sábado, 30 de março de 2024

crítica da nova moderna democracia

 

José Paulo 

 

No campo político/estético jurídico - da plurivocidade de tela gramatical que o articula e o regula, há dois fenômenos protagonista: hegemonikón e aparelho de Estado. Dois fenômenos descobertos e inventados na cultura política econômica da antiguidade greco-romana: fundamento dos <jogos de gramática> da cultura política econômica/constitucional/estética da democracia ocidental.

<Hégémonie> é por analogia o hegemonikón estoico ou eu político na cultura política/econômica/estética de toda e quaisquer civilizações modernas do passado e do presente. Ele é um fenômeno que se refere ao indivíduo (Benveniste: 10) soberano [que produz ideias políticas e práticas, enfim, gramática para um hipertexto da democracia constitucional] na cultura política democrático do passado e do presente.    

O aparelho de Estado inventado pelos gregos (Engels:120) ´é o eu da legislação penal no campo político/estético. Ele organiza a sociedade de classes sociais [e da multidão moderna] na superfície profunda da cultura política econômica/estética. Assim, o Estado não é o Estado weberiano (Giddens: 45) do monopólio da força física e da legitimidade no campo político.  

Então o que é o Estado da civilização moderna?

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Hegemonikón (Elorduy:26) é a estrutura de dominação não-violenta, por analogia com a ideia/prática de <autoridade> da gramática da cultura política, econômica, jurídica, estética, de Roma, estudado por Hannah Arendt:

“visto que a autoridade sempre exige obediência, ela é comumente confundida como alguma forma de poder ou violência. Contudo, a autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção: onde a força é usada, a autoridade em si mesmo fracassou. A autoridade, por outro lado, é incompatível com a persuasão, a qual pressupõe igualdade e opera mediante um processo de argumentação. Onde se utilizam argumentos, a autoridade é colocada em suspenso. Contra a ordem igualitária da persuasão ergue-se a ordem autoritária, que é sempre hierárquica. Se a autoridade deve ser definida de alguma forma, deve sê-lo, então, tanto em contraposição à coerção pela força como à persuasão através de argumentos”. (Arendt: 129).

Como legislação penal, o parelho de Estado moderno é, também jogos de gramática da cultura política..., e não apenas violência pura, coerção violenta, pois, a legislação penal existe no campo simbólico, não é apenas a emergência do real do campo político na vida em geral:

“Le philosophe n’aurait-il pas le droit de s’élever au-dessus de la foi qui régit la grammaire? Tous nos respects aux governantes; mais ne serait-il pas temps pour la philosophie d’abjurer la foi des gouvernantes?”. (Nietzsche: 54).

Nietzsche fala de um campo simbólico como governo da gramática sobre o filósofo, e, também, sobre a filosofia a partir da fé na tela gramatical da política; e, claro, por tabela, governo montado na fé do homem comum, do homem, mulher e criança na tela gramatical.         

O aparelho de Estado é coerção violenta, mas coerção regida por uma tela gramatical/legislação penal. Esta pode existir como poder - ou  cesarista/tirânico, ou oligárquico, ou democrático.     

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Freud errou ao dizer que o fantasma ou fantasia virtual no campo político do indivíduo é Um. Não é isso. Tanto o campo político do indivíduo como campo político da polis (fantasia ou objeto real) são unificados por uma plurivocidade de tela gramatical da fantasia/estética. Dou um exemplo no campo do indivíduo.

A primeira fantasia da instituição família aparece como Xantipa [mulher de Sócrates]. Ela é o fantasma da chatice universal. O segundo fantasma institucional é Madame de Bovary, que aparece como o inferno universal da sexualidade amorosa. Outros fantasmas existem a partir do corpo do homem. O patriarcado é o fantasma como aparelho de Estado da violência pessoal contra a mulher e os filhos. O fantasma pilota a plurivocidade de tela gramatical estética na alma/corpo que invade o campo político da polis.

É prudente evitar todo e qualquer realismo sedutor na ciência política literária? Tal exigência evoca a retomada do <conceito> campo simbólico na ciência política dos jogos de gramática:

“’Os signos da língua são totalmente arbitrários, ao passo que em certas demonstrações de polidez (...) perderão esse caráter arbitrário para conciliarem com o símbolo (...). A natureza do símbolo consiste em nunca ser completamente arbitrária; o símbolo não é vazio. Existem elementos de ligação entre ideia e signo, símbolo. Balança símbolo da justiça’”. (Todorov: 367).

O símbolo é um signo com ideia, como o fato só existe com teoria, com gramática. O campo do simbólico é constituído de signo com ideia e fato com teoria. Ele é a plurivocidade de tela gramatical no campo político/estético. Todorov fala de Saussure:

“Enfim, nos seus cursos de linguística geral, ele admite a existência da semiologia e, portanto, de outros signos que não os linguísticos, mas essa afirmação acha-se instantaneamente limitada pelo fato de a semiologia dedicar-se a uma única espécie de signos: os que são arbitrários como os linguísticos. Não há lugar para o simbólico em Saussure”. (Todorov: 369).

Todorov deixa, por analogia com a ciência literária, entrever uma <ciência política literária>:

“Desde seu primeiro texto sobre a literatura Jakobson escreve:’ O objeto da ciência literária não é a literatura, mas a literalidade ...Se os estudos literários querem se tornar ciência, devem reconhecer o processo como seu único ‘personagem’”. (Todorov: 376).

Ora:

“o discurso científico deve dar conta dos fatos observados, mas não tem como finalidade a descrição dos fatos em si. O estudo da literatura, a que Jakobson chamará mais tarde poética, terá como objeto não as obras, mas os <processos> literários”. (Todorov: 376-77).

A ciência política literária trabalha com o processo no campo político, processo ordenado e regulado pela plurivocidade da tela gramatical narrativa. O processo político é tomado por abstração:

“O segundo é o dos ‘estetas’: protestam contra o sacrilégio assim que se começa a falar de abstração, arriscando-se desse modo a obliterar a preciosa singularidade da obra de arte. Esquecem que o individual é inefável: entra-se na abstração quando se aceita falar. Não se escolhe fazer uso ou não de categorias abstratas, mas somente fazê-lo com conhecimento de causa ou não”. (Todorov: 377).

A semântica é um dos componentes dos jogos de gramática. (Greimas: 394). O fundamental é evitar a ideia de referente do realismo ingênuo na ciência política literária dos jogos de gramática:

‘No interior do nível figurativo do discurso, convém se distingam dois patamares, o da figuração e o da iconização. Enquanto a figuração consiste na disposição, ao longo do discurso, de um conjunto de figuras (cf. as figuras nucleares, os esquemas de G. Bachelard, os desenhos infantis etc.), a iconização procura, num estágio mais avançado, ‘vestir’ essas figuras, torná-las semelhantes à <realidade>, criando assim a ilusão referencial”. (Greimas: 398).

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Hans Kelsen escreve sobre a tela gramatical/normativa/narrativa da democracia (Kelsen: cap. 10) na cultura política... nacional-popular/cosmopolita. A tela da democracia faz pendant com a forma de governo e sua concepção política de vida. Na época da nova moderníssima democracia, a tela gramatical democrática faz uma luta ciclópica com as outras telas pela hegemonia como estrutura de dominação de uma civilização democrática.   A concepção política da tela em tela tem um funcionamento simples e elegante:

 “Por isso, o relativismo é a concepção do mundo pressuposto na ideia de democracia. A democracia julga da mesma maneira a vontade política de cada um, assim como respeita igualmente a cada ideologia política, cada opinião política cuja expressão, aliás, é a vontade política. Por isso a democracia dá a cada convicção política a mesma possibilidade de exprimir-se e de buscar conquistar o ânimo dos homens através da livre concorrência. Por isso, o procedimento dialético adotado pela assembleia popular ou pelo parlamento na criação das normas, procedimento esse que se desenvolve através de discursos e réplicas, foi oportunamente reconhecido como democrático”. (Kelsen: 105-06).            

O saber democrático pressuposto é uma descoberta e invenção gramatical de várias civilizações, na história, mas nosso objeto ou fantasia real é a civilização ocidental. A tela democrática é a conciliação do campo político do indivíduo com o campo político da polis.  Kelsen diz que os agentes de produção da tela democrática são, ou a assembleia popular, ou o parlamento. No Brasil o STF invadiu o campo político e passou a ser um agente de recriação da plurivocidade de tela democrática/1988. 

Segue:

“O domínio da maioria, característico da democracia, distingue-se de qualquer outro tipo de domínio não só porque, segundo a sua essência mais intima, pressupõe por definição uma oposição – a minoria – mas também porque reconhece politicamente tal oposição e a protege com os direitos e liberdades fundamentais”. (Kelsen: 106).

Na democracia pós-moderna, um partido mafioso da meia-noite da superfície profunda do Ocidente se constitui como vontade política de desintegrar a democracia, se aproveitando do ocaso dessa forma de tela gramatical pós-moderna. A nova moderna democracia se choca com o poder pós-moderno mafioso. Daí surge a crise catastrófica entre pós-modernidade cesarista/tirânica e a nova modernidade democrática:

“O aspecto da crise moderna que se lamenta como ‘onda de materialismo’ está ligado ao que se chama de ‘crise de autoridade’. Se a classe dominante perde o consenso, isto é, não é mais ‘dirigente’, mas unicamente ‘dominante’, detentora de pura força coercitiva, isto significa exatamente que as grandes massas se destacaram das ideologias tradicionais, não acreditam mais no que antes acreditavam etc. A crise consiste justamente no fato de que o velho morre e o novo não pode nascer; nesse interregno, verificam-se os fenômenos monstruosos mais variados”. (Gramsci: 187).   

A crise catastrófica é aquela da foraclusão da estrutura de dominação do hegemonikon do campo político a curto prazo e da cultura política nacional/popular democrática a longo prazo; a crise se atualiza   com a classe dominante mafiosa em aliança com classes médias mafiosas pós-modernas querendo governar somente pela tela gramatical do aparelho de Estado/legislação penal: dominação puro sangue.

Os fenômenos monstruosos abriram as comportas sujas do mundo para a existência de uma realidade heteróclita, que fascina os mass media e políticos.

 

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. SP: Perspectiva, 1988

BENVENISTE, Émile. Le vocabulaire des instituitions indo-européennes. V. 1. Paris: Minuit, 1969

ELORDUY, Eleuterio. El estoicismo. Tomo 2. Madrid: Gredos, 1972--

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. RJ: Civilização Brasileira, 1974

GIDDENS, Anthony. O Estado-nação e a violência. SP: EDUSP. 2001

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. V. 3. RJ: Civilização Brasileira, 2014

GREIMAS E Courtés. Dicionário de semiótica. SP: Cultrix, 1979

KELSEN, Hans. A democracia. SP: Martins Fontes, 1993

NIETZSCHE. Par-delà bien et mal. Paris: Gallimard, 1971

TODOROV, Tzvetan. Teorias do símbolo. Campinas: Unicamp, 1996

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