José Paulo
No campo político/estético jurídico - da plurivocidade de
tela gramatical que o articula e o regula, há dois fenômenos protagonista:
hegemonikón e aparelho de Estado. Dois fenômenos descobertos e inventados na
cultura política econômica da antiguidade greco-romana: fundamento dos
<jogos de gramática> da cultura política econômica/constitucional/estética
da democracia ocidental.
<Hégémonie> é por analogia o hegemonikón estoico ou eu
político na cultura política/econômica/estética de toda e quaisquer
civilizações modernas do passado e do presente. Ele é um fenômeno que se refere
ao indivíduo (Benveniste: 10) soberano [que produz ideias políticas e práticas,
enfim, gramática para um hipertexto da democracia constitucional] na cultura
política democrático do passado e do presente.
O aparelho de Estado inventado pelos gregos (Engels:120) ´é o
eu da legislação penal no campo político/estético. Ele organiza a sociedade de
classes sociais [e da multidão moderna] na superfície profunda da cultura
política econômica/estética. Assim, o Estado não é o Estado weberiano (Giddens:
45) do monopólio da força física e da legitimidade no campo político.
Então o que é o Estado da civilização moderna?
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Hegemonikón (Elorduy:26) é a estrutura de dominação
não-violenta, por analogia com a ideia/prática de <autoridade> da
gramática da cultura política, econômica, jurídica, estética, de Roma, estudado
por Hannah Arendt:
“visto que a autoridade sempre exige obediência, ela é
comumente confundida como alguma forma de poder ou violência. Contudo, a
autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção: onde a força é
usada, a autoridade em si mesmo fracassou. A autoridade, por outro lado, é
incompatível com a persuasão, a qual pressupõe igualdade e opera mediante um
processo de argumentação. Onde se utilizam argumentos, a autoridade é colocada
em suspenso. Contra a ordem igualitária da persuasão ergue-se a ordem autoritária,
que é sempre hierárquica. Se a autoridade deve ser definida de alguma forma,
deve sê-lo, então, tanto em contraposição à coerção pela força como à persuasão
através de argumentos”. (Arendt: 129).
Como legislação penal, o parelho de Estado moderno é, também
jogos de gramática da cultura política..., e não apenas violência pura, coerção
violenta, pois, a legislação penal existe no campo simbólico, não é apenas a
emergência do real do campo político na vida em geral:
“Le philosophe n’aurait-il pas le droit de s’élever au-dessus
de la foi qui régit la grammaire? Tous nos respects aux governantes; mais ne
serait-il pas temps pour la philosophie d’abjurer la foi des gouvernantes?”.
(Nietzsche: 54).
Nietzsche fala de um campo simbólico como governo da
gramática sobre o filósofo, e, também, sobre a filosofia a partir da fé na tela gramatical da política;
e, claro, por tabela, governo montado na fé do homem comum, do homem, mulher e criança na tela
gramatical.
O aparelho de Estado é coerção violenta, mas coerção regida
por uma tela gramatical/legislação penal. Esta pode existir como poder - ou cesarista/tirânico, ou oligárquico, ou
democrático.
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Freud errou ao dizer que o fantasma ou fantasia virtual no
campo político do indivíduo é Um. Não é isso. Tanto o campo político do
indivíduo como campo político da polis (fantasia ou objeto real) são unificados
por uma plurivocidade de tela gramatical da fantasia/estética. Dou um exemplo
no campo do indivíduo.
A primeira fantasia da instituição família aparece como
Xantipa [mulher de Sócrates]. Ela é o fantasma da chatice universal. O segundo
fantasma institucional é Madame de Bovary, que aparece como o inferno universal
da sexualidade amorosa. Outros fantasmas existem a partir do corpo do homem. O
patriarcado é o fantasma como aparelho de Estado da violência pessoal contra a
mulher e os filhos. O fantasma pilota a plurivocidade de tela gramatical
estética na alma/corpo que invade o campo político da polis.
É prudente evitar todo e qualquer realismo sedutor na ciência
política literária? Tal exigência evoca a retomada do <conceito> campo
simbólico na ciência política dos jogos de gramática:
“’Os signos da língua são totalmente arbitrários, ao passo
que em certas demonstrações de polidez (...) perderão esse caráter arbitrário
para conciliarem com o símbolo (...). A natureza do símbolo consiste em nunca
ser completamente arbitrária; o símbolo não é vazio. Existem elementos de
ligação entre ideia e signo, símbolo. Balança símbolo da justiça’”. (Todorov:
367).
O símbolo é um signo com ideia, como o fato só existe com
teoria, com gramática. O campo do simbólico é constituído de signo com ideia e
fato com teoria. Ele é a plurivocidade de tela gramatical no campo
político/estético. Todorov fala de Saussure:
“Enfim, nos seus cursos de linguística geral, ele admite a
existência da semiologia e, portanto, de outros signos que não os linguísticos,
mas essa afirmação acha-se instantaneamente limitada pelo fato de a semiologia
dedicar-se a uma única espécie de signos: os que são arbitrários como os
linguísticos. Não há lugar para o simbólico em Saussure”. (Todorov: 369).
Todorov deixa, por analogia com a ciência literária, entrever
uma <ciência política literária>:
“Desde seu primeiro texto sobre a literatura Jakobson
escreve:’ O objeto da ciência literária não é a literatura, mas a literalidade
...Se os estudos literários querem se tornar ciência, devem reconhecer o processo
como seu único ‘personagem’”. (Todorov: 376).
Ora:
“o discurso científico deve dar conta dos fatos observados,
mas não tem como finalidade a descrição dos fatos em si. O estudo da
literatura, a que Jakobson chamará mais tarde poética, terá como objeto não as
obras, mas os <processos> literários”. (Todorov: 376-77).
A ciência política literária trabalha com o processo no campo
político, processo ordenado e regulado pela plurivocidade da tela gramatical
narrativa. O processo político é tomado por abstração:
“O segundo é o dos ‘estetas’: protestam contra o sacrilégio
assim que se começa a falar de abstração, arriscando-se desse modo a obliterar
a preciosa singularidade da obra de arte. Esquecem que o individual é inefável:
entra-se na abstração quando se aceita falar. Não se escolhe fazer uso ou não de
categorias abstratas, mas somente fazê-lo com conhecimento de causa ou não”.
(Todorov: 377).
A semântica é um dos componentes dos jogos de gramática.
(Greimas: 394). O fundamental é evitar a ideia de referente do realismo ingênuo
na ciência política literária dos jogos de gramática:
‘No interior do nível figurativo do discurso, convém se
distingam dois patamares, o da figuração e o da iconização. Enquanto a
figuração consiste na disposição, ao longo do discurso, de um conjunto de
figuras (cf. as figuras nucleares, os esquemas de G. Bachelard, os desenhos
infantis etc.), a iconização procura, num estágio mais avançado, ‘vestir’ essas
figuras, torná-las semelhantes à <realidade>, criando assim a ilusão
referencial”. (Greimas: 398).
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Hans Kelsen escreve sobre a tela
gramatical/normativa/narrativa da democracia (Kelsen: cap. 10) na cultura
política... nacional-popular/cosmopolita. A tela da democracia faz pendant com
a forma de governo e sua concepção política de vida. Na época da nova
moderníssima democracia, a tela gramatical democrática faz uma luta ciclópica
com as outras telas pela hegemonia como estrutura de dominação de uma
civilização democrática. A concepção
política da tela em tela tem um funcionamento simples e elegante:
“Por isso, o
relativismo é a concepção do mundo pressuposto na ideia de democracia. A
democracia julga da mesma maneira a vontade política de cada um, assim como
respeita igualmente a cada ideologia política, cada opinião política cuja
expressão, aliás, é a vontade política. Por isso a democracia dá a cada
convicção política a mesma possibilidade de exprimir-se e de buscar conquistar
o ânimo dos homens através da livre concorrência. Por isso, o procedimento
dialético adotado pela assembleia popular ou pelo parlamento na criação das
normas, procedimento esse que se desenvolve através de discursos e réplicas,
foi oportunamente reconhecido como democrático”. (Kelsen: 105-06).
O saber democrático pressuposto é uma descoberta e invenção
gramatical de várias civilizações, na história, mas nosso objeto ou fantasia
real é a civilização ocidental. A tela democrática é a conciliação do campo
político do indivíduo com o campo político da polis. Kelsen diz que os agentes de produção da tela
democrática são, ou a assembleia popular, ou o parlamento. No Brasil o STF
invadiu o campo político e passou a ser um agente de recriação da plurivocidade
de tela democrática/1988.
Segue:
“O domínio da maioria, característico da democracia,
distingue-se de qualquer outro tipo de domínio não só porque, segundo a sua
essência mais intima, pressupõe por definição uma oposição – a minoria – mas
também porque reconhece politicamente tal oposição e a protege com os direitos
e liberdades fundamentais”. (Kelsen: 106).
Na democracia pós-moderna, um partido mafioso da meia-noite
da superfície profunda do Ocidente se constitui como vontade política de
desintegrar a democracia, se aproveitando do ocaso dessa forma de tela
gramatical pós-moderna. A nova moderna democracia se choca com o poder
pós-moderno mafioso. Daí surge a crise catastrófica entre pós-modernidade
cesarista/tirânica e a nova modernidade democrática:
“O aspecto da crise moderna que se lamenta como ‘onda de
materialismo’ está ligado ao que se chama de ‘crise de autoridade’. Se a classe
dominante perde o consenso, isto é, não é mais ‘dirigente’, mas unicamente ‘dominante’,
detentora de pura força coercitiva, isto significa exatamente que as grandes
massas se destacaram das ideologias tradicionais, não acreditam mais no que antes
acreditavam etc. A crise consiste justamente no fato de que o velho morre e o
novo não pode nascer; nesse interregno, verificam-se os fenômenos monstruosos
mais variados”. (Gramsci: 187).
A crise catastrófica é aquela da foraclusão da estrutura de
dominação do hegemonikon do campo político a curto prazo e da cultura política
nacional/popular democrática a longo prazo; a crise se atualiza com a classe dominante mafiosa em aliança
com classes médias mafiosas pós-modernas querendo governar somente pela tela gramatical
do aparelho de Estado/legislação penal: dominação puro sangue.
Os fenômenos monstruosos abriram as comportas sujas do mundo
para a existência de uma realidade heteróclita, que fascina os mass media e políticos.
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. SP: Perspectiva,
1988
BENVENISTE, Émile. Le vocabulaire des instituitions
indo-européennes. V. 1. Paris: Minuit, 1969
ELORDUY, Eleuterio. El estoicismo. Tomo 2. Madrid: Gredos,
1972--
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade
privada e do Estado. RJ: Civilização Brasileira, 1974
GIDDENS, Anthony. O Estado-nação e a violência. SP: EDUSP.
2001
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. V. 3. RJ: Civilização
Brasileira, 2014
GREIMAS E Courtés. Dicionário de semiótica. SP: Cultrix, 1979
KELSEN, Hans. A democracia. SP: Martins Fontes, 1993
NIETZSCHE. Par-delà bien et mal. Paris: Gallimard, 1971
TODOROV, Tzvetan. Teorias do símbolo. Campinas: Unicamp, 1996
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