chamado pela questão Wie steht es um Sein? (que é o ser?). E esse começo, que é antes um re-começo, consiste em repetir (wiederholen) nossa existência historial espiritual (Anfang unseres geschichtlich-geistigen Dasins). O <nós> desse <nosso> é o povo alemão”. (Derrida: 57).

A Alemanha fez a Segunda Guerra Mundial para estabelecer a estrutura de dominação do cérebro de Hitler como estrutura de dominação mundial. Hitler foi derrotado, e, assim, a história de domínio mundial dos povos europeus é finito.

Porém, a estrutura de dominação europeia deixa uma lição:

“Cada vez que se encontra a palavra <espírito> nesse contexto e nessa série, dever-se-ia assim, segundo Heidegger, reconhecer aí a mesma indiferença: não só à questão do ser em geral, mas quanto à do ente que somos, mais precisamente, quanto a esta Jemeinigkeit, este sempre-ser-meu do Dasein que não remete, de início, a um eu ou a um ego e que teria justificado uma primeira referência – pendente e finalmente negativa – a Descartes.  (Derrida: 28-29).

O Dasein da analítica da existência do ente pode remeter para o hegemonikon ou eu político de uma tela gramatical moderna, pois, aqui é superada a indiferença do eu que que não tem a preocupação com o ser como tem o hegemonikon do Dasein ou existência realmente existente do campo político/estético moderno.

Assim, o moderno aqui rechaça o pós-modernismo como tela gramatical que faz da espécie humana um ente sem o princípio da esperança, uma espécie humana reduzida a um cão vira-lata sarnento. (Bloch: 9).

 

ARENDT, Hannah. A vida do Espírito. RJ: UFRJ, 1992

BANDEIRA DA SIVEIRA, José Paulo. Revolução barroca dentro da ordem. EUA: amazon, 2023

BANDEIRA DA SILVEIRA. José Paulo. Além da época posmoderna. EUA: amazon, 2024

BLOCH, Ernest. Le principe Espérance . Paris: Gallimard, 1959

DERRIDA, Jacques. Do Espírito. Campinas: Papiros,1987 

FERRY, Luc. Homo aestheticus. SP: Ensaio, 1994

HEIDEGGER, Martins. Nietzsche. Metafísica e Niilismo. RJ: Relume Dumará, 2000

HEGEL. Lecciones sobre la historia de la filosofia. Volumes 1 e 2. México: Fondo de Cultura Económica, 1955

HEGEL. Fenomenologia do Espírito. Parte 1. Petrópolis: Voze3s, 1992

HEGEL. Estética. Lisboa: Guimarães, 1993

LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 17. O vesso da psicanálise. RJ: Zahar, 1992

LACAN, JACQUES. O Seminário. Livro 16. De um outro ao outro. RJ: Zahar, 2008

OCKHAM, Guilherme de. Brevilóquio sobre o principado tirânico. Petrópolis: Vozes, 1988

SLOTERDIJK, Peter. Crítica da razão cínica. V. 1. Madrid: Taurus,1989

VIRILIO, Paul. L’insécurité du territoire. Paris: Galilée, 1976         

          

 

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Crítica da gramática do cérebro- casamento, Estado pós-moderno

 

José Paulo 

 

Para os que encontram paz no texto do cosmopolitismo da Europa, Deleuze e Guattari pensam a relação entre natureza humana e forma de governo a partir do cérebro humano. A forma de governo nacional socialista já estava inteira no cérebro de Hitler.

A crítica da gramática do cérebro pode ser estudada na realidade molecular da família fática ou institucional ou casamento. O cérebro se desenvolve na fabricação de regiões soberanas, isto é, a região decide ao enviar comandos para o agir. Uma região soberana é o mate imperativo. Outra é o faz sexo com o seu outro sexual. Hoje o instinto ou pulsão podem ser substituídos pelas regiões do cérebro soberanas que governam a vida do homem, mulher, criança.

Aquilo que Freud chama de aparelho psíquico é uma concepção da vida humana a partir das relações técnicas capitalista da ideologia científica dominante da época dele. O aparelho psíquico é, com efeito no início um campo de: afecção., afeto, imagem fantasia. O instinto sexual é, de fato, a alegoria da imagem carnal do corpo. A imagem carnal do corpo humano tem a ver com o gosto sexual do ver, do tocar, do lamber, do provar a carne como imagem. A imagem carnal e a fantasia virtual do eu e do outro constituem o círculo da região do cérebro como campo simbólico e, portanto, recurso evolutivo da conservação da espécie.

                                                                            2

Nos jogos de linguagem antropológicos, Levi-Strauss fala da fronteira entre natureza e cultura:

“Esta ausência de regra parece oferecer o critério mais seguro que permita distinguir um processo natural de um processo cultural (...). E que, com efeito, há um círculo vicioso ao se procurar na natureza a origem das regras institucionais que supõem – mas ainda, que já são – a cultura, e cuja instauração no interior de um grupo dificilmente pose ser concebida sem a intervenção da linguagem. A constância e a regularidade existem, a bem dizer, tanto na natureza como na cultura. Mas na primeira aparecem precisamente no domínio em que na segunda se manifestam mais fracamente, e vice-versa. Em cada caso, é o domínio da herança biológica, em outro, o da tradição externa. Não se poderia pedir a uma ilusória continuidade entre as duas ordens que explicasse os pontos em que se opõem”. (Lévi-Strauss: 46).

A fronteira entre cérebro/natureza e cultura aparece melhor em outro trecho:

“É impossível, portanto, esperar no homem a ilustração de tipos de comportamento de caráter pré-cultural. Será possível então tentar um caminho inverso e procurar atingir, nos níveis superiores da vida animal, atitudes e manifestações nas quais se possam reconhecer o esboço, os sinais precursores da cultura? Na aparência, é a oposição entre comportamento humano e o comportamento animal que fornece a mais notável ilustração da antinomia entre cultura e natureza. A passagem – se existe – não poderia, pois, ser procurada na etapa das supostas sociedades animais, tais como são encontradas entre alguns insetos. Porque em nenhum lugar melhor que nesses exemplos encontram-se reunidos os atributos impossíveis de ignorar, da natureza, a saber, o instinto, o equipamento anatômico, único que pode permitir o exercício do instinto, e a transmissão hereditária das condutas essenciais à sobrevivência dos indivíduos e da espécie. Não há nessas estruturas coletivas nenhum lugar mesmo para um esboço do que se pudesse chamar o modelo cultural, universal, isto é, linguagem, instrumento, instituições sociais e sistemas de valores estéticos, morais ou religiosos” (Lévi-Strauss. 1976: 43-44).

Freud fala de um Estado animal dos insetos. Uma espécie de cultura política animal: “Por que nossos parentes, os animais, não apresentam uma luta cultural desse tipo”.  (Freud: 146). Lévi-Strauss é cético em relação a esse fenômeno freudiano.   Ora, Chomsky fala de uma estrutura inata no cérebro para humano para produzir e estruturar frases. A língua é natural (Greimas:396), ela não é a fronteira inexpugnável entre cultura e natureza. Há uma gramática inata ao cérebro.     

Nos jogos de gramática da ciência política literária, Aristóteles fala da distinção entre forma natural de laço social [gramática do cérebro] e forma de uma gramática da civilização da antiguidade [da qual nasce o Estado/polis:

“o homem é o único vivente <que possui logos>, esse meio de comunicação racional que lhe permite estabelecer acordos sobre o justo e o injusto, o adequado ou não, o melhor e o pior”. (Samaranch:192). Ora, o Estado e a forma de governo são frutos da tela gramatical da política. Não são efeito do logos aristotélico, mas, da razão linguística. O problema é saber a relação da gramática [a gramática pode se cerebral ou cultural] com a forma de governo como estrutura de dominação na civilização.

                                                                    3

Há o casamento como estrutura de dominação do campo diabólico (Godin: 732) ou campo da mitologia do selvagem:

“Voltemos à questão colocada bem no início deste livro por mitos que associam motivos entre os quais não percebemos laço social. Intrigas cujo motor principal é o ciúme conjugal elegiam como herói ou heroína po Engole-vento, e colocavam-no em conexão física ou em relação lógica co0m o Preguiça, nascido do ciúme> e também ciumento de seus excrementos. Através do Preguiça introduz-se a imagem do cometa ou do meteoro, na América do Sul avatar dos excrementos quando o Preguiça não pode mais ter ciúme deles e, entre os Iroqueses, causa direta do ciúme conjugal em consequência do qual um marido joga a mulher num buraco como se fosse os seus excrementos. Se definirmos o ciúme como um sentimento resultante do desejo de reter uma coisa ou um ser que é tirado, ou de possuir uma coisa ou um ser que não se tem, podemos dizer que o ciúme tende a manter ou criar um estado de conjunção quando existe um estado ou surge uma ameaça de disjunção”. (Lévi-Strauss. 1986: 216).

A estrutura de dominação se define pela posição do senhor [ou dominante] e pela posição do assujeitado ou dominado. No Ocidente latino, a posição perinde ac cadáver [lugar do jesuíta] é a posição que é análoga à posição da fêmea no campo diabólico, mitológico> o jesuíta encontra-se no lugar do excremento ocidental:

“O risco de vida, é aí que está o essencial do que podemos chamar de ato de dominação, e seu garante não é outro senão aquele que, no Outro, é o escravo, como o único significante perante o qual o senhor se sustenta como sujeito. O apoio que nele encontra o senhor não é outra coisa senão o corpo do escravo, no que ele á perinde ac cadáver, digamos, para empregar uma formulação que não chegou à toa ao primeiro plano da vida espiritual. Mas o escravo, assim, está apenas no campo em que sustenta o senhor como sujeito”. (Lacan. S.16: 370). 

Na peça “Megera domada”, o casamento é observado como um campo de <guerra de posição> entre marido e esposa. A estratégia e as táticas dizem respeito a estabelecer quem vai ficar na posição do jesuíta. Não se trata de uma estrutura de dominação do brutalismo (Souriau: 281), isto é, sem aparências de semblância:

“A submissão que o servo deve ao príncipe é a que a mulher ao seu marido deve. E se ela se mostrara teimosa, indócil, intratável, azeda, rebelada contra as suas razoáveis exigências, que mais será senão por isso abjeta traidora, sim, traidora de seu próprio devotado senhor? Tenho pena de ver que são tão simples as mulheres, para fazerem guerra onde deveriam de joelhos pedir a paz ou pretenderem dominar, dirigir, mandar em tudo, quando servi-lhes cumpre tão-somente obedecer e amar”. (Bloom: 63).

O casamento com campo diabólico:

“Catarina. – Por favor senhor, quereis converter-me em alvo de zombaria destes pretendentes?

Hortênsio. – Pretendentes, senhorita! Que pretendeis significar com isto? Não haverá pretendentes para vós, enquanto não fordes mais amável e doce.

Catarina. – Na verdade, senhor, nada tendes a temer. Não estais ainda no meio do caminho de meu coração. De outro modo, não duvideis de que meu único cuidado seria pentear vossa cabeça com uma tripaça, borrar-vos a cara e trata-vos como um tolo.

Hortênsio. – De demônios semelhantes, livrai-nos, ó bom Deus  !”. (Shakespeare: 578).        

A estratégia das aparências de semblância de domuiinação do homem aparece ao arrepio das aparências de semblância autêntica, natural (Arendt: 31) :

Petruchio. – Vamos, em nome de Deus1 coloquemo-nos novamente no caminho da casa de nosso pai... Bom Deus1 como a Lua brilha clara e serena!

Catarina. – a lua! É o sol. Não há lura agora.

Petruchio.- Estou dizendo que é a lua que está brilhando tão clara.

Catarina.- Eu sei que o sol está brilhando tão claro

Petruchio. – Ah! Pelo filho de minha mãe, ou seja, eu mesmo, será a lua ou uma estrela ou o que resolver, antes que continue minha viagem para casa de vosso pai. Vamos! Levem nossos cavalos de volta! Sempre contradizendo e contradizendo! Não faz outra coisa senão contradizer!

Hortênsio. – Dizei o que ele diz, ou nunca sairemos daqui.

Catarina. – Prossigamos nosso caminho, por favor, já que viemos de tão longe. Que seja a lua ou o sol, ou o que desejardes. Se quiserdes chamar de uma lamparina de sol, juro que não será outra coisa para mim.

Petruchio. – Estou dizendo que é a lua.

Catrina.- Reconheço que seja a lua.

Petruchio. – Então, estais mentindo! É o sol bendito!

Catarina. – Então, bendito seja Deus! É o bendito sol! E não será o sol se disserdes que não seja, e a lua mudará ao sabor de vossa vontade... E, portanto, o que quiserdes que seja, assim será para Catarina.

Hortênsio. – Petruchio, segue teu caminho. Conquistastes o campo de batalha. (Shakespeare: 619-619).

No diálogo, revela-se a estrutura de dominação do casamento barroco, com Catarina no lugar do jesuíta, do excremento jogado na fossa da instituição molecular, aparentemente:

“E só uma grande atriz é capaz de enunciar, devidamente, um trecho tão conhecido, além disso, teria de ser dirigida por um encenador melhor do que os que costumamos encontrar hoje em dia, para poder aconselhar as mulheres como comandar e, ao mesmo, tempo fingir obedecer”. (Bloom: 62).

A estrutura de dominação barroca do casamento se assemelha a uma forma de governo tirânica do agir estratégico da fêmea que deve dominar através da: mentira, engano, simulação, dissimulação, produção de ilusão política de domínio do homem.

                                                                          4

Agora, o problema consiste em saber como o Estado brasileiro evoluiu para a espécie de Estado policial cesarista pós-moderno. No Brasil, vive-se o ocaso da notável inteligência pública da ciência do homem – com no resto do Ocidente. A discussão sobre o Estado monárquico brasileiro nunca teve uma obra como a de Roy Ladurie:

“Um primeiro traço <central> põe em relevo o caráter sagrado da instituição monárquica”. (Roy: 9). A monarquia de 1824 nunca foi tratada como sagrada pela cultura brasileira. Bem. Na evolução do Estado, há o Estado/Parentesco e o Estado/Engenheiro. (Duclos:279). O Estado 1824 foi o Estado da família real, portanto, de parentesco. Parece que houve um Estado-engenheiro no pôs-1964. (Martins:37). No entanto, a gramática moderna desse Estado-engenheiro permaneceu oculta na ciência do homem. Um notável texto mostra toda a pobreza no ver o Estado na nossa ciência do homem:

“O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos particulares, de certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo. Não existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição [...]. Só pela transgressão da ordem doméstica e familiar é que nasce o Estado e que o simples indivíduo se faz cidadão [...]. (Holanda: 101).

O mais festejado historiador morreu sem saber que o Estado monárquico brasileiro aparece como um estado de uma gramática da tradição; ele foi uma realidade política como expressão da gramática do parentesco, uma forma de governo cesarista do rei. O Estado da gramática moderna de classe social é uma invenção de 1964.

Os princípios da gramática moderna liberal política só aparecem na Constituição de 1988:

Art. 34. VII. Assegura a observância dos princípios constitucionais:

a)     A forma republicana, sistema representativo e regime democrático

b)    Direitos da pessoa humana

c)     Autonomia municipal (Constituição: 39).

A autonomia municipal aponta para o problema da segurança pública na cidade. Tal fato implicava a integração de um general intelecto gramatical ao aparelho de Estado (Misse: 90), tal como o aparelho de Estado legal fez com o general intelecto gramatical jurídico. Em 2010, ainda se podia dizer:

“O governo federal tem um projeto de Guardas Municipais que parece ser central na sua forma de pensar a segurança pública de administração de conflitos, sem uso de armamento letal. (Misse:12).

O golpe de estado de Michel Temer fez um outro caminho que mudou completamente a questão da segurança pública. Com Temer e Bolsonaro, há o grau zero da segurança pública. O mundo do crime se transformou no Brasil profundo carioca (Bandeira da Silveira; 2021). O Brasil profundo é o motor da fabricação de um Estado policial cesarista pós-moderno.

O Estado pós-moderno é uma face da estrutura de dominação mafiosa que se tornou pública e privada, civil e militar, secular e religiosa, natural e cultural.

O que fazer?

 

 

ARENDT, Hannah. A vida do Espírito. RJ: UFRJ, 1992

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo., Brasil Profundo. EUA: amazon, 2021

BLOOM, Harold. Shakespeare. A invenção do humano. RJ: Objetiva, 2001

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SP: EDIPRO, 2022       

FREUD. Obras Completas. V. 21. O mal-estar da civilização. RJ: Imago, 1974

GODIN, Christian. La totalité. V. 1. De l’imaginaire ua symbolique. Paris: Champ Vallon, 1998

GREIMAS E COURTÉS. Dicionário de Semiótica. SP: Cultrix, 1979

DUCLOS, Denis. De la civilité. Paris: La Découverte, 1993

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. RJ: José Olympio, 1988

LACAN, Jaques. O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008

LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco. SP: USP, 1976

LÉVI-STRAUSS, Claude. A oleira ciumenta. SP: Brasiliense, 1986  

MARTINS, Luciano. Estado capitalista e burocracia no Brasil pós-64. RJ: Paz e Terra, 1985

MISSE, Michel (org.). As Guardas Municipais no Brasil. RJ: UFRJ, 2010

SAMARANCH, Francisco. Cuatro ensayos sobre Aristóteles. México: Fondo de Cultura Económica, 1991

SHAKESPEARE, William. Obra Completa. Volume 2. A megera domada. RJ: Aguilar, 1988

SOURIAU, Etienne. Vocabulaire d’ Esthétique. Paris: PUF, 1990

ROY LADURIE, Emmanuel Le. O Estado monárquico. França. SP: Companhia das Letras, 1994