José Paulo
Benveniste é o fundador da ciência política literária dos
jogos de gramática?
A descrição do fato não põe e repõe o indivíduo na superfície
profunda do virtual. A tela gramatical virtual é aquela do símbolo, tela
simbólica. Os objetos da tela do simbólico: signo/ideia, fato/teoria,
artefato/gramática, figuras de linguagem (metáfora e metonímia), figuras de
gramática (alegoria, elipse, foraclusão, abstrato e concreto).
Entra-se na superfície virtual como sujeito, ao falar na tela
gramatical simbólica, pois, o falar implica o jogo de gramática do abstrato e
concreto e o uso dos objetos virtuais supracitados.
A superfície virtual é aquela da criação de ideias/signo e
uso de fato/teoria, alegoria etc. A fala virtual é o se manter no caminho do
campo simbólico. A tela simbólica é o governo da gramática, da fé na gramática
e no governo. A tela simbólica faz pendant com a democracia constitucional. A
fé na gramática da democracia é fé simbólica.
Em 08/janeiro/2023, uma multidão destruiu os prédios
(judiciário, parlamento, executivo) de Brasília. Foi uma passagem ao ato que
teve como efeito a desintegração da fé na tela da gramática simbólica
democrática?
O STF repara a tela pelo uso do aparelho de Estado/legislação
penal. Ele pune os destruidores. No entanto, a multidão destruidora agiu em
nome de Jair Messias Bolsonaro. Este recebeu a sentença de inelegível por 8
anos. Mas não foi julgado criminalmente. Só quando Jair for julgado
criminalmente, o trabalho de restauração da tela democrática/virtual estará
perfeito.
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O livro de Benveniste é uma obra seminal da ciência política
literária virtual dos jogos de gramática. O objeto de sua ciência é a gramática
de cultura política analógica e comparada de civilizações no Ocidente e além. A
ciência política começa pelo vocábulo <hegemonie> análogo ao significante
hegemonia. Hégemonie é a soberania de um indivíduo, ou de uma nação, ou algo
equivalente ao Império romano. (Benveniste. V. 1: 10).
Na cadeia significante, hegemonie é pensar/julgar. Tal
prática se refere a um soberano na tela gramatical da cultura política,
jurídica, econômica. Hegemonie é a autoridade de um juiz que pensa a vida política.
O juiz é um fenômeno da realidade abstrata, é um símbolo (signo/ideia) da
realidade virtual da gramática da cultura política jurídica. O símbolo do rex
tem parentesco com o juiz que pensa a riqueza que anda (o rebanho) e que
desenha os limites da polis. Pecúnia, peculium, fortuna movel, a riqueza do rebanho
liga o rex/juiz ao poder pastoral universal da civilização indo-europeia. (Benveniste.
V. 1: 44). Com os gregos modernos da antiguidade, o rex/juiz aparece com o
agente político no manejo do aparelho de Estado/legislação penal. Aparece,
também, como o hegemonikón ou eu político estoico da tela gramatical estética
do campo político/jurídico. O rex/juiz não é o tirano na cultura política
jurídica da antiguidade. O tirano existe como ersatz de rei em uma cultura
política fática - que já não é uma cultura política jurídica.
O volume 1 é sobre <economia>, <parentesco> e <sociedade>,
fenômenos elementares da cultura política.... o volume 2 tem como objetos <poder>,
<direito> e <religião>.
A propósito. Rex é aquele que tem autoridade para desenhar a
geografia política das cidades e determinar as regras do direito. Ele é o
agente do poder institucional e dos jogos de gramática, ele fabrica a
plurivocidade de tela gramatical narrativa do campo político/jurídico.
(Benveniste. V. 2: 9, 10).
No, “História da
guerra do Peloponeso, Tucídedes é o narrador da descrição dos fatos? No
discurso de Péricles, aparece uma tela gramatical do direito natural do mais
forte na <pólemos>. Com seu conjunto de lutas que vão da rebelião à
guerra civil, a stásis (Derrida: 110-111) não obedece ao direito do mais forte,
e sim ao direito do hegemonikón no campo político da polis.
A pólemos entre Atenas e Esparta tem na ambição de Atenas
pela hegemonia a instalação de uma tela gramatical do direito natu8ral do mais
forte, isto, é a hegemonia/dominação. (Tucídedes: 78).
Atenas tinha como forma de governo a democracia
constitucional da multidão moderna soberana. Esparta era uma forma de governo
monárquica militar. Na guerra nacional, ocorre uma revolução oligárquica que
desintegra a democracia que é substituída ´pelo governo dos 400. (Tucídedes:
422, 424, 430). Assim, o campo político se torna um palco vivo de luta entre a
gramática oligárquica e a gramática democrática, ambas como seus personagens,
atores, agentes. Ao final da stásis, a democracia foi restaurada, mas não em
totus.
A forma de governo é uma tela narrativa da política. Porém, Bobbio
fala dela como espaço simbólico de juízo de valor e juízo de fato. (Bobbio:27).
A ciência política literária dos jogos de gramática é uma superação da ciência
política universitária ou da de Bobbio. Assim, a forma de governo aparece como
tela gramatical-analógica-narrativa do campo político (jurídico ou fático) e
estético. Na tela em questão, juízo de fato e juízo de valor habitam o campo
dos fenômenos políticos. Há também o juízo de gosto dos agentes que lutam entre
si até o fim da desintegração da gramática realmente existente.
Em Esparta, o rei era o símbolo da ideia de pintor da tela
politica e e garantidor da prosperidade de seu povo, se ele segue a gramática
da justiça e o comandamentos divinos, como em Homero. (Benveniste. v. 2: 26).
Esparta invadiria a stásis oligarquia versus democracia na segunda revolução
oligárquica. É uma platitude o tempo político cíclico da história das formas de
governo na Grécia: na oligarquia, o governo é estabelecido a partir da
propriedade, governo de poucos ricos. (Barker: 306). A oligarquia era a
antípoda da forma monárquica constitucional, ela é o efeito da cultura política
fática do rico.
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A primeira revolução oligárquica é, em parte, um efeito da
guerra contra Esparta. A guerra era consequência da vontade política de Atenas
à hegemonia na Grécia. Havia um senso comum popular que não entendia a ideia da
guerra [como sacrifico necessário na conjuntura internacional] e gerava uma
opinião espontânea contrária à guerra. Assim, a mudança da forma de governo de
democracia para oligarquia se torna algo factível. A revolução oligárquica de
Atenas é exportada para as cidades submissas como “simulacros de ordem jurídica
trazida pelos atenienses”. (Tucídedes: 413). Há intelectuais oligárquicos como
Antifonte, o teórico da oligarquia, que fazem parte da direção intelectual e
moral da insurreição. (Mossé: 81). A
revolução não é um fenômeno descritivo, um fato bruto, mas um fato associado à
ideia oligárquica da necessidade do governo de poucos para conquistar a
hegemonia na Grécia. As instituições
políticas democráticas capitularam sem resistência diante do movimento de
cultura política oligárquica como necessidade histórica. A narrativa de
Tucídedes se interrompe e, assim, não se conhece exatamente quando foi
restabelecida a forma de governo democrática.
A segunda revolução oligárquica estabeleceu em Atenas um
regime de terror (Mossé: 94) pelo grupo dos Trinta. Execuções sumárias
multiplicaram-se e não tardariam a suscitar dissenções no próprio seio do grupo
dos Trinta. O conflito pessoal entre duas personalidades ambiciosas (Terâmenes
e Crítias) levantava um problema agônico da politeia. Terámenes se dizia um não
traidor da política grega por nunca ter sido do partido que defendia que o
escravo participasse da democracia constitucional. Entretanto, o mais
importante foi a intervenção do rei de Esparta com a transição conservador para
a forma democrática como <conciliação barroca> (Hatzfeld:61) entre fração
do partido da oligarquia e o partido democrático. (Mossé: 98-99). Há uma
analogia simbólica (ideia/signo) dessa revolução barroca da antiguidade com a
revolução barroca da Revolução Francesa moderna.
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Na cultura política/econômica/jurídica grega, a decisão pelo
uso da violência designa o injusto, a injustiça. A vida do país dos ciclopes
sem lei e sem thémis, ou seja, sem tela gramatical de direito natural é o grau
zero da civilização virtual. Thémis é: disposição legal, regera, norma.
(Benveniste. V. 2: 102).
No Brasil, há cientistas sociais que falam de um campo
político oligárquico colonial, da família mestiça latifundiária como parte de
uma civilização sem thémis? Como a tirania natural do domínio agrário poderia
ser uma civilização? (Holanda: cap. 3).
Aristóteles fala de um poder familial do Oikos. Ele descreve
a natureza do chefe de família como distinto do chefe político:
“E a união do que é naturalmente governante e do que é
naturalmente súdito, pois, o que é capaz de prever as coisas com seu cérebro
naturalmente é governador e senhor ou chefe, e o que é capaz de fazer as coisas
com seu corpo é naturalmente súdito e escravo; por isso esse senhor e esse
escravo tem um interesse comum”. (Aristoteles: 677).
O político é aquele que detém um poder político e o senhor o
que detém um poder familial. Este é o governo da mulher, filhos e escravos. E o
político9 governa os cidadãos, a multidão soberana da politeia. a mulher
senhorial e o escravo são por natureza distintos. Há um governo da fêmea e um
governo da escravaria. A cultura política natural grega é uma civilização em
contraponto aos bárbaros. Estes igualavam mulher e escravo. O Brasil colonial
igualava fêmea senhorial e escravo. A mestiçagem facilitava a estrutura de
dominação da cultura política do homem patriarcal. O discurso do Maitre
senhorial (Lacan: 31-33) admitia direitos à mulher e o escravo se definia como
um ser sem direito. No deito romano escrito o escravo é idêntico à coisa.
O discurso do maître é Themis? É uma tela gramatical de
direito senhorial em contraposição ao país dos ciclopes o grau zero da thémis.
O modo de produção escravista faz do escravo um ser ciclópico?
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“A noção de thémis faz pendant com a de díkê. A primeira
indica a justiça que se exerce no interior do grupo familial. A outra, aquela
que regra as relações entre as famílias”. (Benveniste. V. 2: 107).
O Brasil colonial é um campo político virtual da família
oligarquia e das relações entre famílias. Tal fenômeno se atualiza no Brasil de
hoje com o poder da oligarquia política no parlamento. A monarquia foi a
história da família real da Constituição de 1824. Do poder moderador
constitucional que fazia da família real (simbolizada pelo rei) um fenômeno
acima da lei e da Constituição. Com a república entra em cena a família militar
como proprietária da forma de governo republicana.
No regime 1988, a família evangélica chega a dezena de
milhões de pessoas. Ela se torna a thémis e a díkê da soberania popular e da
multidão de rua da direita.
No campo político, a relação entre o pastor e a família
evangélica é definida pelo mostrar pela palavra sagrada, isto, é por díkê, se
comunicar por um ato de fala sagrada. (Benveniste. V. 2: 108). Mostrar pelo ato
de fala ergue uma tela gramatical narrativa bíblica e daí advem a autoridade
política do pastor no templo. Um direito natural de intervenção na política;
“Il est fondé à <donner>, à <énoncer certaines
règles>, à <adjuger>”. (Benveniste. V. 2: 108).
O rebanho transfere para o pastor o direito de mostrar quem é
o líder no campo político:
“Cette même représentation conduit à l’emploi fréquent de
dicere dans la langue des tribunaux: diem dicere <fixer un Jour pour une
cause> ou multam dicere <prononcer une amende”. (Benveniste. V. 2:
108-09).
Corrigir, retificar a consciência da família do rebanho
religioso já é um fenômeno da cultura política do direito religioso, da tela
gramatical de um tribunal evangélico que funciona no templo da vida.
Na cultura política jurídica da antiguidade:
Dès lors cette formule qui fixe le sort et l’attribution est
devenue em grec la <justice>. Mias la notion éthique de justice, telle
que nous l’entendons, n’est pas incluse dans díkê. Elle s’est peu à peu dégagée
des circonstances où la díkê est invoquée pour mettre fin à des abus. Cette
formule de justice devient l’expression de la justice même, quand la díkê
intervient pour mettre fin alors avec de la bía, e la force. La dikê
s’identifique alors avec la vertu de justice – et celui qui a la díkê pour lui
est díkaios <juste>”. (Benveniste. V. 2: 110).
Portanto, díkê é o caminho natural para a fabricação do
aparelho de Estado/legislação penal fazendo pendant com o hegemonikón ou eu
político justo na tela gramatical da cultura política, jurídica, econômica,
estética da antiguidade greco-romana.
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Leo Strauss é o outro judeu criador e recriador da ciência
política literária dos jogos de gramática. Ele diz que é preciso partir da
prática política e de seus jogos de gramática:
“Para compreender o problema do direito natural, é necessário
partir de uma inteligência não científica, mas <natural> das <coisas
políticas>, isto é, da maneira como elas se apresentam na vida política e nos
atos da vida cotidiana, cada vez que a prática toma uma decisão”. (Strauss:
83).
Direito natural é um objeto simbólico da ciência política
literária dos jogos de gramática:
“Assim, a vida política à qual a ideia de direito natural é
estrangeira ignora necessariamente a ciência política e, posso dizer, a ciência
enquanto tal; inversamente, uma vida política consciente da possibilidade de ciência,
reencontra necessariamente o problema do direito natural”. (Strauss: 83).
Na cultura política da antiguidade, Tucídedes é o símbolo
(ideia/signo) da ciência política literária que tem como objeto as relações
internacionais. Ele [Tucídedes} fala de
uma tela gramatical da guerra do Peloponeso como gramática do <quase
nada> para decretar a pólemos. (Tucídedes: 78).
O <quase nada> é o motivo molecular banal, a <banalidade
do mal> que norteia a pólemos. Há uma ética da pólemos? Sim! É a ética do
direito do mais forte. Decisão da hegemonia/dominação pelas armas...
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ARISTOTELES. Obras. Política. Madrid: Aguilar, 1982
BENVENISTE, E. Le vocabulaire des institutions indo-européennes.
Volumes 1 e 2. Paris: Minuit 1969
BARKER, Sir Ernest. Teoria política grega. Brasília: UNB,
1978
BOBBIO, Norbert. A teoria das formas de governo. Brasília:
UNB, 1980
HATZFELD, Helmut. Estudos sobre o Barroco. SP: Perspectiva,
1988
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. RJ: José Olympio,
1988
LACAN, Jacques. Le Seminaire. Livre 17, L’envers de la psychanalyse.
Paris: Seuil, 1991
MOSSÉ, Claude. Atenas: a história de uma democracia.
Brasília: UNB, 1979
DERRIDA, Jacques. Spectres de Marx. Paris: Galilée, 1993
DERRIDA, Jacques. Politique de l’amitié. Paris: Galilée, 1994
STRAUSS, Leo. Droit naturel et histoire. Paris: Flammarion,
1954
TUCIDEDES. História da guerra do Peloponeso. Brasília: UNB,
1986
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