José Paulo
Para os que encontram paz no texto do cosmopolitismo da
Europa, Deleuze e Guattari pensam a relação entre natureza humana e forma de
governo a partir do cérebro humano. A forma de governo nacional socialista já
estava inteira no cérebro de Hitler.
A crítica da gramática do cérebro pode ser estudada na
realidade molecular da família fática ou institucional ou casamento. O cérebro
se desenvolve na fabricação de regiões soberanas, isto é, a região decide ao
enviar comandos para o agir. Uma região soberana é o mate imperativo. Outra é o
faz sexo com o seu outro sexual. Hoje o instinto ou pulsão podem ser
substituídos pelas regiões do cérebro soberanas que governam a vida do homem,
mulher, criança.
Aquilo que Freud chama de aparelho psíquico é uma concepção
da vida humana a partir das relações técnicas capitalista da ideologia
científica dominante da época dele. O aparelho psíquico é, com efeito no início
um campo de: afecção., afeto, imagem fantasia. O instinto sexual é, de fato, a
alegoria da imagem carnal do corpo. A imagem carnal do corpo humano tem a ver
com o gosto sexual do ver, do tocar, do lamber, do provar a carne como imagem.
A imagem carnal e a fantasia virtual do eu e do outro constituem o círculo da
região do cérebro como campo simbólico e, portanto, recurso evolutivo da
conservação da espécie.
2
Nos jogos de linguagem antropológicos, Levi-Strauss fala da
fronteira entre natureza e cultura:
“Esta ausência de regra parece oferecer o critério mais
seguro que permita distinguir um processo natural de um processo cultural
(...). E que, com efeito, há um círculo vicioso ao se procurar na natureza a
origem das regras institucionais que supõem – mas ainda, que já são – a
cultura, e cuja instauração no interior de um grupo dificilmente pose ser
concebida sem a intervenção da linguagem. A constância e a regularidade
existem, a bem dizer, tanto na natureza como na cultura. Mas na primeira aparecem
precisamente no domínio em que na segunda se manifestam mais fracamente, e
vice-versa. Em cada caso, é o domínio da herança biológica, em outro, o da
tradição externa. Não se poderia pedir a uma ilusória continuidade entre as
duas ordens que explicasse os pontos em que se opõem”. (Lévi-Strauss: 46).
A fronteira entre cérebro/natureza e cultura aparece melhor
em outro trecho:
“É impossível, portanto, esperar no homem a ilustração de
tipos de comportamento de caráter pré-cultural. Será possível então tentar um
caminho inverso e procurar atingir, nos níveis superiores da vida animal,
atitudes e manifestações nas quais se possam reconhecer o esboço, os sinais
precursores da cultura? Na aparência, é a oposição entre comportamento humano e
o comportamento animal que fornece a mais notável ilustração da antinomia entre
cultura e natureza. A passagem – se existe – não poderia, pois, ser procurada
na etapa das supostas sociedades animais, tais como são encontradas entre
alguns insetos. Porque em nenhum lugar melhor que nesses exemplos encontram-se
reunidos os atributos impossíveis de ignorar, da natureza, a saber, o instinto,
o equipamento anatômico, único que pode permitir o exercício do instinto, e a
transmissão hereditária das condutas essenciais à sobrevivência dos indivíduos
e da espécie. Não há nessas estruturas coletivas nenhum lugar mesmo para um
esboço do que se pudesse chamar o modelo cultural, universal, isto é,
linguagem, instrumento, instituições sociais e sistemas de valores estéticos,
morais ou religiosos” (Lévi-Strauss. 1976: 43-44).
Freud fala de um Estado animal dos insetos. Uma espécie de
cultura política animal: “Por que nossos parentes, os animais, não apresentam
uma luta cultural desse tipo”. (Freud:
146). Lévi-Strauss é cético em relação a esse fenômeno freudiano. Ora, Chomsky fala de uma estrutura inata no
cérebro para humano para produzir e estruturar frases. A língua é natural
(Greimas:396), ela não é a fronteira inexpugnável entre cultura e natureza. Há
uma gramática inata ao cérebro.
Nos jogos de gramática da ciência política literária,
Aristóteles fala da distinção entre forma natural de laço social [gramática do
cérebro] e forma de uma gramática da civilização da antiguidade [da qual nasce
o Estado/polis:
“o homem é o único vivente <que possui logos>, esse
meio de comunicação racional que lhe permite estabelecer acordos sobre o justo
e o injusto, o adequado ou não, o melhor e o pior”. (Samaranch:192). Ora, o
Estado e a forma de governo são frutos da tela gramatical da política. Não são
efeito do logos aristotélico, mas, da razão linguística. O problema é saber a
relação da gramática [a gramática pode se cerebral ou cultural] com a forma de
governo como estrutura de dominação na civilização.
3
Há o casamento como estrutura de dominação do campo diabólico
(Godin: 732) ou campo da mitologia do selvagem:
“Voltemos à questão colocada bem no início deste livro por
mitos que associam motivos entre os quais não percebemos laço social. Intrigas
cujo motor principal é o ciúme conjugal elegiam como herói ou heroína po
Engole-vento, e colocavam-no em conexão física ou em relação lógica co0m o
Preguiça, nascido do ciúme> e também ciumento de seus excrementos. Através
do Preguiça introduz-se a imagem do cometa ou do meteoro, na América do Sul avatar
dos excrementos quando o Preguiça não pode mais ter ciúme deles e, entre os
Iroqueses, causa direta do ciúme conjugal em consequência do qual um marido
joga a mulher num buraco como se fosse os seus excrementos. Se definirmos o
ciúme como um sentimento resultante do desejo de reter uma coisa ou um ser que
é tirado, ou de possuir uma coisa ou um ser que não se tem, podemos dizer que o
ciúme tende a manter ou criar um estado de conjunção quando existe um estado ou
surge uma ameaça de disjunção”. (Lévi-Strauss. 1986: 216).
A estrutura de dominação se define pela posição do senhor [ou
dominante] e pela posição do assujeitado ou dominado. No Ocidente latino, a
posição perinde ac cadáver [lugar do jesuíta] é a posição que é análoga à
posição da fêmea no campo diabólico, mitológico> o jesuíta encontra-se no
lugar do excremento ocidental:
“O risco de vida, é aí que está o essencial do que podemos
chamar de ato de dominação, e seu garante não é outro senão aquele que, no
Outro, é o escravo, como o único significante perante o qual o senhor se
sustenta como sujeito. O apoio que nele encontra o senhor não é outra coisa
senão o corpo do escravo, no que ele á perinde ac cadáver, digamos, para
empregar uma formulação que não chegou à toa ao primeiro plano da vida
espiritual. Mas o escravo, assim, está apenas no campo em que sustenta o senhor
como sujeito”. (Lacan. S.16: 370).
Na peça “Megera domada”, o casamento é observado como um
campo de <guerra de posição> entre marido e esposa. A estratégia e as
táticas dizem respeito a estabelecer quem vai ficar na posição do jesuíta. Não
se trata de uma estrutura de dominação do brutalismo (Souriau: 281), isto é,
sem aparências de semblância:
“A submissão que o servo deve ao príncipe é a que a mulher ao
seu marido deve. E se ela se mostrara teimosa, indócil, intratável, azeda,
rebelada contra as suas razoáveis exigências, que mais será senão por isso
abjeta traidora, sim, traidora de seu próprio devotado senhor? Tenho pena de
ver que são tão simples as mulheres, para fazerem guerra onde deveriam de
joelhos pedir a paz ou pretenderem dominar, dirigir, mandar em tudo, quando
servi-lhes cumpre tão-somente obedecer e amar”. (Bloom: 63).
O casamento com campo diabólico:
“Catarina. – Por favor senhor, quereis converter-me em alvo
de zombaria destes pretendentes?
Hortênsio. – Pretendentes, senhorita! Que pretendeis
significar com isto? Não haverá pretendentes para vós, enquanto não fordes mais
amável e doce.
Catarina. – Na verdade, senhor, nada tendes a temer. Não
estais ainda no meio do caminho de meu coração. De outro modo, não duvideis de
que meu único cuidado seria pentear vossa cabeça com uma tripaça, borrar-vos a
cara e trata-vos como um tolo.
Hortênsio. – De demônios semelhantes, livrai-nos, ó bom
Deus !”. (Shakespeare: 578).
A estratégia das aparências de semblância de domuiinação do
homem aparece ao arrepio das aparências de semblância autêntica, natural
(Arendt: 31) :
Petruchio. – Vamos, em nome de Deus1 coloquemo-nos novamente
no caminho da casa de nosso pai... Bom Deus1 como a Lua brilha clara e serena!
Catarina. – a lua! É o sol. Não há lura agora.
Petruchio.- Estou dizendo que é a lua que está brilhando tão
clara.
Catarina.- Eu sei que o sol está brilhando tão claro
Petruchio. – Ah! Pelo filho de minha mãe, ou seja, eu mesmo,
será a lua ou uma estrela ou o que resolver, antes que continue minha viagem
para casa de vosso pai. Vamos! Levem nossos cavalos de volta! Sempre
contradizendo e contradizendo! Não faz outra coisa senão contradizer!
Hortênsio. – Dizei o que ele diz, ou nunca sairemos daqui.
Catarina. – Prossigamos nosso caminho, por favor, já que
viemos de tão longe. Que seja a lua ou o sol, ou o que desejardes. Se quiserdes
chamar de uma lamparina de sol, juro que não será outra coisa para mim.
Petruchio. – Estou dizendo que é a lua.
Catrina.- Reconheço que seja a lua.
Petruchio. – Então, estais mentindo! É o sol bendito!
Catarina. – Então, bendito seja Deus! É o bendito sol! E não
será o sol se disserdes que não seja, e a lua mudará ao sabor de vossa
vontade... E, portanto, o que quiserdes que seja, assim será para Catarina.
Hortênsio. – Petruchio, segue teu caminho. Conquistastes o
campo de batalha. (Shakespeare: 619-619).
No diálogo, revela-se a estrutura de dominação do casamento
barroco, com Catarina no lugar do jesuíta, do excremento jogado na fossa da
instituição molecular, aparentemente:
“E só uma grande atriz é capaz de enunciar, devidamente, um
trecho tão conhecido, além disso, teria de ser dirigida por um encenador melhor
do que os que costumamos encontrar hoje em dia, para poder aconselhar as
mulheres como comandar e, ao mesmo, tempo fingir obedecer”. (Bloom: 62).
A estrutura de dominação barroca do casamento se assemelha a
uma forma de governo tirânica do agir estratégico da fêmea que deve dominar
através da: mentira, engano, simulação, dissimulação, produção de ilusão
política de domínio do homem.
4
Agora, o problema consiste em saber como o Estado brasileiro
evoluiu para a espécie de Estado policial cesarista pós-moderno. No Brasil, vive-se
o ocaso da notável inteligência pública da ciência do homem – com no resto do
Ocidente. A discussão sobre o Estado monárquico brasileiro nunca teve uma obra
como a de Roy Ladurie:
“Um primeiro traço <central> põe em relevo o caráter
sagrado da instituição monárquica”. (Roy: 9). A monarquia de 1824 nunca foi tratada
como sagrada pela cultura brasileira. Bem. Na evolução do Estado, há o Estado/Parentesco
e o Estado/Engenheiro. (Duclos:279). O Estado 1824 foi o Estado da família
real, portanto, de parentesco. Parece que houve um Estado-engenheiro no pôs-1964.
(Martins:37). No entanto, a gramática moderna desse Estado-engenheiro
permaneceu oculta na ciência do homem. Um notável texto mostra toda a pobreza
no ver o Estado na nossa ciência do homem:
“O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda
menos, uma integração de certos agrupamentos particulares, de certas vontades
particularistas, de que a família é o melhor exemplo. Não existe, entre o
círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até
uma oposição [...]. Só pela transgressão da ordem doméstica e familiar é que
nasce o Estado e que o simples indivíduo se faz cidadão [...]. (Holanda: 101).
O mais festejado historiador morreu sem saber que o Estado
monárquico brasileiro aparece como um estado de uma gramática da tradição; ele foi
uma realidade política como expressão da gramática do parentesco, uma forma de governo
cesarista do rei. O Estado da gramática moderna de classe social é uma invenção
de 1964.
Os princípios da gramática moderna liberal política só
aparecem na Constituição de 1988:
Art. 34. VII. Assegura a observância dos princípios
constitucionais:
a)
A
forma republicana, sistema representativo e regime democrático
b)
Direitos
da pessoa humana
c)
Autonomia
municipal (Constituição: 39).
A autonomia municipal aponta para o problema da segurança
pública na cidade. Tal fato implicava a integração de um general intelecto
gramatical ao aparelho de Estado (Misse: 90), tal como o aparelho de Estado legal
fez com o general intelecto gramatical jurídico. Em 2010, ainda se podia dizer:
“O governo federal tem um projeto de Guardas Municipais que
parece ser central na sua forma de pensar a segurança pública de administração
de conflitos, sem uso de armamento letal. (Misse:12).
O golpe de estado de Michel Temer fez um outro caminho que
mudou completamente a questão da segurança pública. Com Temer e Bolsonaro, há o
grau zero da segurança pública. O mundo do crime se transformou no Brasil profundo
carioca (Bandeira da Silveira; 2021). O Brasil profundo é o motor da fabricação
de um Estado policial cesarista pós-moderno.
O Estado pós-moderno é uma face da estrutura de dominação
mafiosa que se tornou pública e privada, civil e militar, secular e religiosa,
natural e cultural.
O que fazer?
ARENDT, Hannah. A vida do Espírito. RJ: UFRJ, 1992
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo., Brasil Profundo. EUA: amazon,
2021
BLOOM, Harold. Shakespeare. A invenção do humano. RJ:
Objetiva, 2001
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SP: EDIPRO, 2022
FREUD. Obras Completas. V. 21. O mal-estar da civilização.
RJ: Imago, 1974
GODIN, Christian. La totalité. V. 1. De l’imaginaire ua
symbolique. Paris: Champ Vallon, 1998
GREIMAS E COURTÉS. Dicionário de Semiótica. SP: Cultrix, 1979
DUCLOS, Denis. De la civilité. Paris: La Découverte, 1993
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. RJ: José
Olympio, 1988
LACAN, Jaques. O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro.
RJ: Zahar, 2008
LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do
parentesco. SP: USP, 1976
LÉVI-STRAUSS, Claude. A oleira ciumenta. SP: Brasiliense,
1986
MARTINS, Luciano. Estado capitalista e burocracia no Brasil
pós-64. RJ: Paz e Terra, 1985
MISSE, Michel (org.). As Guardas Municipais no Brasil. RJ:
UFRJ, 2010
SAMARANCH, Francisco. Cuatro ensayos sobre Aristóteles.
México: Fondo de Cultura Económica, 1991
SHAKESPEARE, William. Obra Completa. Volume 2. A megera
domada. RJ: Aguilar, 1988
SOURIAU, Etienne. Vocabulaire d’ Esthétique. Paris: PUF, 1990
ROY LADURIE, Emmanuel Le. O Estado monárquico. França. SP: Companhia
das Letras, 1994
Nenhum comentário:
Postar um comentário