José Paulo
SUPERFÍCIE PROFUNDA DA MEIA-NOITE
O campo político da superfície profunda da meia-noite teria
uma tela gramatical feudal? No Brasil, a superfície da meia-noite seria o
feudalismo do <Brasil profundo>? (Bandeira da Silveira; 2021).
A tela gramatical feudal da França funciona pelo juramento ou
sacramentum no campo político católico. Trata-se de um compromisso da fé
a ´partir de um gesto religioso, isto é, a mão pousada em um objeto sagrado
como: livro, santo, a cruz, relicário. O gesto é um ato simbólico
(ideia/signo/imagem) secundado por uma fórmula religiosa: <que Deus me
ajude>. (Duby. 1992: 15-16). O juramento se torna a afecção do bem da alma
cristã [do sujeito] no campo político do indivíduo. A subjetividade cristã irá
fazer pendant com a estética/política gótica, depois. O juramento faz o sujeito
voar rumo às alturas celestiais, ao encontro dos anjos, familiares do
Todo-Poderoso.
O drama gótico cristão é a luz que advém do voo dos anjos na
terra. O anjo é o símbolo da cultura política, econômica, jurídica, estética do
feudalismo. Há um drama feudal comparável ao gótico na superfície profunda da
meia-noite do Rio, cidade onde habito?
A família gótica tinha um chefe que se empenhava em
restabelecer a paz pelo debate, procurando enunciar o direito natural que fazia
pendant com o dieito religioso; ele aparece como parceiro do Deus justiceiro, o
responsável pela paz. Essa realidade virtual cristã teria como agente o poder
do sagrado, que se tornaria o poder espiritual da Igreja em contraposição ao
poder temporal. O que parece caracterizar a tela gramatical medieval funciona
por uma indistinção clara e distinta entre o símbolo político, o símbolo metafísico, ou o símbolo teológico. ( Voegelin. V. 2: 45).
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A tela gramatical especificamente feudal contém a tela
católica, pois, as práticas dela são: luta, trabalho, oração. (Duby. 1978: A
luta corresponde ao poder do senhor feudal, o trabalho ao poder social camponês
que produz a mais-valia fiscal que garante a existência econômica dos
estamentos privilegiados pelo direito feudal; oração é a prática religiosa da
multidão cristã que funciona como suporte do poder espiritual do baixo clero
[padre, frei, monge] e do alto clero que
vai do bispo, ao cardeal e ao papa.
Há uma tela feudal europeia na superfície do <Brasil
Profundo>? A juventude do lumpesinato político das classes baixas pobres
luta, trabalha e há também os que oram segundo o evangelho neopentecostal. Tal
coisa é suficiente para estabelecer a analogia do feudalismo europeu com o
feudalismo do campo político fluminense? Ora, o campo político é
especificamente gótico. Então não é necessário explorar tal fato/artefato?
A tela gramatical gótica tem fenômenos como: arcanjo, anjo
celestial, anjo carnal e santo. O arcanjo é uma tela gramatical celestial. O
arcanjo Miguel é a tela daquele que é semelhante a Deus. Ele é Deus em armas
que confronta o Diabo, o mal mitológico, a realidade virtual do mal absoluto. Jesus
seria um arcanjo e a própria mãe de Jesus também. Na Idade Média é criado o
Rosário como tela gramatical de Nossa Senhora. Ora-se para Maria para que ela
faça o bem e não o mal. Mas a missa negra herética evoca o Rosário para fazer o
mal, como faz o Centro Dom Bosco bolsonarista.
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O gótico é mais do que o tempo estético:
“Por isso não podemos definir a época gótica em termos de
duração; devemos ter em conta não só a espessura do estrato, mas também a
cambiante superfície dela”. (Janson: 300).
Uma época definida por uma tela gramatical estética/política
com sua superfície cambiante de camadas de significações de símbolos
estéticos, ou seja, ideia/signo/imagem.
A tela gramatical é constituída de regiões estéticas
[arquitetura, escultura, pintura] em um campo quase político europeu. A
arquitetura das grandes catedrais é o fenômeno hegemônico. O Espírito
arquitetural da tela estética cede ao espírito arquitetural da escultura de
1220 a 1420. Há, depois, o deslocamento hegemônico do espírito arquitetural para o
pictural. A pintura atingiu o apogeu criador entre 1300 e 1350. A tela gramatical gótica aparece como irradiada pela Europa como <moderna> ou <francesa> no século
XIII. No século XIV tornar-se o paradigma no campo político europeu. A
<Igreja de peregrinação> é a arquitetura dos anjos:
“O que imediatamente distingue este interior é a sua leveza,
nos dois sentidos comuns do termo: as formas arquitetônicas parecem graciosas,
quase sem peso comparadas à maciça solidez do Românico e as janelas forma
ampliadas até o ponto de ocuparem agora toda a superfície parietal, de modo que
elas próprias se tornaram translúcidas”. (Janson: 301).
A tela gramatical gótica contém o direito político natural da
monarquia francesa, monarquia como catedral da cultura política, econômica,
jurídica, gótica dos reis da tradição carolíngia:
“O poder do rei só começaria a impor-se e a alargar-se no
primeiro quartel do século XII. Abade Suger de Saint-Denis, conselheiro
principal de Luís VI, desempenhou um papel decisivo nesta viragem. Foi ele quem
forjou a aliança entre a Monarquia e a Igreja, que trouxe os bispos da França ou o Papado na luta contra os imperadores germânicos”> (Janson:
301).
A Abadia de Saint-Denis é o símbolo arquitetural da dinastia
carolíngia, onde os reis eram sagrados pelo poder espiritual do papa em ato
angelical na tela gramatical gótica.
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A tela gramatical <Mafia Incorporated> (Minc: 80) é uma
descoberta e invenção do Leste europeu pós-comunista. Ela conseguiu conquistar
toda a Europa. Os fenômenos dela são: “um lugar mais e mais reduzido do
<universo ordenado> face a espaços e sociedades legais, lugar mais e mais
impermeáveis a nossos instrumentos de ação, mais ainda a nossas capacidades de
análise”. (Minc: 11). Essa tela é a responsável pelo colapso da ciência do
homem no Ocidente. Ela acelerou o tempo histórico de desintegração da tela da
modernidade no campo politico ocidental. Ela faz da política democrática
representativa a época do <flou>, do aleatório, da incerteza, da recusa
das minorias, a perda do cosmopolitismo europeu na época da União Europeia, o
uso da violência generalizada, da hostilidade como estilo de vida, do mínimo verbal nas relações políticas. (Minc: 16). A tela em tela cria e recria o sujeito da burrocracia?
A substituição da ordem no espírito da cultura política
econômica, jurídica, estética por uma desordem generalizada é, certamente um
fator do declínio do Império americano. (Minc: 27). Tal fenômeno atingiu a
realidade virtual do campo político mundial sob o hegemonismo americano e,
assim, o imperialismo americano se torna uma ilusão política do discurso
político da esquerda dos países subdesenvolvidos da América do Sul. 0 efeito da tela mafiosa é
a criação e recriação de zonas <grises> fora de toda e qualquer
autoridade legal. (Minc: 68). As economias ilegais mafiosas tomam conta de
territórios ciclópicos como a Amazônia da América do Sul. Portanto, o Estado
nacional se exaure como sujeito político nacional:
“L’État a beu se monter tatillon et omnipresente; il est en
recuil. Dans toutes ses fonctions, sociales ou répressives, il perde du
terrain, incapable d’encardrer une réalité qui, elle, revient aux règles de
fonctionnement les plus primaires. Les normes juridiques paraissent en essor;
elles étayent le fonctionnement de la seule société officielle”. (Minc: 70).
A gramática social vê, a cada dia, novas camadas da população
lhe escapar. O aparelho de Estado/Legislação penal deixa de ser para todos e se
torna universalmente ilegítimo. Um tribunal político mafioso de Estado se ergue
contra o tribunal político mafioso privado no campo político nacional e das
cidades das grandes capitais. Trata-se de combater a guerra civil das máfias em
todo o território nacional que se desenvolve em um tempo de aceleração
cibernético. O cinza da superfície profunda da meia-noite sem luz avança sobre
o espaço constitucional da sociedade civil e do Estado nacional e provincial.
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O LIVRO "Era dos extremos” anuncia o colapso integral do
marxismo anglo-americano. Escrito pelo mais grandioso historiador, ele é um
texto gravíssimo pois de costas para a realidade da posmodernidade da década de
1990. Ele não viu a gramática da Máfia incorporada na realidade Europeia e dos
EUA:
“Numa situação em que nada mais garantia os contratos, só o
parentesco e a ameaça de morte podiam fazê-lo. As mais bem-sucedidas famílias
da Máfia calabresa, assim, consistiam em um substancial grupo de irmãos.”
“Contudo, justamente esses laços e solidariedade de grupo não
econômicos eram agora minados, como o eram os sistemas morais que os
acompanhavam”. (Hobsbawn: 331).
Uma tela gramatical que surge na pós-modernidade é aquela da
Máfia incorporada e uma outra é a tela SURCAPITAL. A gramática surcapital:
“o tribalismo [que conduz as vezes (...) a um retorno da barbárie] , a uma <nova idade das trevas> (Toffler), a
uma nova idade Média (Minc), deve ser visto como o pendant da banalização mundial
do sistema de economia de mercado, da mundialização da produção, da
uniformização dos modos de consumo no mundo, da multinacionalização das
corporações capitalistas, isto é, da universalização do surcapital. Tanto
quanto de fenômenos que extraem os Estados-nações de sua substância abolindo
fronteiras, suprimindo os pertencimentos do passado, subvertendo os modos
tradicionais de identificação, suprimindo os sistemas clássicos de
solidariedade social”. (Hugonnier:149).
A tela gramatical do surcapital mafioso reserva para a
superfície profunda negra a sociobiologia americana:
“Desde o Século XIX, as teses da seleção natural de Darwin
foram utilizadas para justificar a não assistência aos mais pobres, desfavorecidos.
O que se chama darwinismo social consiste em sustentar que os seres vivos
evoluem na luta de uns contra os outros visando a reprodução e que, certas
raças humanas são mais evoluídas do que outras; assim, não é necessário ajudar
os fracos com medidas sociais, ao menos no contexto de raridade, que ameaça o
progresso da nação”. (Hugonnier:19).
No Brasil, o grande capitalismo rural multinacional tem redes
de empresas locais que usam trabalho escravo. Assim, vai se formando uma
cultura política, econômica do direito natural de um modo de produção escravista
bem acolhido pelo novo campo da direita do novo capitalismo subdesenvolvido
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Parto do Brasil para pensar o campo político ocidental.
O campo político da esquerda se desintegrou no regime/1988. O
PT e o lulismo não são mais fenômenos da esquerda/esquerda. Mas eles continuam
em um campo político desconhecido, indeterminado, ´pois a ciência política
universitária internacional é incapaz de descobrir e inventar o novo domínio político como
campo simbólico, campo de objetos simbólicos: ideia/signo/imagem, alegoria.
Há um novo campo político da nova direita, campo absoluto,
universal. As regiões dele (direita/centro/esquerda) estão se constituindo numa
plurivocidade de tela gramatical. Uma nova cultura política, econômica,
jurídica, estética encontra-se em formação. Nessa se sobressai o fenômeno do
<tribunal político mafioso de Estado> que é o símbolo maior do mundo
jurídico - parece que não só no Brasil.
Então, as regiões são: direita/centro/esquerda. A esquerda populista
conta com o PT, lulismo e Ciro Gomes e há outros fenômenos indeterminados nessa
região como partidos políticos da burrocracia do parlamento, e governos das
províncias e prefeitura.
Na região da direita da comunicação, a grande imprensa
disputa a hegemonia junto à audiência das classes sociais neogrotesca,
neobarroca e brutalista. O Grupo Globo e a CNN travam uma guerra comunicacional
pela hegemonia. No Youtube, há um canal como o ICL que parece hegemônico na
região populista de esquerda do novo campo da direita/subdesenvolvido. Na
sub-região extremista da direita, a TV Bandeirante, Record e SBT disputam a
audiência secular e evangélica,
O novo campo político nacional da direita universal vai sendo
fabricado em velocidade cibernética. O Brasil se apresenta como laboratório
político do campo simbólico da fabricação do campo da direita do novo capitalismo do
subdesenvolvimento, este evolui para se tornar universal em todo o Ocidente -
incluindo EUA e Europa ocidental.
Diante de um Ocidente generalizadamente subdesenvolvido, o
mercantilismo do capital asiático se torna determinante na fabricação do campo do simbólico do espaço político internacional em todo o planeta.
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Brasil Profundo. EUA:
amazon, 2021
DUBY, Georges. Les trois ordres ou l’imaginaire du féodalisme.
Paris: Gallimard, 1978
DUBY, Georges. Idade Média na França. RJ: Zahar, 1992
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. O breve século XX. SP: Companhia
das Letras, 1995
HUGONNIER, Bernard. Le
surcapital. Du totem au logo. Paris: Économica, 1995
JANSON, H. W. História da arte. SP: Martins Fontes, 1992
MINC, Alain. Le nouveau Moyen Âge. Paris: Gallimard, 1993
VOEGELIN, Eric. Idade Média até Thomas de Aquino. Volume 2. Historia
as ideias políticas. SP: Realizações, 1975’
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