quinta-feira, 28 de março de 2024

Posmodernidade - tela gramatical mafiosa

 

José Paulo 

 

Após passar décadas em uma clareira heideggeriana, consegui sair na floresta do <além da época posmoderna. Pensar a pós-modernidade, como o anjo barroco que voa para frente olhando para trás, eis o que devo fazer.

A pós-modernidade se torna uma época no período histórico da globalização neoliberal. Nessa época, todas as ideias pós-modernas encontram seu corpo político na economia, política e cultura. A desintegração das fronteiras entre os campos da economia, política e cultura avança rapidamente. Se abordou a pós-modernidade a partir de vários prismas.  Até marxismo pós-moderno se desenvolveu na época pós-moderna. Então, partindo dos pós-modernos e da realidade posmoderna “o trem que volta é o mesmo trem da partida”.

A época pós-moderna se caracteriza pela tela gramatical pós-moderna em um campo político/estético no qual a arte desaparece, segundo a profecia de Heidegger. Aí há uma tela gramatical estética de poesia sem arte. Porém, a característica fundante da época em questão é a produção de ideias mafiosas em uma tela gramatical de controle total das almas intelectuais em um campo político/estético mafioso. Na época pós-moderna, o monopólio das ideias mafiosas e de práticas mafiosas se tornaram o fenômeno hegemônico da história que se encerra. Antes de ir adiante, não há com o ignorar que o próprio capital financeiro se tornou um fenômeno mafioso fazendo pendant com a estrutura de dominação mafiosa da sociedade de comunicação de massa.      

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O mais inocente dos filósofos parisienses desintegrou a fronteira entre o público e o privado:

“o Estado, que é o Estado da classe dominante, não é nem público nem privado, ele é ao contrário a condição de toda distinção entre o público e o privado. Digamos a mesma coisa partindo dos nossos Aparelhos Ideológicos do Estado. Pouco importa se as instituições que s constituem sejam <públicas> ou <privadas>. O que importa é o seu funcionamento. Instituições privadas podem perfeitamente <funcionar> como Aparelhos Ideológicos do Estado. Seria suficiente uma análise um pouco mais profunda de qualquer dos AIE para mostrá-lo”. (Althusser. 1976: 84).  

A ideia do Estado integral de Althusser [e Gramsci] é uma ideia dos intelectuais mafiosos fascistas. Ela desintegra a separação entre sociedade civil e Estado, ela faz desaparecer a sociedade civil no interior do campo do Estado mafioso fascista. O marxismo-leninismo [estalinismo] de Althusser é a guerra civil mafiosa aberta da luta de classe mafiosa na teoria. (Althusser. 1973:41). O stalinismo não foi a luta de classe mafiosa do Estado totalitário da URSS para desintegrar a resistência do campesinato ao grande capital industrial stalinista e, também, dissolver a tela gramatical barroca do marxismo barroco de Lenin e Bukharin?

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O campo político da posmodernidade foi descrito por Baudrillard:

“O transpolítico é a transparência e a obscenidade de todas as estruturas em um universo desestruturado, a transparência e a obscenidade da mudança em um universo desistorizado, a transparência e a obscenidade da informação em um universo sem acontecimento, a transparência e a obscenidade do espaço na promiscuidade dos canais, a transparência e a obscenidade do social nas massas, de político no terror [...]... Fim da cena do político, fim da cena do fantasma, fim da cena do corpo – irrupção do obsceno. Fim do segredo – irrupção da transparência”. (Baudrillard. 1983: 29).

O transpolítico não é a tela gramatical pós-moderna da política mafiosa?  

A crítica da modernidade:

“É o astro frio do social, em torno de cuja massa a história arrefece. Os acontecimentos sucedem-se e neutralizam-se na indiferença. Neutralizadas, falsificadas, pela informação, as massas, por seu turno, neutralizam a história e funcionam como ecrã de absorção”. (Baudrillard. 1992:11).

As massas não se tornam a tela [ecrã] gramatical pós-moderna mafiosa da política na soberania popular e na rua? Por tal fato, Bolsonaro se elegeu presidente e por um triz não se reelegeu. A tela gramatical pós-moderna ordena que as massas mafiosas bolsonaristas tomem a rua. É o canto do cisne da pós-modernidade no nosso campo político como grau zero da estética.   

Segue, as massas:

“Elas próprias não têm história, não têm sentido, não têm consciência, não têm desejo. São resíduos potencial de toda a história, de todo o sentido, de todo o desejo. Todas estas belas coisas, manifestando-se na nossa modernidade, fomentaram uma contrapartida misteriosa, cujo desconhecimento desorganiza actualmente todas as estratégias políticas e sociais”. (Baudrillard. 1992: 11).

Para o leitor não permanecer na escuridão, falo das nossas massas pós-modernas. O PT e o lulismo foram engolfados pelo pós-modernismo mafioso e as massas deles eram formas transpolíticas que desapareceram no além da época pós-moderna. Hoje, o PT e o governo lulista não são capazes de levar à rua as antigas massas mafiosas pós-modernas.    

As massas petistas foram as massas da gramática do simulacro de simulação. O PT e o lulismo detinham um controle absoluto sobre elas:

“- simulacros de simulação, baseados na informação, no modelo, no jogo cibernético – operacionalidade total, hiper-realidade, objetivo de controle total”. (Baudrillard. 1981: 177).

A nossa nova modernidade começa com a multidão barroca de junho de 2013, sem controle total e absoluto: do governo Dilma Rousseff; da oligarquia política da meia-noite pós-moderna que controla o Congresso; e da estrutura de dominação mafiosa dos mass media. 2013 é o choque traumático da nova modernidade com a velha pós-modernidade. Uma crise catastrófica na qual o velho não quer morrer e procura desintegrar o novo que nasce. Dilma Rousseff fez uma legislação penal de exceção mafiosa para encarcerar os líderes da multidão da nova modernidade-manifestantes de junho de 2013.         

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O campo político do indivíduo [se tomado pelo simulacro de simulação] é abdicação da verdade na realidade realmente existente:

“bastara olhar-me de frente, para logo me conhecer a fundo, sem que eu me sirva das palavras, que são a imagem sincera do pensamento. Não existe em mim simulação alguma, mostrando-me wu por fora o que sou no coração”. (Erasmo: 16).

Erasmo descreveu a gramática da tirania/cesarismo fascista, antecipou:

“E, depois de tudo quanto dissemos, será possível decantar a célebre máxima de Platão, se3gundo a qual ‘as repúblicas seriam felizes se governadas pelos filósofos ou se os príncipes filosofassem’? Tenho a honra de vos dizer que a coisa é justamente o oposto. Se consultardes os historiadores, verificareis, sem dúvida, que os príncipes mais nocivos à república foram os que amaram as letras e a filosofia. Parece-me que os dois Catões bastam como prova do que afirmo.: um perturbou a tranquilidade de Roma com numerosas delegações estúpidas, e o outro, por ter querido defender com excessiva sabedoria os interesses da república, destruindo pela base a liberdade do povo romano”. (Erasmo: 42).

Leo Strauss fala da tirania/cesarismo fascista se desenvolvendo com concepção política de mundo [ideologia como vontade de poder] e ciência política mafiosa. (Strauss: 38).

O marxismo-leninismo se desintegrou na década de 1990:

“Agora os espectros de Marx. (mas agora sem conjuntura. Um agora desajuntado ou desajustado. <Out of joint>, um agora desencaixada que sempre corre o risco de nada manter junto, na firme conjunção de algum contexto, cujas bordas seriam ainda determináveis”. (Derrida. 1993: 21).

Há um tempo pós-moderno mafioso?

“O que se diz aqui do tempo é válido também, por conseguinte, ou por isso mesmo, para a história, mesmo se esta última pode consistir em consertar, nos efeitos de conjuntura, e se trata aqui do mundo, a disjunção temporal: The time is out joint, o tempo está desarticulado, demitido, desconjuntado, deslocado, o tempo está desconcertado, consertado e desconcertado, desordenado, ao mesmo tempo desregrado e louco. O mundo está fora dos eixos, o mundo se encontra deportado, fora de si mesmo, desajustado”. (Derrida. 1993:42).      

O tempo louco mafioso é o tempo político da tela gramatical pós-moderna no campo político da cultura política econômica estética com cosmopolitismo.  

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A posmodernidade mafiosa   existe em uma tela gramatical de juízo de gosto cínico:

“O meio ambiente no qual se desenvolve o cinismo da nova época se encontra na cultura urbana como na esfera cortesã [...]. Tanto em um caso como no outro, em cabeças cosmopolitas e inteligentes se vai acumulando um saber mundano que se move elegantemente entre fatos desnudos e fachadas convencionais. Desde o mais baixo, isto é, desde a inteligência urbana e desclassificada, e desde o mais alto, isto é, as cúpulas da consciência política, chegam sinais ao pensamento formal, sinais que dão testemunho de uma radical ironização da ética e de conveniências sociais; algo assim como as leis gerais só existirem para os otários, os tontos, enquanto nos lábios dos espertos quínicos se esboça essa sonrisa fatalmente inteligente. Dito de modo mais exato são os poderosos que sorriem, enquanto os plebeus quínicos deixam ouvir uma gargalhada satírica. No amplo espaço do saber cínico os extremos se tocam [...]”. (Sloterdijk: 32).     

A tela gramatical cínica é aquela do presidencialismo tirânico/cesarista do riso brutalista do hegemonikón  da meia-noite sem luz natural ou artificial- tendo com objeto o outro. a ética cínica tirânica é proteger o amigo e prejudicar o outro.

O campo político pós-moderno mafioso tem no cinismo um fenômeno que modela falas, atos e práticas da classe média de guerra civil mafiosa. Assim, a consciência cínica revela que a realidade política, social, econômica e cultural tem como proprietário um poder mafioso irrevogável, um Estado mafioso e formas de governo nacional e local mafiosos.  

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A tela gramatical cínica mafiosa da socialdemocracia cristã criou um tribunal político mafioso de Estado italiano que julgou e assassinou o dirigente da política Aldo Moro:

“Todos os grupúsculos terroristas secretos são organizados e dirigidos por uma hierarquia que permanece clandestina para os próprios militantes na clandestinidade, o que reflete perfeitamente a divisão do trabalho e dos papéis próprios desta organização social: na cúpula decide-se e na base executa-se. A ideologia e a disciplina militar protegem os verdadeiros chefes de todos os riscos, e a base de toda suspeita. Qualquer serviço secreto pode inventar uma sigla <revolucionária> e levar a cabo um certo número de atentados, que a imprensa se encarregará de propagandear, e a partir dos quais lhe será fácil formar um pequeno grupo de militantes ingênuos, que dirigirá com a maior das facilidades”. (Sanguinetti: 64).

O Estado mafioso italiano criou um grupo terrorista que obedecia as ordens táticas do tribunal político mafioso de Estado. Tal conspiração assassinou Aldo Moro. A estrutura de domi8nação mafiosa dos mass media difundiram a narrativa da polícia secreta mafiosa sobre o caso Aldo Moro.      

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O livro de Salvatore Lupo esboça a gramática da cultura política econômica mafiosa. A máfia aparece como uma espécie de <indústria da violência> (Lupo: 29), capital da violência organizada privada enraizada na sociedade italiana. Onde ela existe, crime e Estado se confundem; sociedade civil e sociedade política se tornam fumos machadianosdeassis, fenômenos que se desintegram na cultura política econômica/estética mafiosa.

A história da máfia sofreu mudanças, seja na Itália, seja nos EUA. Mas a estrutura original é essa:

“A unidade elementar da organização, chamada na Sicília do século XIX por nomes do tipo quadrilha, rede, partido, sociedade, irmandade, nos EUA é chamada então família. Nos fatos, tanto no caso palermitano como no nova-iorquino, a família de máfia corresponde pouco à família de sangue, e tanto na América como na Sicília, ontem como hoje, pode ocorrer que, apesar das ideologias familiares nos conflitos inframafiosos, pais e filhos, irmãos e irmãos, encontram-se em correntes opostas e se matem entre si”. (Lupo: 40).

A máfia aparece como apogeu da cultura política do homem patriarcal civil e privada - em armas. A máfia aparece também como um ordenamento jurídico:

“Segundo Romano, a Máfia seria então um ‘ordenamento jurídico’ e um dos muitos ordenamentos fáticos que os grupos organizados formam nas dobras do tecido social. Em alguns casos esses ordenamentos são declarados ilegais – ‘Uma sociedade revolucionária ou uma associação para delinquir não constituirão direito para o Estado que elas querem derrubar ou cujas leis elas violam, do mesmo modo que uma seita cismática é declarada antijurídica pela Igreja’- sem que isso mude a substancia do fato, e sem que possa mudá-la o juízo ético, positivo ou negativo, sobre a finalidade e sobre os métodos dos grupos em questão Em outros casos, sempre segundo Romano, o Estado será indiferente aos outros ordenamentos, por não considerá-los prejudiciais ou concorrentes ao seu próprio”. (Lupo: 54).     

Na Itália, como nos EUA, a gramática mafiosa levou à alteração profunda do Estado nacional? A gramática mafiosa é aquela da economia ilegal generalizada em toda a sociedade (Lupo: 410), e a quebra do monopólio da violência do Estado. Há um efeito da cultura política jurídica mafiosa na sociologia política foucaultiana cínica londrina:

“Um Estado pode ser definido como uma organização política cujo domínio é territorialmente organizado e capaz de acionar os meios de violência para sustentar esse domínio. Tal definição é próxima daquela de Weber, mas não destaca uma reivindicação ao monopólio dos meios de violência ou o fator de legitimidade”. (Giddens: 45).

A gramática da máfia virtual se atualiza na sociedade de classes sociais como parte das classes médias ocidentais. Esse fato nos leva para a relação ente ilegalidades e classe média como motor da desintegração das fronteiras da modernidade como publico e privado, Estado legal e ilegal, justo e injusto, legítimo e ilegítimo etc.

 

ALTHUSSER, Louis. Réponse a John Lewis. Paris: Maspero, 1973

ALTHUSSER, Louis. Positions. Idéologie et appareils idéologiques d’Etat. Paris: Editions Sociales, 1976

BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et Simulation. Paris: Galilée, 1981

BAUDRILLARD, Jean. Les stratégies fatales. Paris: Grasset, 1983

BAUDRILLARD, Jean. A ilusão do fim. A greve dos acontecimentos. Lisboa: Terramar, 1992

DERRIDA, Jacques. Spectres de Marx. Paris: Galilée, 1993

ERASMO DE ROTTERDAM. Elogia da loucura. Pensadores. SP: Abril Cultural, 1972

GIDDENS, Anthony. O Estado-nação e a violência. SP: EDUSP: 2001

LUPO, Salvatore. História da Máfia. SP: UNESP, 2002    

 SANGUINETTI, Gianfranco. Do terrorismo e do Estado. Lisboa: Antigona, 1981

SLOTERDIJK, Peter. Crítica de la razón cínica. Vol. 1. Madrid: Taurus, 1989

STRAUSS, Leo. De la tyrannie. Paris: Gallimard, 1997    

 

 

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