sexta-feira, 26 de abril de 2024

Do Espírito ao Capital? posmoderno e novo moderno

 

José Paulo 


 

O Espírito absoluto surge na história original do povo judeu, é um povo com consciência histórica superior (Hegel. 1955. V. 1: 4) a todos os outros povos do Ocidente e do Oriente.

Em Freud, a sublimação   guarda uma certa analogia com as aparências de semblância de Hannah (Arendt; 31) a as mediações da cultura hegeliana:

“O começo da cultura e do esforço para emergir da imediatez da vida substancial deve consistir sempre em adquirir conhecimentos de princípios e pontos de vista universais. Trata-se inicialmente de um esforço para chegar ao pensamento da Coisa em geral e também para defendê-la ou refutá-la com razões, captando a plenitude concreta e rica segundo suas determinidades, e sabendo dar uma informação ordenada e um juízo sério a seu respeito. Mas esse começo da cultura deve, desde logo, dar lugar à seriedade da vida plena que se adentra na experiencia da Coisa mesma. Quando enfim o rigor do conceito tiver penetrado na profundeza da Coisa, então tal conhecimento e apreciação terão no diálogo o lugar que lhes corresponde”. (Hegel. 1992: 23).

A cultura europeia teve seu começo na antiguidade grega. A episteme e sua arquitetura conceitual platônico/aristotélica podem ser considerados o começo da cultura mundial? Ou o começo é o povo judeu? Se a Coisa em si é a realidade realmente existente de uma plurivocidade de tela gramatical de um campo político/estético/jurídico, eis que o início é grego e romano? Greco-romano. A tela gramatical abrange do universal da forma de governo [o um] ao particular [obras e práticas políticas] e ao singular como Xantipa de Platão, esta como o molecular institucionalizado/casamento no campo simbólico político do indivíduo e/ou sujeito.                       

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Já é uma platitude dizer que no final do século XX as vanguardas da política e da arte declinam. Nesse vazio, fenômenos como globalização pós-moderna e mercantilismo do capital multinacional assumem o proscênio do palco da história Ocidente/Oriente. No lugar da vanguarda aparece um general intellect barroco. Um campo de ideologias heteróclitas aparece como efeito das relações técnicas de produção cibernéticas. Ao lado das ideologias pós-modernas heteróclitas, uma plurivocidade de tela gramatical faz pendant com a tela cibernética no campo político mundial.

A foraclusão ou extração violenta de linguagem na cultura feita, por exemplo, pelo FMI como o vocabulário argentino/brasileiro/marxista estadunidense do subdesenvolvimento e, também, de certos entes da cultura europeia milenar, tudo isso é gramaticalizado como um fato natural. Quer se evitar a coisificação da gramática europeia de fenômenos culturais como: sujeito, alma, consciência, espírito e pessoa. (Derrida: 26). No país subdesenvolvido da cultura não-soberana das Américas, os agentes em geral se viram como podem com esse novo cosmopolitismo pós-modernista. No campo das ideologias do direito, a exclusão do ente pessoa é o impensado. (Derrida: 22). O campo do impensado dos fenômenos novos da globalização ´pós-moderna gera um anarco/empirismo que se apossa da universidade e do jornalismo. Fala-se, então, de pós/verdade, fim da verdade, seja factual, seja de qualquer tela gramatical. O agir/poder estratégico torna-se a estrutura de dominação generalizada. Então é um vale tudo: mentir, enganar, simular, dissimular, assassinar, ser iníquo e, sobretudo, produzir ilusão em discurso infrapolítico na internet. A liberdade pós-moderna confronta o aparelho de Estado/legislação penal como estratégia da extrema direita, isto é, como meio de ascender ao governo nacional e local. Assim, o antigo vocabulário ocidental cai em desuso:

“Esses termos e esses conceitos não têm lugar numa analítica do Dasein, que procura determinar o ente que somos. Heidegger anuncia então que vai evitá-los (vermeiden). Para dizer o que somos, quem somos, parece indispensável evitar todos os conceitos da série subjetiva ou subjetal: em particular o de espírito”. (Derrida: 26).        

Heidegger aparece como o hegemonikon ou eu político do campo simbólico político Ocidente/Oriente, excetuando claramente a China.

A ciência política literária de Heidegger dos jogos de gramática da filosofia cosmopolita europeia é uma verdadeira Parúsia, a segunda vinda de Jesus ao Ocidente. O arrebatamento heideggeriano chegou, inclusive, na revolução teológica iraniana antiocidental e aparece, nas entrelinhas, em maio de 68 na Europa.

A pós-modernidade cria e recria um campo diabólico infrapolítico. O extraordinário é o declinar dos fenômenos da mediação cultural hegeliana e das aparências de semblância autêntica de Hannah Arendt. A crítica da gramática do cérebro se faz necessária, pois, a infrapolítica se estabelece por uma relação imediata do cérebro do líder posmoderno com o cérebro da multidão pós-moderna. Entes heteróclitos começam a ser eleitos nas Américas: Donald Trump. Bolsonaro, Milei, Bukele, Tarcísio em São Paulo, Ronaldo Caiado no centro-oeste. O bolsonarismo surge como uma criação do cérebro de Jair Messias Bolsonaro e do cérebro de Michel Temer, generais do Haiti E, sobretudo, do cérebro do ministro da Justiça de Michel Temer emerge do real o Estado posmoderno policial cesarista, que se desenvolve no governo de Bolsonaro. No Tennesse, o parlamento local faz uma lei para armar professores e funcionários de escolas. No governo de Bolsonaro, leis de liberação total de armas de fogo para a população civil anunciam, como no estado americano supracitado, a guerra civil institucionalizada e generalizada.            

A tela de gosto hegeliana se torna no território pós-moderno o impensável:

“Esta obra é dedicada à estética, quer dizer: à filosofia, à ciência do belo, e, mais precisamente, do belo artístico, pois dela se exclui o belo natural. Para justificar esta exclusão, poderíamos dizer que a toda ciência cabe o direito de se definir como queira, não é, porém, em virtude de uma arbitrária decisão que só o belo artístico é o objeto escolhido pela filosofia”. (Hegel. 1993: 2).

Hegel já trabalhava com a ideia de tela plástica (Hegel. 1955. V. 2: 47), tela de gosto, tela estética.   

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A pós-modernidade já aparece como um estilo anacrônico, isto é, como gramática de época extemporânea (Derrida: 10). O Estado pós-moderno latino-americano é aquele de uma burguesia infrapolítica que já não é uma burguesia em si. Ela não tem como objetivo a busca do lucro privado, da reprodução ampliada do capital,da mais-valia privada, ela quer a mais-valia pública ou Mehrlust. (Lacan. S.16: 31,29). Administrador da mais-valia pública, o Estado lacaniano torna-se antagônico ao Estado pós-moderno. Tal fenômeno define o campo político como subsunção ao campo infrapolítico:

“Em Lacan, a mais-valia ou plus-de-jouir ou Mehrlust aparece como objeto a barroco, isto é, lugar do campo da mais-valia pública sobre o qual se ergue o Estado lacaniano. O objeto a é o furo [buraco de minhoca] na Trieb da gramática ou aparelho articulado de linguagem do saber do explorado (Lacan. S. 17:17): ‘não se deve explorar o próximo’. O objeto a é a exceção. Lacan segue Guilherme de Ockham quanto ao fato de que a palavra genérica não deve ser sempre compreendida genericamente, pois, há exceção. Se não houvesse o poder papal seria o cesarismo absolutista grotesco:

“’o papa poderia legitimamente e por direito, <pela plenitude do poder, privar os reis e todos os demais infiéis de todos os bens, e doar estes a qualquer outro ou retê-los para si>”. [Ockham: 70]. (Bandeira da Silveira. 2024: cap 3).

O Estado pós-moderno aparece no lugar do papa medieval absolutista. Ele pode se apropriar de toda a mais-valia pública e doá-la para a burguesia infrapolítica. Mas, ele não é um fenômeno do grotesco absolutista. Ele é o absolutismo do brutalismo com gramática do cinismo, isto é, caminha-se para o grau zero da estética. O cinismo abre as comportas para o fim da crítica moderna da ideologia? (Sloterdijk: 45-46). O campo das ideologias heteróclitas evoca o quinismo da antiguidade [satírico] fenômeno que ri da tela gramatical moderna barroca do campo infrapolítico da pós-modernidade:

“A RELAÇÃO entre multidão e indivíduo é básico para se pensar e imaginar a evolução do Ocidente? Na antiguidade grega, a <sociedade> se organizava no campo político pelo governo monárquico do uno, pelo governo da pequena multidão de oligarcas ou pelo governo da grande multidão do demo. A grande multidão participar do campo político, eis o problema da antiguidade”. (Bandeira da Silveira. 2024: cap. 44).

No campo infrapolítico pós-moderno, a multidão aparece sem mediações de cultura política, jurídica, econômica, estética. Ela existe como páthos pela relação do cérebro dos indivíduos   com o líder pós-moderno. Ela é uma multidão que se define como vontade cerebral de instalar uma forma de governo cesarista heteróclita, uma forma de governo desconhecida no Ocidente e no Oriente. Não há jovens civis na multidão pós-moderna, só há velhos. É a tirania da gerontocracia, grupo infrapolítico de indivíduos senis ou de autoridade de um passado que pesa como chumbo no cérebro dos vivos. Um fenômeno heteróclito é a mulher evangélica jovem participar da multidão pós-moderna. Ela é a exceção do genérico, pois, esse não existe genericamente. Uma forma de governo infracesarista que não é do Espírito e tão pouco do capital?     

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Três fenômenos se destacam na época pós-posmodernista. O processo de desintegração da globalização pós-modernista como gramática de época; o segundo é a desintegração do capital tal como definido por Marx; no terceiro, o Espírito hegeliano se transforma em campo de ideologias heteróclitas, ou seja, ideologia política como concepção política de mundo (Heidegger: 133), como vontade de poder de instaurar um campo político com uma forma de governo cesarista moderno. Aliás, há ainda um quarto fenômeno.

A emergência de um novo campo político moderno se choca com o campo político infrapolítico pós-moderno. O choque ocorre entre o Estado moderno lacaniano e o Estado policial pós-moderno cesarista. Tal choque redefine o campo político entre esquerda e direita, já como campo de ideologias políticas fundadas na tela gramatical moderna.

A luta de classes retorna no campo político moderno e transforma os fenômenos pós-modernos em modernos. É o caso do lumpesinato político pós-moderno. Este de lúmpen-apoio do Estado pós-moderno, se transforma em classe-apoio do Estado lacaniano que se torna expressão tanto da região da esquerda como da região da direita no novo campo moderno. O antagonismo entre moderno e pós-moderno se cria e se recria como um drama intenso barroco no mass media digital. O antagonismo também aparece como o choque entre o pós-moderno e a nova cultura política moderna, que redefine o campo das ideologias do direito como concepção política de vida. Há uma nova função moderna para o aparelho de Estado/legislação penal, isso na articulação de uma estrutura legítima de dominação da hegemonia e, também, na revolução barroca dentro da ordem constitucional de 1988:

“Encerrando com o Brasil, a revolução capitalista, autoritária, niilista de Um Bolsonaro se torna uma contrarrevolução do atraso em relação à revolução barroca de Lula. (Bandeira da Silveira. 2023: cap. 3).

O essencial é estabelecer que a estratégia do novo moderno consiste em sair do subdesenvolvimento tal como o fez a China moderna do século XX e XXI por uma revolução barroca contra a ordem chinesa feudal/capitalista.      

O Estado pós-moderno promove a guerra civil institucionalizada e o Estado moderno lacaniano procura pacificar a sociedade civil, as instituições público/privado. A nova cultura política moderna se apresenta como restauração de aparências de semblância e mediações culturais. Os ministérios da Educação, Saúde e Cultura adquirem uma nova função moderna, pois, se apresentam como prática política moderna do espaço do Bem comum em contraposição à lógica da mercadoria.

Na Argentina, o Estado pós-moderno de Milei procura desintegrar o Estado lacaniano moderno. No Brasil uma burguesia pós-moderna controla o parlamento, governos provinciais do Sudeste e outras regiões. A burguesia infrapolítica pós-moderna usa a guerra civil pós-moderna em uma ofensiva contra a estrutura de dominação/hegemonia do novo Estado moderno surgido no campo político moderníssimo como efeito da soberania popular moderna que derrotou a soberania popular do Estado pós-moderno.

Nos EUA, há um choque agônico entre o Estado moderno e o Estado pós-moderno policial cesarista do partido republicano de Donald Trump/Bush filho. A vitória do pós-moderno na eleição presidencial em 2024 pode fazer do Estado policial pós-moderno tirânico um ente capaz de ditar o rumo da política nas Américas. Resta saber se o partido democrata vitorioso se porá frontalmente em luta contra o Estado pós-moderno do complexo industrial militar americano. (Virilio: 46,49).             

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A história dos povos continua sendo o paradigma da história mundial? O povo alemão no cérebro do Hitler o que é? É um campo de ideologias heteróclitas como: biologismo, naturalismo, racismo. (Derrida: 50). A história do povo alemão aparece como estrutura de dominação universal:

“ênfase, emfhasis: a palavra <espiritual> ainda está sublinhada, ao mesmo tempo para marcar que aí se acha a determinação fundamental da relação com o ser e para conjurar uma política que não seria do espírito. Um novo começo é chamado. É chamado pela questão Wie steht es um Sein? (que é o ser?). E esse começo, que é antes um re-começo, consiste em repetir (wiederholen) nossa existência historial espiritual (Anfang unseres geschichtlich-geistigen Dasins). O <nós> desse <nosso> é o povo alemão”. (Derrida: 57).

A Alemanha fez a Segunda Guerra Mundial para estabelecer a estrutura de dominação do cérebro de Hitler como estrutura de dominação mundial. Hitler foi derrotado, e, assim, a história de domínio mundial dos povos europeus é finito.

Porém, a estrutura de dominação europeia deixa uma lição:

“Cada vez que se encontra a palavra <espírito> nesse contexto e nessa série, dever-se-ia assim, segundo Heidegger, reconhecer aí a mesma indiferença: não só à questão do ser em geral, mas quanto à do ente que somos, mais precisamente, quanto a esta Jemeinigkeit, este sempre-ser-meu do Dasein que não remete, de início, a um eu ou a um ego e que teria justificado uma primeira referência – pendente e finalmente negativa – a Descartes.  (Derrida: 28-29).

O Dasein da analítica da existência do ente pode remeter para o hegemonikon ou eu político de uma tela gramatical moderna, pois, aqui é superada a indiferença do eu que que não tem a preocupação com o ser como tem o hegemonikon do Dasein ou existência realmente existente do campo político/estético moderno.

Assim, o moderno aqui rechaça o pós-modernismo como tela gramatical que faz da espécie humana um ente sem o princípio da esperança, uma espécie humana reduzida a um cão vira-lata sarnento. (Bloch: 9).

 

ARENDT, Hannah. A vida do Espírito. RJ: UFRJ, 1992

BANDEIRA DA SIVEIRA, José Paulo. Revolução barroca dentro da ordem. EUA: amazon, 2023

BANDEIRA DA SILVEIRA. José Paulo. Além da época posmoderna. EUA: amazon, 2024

BLOCH, Ernest. Le principe Espérance . Paris: Gallimard, 1959

DERRIDA, Jacques. Do Espírito. Campinas: Papiros,1987 

FERRY, Luc. Homo aestheticus. SP: Ensaio, 1994

HEIDEGGER, Martins. Nietzsche. Metafísica e Niilismo. RJ: Relume Dumará, 2000

HEGEL. Lecciones sobre la historia de la filosofia. Volumes 1 e 2. México: Fondo de Cultura Económica, 1955

HEGEL. Fenomenologia do Espírito. Parte 1. Petrópolis: Voze3s, 1992

HEGEL. Estética. Lisboa: Guimarães, 1993

LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 17. O vesso da psicanálise. RJ: Zahar, 1992

LACAN, JACQUES. O Seminário. Livro 16. De um outro ao outro. RJ: Zahar, 2008

OCKHAM, Guilherme de. Brevilóquio sobre o principado tirânico. Petrópolis: Vozes, 1988

SLOTERDIJK, Peter. Crítica da razão cínica. V. 1. Madrid: Taurus,1989

VIRILIO, Paul. L’insécurité du territoire. Paris: Galilée, 1976         

          

 

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