quarta-feira, 3 de abril de 2024

Benveniste - ciência política literária

 José Paulo 

 

 

Benveniste é o fundador da ciência política literária dos jogos de gramática?

A descrição do fato não põe e repõe o indivíduo na superfície profunda do virtual. A tela gramatical virtual é aquela do símbolo, tela simbólica. Os objetos da tela do simbólico: signo/ideia, fato/teoria, artefato/gramática, figuras de linguagem (metáfora e metonímia), figuras de gramática (alegoria, elipse, foraclusão, abstrato e concreto).

Entra-se na superfície virtual como sujeito, ao falar na tela gramatical simbólica, pois, o falar implica o jogo de gramática do abstrato e concreto e o uso dos objetos virtuais supracitados.

A superfície virtual é aquela da criação de ideias/signo e uso de fato/teoria, alegoria etc. A fala virtual é o se manter no caminho do campo simbólico. A tela simbólica é o governo da gramática, da fé na gramática e no governo. A tela simbólica faz pendant com a democracia constitucional. A fé na gramática da democracia é fé simbólica.

Em 08/janeiro/2023, uma multidão destruiu os prédios (judiciário, parlamento, executivo) de Brasília. Foi uma passagem ao ato que teve como efeito a desintegração da fé na tela da gramática simbólica democrática?

O STF repara a tela pelo uso do aparelho de Estado/legislação penal. Ele pune os destruidores. No entanto, a multidão destruidora agiu em nome de Jair Messias Bolsonaro. Este recebeu a sentença de inelegível por 8 anos. Mas não foi julgado criminalmente. Só quando Jair for julgado criminalmente, o trabalho de restauração da tela democrática/virtual estará perfeito.

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O livro de Benveniste é uma obra seminal da ciência política literária virtual dos jogos de gramática. O objeto de sua ciência é a gramática de cultura política analógica e comparada de civilizações no Ocidente e além. A ciência política começa pelo vocábulo <hegemonie> análogo ao significante hegemonia. Hégemonie é a soberania de um indivíduo, ou de uma nação, ou algo equivalente ao Império romano. (Benveniste. V. 1: 10).

Na cadeia significante, hegemonie é pensar/julgar. Tal prática se refere a um soberano na tela gramatical da cultura política, jurídica, econômica. Hegemonie é a autoridade de um juiz que pensa a vida política. O juiz é um fenômeno da realidade abstrata, é um símbolo (signo/ideia) da realidade virtual da gramática da cultura política jurídica. O símbolo do rex tem parentesco com o juiz que pensa a riqueza que anda (o rebanho) e que desenha os limites da polis. Pecúnia, peculium, fortuna movel, a riqueza do rebanho liga o rex/juiz ao poder pastoral universal da civilização indo-europeia. (Benveniste. V. 1: 44). Com os gregos modernos da antiguidade, o rex/juiz aparece com o agente político no manejo do aparelho de Estado/legislação penal. Aparece, também, como o hegemonikón ou eu político estoico da tela gramatical estética do campo político/jurídico. O rex/juiz não é o tirano na cultura política jurídica da antiguidade. O tirano existe como ersatz de rei em uma cultura política fática - que já não é uma cultura política jurídica.

O volume 1 é sobre <economia>, <parentesco> e <sociedade>, fenômenos elementares da cultura política.... o volume 2 tem como objetos <poder>, <direito> e <religião>.

A propósito. Rex é aquele que tem autoridade para desenhar a geografia política das cidades e determinar as regras do direito. Ele é o agente do poder institucional e dos jogos de gramática, ele fabrica a plurivocidade de tela gramatical narrativa do campo político/jurídico. (Benveniste. V. 2: 9, 10).

  No, “História da guerra do Peloponeso, Tucídedes é o narrador da descrição dos fatos? No discurso de Péricles, aparece uma tela gramatical do direito natural do mais forte na <pólemos>. Com seu conjunto de lutas que vão da rebelião à guerra civil, a stásis (Derrida: 110-111) não obedece ao direito do mais forte, e sim ao direito do hegemonikón no campo político da polis.

A pólemos entre Atenas e Esparta tem na ambição de Atenas pela hegemonia a instalação de uma tela gramatical do direito natu8ral do mais forte, isto, é a hegemonia/dominação. (Tucídedes: 78).

Atenas tinha como forma de governo a democracia constitucional da multidão moderna soberana. Esparta era uma forma de governo monárquica militar. Na guerra nacional, ocorre uma revolução oligárquica que desintegra a democracia que é substituída ´pelo governo dos 400. (Tucídedes: 422, 424, 430). Assim, o campo político se torna um palco vivo de luta entre a gramática oligárquica e a gramática democrática, ambas como seus personagens, atores, agentes. Ao final da stásis, a democracia foi restaurada, mas não em totus.   

A forma de governo é uma tela narrativa da política. Porém, Bobbio fala dela como espaço simbólico de juízo de valor e juízo de fato. (Bobbio:27). A ciência política literária dos jogos de gramática é uma superação da ciência política universitária ou da de Bobbio. Assim, a forma de governo aparece como tela gramatical-analógica-narrativa do campo político (jurídico ou fático) e estético. Na tela em questão, juízo de fato e juízo de valor habitam o campo dos fenômenos políticos. Há também o juízo de gosto dos agentes que lutam entre si até o fim da desintegração da gramática realmente existente.

Em Esparta, o rei era o símbolo da ideia de pintor da tela politica e e garantidor da prosperidade de seu povo, se ele segue a gramática da justiça e o comandamentos divinos, como em Homero. (Benveniste. v. 2: 26). Esparta invadiria a stásis oligarquia versus democracia na segunda revolução oligárquica. É uma platitude o tempo político cíclico da história das formas de governo na Grécia: na oligarquia, o governo é estabelecido a partir da propriedade, governo de poucos ricos. (Barker: 306). A oligarquia era a antípoda da forma monárquica constitucional, ela é o efeito da cultura política fática do rico.

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A primeira revolução oligárquica é, em parte, um efeito da guerra contra Esparta. A guerra era consequência da vontade política de Atenas à hegemonia na Grécia. Havia um senso comum popular que não entendia a ideia da guerra [como sacrifico necessário na conjuntura internacional] e gerava uma opinião espontânea contrária à guerra. Assim, a mudança da forma de governo de democracia para oligarquia se torna algo factível. A revolução oligárquica de Atenas é exportada para as cidades submissas como “simulacros de ordem jurídica trazida pelos atenienses”. (Tucídedes: 413). Há intelectuais oligárquicos como Antifonte, o teórico da oligarquia, que fazem parte da direção intelectual e moral da insurreição.  (Mossé: 81). A revolução não é um fenômeno descritivo, um fato bruto, mas um fato associado à ideia oligárquica da necessidade do governo de poucos para conquistar a hegemonia na Grécia.  As instituições políticas democráticas capitularam sem resistência diante do movimento de cultura política oligárquica como necessidade histórica. A narrativa de Tucídedes se interrompe e, assim, não se conhece exatamente quando foi restabelecida a forma de governo democrática.

A segunda revolução oligárquica estabeleceu em Atenas um regime de terror (Mossé: 94) pelo grupo dos Trinta. Execuções sumárias multiplicaram-se e não tardariam a suscitar dissenções no próprio seio do grupo dos Trinta. O conflito pessoal entre duas personalidades ambiciosas (Terâmenes e Crítias) levantava um problema agônico da politeia. Terámenes se dizia um não traidor da política grega por nunca ter sido do partido que defendia que o escravo participasse da democracia constitucional. Entretanto, o mais importante foi a intervenção do rei de Esparta com a transição conservador para a forma democrática como <conciliação barroca> (Hatzfeld:61) entre fração do partido da oligarquia e o partido democrático. (Mossé: 98-99). Há uma analogia simbólica (ideia/signo) dessa revolução barroca da antiguidade com a revolução barroca da Revolução Francesa moderna.      

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Na cultura política/econômica/jurídica grega, a decisão pelo uso da violência designa o injusto, a injustiça. A vida do país dos ciclopes sem lei e sem thémis, ou seja, sem tela gramatical de direito natural é o grau zero da civilização virtual. Thémis é: disposição legal, regera, norma. (Benveniste. V. 2: 102).

No Brasil, há cientistas sociais que falam de um campo político oligárquico colonial, da família mestiça latifundiária como parte de uma civilização sem thémis? Como a tirania natural do domínio agrário poderia ser uma civilização? (Holanda: cap. 3).

Aristóteles fala de um poder familial do Oikos. Ele descreve a natureza do chefe de família como distinto do chefe político:

“E a união do que é naturalmente governante e do que é naturalmente súdito, pois, o que é capaz de prever as coisas com seu cérebro naturalmente é governador e senhor ou chefe, e o que é capaz de fazer as coisas com seu corpo é naturalmente súdito e escravo; por isso esse senhor e esse escravo tem um interesse comum”. (Aristoteles: 677).

O político é aquele que detém um poder político e o senhor o que detém um poder familial. Este é o governo da mulher, filhos e escravos. E o político9 governa os cidadãos, a multidão soberana da politeia. a mulher senhorial e o escravo são por natureza distintos. Há um governo da fêmea e um governo da escravaria. A cultura política natural grega é uma civilização em contraponto aos bárbaros. Estes igualavam mulher e escravo. O Brasil colonial igualava fêmea senhorial e escravo. A mestiçagem facilitava a estrutura de dominação da cultura política do homem patriarcal. O discurso do Maitre senhorial (Lacan: 31-33) admitia direitos à mulher e o escravo se definia como um ser sem direito. No deito romano escrito o escravo é idêntico à coisa.

O discurso do maître é Themis? É uma tela gramatical de direito senhorial em contraposição ao país dos ciclopes o grau zero da thémis. O modo de produção escravista faz do escravo um ser ciclópico?

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“A noção de thémis faz pendant com a de díkê. A primeira indica a justiça que se exerce no interior do grupo familial. A outra, aquela que regra as relações entre as famílias”. (Benveniste. V. 2: 107).

O Brasil colonial é um campo político virtual da família oligarquia e das relações entre famílias. Tal fenômeno se atualiza no Brasil de hoje com o poder da oligarquia política no parlamento. A monarquia foi a história da família real da Constituição de 1824. Do poder moderador constitucional que fazia da família real (simbolizada pelo rei) um fenômeno acima da lei e da Constituição. Com a república entra em cena a família militar como proprietária da forma de governo republicana.

No regime 1988, a família evangélica chega a dezena de milhões de pessoas. Ela se torna a thémis e a díkê da soberania popular e da multidão de rua da direita.

No campo político, a relação entre o pastor e a família evangélica é definida pelo mostrar pela palavra sagrada, isto, é por díkê, se comunicar por um ato de fala sagrada. (Benveniste. V. 2: 108). Mostrar pelo ato de fala ergue uma tela gramatical narrativa bíblica e daí advem a autoridade política do pastor no templo. Um direito natural de intervenção na política;

“Il est fondé à <donner>, à <énoncer certaines règles>, à <adjuger>”. (Benveniste. V. 2: 108).

O rebanho transfere para o pastor o direito de mostrar quem é o líder no campo político:

“Cette même représentation conduit à l’emploi fréquent de dicere dans la langue des tribunaux: diem dicere <fixer un Jour pour une cause> ou multam dicere <prononcer une amende”. (Benveniste. V. 2: 108-09).

Corrigir, retificar a consciência da família do rebanho religioso já é um fenômeno da cultura política do direito religioso, da tela gramatical de um tribunal evangélico que funciona no templo da vida.

Na cultura política jurídica da antiguidade:

Dès lors cette formule qui fixe le sort et l’attribution est devenue em grec la <justice>. Mias la notion éthique de justice, telle que nous l’entendons, n’est pas incluse dans díkê. Elle s’est peu à peu dégagée des circonstances où la díkê est invoquée pour mettre fin à des abus. Cette formule de justice devient l’expression de la justice même, quand la díkê intervient pour mettre fin alors avec de la bía, e la force. La dikê s’identifique alors avec la vertu de justice – et celui qui a la díkê pour lui est díkaios <juste>”. (Benveniste. V. 2: 110).

Portanto, díkê é o caminho natural para a fabricação do aparelho de Estado/legislação penal fazendo pendant com o hegemonikón ou eu político justo na tela gramatical da cultura política, jurídica, econômica, estética da antiguidade greco-romana.             

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Leo Strauss é o outro judeu criador e recriador da ciência política literária dos jogos de gramática. Ele diz que é preciso partir da prática política e de seus jogos de gramática:

“Para compreender o problema do direito natural, é necessário partir de uma inteligência não científica, mas <natural> das <coisas políticas>, isto é, da maneira como elas se apresentam na vida política e nos atos da vida cotidiana, cada vez que a prática toma uma decisão”. (Strauss: 83).               

Direito natural é um objeto simbólico da ciência política literária dos jogos de gramática:

“Assim, a vida política à qual a ideia de direito natural é estrangeira ignora necessariamente a ciência política e, posso dizer, a ciência enquanto tal; inversamente, uma vida política consciente da possibilidade de ciência, reencontra necessariamente o problema do direito natural”. (Strauss: 83).

Na cultura política da antiguidade, Tucídedes   é o símbolo (ideia/signo) da ciência política literária que tem como objeto as relações internacionais.  Ele [Tucídedes} fala de uma tela gramatical da guerra do Peloponeso como gramática do <quase nada> para decretar a pólemos. (Tucídedes: 78).      

O <quase nada> é o motivo molecular banal, a <banalidade do mal> que norteia a pólemos. Há uma ética da pólemos? Sim! É a ética do direito do mais forte. Decisão da hegemonia/dominação pelas armas...

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ARISTOTELES. Obras. Política. Madrid: Aguilar, 1982

BENVENISTE, E. Le vocabulaire des institutions indo-européennes. Volumes 1 e 2. Paris: Minuit 1969

BARKER, Sir Ernest. Teoria política grega. Brasília: UNB, 1978

BOBBIO, Norbert. A teoria das formas de governo. Brasília: UNB, 1980

HATZFELD, Helmut. Estudos sobre o Barroco. SP: Perspectiva, 1988

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. RJ: José Olympio, 1988   

LACAN, Jacques. Le Seminaire. Livre 17, L’envers de la psychanalyse. Paris: Seuil, 1991

MOSSÉ, Claude. Atenas: a história de uma democracia. Brasília: UNB, 1979

DERRIDA, Jacques. Spectres de Marx. Paris: Galilée, 1993

DERRIDA, Jacques. Politique de l’amitié. Paris: Galilée, 1994

STRAUSS, Leo. Droit naturel et histoire. Paris: Flammarion, 1954

TUCIDEDES. História da guerra do Peloponeso. Brasília: UNB, 1986

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              

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