José Paulo
O Espírito absoluto surge na história original do povo judeu,
é um povo com consciência histórica superior (Hegel. 1955. V. 1: 4) a todos os
outros povos do Ocidente e do Oriente.
Em Freud, a sublimação
guarda uma certa analogia com as aparências de semblância de Hannah
(Arendt; 31) a as mediações da cultura hegeliana:
“O começo da cultura e do esforço para emergir da imediatez
da vida substancial deve consistir sempre em adquirir conhecimentos de
princípios e pontos de vista universais. Trata-se inicialmente de um esforço
para chegar ao pensamento da Coisa em geral e também para defendê-la ou
refutá-la com razões, captando a plenitude concreta e rica segundo suas
determinidades, e sabendo dar uma informação ordenada e um juízo sério a seu
respeito. Mas esse começo da cultura deve, desde logo, dar lugar à seriedade da
vida plena que se adentra na experiencia da Coisa mesma. Quando enfim o rigor
do conceito tiver penetrado na profundeza da Coisa, então tal conhecimento e
apreciação terão no diálogo o lugar que lhes corresponde”. (Hegel. 1992: 23).
A cultura europeia teve seu começo na antiguidade grega. A
episteme e sua arquitetura conceitual platônico/aristotélica podem ser
considerados o começo da cultura mundial? Ou o começo é o povo judeu? Se a
Coisa em si é a realidade realmente existente de uma plurivocidade de tela
gramatical de um campo político/estético/jurídico, eis que o início é grego e
romano? Greco-romano. A tela gramatical abrange do universal da forma de
governo [o um] ao particular [obras e práticas políticas] e ao singular como
Xantipa de Platão, esta como o molecular institucionalizado/casamento no campo
simbólico político do indivíduo e/ou sujeito.
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Já é uma platitude dizer que no final do século XX as
vanguardas da política e da arte declinam. Nesse vazio, fenômenos como
globalização pós-moderna e mercantilismo do capital multinacional assumem o
proscênio do palco da história Ocidente/Oriente. No lugar da vanguarda aparece
um general intellect barroco. Um campo de ideologias heteróclitas aparece como
efeito das relações técnicas de produção cibernéticas. Ao lado das ideologias
pós-modernas heteróclitas, uma plurivocidade de tela gramatical faz pendant com
a tela cibernética no campo político mundial.
A foraclusão ou extração violenta de linguagem na cultura feita,
por exemplo, pelo FMI como o vocabulário argentino/brasileiro/marxista
estadunidense do subdesenvolvimento e, também, de certos entes da cultura
europeia milenar, tudo isso é gramaticalizado como um fato natural. Quer se
evitar a coisificação da gramática europeia de fenômenos culturais como:
sujeito, alma, consciência, espírito e pessoa. (Derrida: 26). No país
subdesenvolvido da cultura não-soberana das Américas, os agentes em geral se
viram como podem com esse novo cosmopolitismo pós-modernista. No campo das
ideologias do direito, a exclusão do ente pessoa é o impensado. (Derrida: 22).
O campo do impensado dos fenômenos novos da globalização ´pós-moderna gera um
anarco/empirismo que se apossa da universidade e do jornalismo. Fala-se, então,
de pós/verdade, fim da verdade, seja factual, seja de qualquer tela gramatical.
O agir/poder estratégico torna-se a estrutura de dominação generalizada. Então
é um vale tudo: mentir, enganar, simular, dissimular, assassinar, ser iníquo e,
sobretudo, produzir ilusão em discurso infrapolítico na internet. A liberdade
pós-moderna confronta o aparelho de Estado/legislação penal como estratégia da
extrema direita, isto é, como meio de ascender ao governo nacional e local.
Assim, o antigo vocabulário ocidental cai em desuso:
“Esses termos e esses conceitos não têm lugar numa analítica
do Dasein, que procura determinar o ente que somos. Heidegger anuncia
então que vai evitá-los (vermeiden). Para dizer o que somos, quem somos,
parece indispensável evitar todos os conceitos da série subjetiva
ou subjetal: em particular o de espírito”. (Derrida: 26).
Heidegger aparece como o hegemonikon ou eu político do campo
simbólico político Ocidente/Oriente, excetuando claramente a China.
A ciência política literária de Heidegger dos jogos de gramática
da filosofia cosmopolita europeia é uma verdadeira Parúsia, a segunda vinda de
Jesus ao Ocidente. O arrebatamento heideggeriano chegou, inclusive, na
revolução teológica iraniana antiocidental e aparece, nas entrelinhas, em maio
de 68 na Europa.
A pós-modernidade cria e recria um campo diabólico
infrapolítico. O extraordinário é o declinar dos fenômenos da mediação cultural
hegeliana e das aparências de semblância autêntica de Hannah Arendt. A crítica da
gramática do cérebro se faz necessária, pois, a infrapolítica se estabelece por
uma relação imediata do cérebro do líder posmoderno com o cérebro da multidão
pós-moderna. Entes heteróclitos começam a ser eleitos nas Américas: Donald
Trump. Bolsonaro, Milei, Bukele, Tarcísio em São Paulo, Ronaldo Caiado no
centro-oeste. O bolsonarismo surge como uma criação do cérebro de Jair Messias
Bolsonaro e do cérebro de Michel Temer, generais do Haiti E, sobretudo, do
cérebro do ministro da Justiça de Michel Temer emerge do real o Estado
posmoderno policial cesarista, que se desenvolve no governo de Bolsonaro. No
Tennesse, o parlamento local faz uma lei para armar professores e funcionários
de escolas. No governo de Bolsonaro, leis de liberação total de armas de fogo
para a população civil anunciam, como no estado americano supracitado, a guerra
civil institucionalizada e generalizada.
A tela de gosto hegeliana se torna no território pós-moderno o
impensável:
“Esta obra é dedicada à estética, quer dizer: à filosofia, à
ciência do belo, e, mais precisamente, do belo artístico, pois dela se exclui o
belo natural. Para justificar esta exclusão, poderíamos dizer que a toda
ciência cabe o direito de se definir como queira, não é, porém, em virtude de
uma arbitrária decisão que só o belo artístico é o objeto escolhido pela
filosofia”. (Hegel. 1993: 2).
Hegel já trabalhava com a ideia de tela plástica (Hegel.
1955. V. 2: 47), tela de gosto, tela estética.
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A pós-modernidade já aparece como um estilo anacrônico, isto
é, como gramática de época extemporânea (Derrida: 10). O Estado pós-moderno latino-americano
é aquele de uma burguesia infrapolítica que já não é uma burguesia em si. Ela
não tem como objetivo a busca do lucro privado, da reprodução ampliada do
capital,da mais-valia privada, ela quer a mais-valia pública ou Mehrlust.
(Lacan. S.16: 31,29). Administrador da mais-valia pública, o Estado lacaniano
torna-se antagônico ao Estado pós-moderno. Tal fenômeno define o campo político
como subsunção ao campo infrapolítico:
“Em Lacan, a mais-valia ou plus-de-jouir ou Mehrlust aparece
como objeto a barroco, isto é, lugar do campo da mais-valia pública
sobre o qual se ergue o Estado lacaniano. O objeto a é o furo [buraco de
minhoca] na Trieb da gramática ou aparelho articulado de linguagem do saber do
explorado (Lacan. S. 17:17): ‘não se deve explorar o próximo’. O objeto a é
a exceção. Lacan segue Guilherme de Ockham quanto ao fato de que a palavra
genérica não deve ser sempre compreendida genericamente, pois, há exceção. Se
não houvesse o poder papal seria o cesarismo absolutista grotesco:
“’o papa poderia legitimamente e por direito, <pela
plenitude do poder, privar os reis e todos os demais infiéis de todos os bens,
e doar estes a qualquer outro ou retê-los para si>”. [Ockham: 70]. (Bandeira
da Silveira. 2024: cap 3).
O Estado pós-moderno aparece no lugar do papa medieval
absolutista. Ele pode se apropriar de toda a mais-valia pública e doá-la para a
burguesia infrapolítica. Mas, ele não é um fenômeno do grotesco absolutista.
Ele é o absolutismo do brutalismo com gramática do cinismo, isto é, caminha-se
para o grau zero da estética. O cinismo abre as comportas para o fim da crítica
moderna da ideologia? (Sloterdijk: 45-46). O campo das ideologias heteróclitas
evoca o quinismo da antiguidade [satírico] fenômeno que ri da tela gramatical
moderna barroca do campo infrapolítico da pós-modernidade:
“A RELAÇÃO entre multidão e indivíduo é básico para se pensar
e imaginar a evolução do Ocidente? Na antiguidade grega, a <sociedade> se
organizava no campo político pelo governo monárquico do uno, pelo governo da
pequena multidão de oligarcas ou pelo governo da grande multidão do demo. A
grande multidão participar do campo político, eis o problema da antiguidade”.
(Bandeira da Silveira. 2024: cap. 44).
No campo infrapolítico pós-moderno, a multidão aparece sem
mediações de cultura política, jurídica, econômica, estética. Ela existe como
páthos pela relação do cérebro dos indivíduos
com o líder pós-moderno. Ela é uma multidão que se define como vontade
cerebral de instalar uma forma de governo cesarista heteróclita, uma forma de
governo desconhecida no Ocidente e no Oriente. Não há jovens civis na multidão
pós-moderna, só há velhos. É a tirania da gerontocracia, grupo infrapolítico de
indivíduos senis ou de autoridade de um passado que pesa como chumbo no cérebro
dos vivos. Um fenômeno heteróclito é a mulher evangélica jovem participar da
multidão pós-moderna. Ela é a exceção do genérico, pois, esse não existe
genericamente. Uma forma de governo infracesarista que não é do Espírito e tão
pouco do capital?
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Três fenômenos se destacam na época pós-posmodernista. O
processo de desintegração da globalização pós-modernista como gramática de
época; o segundo é a desintegração do capital tal como definido por Marx; no
terceiro, o Espírito hegeliano se transforma em campo de ideologias
heteróclitas, ou seja, ideologia política como concepção política de mundo
(Heidegger: 133), como vontade de poder de instaurar um campo político com uma
forma de governo cesarista moderno. Aliás, há ainda um quarto fenômeno.
A emergência de um novo campo político moderno se choca com o
campo político infrapolítico pós-moderno. O choque ocorre entre o Estado
moderno lacaniano e o Estado policial pós-moderno cesarista. Tal choque
redefine o campo político entre esquerda e direita, já como campo de ideologias
políticas fundadas na tela gramatical moderna.
A luta de classes retorna no campo político moderno e
transforma os fenômenos pós-modernos em modernos. É o caso do lumpesinato
político pós-moderno. Este de lúmpen-apoio do Estado pós-moderno, se transforma
em classe-apoio do Estado lacaniano que se torna expressão tanto da região da
esquerda como da região da direita no novo campo moderno. O antagonismo entre
moderno e pós-moderno se cria e se recria como um drama intenso barroco no mass
media digital. O antagonismo também aparece como o choque entre o pós-moderno e
a nova cultura política moderna, que redefine o campo das ideologias do direito
como concepção política de vida. Há uma nova função moderna para o aparelho de
Estado/legislação penal, isso na articulação de uma estrutura legítima de
dominação da hegemonia e, também, na revolução barroca dentro da ordem
constitucional de 1988:
“Encerrando com o Brasil, a revolução capitalista,
autoritária, niilista de Um Bolsonaro se torna uma contrarrevolução do atraso
em relação à revolução barroca de Lula. (Bandeira da Silveira. 2023: cap. 3).
O essencial é estabelecer que a estratégia do novo moderno
consiste em sair do subdesenvolvimento tal como o fez a China moderna do século
XX e XXI por uma revolução barroca contra a ordem chinesa
feudal/capitalista.
O Estado pós-moderno promove a guerra civil
institucionalizada e o Estado moderno lacaniano procura pacificar a sociedade
civil, as instituições público/privado. A nova cultura política moderna se
apresenta como restauração de aparências de semblância e mediações culturais.
Os ministérios da Educação, Saúde e Cultura adquirem uma nova função moderna,
pois, se apresentam como prática política moderna do espaço do Bem comum em
contraposição à lógica da mercadoria.
Na Argentina, o Estado pós-moderno de Milei procura
desintegrar o Estado lacaniano moderno. No Brasil uma burguesia pós-moderna
controla o parlamento, governos provinciais do Sudeste e outras regiões. A
burguesia infrapolítica pós-moderna usa a guerra civil pós-moderna em uma
ofensiva contra a estrutura de dominação/hegemonia do novo Estado moderno
surgido no campo político moderníssimo como efeito da soberania popular moderna
que derrotou a soberania popular do Estado pós-moderno.
Nos EUA, há um choque agônico entre o Estado moderno e o Estado
pós-moderno policial cesarista do partido republicano de Donald Trump/Bush
filho. A vitória do pós-moderno na eleição presidencial em 2024 pode fazer do
Estado policial pós-moderno tirânico um ente capaz de ditar o rumo da política
nas Américas. Resta saber se o partido democrata vitorioso se porá frontalmente
em luta contra o Estado pós-moderno do complexo industrial militar americano.
(Virilio: 46,49).
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A história dos povos continua sendo o paradigma da história
mundial? O povo alemão no cérebro do Hitler o que é? É um campo de ideologias
heteróclitas como: biologismo, naturalismo, racismo. (Derrida: 50). A história
do povo alemão aparece como estrutura de dominação universal:
“ênfase, emfhasis: a palavra <espiritual> ainda está
sublinhada, ao mesmo tempo para marcar que aí se acha a determinação
fundamental da relação com o ser e para conjurar uma política que não seria do
espírito. Um novo começo é chamado. É chamado pela questão Wie steht es um
Sein? (que é o ser?). E esse começo, que é antes um re-começo, consiste em
repetir (wiederholen) nossa existência historial espiritual (Anfang unseres
geschichtlich-geistigen Dasins). O <nós> desse <nosso> é o povo
alemão”. (Derrida: 57).
A Alemanha fez a Segunda Guerra Mundial para estabelecer a
estrutura de dominação do cérebro de Hitler como estrutura de dominação
mundial. Hitler foi derrotado, e, assim, a história de domínio mundial dos
povos europeus é finito.
Porém, a estrutura de dominação europeia deixa uma lição:
“Cada vez que se encontra a palavra <espírito> nesse
contexto e nessa série, dever-se-ia assim, segundo Heidegger, reconhecer aí a
mesma indiferença: não só à questão do ser em geral, mas quanto à do ente que
somos, mais precisamente, quanto a esta Jemeinigkeit, este sempre-ser-meu do
Dasein que não remete, de início, a um eu ou a um ego e que teria justificado
uma primeira referência – pendente e finalmente negativa – a Descartes. (Derrida: 28-29).
O Dasein da analítica da existência do ente pode remeter para
o hegemonikon ou eu político de uma tela gramatical moderna, pois, aqui é
superada a indiferença do eu que que não tem a preocupação com o ser como tem o
hegemonikon do Dasein ou existência realmente existente do campo
político/estético moderno.
Assim, o moderno aqui rechaça o pós-modernismo como tela
gramatical que faz da espécie humana um ente sem o princípio da esperança, uma
espécie humana reduzida a um cão vira-lata sarnento. (Bloch: 9).
ARENDT, Hannah. A vida do Espírito. RJ: UFRJ, 1992
BANDEIRA DA SIVEIRA, José Paulo. Revolução barroca dentro da
ordem. EUA: amazon, 2023
BANDEIRA DA SILVEIRA. José Paulo. Além da época posmoderna.
EUA: amazon, 2024
BLOCH, Ernest. Le principe Espérance . Paris: Gallimard, 1959
DERRIDA, Jacques. Do Espírito. Campinas: Papiros,1987
FERRY, Luc. Homo aestheticus. SP: Ensaio, 1994
HEIDEGGER, Martins. Nietzsche. Metafísica e Niilismo. RJ:
Relume Dumará, 2000
HEGEL. Lecciones sobre la historia de la filosofia. Volumes 1
e 2. México: Fondo de Cultura Económica, 1955
HEGEL. Fenomenologia do Espírito. Parte 1. Petrópolis:
Voze3s, 1992
HEGEL. Estética. Lisboa: Guimarães, 1993
LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 17. O vesso da
psicanálise. RJ: Zahar, 1992
LACAN, JACQUES. O Seminário. Livro 16. De um outro ao outro.
RJ: Zahar, 2008
OCKHAM, Guilherme de. Brevilóquio sobre o principado
tirânico. Petrópolis: Vozes, 1988
SLOTERDIJK, Peter. Crítica da razão cínica. V. 1. Madrid:
Taurus,1989
VIRILIO, Paul. L’insécurité du territoire. Paris: Galilée,
1976
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