domingo, 14 de abril de 2024

PHILONENKO - guerra e revolução

 

José Paulo 

 

Há uma diferença estrutural entre guerra e luta? (Philonenko: 36). A antiguidade distinguia entre stásis [rebelião, motim, insurreição, guerra civil] e pólemos ou guerra entre cidade/Estado ou entre nações.

A luta de classe pode se tornar a guerra civil de classe, outra etapa que desencadeia a revolução social militar na tomada do poder nacional. Grandes revoluções históricas levaram Marx a dizer que <a violência é a parteira da história>. Marx fala de uma violência vinculada à história e mais, ainda?

Violência da multidão inscrita na história pressupõe uma razão linguística? Não pressupõe um logos. Então, a luta de classe pressupõe um logos, isto é, uma razão logica de classe. A Guerra como história da violência pressupõe uma tela gramatical na qual a violência adquire um sentido histórico de desintegração de estruturas de dominação/hegemonikón e fabricação de outras estruturas históricas.

A tela gramatical da guerra [stásis ou pólemos] é um fenômeno histórico de mudança da estrutura do campo político e da forma de governo. A globalização pós-moderna instaurou, sobretudo, uma guerra pós-moderna contra as grandes nações, grandes potências. A União Europeia é a guerra pós-moderna contra as grandes nações europeias para evitar a pólemos, guerra sem adjetivo entre os velhos Estados-nação, que participaram da Primeira e da Segunda guerra mundial.

Inventado por Hitler e os EUA, o Estado suicidário nuclear já é o grau zero da história da guerra como tela gramatical. Ele é o fim da história, pois, pois. Fim da história do homem e do animal superior. Há luta no reino animal, a luta não necessita de tela gramatical e sim de logos, no caso, animal. O animal não é só um campo de afetos.

Freud diz que há animais que fabricam Estado natural:

“Por que nossos parentes, os animais, não apresentam uma luta cultural desse tipo? Não sabemos. Provavelmente, alguns deles [abelhas, formigas, térmitas] batalharam durante milhares de anos antes de chegarem às instituições estatais, à distribuição de funções e às restrições ao indivíduo que nos enchem de admiração. Constitui um signo de nossa condição atual o fato de sabermos, por nossos próprios afetos, que não nos sentiríamos felizes em quaisquer desses Estados naturais ou em qualquer das funções neles atribuídos ao indivíduo. No caso das outras espécies animais, pode ser que um equilíbrio temporário tenha sido alcançado entre as influências de seu meio ambiente e os instintos mutuamente conflitantes dentro delas., havendo ocorrido assim uma cessação de desenvolvimento. Pode ser que no homem primitivo um novo acréscimo de libido tenha provocado um surto renovado de atividade por parte do instinto destrutivo. Temos aqui muitas questões para as quais ainda não existe resposta”. (Freud: 146). U

Minha ideia é a seguinte. O aparelho psíquico que nasce no cérebro humano distingue o homem do animal? Ora, o animal parece ter aparelho psíquico, também. O Estado natural é o aparelho de Estado animal. Logo, essa não é a diferença básica. Homem e animal se distinguem pelo aparecimento de uma tela gramatical narrativa por analogia e comparação de fenômenos no homem, o homem como um campo político do indivíduo com uma plurivocidade de fantasia.        

Freud não aceita que a história da espécie humana tem uma autonomia absoluta em relação à história das outras espécies animais. A fronteira entre natureza e cultura para de funcionar na forma de governo que pode ser humana e, também, pode ser animal. Uma forma de governo autômato é o governo do logos animal, da razão lógica animal. Por analogia de luta [regida por logos (Philonenko: 35-37)] e luta animal, há a razão lógica natural. A tela gramatical é o recurso evolutivo que estabelece uma fronteira [com uma pequena tropa de combate] entre natureza e homem, isto é, condição humana.

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Entre o reino da necessidade e o reino da liberdade, encontrasse a guerra:

“Dizer que a guerra pressupõe a história na sua definição, é também dizer que a guerra implica a liberdade”. (Philonenko: 37).

Voltando para o deserto. A relação entre natureza e tela gramatical passa pelo signo. Este é uma realidade virtual [significante] e realidade atual natural ou presença [significado], como rastro (Derrida. 1973: 22) do referente na tela gramatical narrativa (Faye: 150-151).

 A Relação entre animal [aparelho psíquico de Estado] e humano [tela gramatical pilotado [pelo fantasma] portador de um conhecimento dos fenômenos por analogia e comparação de fenômenos naturais como reino da necessidade] já é o ersatz de condição humana no homem primitivo.

A tela gramatical narrativa é a fonte de um saber fazer (Lacan. S. 17: 21) de uma cultura política natural, no sentido de Estado natural de Freud, aparelho psíquico de Estado natural. Ao fazer pendant com o campo simbólico humano [ideia/signo/imagem/alegoria/fantasias], o homem, a mulher e a criança se tornam humanos para além do animal político aristotélico.

A guerra já é parte da condição humana:

“Enquanto a linguagem na sua definição não pressupõe a guerra, essa na sua definição pressupõe um aspecto da linguagem muito preciso, isto é, a escritura [gramática], indispensável suporte de qualquer história real. A linguagem é logo um fenômeno mais universal do que a guerra pois, a guerra pressupõe a linguagem como escritura” (Philonenko: 36), isto é, como gramática, essa inscrita na história da violência como criação e recriação de gramáticas de estrutura de dominação.

Segue:

“Quando queremos dizer que a guerra pressupõe a a linguagem como escritura e quando nos ligamos essa a história, quero igualmente dizer que a guerra é uma prática superior da conduta humana e descartamos todas as manifestações primitivas da luta sobre a qual a etnografia nos revela os segredos. A luta nas comunidades primitivas não é a guerra, pois mergulhadas na mitologia ela não alcança a objetividade da consciência histórica. (Philonenko: 36). 

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Para progredir na análise concreta da situação concreta (Lenin: 20), é necessário estabelecer as relações entre a cultura política do direito natural, o campo simbólico, a estrutura de dominação, e o campo das ideologias. Hoje, o Brasil tem uma estrutura de dominação que designo como <Brasil Profundo. (Bandeira da Silveira; 2021). O Brasil profundo é um campo político de dominação fazendo pendant com duas estruturas de dominação: a <sociedade de narcose> (Freud: 100) que é o suporte da Societat Sceleris. Trata-se de estruturas de dominação regidas por uma tela gramatical narrativa pós-moderna.

Para entender essa situação concreta recorro ao campo político russo do século XIX e início do século XX.  O campo pós-moderno substititui a guerra moderna pela guerra pós-moderna que já não é uma guerra civil, mas um fenômeno niilista:

“O niilismo descreve uma condição em que há uma disjunção entre nossa experiencia do mundo e o aparelho conceitual de que podemos dispor, e que herdamos, para interpretá-la”. (Ansell-Pearson: 48). Nos retirando da filosofia do sujeito. O niilismo aparece na situação concreta na qual chegasse ao grau zero da tela gramatical da região direita no campo político/estético. Uma longa citação de Alberto Camus vai orientar melhor o leitor:

“A primeira previdência de Nietzsche é aceitar aquilo que conhece. Para ele, o ateísmo é evidente., ele é <construtivo e radical>. A vocação superior de Nietzsche, se acreditamos nele, é provocar uma espécie de crise e de parada decisiva no problema do ateísmo. O mundo marcha para acaso, ele não tem finalidade. Logo, Deus é inútil, já que ele nada quer. Se quisesse alguma coisa, e aqui se reconhece a formulação tradicional do problema do mal, ser-lhe-ia necessário assumir <uma soma de dor e de ilogismo que diminuiria o valor total do devir>. Sabe-se que Nietzsche invejava publicamente Stendhal pela fórmula: <a única desculpa de Deus é que ele não existe. Privado da vontade divina, o mundo fica igualmente privado de unidade e finalidade. É por isso que o mundo não pode ser julgado. Todo juízo de valor emitido sobre o mundo leva finalmente à calúnia da vida. Julga-se apenas aquilo que é, em relação ao que deveria ser -reino do céu, ideias eternas ou imperativo moral. Mas o que devia ser não existe.; este mundo não pode ser julgado em nome de nada. <As vantagens desse tempo: nada é verdadeiro, tudo é permitido>. Essas fórmulas, que se repercutem em milhares de outras fórmulas, suntuosas ou irônicas, são suficientes em todo caso para demonstrar que Nietzsche aceita o fardo inteiro do niilismo e da revolta. Nietzsche põe um (...): < Problema: por quais meios se obteria uma fórmula rigorosa de niilismo completo e contagioso, que ensinaria e praticaria com um conhecimento inteiramente científico a morte voluntária”. (Camus: 87-88).    

O campo simbólico ocidental é o grande Outro, ou seja, Deus. Um campo político sem finalidade e vontade divina. A tela gramatical cristã desaparece do campo político europeu moderno da secularização. Ora, ele retorna como tela gramatical pós-moderna nas Américas do século XXI. O Estado pós-moderno não é a fórmula niilista no lugar da guerra ou pólemos?             

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O campo simbólico cristão tzarista se enfraqueceu como estrutura de dominação por causa do desenvolvimento do niilismo russo. O populismo russo já é um efeito do niilismo sobre o campesinato. (Tvardovskaia: cap. 2). A modernidade russa não é desenvolvida pelo liberalismo, apenas um apêndice ruim do tzarismo. Pllekhanov é o início molecular da cultura política marxista, isto é, da modernidade como campo de ideologias políticas como linguagem da vida real. (Plejanov: 153). Lenin será o desenvolvimento espetacular do marxismo russo como campo de ideologias. Tradução da cultura política, econômica, estética para o campo das ideologias políticas:

“A análise do regime econômico e social e, partindo da estrutura de classe da Rússia, que se apresenta nessa obra é baseada nas pesquisas econômicas e sobre um exame crítico e informações estatísticas, tudo se encontra confirmado atualmente pela ação política direta de todas as classes no curso da revolução. O papel dirigente do proletariado foi confirmado. Do mesmo modo, é confirmado que a força do proletariado no movimento histórico é infinitamente mais importante que sua parte no conjunto da população. O fundamento econômico desses dois fenômenos foi demonstrado nessa obra”. (Lenine: 19).  

 O fim da forma de governo tazarista cristã foi desintegrada pela s classes socais nacional/popular sob a direção do partido da socialdemocracia. Em 1917, Lenin viu a transição da revolução capitalista liberal política para uma revolução especificamente. Ele  pensava a partir do marxismo barroco e se guiava pela verdade histórica. o marxismo de Lenin é aluta de classe na teoria da modernidade russa. Tal fenômeno cria e recria a ciência política literária leninista de jogos de gramática da revolução socialista.  

“Mias é preciso saber aplicar [o marxismo]. Para saber o que significa exatamente essa verdade quando ela é aplicada a tal ou qual problema, é indispensável proceder a uma análise concreta da situação concreta e dos interesses das diferentes classes”. (Lenine: 20).

O que é a verdade da revolução social no século XX?

“os marxistas consideram que os homens têm como critério da verdade de seu conhecimento do mundo exterior a prática”. (Mao: 331).

O que é a prática para a ciência política literária? Ela se revela nos jogos de gramática da revolução social?

“Só quando o proletariado moderno aparece ao mesmo tempo que as relações técnicas de produção ciclópicas – da grande indústria – só assim os homens puderam alcançar uma compreensão histórica completa do desenvolvimento da sociedade e transformar esse conhecimento em uma ciência, a ciência marxista”. (Mao: 331).

Mao é a origem molecular da ciência política literária dos jogos de gramática marxistas. Se Lenin fabricou a tela gramatical  da revolução russa, Mao teceu a tela gramatical da revolução asiática nacional popular. O que é a prática maoista?

“A prática social dos homens não se limita a uma única atividade de produção; ele existe em outras formas: luta de classes, vida política, atividades científicas e artísticas; logo, enquanto social, o homem participa em todos os domínios da vida prática da sociedade”. (Mao: 330).

Observe leitor que Mao fala da prática cientifica e artística como dimensões da prática social da revolução asiática. Ele fala do general intellect gramatical como parte da direção política, intelectual e moral da sociedade de classes:

“A luta de classes é imanente à conexão interna e necessária da crítica da gramática do capital. D alei do valor se deduz que a força de trabalho não é só capital variável – a força de trabalho a serviço do proprietário do capital – que produz mais-valia; ela se constitui em uma classe social cuja existência encontra-se associada à revolução social, e teorias e práxis”. (Bandeira da Silveira. 2022: cap. 9).  

Na transição da época pós-moderna para atualidade, uma outra modernidade/moderna veem à luz a sociedade de classes que a tela gramatical pós-moderna escondera na superfície profunda da meia-noite sem luz natural do campo político ocidental. Assim, uma nova época de revolução social desponta no horizonte do fim do milênio pós-moderno.

 

ANSELL-PEARSON, Keith. Nietzsche como pensador político. RJ: Zahar, 1997

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Brasil Profundo. EUA: amazon, 2021  

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Gramática do general intelecto. EUA: amazon; 2022

CAMUS, Albert. O homem revoltado. RJ: Record, 1996e

DERRIDA, Jacques. Gramatologia. SP: Perspectiva, 1973

FAYE, Jean Pierre. La raison narrative. Paris: Balland, 1990

FREUD. Obras Completas. V. 21. 1974. O mal-estar da civilização. RJ: Imago,   

LACAN, Jacques. Le Seminaire. Livre 17. L’envers de la psychanalyse. Paris: Seuil, 1991

LENINE. Oeuvres. Le développement du capitalisme en russie. Paris/Moscou: Éditions Sociales/Éditions du Progrés, 1982

MAO TSE-Toung. Oeuvres Choises.l Tomo 1. Pekin: Éditions en langues Etrangeres, 1976on langues Etrangeres, 1976o

PHILONENKO, Alexis. Essais sur la philosop0hie de la guerre. Paris: J. Vrin, 1988

PLEJANOV. O padre do marxismo russo. Samuel H. Baron. Samuel H. Baron. Madrid: Siglo XXI, 1976

TVARDOVSKAIA, Valentina A. El populismo ruso. Madrid: Siglo XXI, 1978

        

       

              

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