quarta-feira, 10 de abril de 2024

John Rawls - revolução moderno/moderna

 

José Paulo 

 

John Rawls é o símbolo [ideia/signo/imagem/alegoria/fantasia] da cultura política, econômica, jurídica estética liberal-política. Ele representa a transição do intelectual hegemônico (Gramsci) para o hegemonikón (Elorduy: 26) ou eu político da plurivocidade de tela gramatical narrativa e de gosto no Ocidente. Ele estabeleceu Kant como iluminismo/barroco. (Rawls.2005:122).

Uma tela gramatical da justiça moderna americana:

“Justiça é a primeira virtude das instituições sociais como a verdade o é para o pensamento. (...); leis e instituições, por mais eficientes e engenhosas que sejam, deverão ser reformuladas ou abolidas se forem injustas. Cada indivíduo tem uma inviolabilidade baseada na justiça que nem mesmo o bem-estar [Welfare] da sociedade pode sobrepujar. Por esta razão, a justiça nega que a perda da liberdade de uns dê direito a um maior benefício dividido pelos todos (...) numa sociedade justa, a igualdade dos direitos cívicos e das liberdades para todos é considerada definitiva; os direitos sustentados pela justiça, não estão sujeitos a mercantilização política ou cálculo de interesses sociais [...]. Como a verdade e a justiça são as principais virtudes das ações humanas, elas o9não podem estar sujeitas a compromissos”. (Rawls. 1987: 29-30).

A tela gramatical da justiça contém um tribunal moderno no qual não se admite que os direitos do indivíduo sejam assujeitados aos poderes da sociedade. Ela rechaça todo e qualquer <compromisso> com os poderes coativos exteriores ao campo político do indivíduo. Trata-se de um tribunal estatal especificamente jurídico.

Após o 11 de setembro de 2001, o partido neoconservador republicano criou um tribunal político mafioso de Estado que um intelectual italiano designou como tribunal de exceção. Este se torna um tribunal fático para encarcerar e obter informação de indivíduos definidos como terrorista pela CIA. A polícia secreta toma o lugar do juiz de instrução que investiga e do juiz que julga em última instancia. A Itália já havia estabelecido o tribunal político mafioso de Estado que criou uma organização terrorista para assassinar o dirigente político italiano Aldo Moro. Nesse tribunal político uma imprensa mafiosa participa dele julgando o indivíduo para a opinião pública.

O tribunal político não é mais um fenômeno do Estado moderno e sim de um Estado pós-moderno. No Estado moderno:

“o poder político é sempre o poder coercitivo baseado no uso que o Estado faz das sanções, pois só o Estado tem autoridade para usar a força a fim de impor as suas leis. Em um regime constitucional, a característica especial da relação política é que o poder político é, em última instancia, o poder público, isto é, o poder dos cidadãos livres e iguais na condição de corpo político. Esse poder é regularmente imposto aos cidadãos enquanto indivíduos e enquanto membros de associações, alguns dos quais podem não aceitar as razões que muitos dizem justificar a estrutura geral da autoridade política – a Constituição – ou, quando a aceitam de fato, podem não considerar justificados numerosas leis aprovadas pelo parlamento à qual estão sujeitos”. (Rawls.1995:174).         

A tela gramatical pós-moderna contém um Estado que já não é moderno. Ele é um Estado pós-moderno do tribunal político mafioso de Estado:

“Um Estado pode ser definido como uma organização política cujo domínio é territorialmente organizado e capaz de acionar os meios de violência para sustentar esse domínio. Tal definição é próxima de  Max Weber, porém não destaca uma reivindicação ao monopólio dos meios de violência ou o fator de legitimidade”. (Giddens: 45).

No Brasil, surge um tribunal político mafioso privado/semipúblico como efeito da forma de Estado mafiosa pós-moderna. 

                                                         2

A tela gramatical da política constitucional da antiguidade não é inteligível sem a ciência prática ou ciência política literária dos jogos de gramática. A ciência política é necessária para fazer da política a busca do soberano bem [a felicidade] que é a democracia constitucional ou politeia. (Wolff: 44-45). A ciência ´política grega fala de um tempo cíclico da forma de governo. Como as instituições (multidão soberana moderna/barroca etc.] não são feitas de um metal como o aço [metal que não sofre corrupção do tempo, do homem e sua circunstância], e sim de metais que são corrompidos pelo tempo do campo político, a forma de governo inevitavelmente se desintegra na cultura política, jurídica, econômica, estética. Ora, os materiais das instituições são estratégicos para evitar a corrupção das instituições.  Tal problema foi tratado por Nietzsche que viu na cultura política do indivíduo (Nietzsche:71-74) da ciência política literária de Sócrates um fenômeno da corrupção das instituições da politeia. Sacrificou com sua própria vida o desenvolvimento de sua ciência política literária dos jogos de gramática.   

Na ciência política literária de John Rawls, os materiais virtuais das instituições públicas da tela gramatical liberal política falam assim:

“Somente uma concepção política de justiça da qual se possa razoavelmente esperar que todos os cidadãos endossem pode servir de base à razão e à justificação públicas”.

“Digamos, então, que, em um regime constitucional, há um domínio especial do político identificado pelas duas características descritas acima, entre outras. O político distingue-se do associatif, que é voluntário de formas que o político não o é; e, também, se diferencia do pessoal e do familial, o que são afetivos, também estes de forma que o político não o é (o associatif, o pessoal, e o familial são apenas três exemplos de não-político; há outros”. (Rawls. 1995:179).

A ciência política brasileira faz a crítica da tela gramatical de nossa política como campo na qual as relações familiares, pessoais e associatif se constituem como estruturas de dominação históricas? Os materiais institucionais nascem em estado metálico permanente de corrupção.  

O campo político não é aquele da dialética amigo versus inimigo, como quer Carl Schmitt: (Schmitt: 63). O exercício do poder político não pode ser feito na dialética amigo/inimigo do direito do mais forte:

“nosso exercício de poder político é inteiramente apropriado somente quando está de acordo com uma Constituição, cujos elementos essenciais se pode razoavelmente esperar que todos os cidadãos, em sua condição de livres e iguais, endossem à luz de princípios e ideias aceitáveis para sua razão humana comum. Esse é o princípio liberal de legitimidade”. (Rawls.1995 175).

A tela gramatical liberal política agencia uma revolução moderna/moderna?     

                                                                        3

O campo político americano é regido por uma tela gramatical carlschmittiana, isto é, pela dialética amigo x inimigo. Os partidos democrata e republicano [com Donald Trump] se tornaram inimigos. Donald quer ser o soberano absoluto de uma forma de governo de desintegração do sistema bipartidário. Deseja o partido único. O tribunal político mafioso de Estado também abraçou essa estratégia republicana neoconservadora. Para os EUA sair dessa situação [sob domínio do Estado pós-moderno americano] se faz necessário uma revolução moderna/moderna. Como os EUA é o espelho da gramática republicana neoconservadora de todas as Américas, mergulha-se em uma época de crise catastrófica política continental espetacular. O tempo do campo político está corroendo e apodrecendo a forma de governo republicana cesarista/tirânica, presidencial. As instituições do liberalismo político navegam sem rumo no Pacífico e no Atlântico.

                                                                       4

Na tela gramatical da revolução moderna/moderna:

“a ideia de prioridade do justo é um elemento essencial do que eu chamo o liberalismo político; ela tem um papel central na teoria da justiça como equidade que é uma forma desse liberalismo”. (Rawls. 1993: 287).

Na tela gramatical brasileira da democracia-1988, o justo é ininteligível para os agentes políticos e multidão da política [secular ou religiosa] assim como a verdade no campo político. Como agente da desintegração na cultura da ideia e da prática da verdade, a pósmodernidade mafiosa é um peixe dentro do oceano doce que domina a política nacional ou local, então, uma concepção política de justiça liberal política é peixe fora d’agua:

 “Uma concepção da justiça deve ser bem aberta para incluir modos de vida capazes de inspirar o devotamento. Logo, a justiça põe limites, o bem indica a finalidade. Assim, o justo e o bem são complementares, e a prioridade do justo não nega ao bem em nada. Tal prioridade diz simplesmente que uma concepção política de justiça, para ser aceitável, deve respeitar as formas de vida variáveis as quais os cidadãos possam viver, não sendo isso menos importante do que as ideias do bem sobre as quais ela se apoia devendo respeitar os limites – o espaço autorizado – que tem ela próprio fixado”. (Rawls.1993 288).

Respeitar os diretos individuais que são o suporte no campo simbólico da vida privada funciona como subsunção ao moderno/moderno, no molecular, da tradição e da religião como poderes externos tirânicos contra o campo político do indivíduo. A revolução moderna/moderna, iluminista /barroca abraça o público e o privado igualmente e com a mesma intensidade na cultura política, jurídica, econômica, estética - moderna barroca.                             

                                                                   5

A ciência política literária liberal política de Benjamin Constant e Tocqueville e Mme Stael  (Jardin: 408)foi derrotada por Napoleão III. Este ergueu um campo político bonapartista que foi desintegrado por Bismark. A transição do bonapartismo para uma nova forma de governo liberal ocorreu como conciliação barroca, conciliação entre agentes políticos aparentemente contraditórios (Hatzfeld: 61), entre monarquismo, republicanismo e bonapartismo. (Jardin: 403).  

Em Paris na época da transição barroca, o brasileiro Joaquim Nabuco escreve:

“Eu era como político francamente thierista, isto é, na França, de fato republicana. Isso não quer dizer, porém, que me sentisse republicano de princípio, ao contrário. A Terceira República na França foi fundada por monarquistas, foi uma transação de estadistas monárquicos, como Thiers, Dufaure, Rémusat, Léon Say, Casimir Périer, Waddington, e todo o Centro-Esquerdo. (Nabuco: 51).   

A conciliação dos agentes monarquistas com a tela gramatical republicana liberal é um modelo de transição política em um país como o Brasil republicano.? Os generais monarquistas da família real traíram a forma de governo monárquica com uma quartelada risível. Monarquistas militares, eles foram o agente de construção de uma tela gramatical republicana, presidencial, cesarista/tirânica. 

                                                                   6

A história inglesa não possui um hegemonikón de ciência política literária como francesa. As Américas se aproximam da Inglaterra nesse sentido:

“Historicamente, a prática política se ajusta progressivamente às novas regras. O soberano nomeia como primeiro-ministro o chefe da maioria no seio da camâra dos comuns, sua liberdade de escolher depende de nenhum líder se impor nitidamente. Os comuns se reúnem anualmente e são submetidos à uma renovação eleitoral periódica. A dissolução, frequente, é decidida pelo primeiro-ministro que obtém sempre o consentimento do rei. A autoridade real que, na origem, detinha os poderes reais é confinada em uma função honorífica. O desenvolvimento [da forma de governo liberal política parlamentar], do regime parlamentar transferiu o poder das mãos do monarca para a Cãmara surgida democraticamente do povo por via de eleições”. (Demichel: 111).

A monarquia não possui o poder moderador da Constituição brasileira de 1824. Todavia, ela tem uma função de hegemonikón nacional, a unidade nacional do campo político depende da legitimidade real dela. (Demichel: 203204).

A globalização neoliberal da União Europeia significa a desintegração do Estado-nação da Europa ocidental. A Inglaterra se retirou da União europeia para não se destruir como Estado-nação. Com o fim do mercantilismo do capital da multinacional como estrutura de dominação espiritual, ou seja, estrutura de dominação de uma tela gramatical, parece que a Inglaterra não errou ao sair da União europeia.

O Gabinete é a instituição de mais poder no campo de poderes estatizados:

“O gabinete é a instituição colegial politicamente responsável frente a Cãmara dos Comuns. Ele constitui, ao lado do rei, o segundo elemento do Executivo, aquele que detém, de fato, a autoridade governamental”.

A estabilidade e a autoridade são os dois grandes caracteres do gabinete britânico (...). O gabinete dispõe assim da plenitude dos poderes executivo e legislativo e, mais que a Cãmara dos Comuns, é o centro de impulsão decisivo da vida política”., (Demichel: 204).

A constituinte de 1823 procurou adaptar, virtualmente o modelo inglês para nossa realidade de 1823. Pedro I desfechou um golpe de Estado na constituinte inglesa e outorgou uma Constituição de 1824 pombalina [simulacro natural de liberalismo político], Pedro [e seus áulicos] criou uma tela gramatical cesarista, tirânica, grotesca na esteira da estética/política grotesca de seu pai D. João VI.           

Todas as Constituições da monarquia à república são Constituições de um simulacro natural (Baudrillard: 177) de Brasil-nação. A Constituição de 1988 rasgou a história política como cópia de modelos estrangeiros, como queria Oliveira Vianna. A tela gramatical 1988 é um a tela do verdadeiro Brasil-nação, finalmente.

 

BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et Simulation. Paris: Galilée, 1981

DEMICHEL E LALUMIÉRE. 4Les régimes parlementaires européens. Paris: PUF, 1978

ELORDUY, Eleuterio. El estoicismo. Madrid: Gredos, 1972

GIDDENS, Anthony. O Estado-nação e a violência. SP: EDUSP. 2001

HATZFELD, Helmut. Estudos sobre o barroco. SP: Perspectiva, 1988e

JARDIN, André. Histoire du liberalisme politique da crise do absolutismo à Constituição de 1875. Paris: Hachette, 1985

NABUCO, Joaquim. Minha formação. SP: Martin Claret, 2011

NIETZSCHE. Le gai savoir. Paris: Gallimard, 1982   

RAWLS, John. Théorie de la justice. Paris: Seuil, 1987

RAWLS, John. Libéralisme politique: PUF, 1995

RAWLS, John. Justice et démocratie. Paris: Seuil, 1993

RAWLS, John.  História da filosofia moral. SP: Martins Fontes, 2005

SCHMITT, Carl. O conceito do político. Petrópolis: Vozes, 1992

WOLFF, Francis. Aristóteles e a política. SP: Discurso Editorial, 1999

Nenhum comentário:

Postar um comentário