quarta-feira, 24 de abril de 2024

Crítica da gramática do cérebro- casamento, Estado pós-moderno

 

José Paulo 

 

Para os que encontram paz no texto do cosmopolitismo da Europa, Deleuze e Guattari pensam a relação entre natureza humana e forma de governo a partir do cérebro humano. A forma de governo nacional socialista já estava inteira no cérebro de Hitler.

A crítica da gramática do cérebro pode ser estudada na realidade molecular da família fática ou institucional ou casamento. O cérebro se desenvolve na fabricação de regiões soberanas, isto é, a região decide ao enviar comandos para o agir. Uma região soberana é o mate imperativo. Outra é o faz sexo com o seu outro sexual. Hoje o instinto ou pulsão podem ser substituídos pelas regiões do cérebro soberanas que governam a vida do homem, mulher, criança.

Aquilo que Freud chama de aparelho psíquico é uma concepção da vida humana a partir das relações técnicas capitalista da ideologia científica dominante da época dele. O aparelho psíquico é, com efeito no início um campo de: afecção., afeto, imagem fantasia. O instinto sexual é, de fato, a alegoria da imagem carnal do corpo. A imagem carnal do corpo humano tem a ver com o gosto sexual do ver, do tocar, do lamber, do provar a carne como imagem. A imagem carnal e a fantasia virtual do eu e do outro constituem o círculo da região do cérebro como campo simbólico e, portanto, recurso evolutivo da conservação da espécie.

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Nos jogos de linguagem antropológicos, Levi-Strauss fala da fronteira entre natureza e cultura:

“Esta ausência de regra parece oferecer o critério mais seguro que permita distinguir um processo natural de um processo cultural (...). E que, com efeito, há um círculo vicioso ao se procurar na natureza a origem das regras institucionais que supõem – mas ainda, que já são – a cultura, e cuja instauração no interior de um grupo dificilmente pose ser concebida sem a intervenção da linguagem. A constância e a regularidade existem, a bem dizer, tanto na natureza como na cultura. Mas na primeira aparecem precisamente no domínio em que na segunda se manifestam mais fracamente, e vice-versa. Em cada caso, é o domínio da herança biológica, em outro, o da tradição externa. Não se poderia pedir a uma ilusória continuidade entre as duas ordens que explicasse os pontos em que se opõem”. (Lévi-Strauss: 46).

A fronteira entre cérebro/natureza e cultura aparece melhor em outro trecho:

“É impossível, portanto, esperar no homem a ilustração de tipos de comportamento de caráter pré-cultural. Será possível então tentar um caminho inverso e procurar atingir, nos níveis superiores da vida animal, atitudes e manifestações nas quais se possam reconhecer o esboço, os sinais precursores da cultura? Na aparência, é a oposição entre comportamento humano e o comportamento animal que fornece a mais notável ilustração da antinomia entre cultura e natureza. A passagem – se existe – não poderia, pois, ser procurada na etapa das supostas sociedades animais, tais como são encontradas entre alguns insetos. Porque em nenhum lugar melhor que nesses exemplos encontram-se reunidos os atributos impossíveis de ignorar, da natureza, a saber, o instinto, o equipamento anatômico, único que pode permitir o exercício do instinto, e a transmissão hereditária das condutas essenciais à sobrevivência dos indivíduos e da espécie. Não há nessas estruturas coletivas nenhum lugar mesmo para um esboço do que se pudesse chamar o modelo cultural, universal, isto é, linguagem, instrumento, instituições sociais e sistemas de valores estéticos, morais ou religiosos” (Lévi-Strauss. 1976: 43-44).

Freud fala de um Estado animal dos insetos. Uma espécie de cultura política animal: “Por que nossos parentes, os animais, não apresentam uma luta cultural desse tipo”.  (Freud: 146). Lévi-Strauss é cético em relação a esse fenômeno freudiano.   Ora, Chomsky fala de uma estrutura inata no cérebro para humano para produzir e estruturar frases. A língua é natural (Greimas:396), ela não é a fronteira inexpugnável entre cultura e natureza. Há uma gramática inata ao cérebro.     

Nos jogos de gramática da ciência política literária, Aristóteles fala da distinção entre forma natural de laço social [gramática do cérebro] e forma de uma gramática da civilização da antiguidade [da qual nasce o Estado/polis:

“o homem é o único vivente <que possui logos>, esse meio de comunicação racional que lhe permite estabelecer acordos sobre o justo e o injusto, o adequado ou não, o melhor e o pior”. (Samaranch:192). Ora, o Estado e a forma de governo são frutos da tela gramatical da política. Não são efeito do logos aristotélico, mas, da razão linguística. O problema é saber a relação da gramática [a gramática pode se cerebral ou cultural] com a forma de governo como estrutura de dominação na civilização.

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Há o casamento como estrutura de dominação do campo diabólico (Godin: 732) ou campo da mitologia do selvagem:

“Voltemos à questão colocada bem no início deste livro por mitos que associam motivos entre os quais não percebemos laço social. Intrigas cujo motor principal é o ciúme conjugal elegiam como herói ou heroína po Engole-vento, e colocavam-no em conexão física ou em relação lógica co0m o Preguiça, nascido do ciúme> e também ciumento de seus excrementos. Através do Preguiça introduz-se a imagem do cometa ou do meteoro, na América do Sul avatar dos excrementos quando o Preguiça não pode mais ter ciúme deles e, entre os Iroqueses, causa direta do ciúme conjugal em consequência do qual um marido joga a mulher num buraco como se fosse os seus excrementos. Se definirmos o ciúme como um sentimento resultante do desejo de reter uma coisa ou um ser que é tirado, ou de possuir uma coisa ou um ser que não se tem, podemos dizer que o ciúme tende a manter ou criar um estado de conjunção quando existe um estado ou surge uma ameaça de disjunção”. (Lévi-Strauss. 1986: 216).

A estrutura de dominação se define pela posição do senhor [ou dominante] e pela posição do assujeitado ou dominado. No Ocidente latino, a posição perinde ac cadáver [lugar do jesuíta] é a posição que é análoga à posição da fêmea no campo diabólico, mitológico> o jesuíta encontra-se no lugar do excremento ocidental:

“O risco de vida, é aí que está o essencial do que podemos chamar de ato de dominação, e seu garante não é outro senão aquele que, no Outro, é o escravo, como o único significante perante o qual o senhor se sustenta como sujeito. O apoio que nele encontra o senhor não é outra coisa senão o corpo do escravo, no que ele á perinde ac cadáver, digamos, para empregar uma formulação que não chegou à toa ao primeiro plano da vida espiritual. Mas o escravo, assim, está apenas no campo em que sustenta o senhor como sujeito”. (Lacan. S.16: 370). 

Na peça “Megera domada”, o casamento é observado como um campo de <guerra de posição> entre marido e esposa. A estratégia e as táticas dizem respeito a estabelecer quem vai ficar na posição do jesuíta. Não se trata de uma estrutura de dominação do brutalismo (Souriau: 281), isto é, sem aparências de semblância:

“A submissão que o servo deve ao príncipe é a que a mulher ao seu marido deve. E se ela se mostrara teimosa, indócil, intratável, azeda, rebelada contra as suas razoáveis exigências, que mais será senão por isso abjeta traidora, sim, traidora de seu próprio devotado senhor? Tenho pena de ver que são tão simples as mulheres, para fazerem guerra onde deveriam de joelhos pedir a paz ou pretenderem dominar, dirigir, mandar em tudo, quando servi-lhes cumpre tão-somente obedecer e amar”. (Bloom: 63).

O casamento com campo diabólico:

“Catarina. – Por favor senhor, quereis converter-me em alvo de zombaria destes pretendentes?

Hortênsio. – Pretendentes, senhorita! Que pretendeis significar com isto? Não haverá pretendentes para vós, enquanto não fordes mais amável e doce.

Catarina. – Na verdade, senhor, nada tendes a temer. Não estais ainda no meio do caminho de meu coração. De outro modo, não duvideis de que meu único cuidado seria pentear vossa cabeça com uma tripaça, borrar-vos a cara e trata-vos como um tolo.

Hortênsio. – De demônios semelhantes, livrai-nos, ó bom Deus  !”. (Shakespeare: 578).        

A estratégia das aparências de semblância de domuiinação do homem aparece ao arrepio das aparências de semblância autêntica, natural (Arendt: 31) :

Petruchio. – Vamos, em nome de Deus1 coloquemo-nos novamente no caminho da casa de nosso pai... Bom Deus1 como a Lua brilha clara e serena!

Catarina. – a lua! É o sol. Não há lura agora.

Petruchio.- Estou dizendo que é a lua que está brilhando tão clara.

Catarina.- Eu sei que o sol está brilhando tão claro

Petruchio. – Ah! Pelo filho de minha mãe, ou seja, eu mesmo, será a lua ou uma estrela ou o que resolver, antes que continue minha viagem para casa de vosso pai. Vamos! Levem nossos cavalos de volta! Sempre contradizendo e contradizendo! Não faz outra coisa senão contradizer!

Hortênsio. – Dizei o que ele diz, ou nunca sairemos daqui.

Catarina. – Prossigamos nosso caminho, por favor, já que viemos de tão longe. Que seja a lua ou o sol, ou o que desejardes. Se quiserdes chamar de uma lamparina de sol, juro que não será outra coisa para mim.

Petruchio. – Estou dizendo que é a lua.

Catrina.- Reconheço que seja a lua.

Petruchio. – Então, estais mentindo! É o sol bendito!

Catarina. – Então, bendito seja Deus! É o bendito sol! E não será o sol se disserdes que não seja, e a lua mudará ao sabor de vossa vontade... E, portanto, o que quiserdes que seja, assim será para Catarina.

Hortênsio. – Petruchio, segue teu caminho. Conquistastes o campo de batalha. (Shakespeare: 619-619).

No diálogo, revela-se a estrutura de dominação do casamento barroco, com Catarina no lugar do jesuíta, do excremento jogado na fossa da instituição molecular, aparentemente:

“E só uma grande atriz é capaz de enunciar, devidamente, um trecho tão conhecido, além disso, teria de ser dirigida por um encenador melhor do que os que costumamos encontrar hoje em dia, para poder aconselhar as mulheres como comandar e, ao mesmo, tempo fingir obedecer”. (Bloom: 62).

A estrutura de dominação barroca do casamento se assemelha a uma forma de governo tirânica do agir estratégico da fêmea que deve dominar através da: mentira, engano, simulação, dissimulação, produção de ilusão política de domínio do homem.

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Agora, o problema consiste em saber como o Estado brasileiro evoluiu para a espécie de Estado policial cesarista pós-moderno. No Brasil, vive-se o ocaso da notável inteligência pública da ciência do homem – com no resto do Ocidente. A discussão sobre o Estado monárquico brasileiro nunca teve uma obra como a de Roy Ladurie:

“Um primeiro traço <central> põe em relevo o caráter sagrado da instituição monárquica”. (Roy: 9). A monarquia de 1824 nunca foi tratada como sagrada pela cultura brasileira. Bem. Na evolução do Estado, há o Estado/Parentesco e o Estado/Engenheiro. (Duclos:279). O Estado 1824 foi o Estado da família real, portanto, de parentesco. Parece que houve um Estado-engenheiro no pôs-1964. (Martins:37). No entanto, a gramática moderna desse Estado-engenheiro permaneceu oculta na ciência do homem. Um notável texto mostra toda a pobreza no ver o Estado na nossa ciência do homem:

“O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos particulares, de certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo. Não existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição [...]. Só pela transgressão da ordem doméstica e familiar é que nasce o Estado e que o simples indivíduo se faz cidadão [...]. (Holanda: 101).

O mais festejado historiador morreu sem saber que o Estado monárquico brasileiro aparece como um estado de uma gramática da tradição; ele foi uma realidade política como expressão da gramática do parentesco, uma forma de governo cesarista do rei. O Estado da gramática moderna de classe social é uma invenção de 1964.

Os princípios da gramática moderna liberal política só aparecem na Constituição de 1988:

Art. 34. VII. Assegura a observância dos princípios constitucionais:

a)     A forma republicana, sistema representativo e regime democrático

b)    Direitos da pessoa humana

c)     Autonomia municipal (Constituição: 39).

A autonomia municipal aponta para o problema da segurança pública na cidade. Tal fato implicava a integração de um general intelecto gramatical ao aparelho de Estado (Misse: 90), tal como o aparelho de Estado legal fez com o general intelecto gramatical jurídico. Em 2010, ainda se podia dizer:

“O governo federal tem um projeto de Guardas Municipais que parece ser central na sua forma de pensar a segurança pública de administração de conflitos, sem uso de armamento letal. (Misse:12).

O golpe de estado de Michel Temer fez um outro caminho que mudou completamente a questão da segurança pública. Com Temer e Bolsonaro, há o grau zero da segurança pública. O mundo do crime se transformou no Brasil profundo carioca (Bandeira da Silveira; 2021). O Brasil profundo é o motor da fabricação de um Estado policial cesarista pós-moderno.

O Estado pós-moderno é uma face da estrutura de dominação mafiosa que se tornou pública e privada, civil e militar, secular e religiosa, natural e cultural.

O que fazer?

 

 

ARENDT, Hannah. A vida do Espírito. RJ: UFRJ, 1992

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo., Brasil Profundo. EUA: amazon, 2021

BLOOM, Harold. Shakespeare. A invenção do humano. RJ: Objetiva, 2001

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SP: EDIPRO, 2022       

FREUD. Obras Completas. V. 21. O mal-estar da civilização. RJ: Imago, 1974

GODIN, Christian. La totalité. V. 1. De l’imaginaire ua symbolique. Paris: Champ Vallon, 1998

GREIMAS E COURTÉS. Dicionário de Semiótica. SP: Cultrix, 1979

DUCLOS, Denis. De la civilité. Paris: La Découverte, 1993

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. RJ: José Olympio, 1988

LACAN, Jaques. O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008

LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco. SP: USP, 1976

LÉVI-STRAUSS, Claude. A oleira ciumenta. SP: Brasiliense, 1986  

MARTINS, Luciano. Estado capitalista e burocracia no Brasil pós-64. RJ: Paz e Terra, 1985

MISSE, Michel (org.). As Guardas Municipais no Brasil. RJ: UFRJ, 2010

SAMARANCH, Francisco. Cuatro ensayos sobre Aristóteles. México: Fondo de Cultura Económica, 1991

SHAKESPEARE, William. Obra Completa. Volume 2. A megera domada. RJ: Aguilar, 1988

SOURIAU, Etienne. Vocabulaire d’ Esthétique. Paris: PUF, 1990

ROY LADURIE, Emmanuel Le. O Estado monárquico. França. SP: Companhia das Letras, 1994              

     

 

 

      

             

             

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