José Paulo
A ciência política literária de Dante contempla o campo
político do indivíduo e da sociedade e vai além. Ele tem como referente virtual
o campo político dos anjos, do Arcanjo Gabriel, campo angelical que tem no Papa
sei símbolo carnal:
“Árdua e excessiva para mim é a obra em que me aventuro. Não
é, porém, tanto em minhas forças que confio, mas na luz desse Benfeitor: ‘que
dá a todos com abundância e sem restrição’”. (Dante: 194).
O leitor da atualidade pode considerar que isso é papo de
doidão, de drogado em LSD. No entanto, Dante está falando de seu
fantasma/fantasia institucional que rege o campo político do indivíduo na tela
gramatical medieval cristã. O arcano
Gabriel pode muito bem ser o fantasma institucional da realidade virtual da
alma/carne.
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Na Europa, Petrarca é a revolução intelectual molecular no
campo simbólico italiano. Ele produz ideias e poesia do lado de fora da
escolástica e da cultura política gótica. A universidade é a estrutura de
dominação cultural ao lado da Igreja no campo político medieval. Qual a relação
de Petrarca com o discurso do universitário? Pode-se ver este discurso do ponto
de vista de Lacan, para quem o discurso universitário é a tela gramatical do
tudo saber? (Lacan: 34):
“De 1200 a 1500, é com a Universidade, no seio da
Universidade, em redor da Universidade ou contra a Universidade que se joga o
essencial do encontro entre intelectuais e política. A Universidade é um
elemento, um ator e um lugar de vida política da Idade Média ocidental, um
fenômeno próprio ao Ocidente Latino, que não é estranho ao desenvolvimento que
o mundo ocidental conhece durante a Idade Média tardia e a transição política
que ele vai progressivamente exercer sobre o resto do mundo. A Universidade é o
terceiro poder da sociedade medieval”. (Libera: 451).
A Idade das trevas descobriu e inventou a universidade
medieval e o intelectual universitário ao lado do intelectual clerical e do
poder do soberano:
“Como sublinha J. Le Goff, a <formação do poder
universitário>,, em outras palavras o estabelecimento de uma nova figura do
sistema trifonctionnel de Dumézil, esse formado pelo poder clerical, o
poder monárquico e o poder universitário – sacerdotium, regnum, Studium
-, tal é o fenômeno o qual o historiador tem que descrever”. (Libera: 452).
O problema que se impõe é se na história intelectual
italiana, Petrarca é o intelectual hegemônico (Libera: 452) da modernidade
latina ou o hegemonikón estoico ou eu político no campo simbólico da cultura
política estética da Itália. Ele é certamente, o nascimento de uma cultura
política estética antinômica à cultura do direito e à cultura cosmopolita do
clero.
Petrarca é a revolução molecular europeia latina que vai à
antiguidade grega através dos textos da antiguidade europeia conservados e
interpretados pela cultura árabe (Libera: 452). Um discurso universitário se
encontra na origem da existência de uma sociedade laica fazendo pendant com a
sociedade religiosa católica,
O discurso universitário laico já é uma desterritorialização
do campo simbólico da cultura política, estética da Igreja. Esta era a
protagonista da tela gramatical escolástica/gótica. No campo político, o hegemonikon
(Elorduy: 26) universitário faz pendant com a revolução molecular da cultura
nacional italiana latina de Petrarca?
Dante é um efeito do discurso universitário fazendo pendant
com o campo simbólico nacional de Petrarca? (Gilson. 1995:903):
“o pensamento político ocidental é penetrado por influências
arabo-mulçumanas, as quais, sob a capa de aristotelismo, é renovado, de fato,
com uma inspiração profundamente platônica. A monarquia de Dante, é a polis
ideal d’al-Fârâbî, essa versão mulçumana da República de Platão: o monarca, o
imperador é para a cristandade o que é l’imâm- filosofo na sociedade mulçumana.
Há uma diferença muito próxima – mas ela é um detalhe: o imperador – lugar do
macrocosmo e do microcosmo, reina na ordem da natureza e existe, ao lado dele,
independente dele, um outro monarca, esse espiritual, o papa”. (Libera: 454).
Dante é um pensador do cosmopolitismo da cultura europeia,
ele não é a revolução nacional no campo simbólico italiano. Ele faz laço social
com a cultura política, jurídica, econômica, estética do cesarismo de Roma. A
forma de governo que ele elogia é o império romano.
O campo simbólico da tela gramatical da cultura
política/estética é um domínio que se sobrepõem ao campo político molecular do
indivíduo, ao campo político da polis secular e campo político celestial
católico do papa, dos intelectuais clericais e da realidade virtual dos anjos e
arcanjos. Estes existem como fantasma (objeto virtual) do campo político do
individuo e fantasia (objeto real/esterno) do campo político da multidão
cristã. A cultura universitária laica vai fornecer outras fantasias para o
indivíduo. Não existe um só fantasma [que pilota a gramática e a vida], mas uma
plurivocidade de fantasia no campo político do indivíduo e da multidão.
A “Divina Comédia”,
fala dos fantasmas que pilotam a alma sem carne na viagem de um campo político
virtual, que era bem entendido, familiar ao homem medieval. Ora:
“Prefiro sublinhar aqui que o imperador de Dante é um
intelectual ao sentido preciso onde al Fârâbî define a natureza daquele que é
digno de ser chefe: ser inteligência divina, isto é, por sua vez <sábio
filosófico perfeitamente inteligente> [pois de intermediário em
intermediário, qualquer coisa de Deus emana sobre seu intelecto possível] e
<profeta> [pois o que é do alto emana sobre sua potência imaginativa. Lhe
<anuncia o que advirá ou lhe informa dos acontecimentos atuais>], mais o
que o intelectual tem em face dele mesmo é um outro poder: o poder do papa”. (Libera:
455).
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Dante faz uma descoberta e invenção, em um debate sobre a
natureza da prática política universal. Ele distingue o cérebro humano do
cérebro animal, não pela inteligência simplesmente, mas pela inteligência
política, que o animal não possui. (Dante: 194).
A inteligência política não é aquela de um agente no campo
político: do indivíduo, família, aldeia, cidade, reino em particular. (Dante:
194). A inteligência do crebro humano é aquela de uma tela de razão linguística
em língua latina [tela gramatical narrativa da política]:
A virtude intelectiva de que falo se estende às formas
universais ou espécies; e ainda, de certa maneira, às formas particulares. Eis
porque se costuma dizer que o intelecto especulativo se transforma em intelecto
prático, cujo fim é o agir e o fazer. Digo agir, por causa das ações que
coordena a prudência política; digo fazer, por causa das ações manuais que as
artes dirigem. Todas essas ações são servas da especulação, bem supremo, para o
qual a Bondade Suma criou o gênero humano. De onde recebe toda a luz a máxima
política: <Impõem-se naturalmente aos outros os dotados de vigorosa
inteligência>. (Dante: 195).
A especulação é a tela gramatical da ciência política
literária dos jogos de gramática, jogos jogados por agentes políticos em um
campo político universal.
A estrutura de dominação cesarista é o domínio do direito do
mais forte?
“Espantava-me, outrora, de que o povo romano houvesse chegado
ao domínio do universo sem qualquer resistência; a minha visão era superficial,
e pensava que Roma tivesse triunfado não pelo direito, mas, apenas, pela força
das armas”. (Dante: 205).
A estrutura de dominação pelo direito doa mais forte é do
campo simbólico do injusto, da injustiça mundial:
“Com efeito, só do fato de que o Império Romano apareça
conforme o direito decorrem duas consequências necessárias: primeiro, que os
reis e os príncipes que se apoderam de cargos públicos pela força, e que
imaginam erradamente que o povo romano agiu como eles, terão a vista
desanuviada; depois, que todos os, povos se reconhecerão livres do jugo imposto
a eles pelos tiranos” (Dante: 205).
O problema de Dante é falar de uma estrutura de dominação
mundial que não seja uma <tirania/cesarista, e sim um <monarquia
cesarista>.
4
Pensar o cesarismo moderno, levou Marx a falar de uma tela
metafísica na política francesa na segunda metade do século XIX:
“A Assembleia Nacional eleita está em relação metafísica com
a nação ao passo que o presidente eleito está em relação pessoal com ela. A
Assembleia Nacional exibe realmente, em seus representantes individuais, os
múltiplos aspectos do espírito nacional, enquanto no presidente esse espírito
nacional encontra a sua encarnação. Em comparação com a Assembleia, ele possui
uma espécie de direito divino; é presidente pela graça do povo”. (Marx: 346).
A forma de governo presidencialista permite que o presidente
seja o símbolo, em carne e osso, divino [o Um como símbolo da realidade virtual
do campo da nação]. Tal visão de Marx pode ser aplicada às relações políticas da
tirania em geral?
La Boétie diz:
“No momento, gostaria apenas que me fizessem compreender como
é possível que tantos homens, tantas cidades, tantas nações às vezes suportem
tudo de um Tirano só, que tem apenas o poderio que lhes dão, que não tem o
poder de prejudicá-los senão enquanto aceitam suportá-lo, e que não poderia
fazer-lhes mal algum se não preferissem, a contradizê-lo, suportar tudo dele.
Coisa realmente surpreendente [ e, todavia, tão comum que se deve mais gemer por
ela do que surpreender-se] é ver milhões e milhões de homens miseravelmente
assujeitados e, de cabeça baixa, submissos a um jugo deplorável; não que a ele
sejam obrigados por força maior, mas porque são fascinados e, por assim dizer,
enfeitiçados apenas pelo nome de Um, que não deveriam temer, pois ele ´s só ,
nem amar, pois é desumano e cruel para com todos eles”. (La |Boétie: 74).
Qual é a tela gramatical do Um e da estrutura de dominação do
eu só no campo político? Platão fala da Tela gramatical do filósofo/rei.
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Um fenômeno da atualidade mundial é a estrutura de dominação
da tela gramatical pós-moderna da globalização. Ela é um agente político que
procurou desintegrar o Estado-nação. O efeito mais visível é a desintegração
das relações internacionais como velha estrutura de dominação/hegemonikón
moderna. Hoje, as fronteiras nacionais aparecem e desaparecem como aparências
de semblância. Povos fazem guerra entre si, e o aparelho militar de Estado não
é mais aquele do Estado moderno funcionando pela gramática do direito fazendo
pendant com a legitimidade. (Dante:210-211). O Estado pós-moderno da
globalização funciona sem direito e sem gramática da legitimidade no espaço das
“relações internacionais”. Um domínio anárquico e niilista vai se impondo na
vida das relações entre os povos.
A estrutura de dominação/hegemonikon mais notável na historia
do mundo é o império romano da antiguidade. A tela gramatical da dominação
existe a partir do Um e do múltiplo. Roma combinou o um e o múltiplo em uma
estrutura de dominação mundial:
“Como, então o fim do gênero humano está subordinado, e
subordinado como meio necessário, ao fim universal da natureza, é necessário
que a natureza a ele atenda. E por isso diz o Filósofo no segundo livro sobre o
som natural que a natureza age sempre para um fim. Como natureza não pode
atingir esse fim mercê dum homem só, desde que numerosas são as operações
requeridas e se impõe uma multidão de agentes, tem a natureza de produzir uma
multidão de homens ordenados a operações múltiplas. Para realizar tal multidão
de indivíduos são de grande utilidade, com a influenciados atros, diversas
propriedades dos lugares inferiores. Eis por que vemos que certos indivíduos,
melhor, certos povos, nasceram para o comando, ao passo que outros para
obedecer e servir, como pensa o Filósofo na sua Política. ‘Serem
governados’ diz, é para alguns não apenas natural como justo, mesmo a que a
isso sejam constrangidos”. (Dante: 211-212).
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A forma de governo autômato (Edmond: 55) é parte da mitologia
política de Platão. Ela seria fabricada pelo filósofo-rei. Por sua natureza,
este filósofo possui o direito celestial que o põe e repõe acima do homem
político comum. Sua prática política angelical faz dele um ser acima das leis
(Edmond: 54), dos costumes e hábitos políticos, um ser não determinado por gramáticas
da política. Ele não tem amigos ou inimigos, ele é de um campo simbólico de
produção de ideais políticas celestiais. Essa leitura virtual de Platão é a
herança da antiguidade do filósofo-rei na cultura política, jurídica, estética,
ocidental.
Popper se levantou contra ela e acusou Platão de estar na
origem d forma de governo totalitária do século XX. Popper diz que a forma de
governo autômato totalitária funciona pela mentira política em benefício do bem
comum, da polis. (Popper: 155):
O filósofo é o agente de fabricação da gramática da
Constituição:
“Como ‘pintor de Constituições’, o filósofo deve ser
auxiliado pela luz da bondade e da sabedoria”. (Popper: 163).
O filósofo tece gramáticas constitucionais usando a ciência
política literária dos jogos de gramática de Sócrates. Ora, o mal da tirania
consiste em retirar da maioria do povo o poder de controlar suas próprias leis
(Nieschike:64) e o funcionamento da tela gramatical narrativa do campo
político/estético. A prática política da multidão soberana da politeia faz a
junção da política com a ciência política literária dos jogos de gramática dos
sofistas. Tal fato permitiu que a democracia constitucional existisse por cerca
de duzentos anos.
A tela gramatical metafísica do Um tem um pressuposto saber,
ou melhor, uma concepção política de mundo que é a base de seu funcionamento no
campo político. Ela funciona pelo princípio da identidade absoluta entre
sujeito/soberano e a prática política:
“Compreender e explicar racionalmente qualquer coisa, é
assimilar o ainda desconhecido ao já conhecido. Em outros termos, é o conceber
como idêntico em natureza a qualquer coisa que nós já conhecemos. Conhecer a
natureza do real em geral é logo saber que cada um dos seres do qual se compõe
o universo é, ao fundo e quaisquer que sejam as diferenças aparentes que os
distingue, idêntica em natureza à n’importe quel autre être réel ou possible”.
(Gilson. 1994: 24).
Na plurivocidade de tela gramatical, a tela metafísica rege a
realidade virtual do campo político/estético:
“La métaphysique est l’étude des causes últimes dub réel. Pour
l’homme moderne, il n’est pas si facile de s’engager dans une discipline qui
demande le plus haut degré d’expérience authentique, une grande capacité d’abstration,
‘analyse et de déduction, tout en étant, en même temps, dépourvue d’utilité
pratique immédiate. La valeur suprême dela métaphysique reside justement dans
le fait qu’elle nous procure l’ultime e la plus profonde vérité quanta u réel.
Elle nous donne la nourriture dont nous avons le plus besoin. Elle peut, en
effet, nous rapprocher le plus possible de notre <demeure réelle>, et nous
préparer à une connaissance nouvelle et supérieure de l’Etre Premier”. (Elders:
43-44).
A maior ilusão do homem pós-moderno é não ver que a tela
gramatical metafísica é uma região do cérebro humano, que o distingue do cérebro
animal. Marx não é possuído por esse fantasma pós-moderno. É necessário falar
da ilusão do monarca que não é um tirano da tela gramatical barroca/iluminista.
Hoje, uma estrutura de dominação /hegemonikon mundial tem como referente o
mercantilismo do capital asiático amarelo:
“Em Leibniz, o barroco é uma tela gramatical estética do
século XVII, na Alemanha. Kant segue Leibniz e, ao promover a fratura com o
barroco [e criar a ilustração], continuou a se barroco. Não há antagonismo
entre iluminismo e barroco, portanto, há conciliação barroca”. (Bandeira da
Silveira. 2024: cap. 3).
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época pós-moderna.
EUA: amazon, 2024-
DANTE ALIGHIERI. Seleção de Textos. Monarquia. SP: Abril Cultural,
1973
ELDERS, Leo J. La métaphysique de Saint Thomas d’Aquin.
Paris: J. Vrin, 1994
EDMOND, Michel-Pierre. Le philosophe-rei. Platon et la
politique. Paris: Payot, 1991
ELORDUY, Eleuterio. El estoicismo. V. 2. Madrid: Gredos, 1972
GILSON, Étienne. L’être et l’essence. Paris: J. Vrin, 1994
GILSON, Etienne. A filosofia na Idade Média. SP: Martins
Fontes, 1995
LA BOÉTIE, Etienne. Discurso da servidão voluntária. SP:
Brasiliense, 1982
LACAN, Jacques. Le Seminaire. Livre 17. L’envers de la
psychanalyse. Paris: SEUIL, 1991
LIBERA, Alain de. La philosophie médiévale. Paris: PUF, 1993
MARX. Os Pensadores. O 18 do Brumário de Luís Bonaparte. SP:
Abril Cultural, 1974
NESCHKE-HENTSCHKE, Ada. Platonisme politique et théorie du
droit naturel. Paris: Édition Peeters, 1995
POPPER, Karl R. A sociedade democrática e seus inimigos. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1959
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