sexta-feira, 22 de março de 2024

Forma de governo, guerra e política

 

José Paulo 

 

Jeremy Scahill usa a expressão <guerras sujas- o mundo é um campo de batalha>. O 11 de setembro de 2021 já foi esquecido. Mas a partir dele, o neoconservadorismo americano fez do assassinato político sua arma política secreta na geopolítica mundial.

O assassinato político pelas instituições estatais {CIA a frente} tem uma história anterior ao 11 de setembro, pois, os EUA liberaram para o campo da direita de países amigos o assassinato de líderes de países inimigos [e o assassinato em seus próprios países] desde a década de 1950. 

Bush filho e os neoconservadores foram a plebe rude foucaultiana da transformação da forma de governo americana. No lugar da democracia americana representativa clássica, presidencialista-republicana, a plebe rude fabricou uma forma de governo neogrotesca, mafiosa, tirânica/cesarista representativa com a aliança e unidade do governo, Senado, e Suprema Corte.

 A partir daí, o capital americano e os presidentes da República aparecem como efeito dessa forma de governo. O Próprio presidente Obama [o anjo negro da América} conduziu pessoalmente os membros do Seals que assassinaram Osama Bin Laden. Ele deu a ordem em tempo real cibernético. Essa ordem foi o canto do cisne que anunciava a nova forma de governo supracitada, símbolo maior da guerra suja como paradigma política para as Américas.

A transformação da forma de governo americana teve consequências na América Latina? Com o fim do paradigma democrático americano, as elites da A-L perderam o modelo de referência para a sua vida política baseada em uma moralidade ética, ética pública de permanecer do lado legal e lutar contra as ilegalidades. As economias criminosas latino-americanas aparecem como um efeito do <capitalismo criminoso>, estudado por S. Platt, outro americano.

Qual o papel ideológico da imprensa na América Latina. Ela faz de tudo e mais um pouco para ocultar as guerras sujas como agente político que desintegra a forma de governo democrática/representativa. Um canal do Youtube se apresenta como diferente do resto da imprensa. Seu líder diz que o ICL faz a crítica da realidade brasileira. Faz realmente?  

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Enzensberger:

“Os animais lutam, mas não fazem guerra. O homem é o único primata que planeja o extermínio dentro de sua própria espécie e o executa entusiasticamente e em grandes dimensões. A guerra é uma das suas invenções mais importantes; a capacidade de estabelecer acordos de paz é provavelmente uma conquista posterior. As mais antigas tradições da humanidade, seus mitos e lendas heroicas, falam sobretudo da morte e do ato de matar. A luta travada em maior proximidade física não se devia apenas à simplicidade da técnica de construção de armas. Tratava-se também da maior satisfação psíquica obtida em extravasar o ódio naqueles que se conhecem, nos vizinhos. Desta forma, a guerra civil não seria apenas uma antiga tradição, mas a forma original de todos os conflitos coletivos. Já se passaram 2500 anos desde que ela encontrou sua clássica representação literária na insuperável história da guerra do Peloponeso”. (Enzensberger: 9).

A guerra civil faz parte da stásis, um conjunto de fenômenos como motim, rebelião, sublevação, revolta, insurreição, guerra civil. (Schmitt: 55). A guerra civil é o agente que funda o campo político/estético do brutalismo ao lado da pólemos ou guerra entre povos e Estados desde a antiguidade. (Derrida: 110-111).

A guerra civil cria e recria o campo político/estético como totalidade mitológica diabólica:

“Alors que l’intelloigence décompose le sens, le mythe le composse. C’est pourquoi il ne saurait être compris d’après une supposée valeurs explicativwe: le mythe n’est pas une science des primitifs mais un moyen de compréhension immédiate du réel. L’opposé du sym-bolique, c’est, proprement, le dia-bolique”. (        Godin:732).

No <Além da época posmoderna>, a totalidade diabólica se constitui na tirania/cesarismo como natureza da natureza estética do campo político das Américas?      

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A guerra não tem gramática? Ou ela é a gramática da violência? Uma longa citação de Engels põe tal problema:

“Porém, nem a própria comunidade nem o agrupamento de que fazia parte forneciam forças de trabalho disponíveis, excedentes. A guerra proporcionava-as, e a guerra era tão antiga como a existência simultânea de vários grupos de comunidades vizinhas. Até então não tinham sabido o que haviam de fazer com os prisioneiros, e por isso os matavam, e, em tempos anteriores, comiam-nos. Mas quando se chegou a esta fase da <situação econômica>, os prisioneiros adquiriram um valor; por isso lhes foi consentido viverem, para se poder aproveitar o seu trabalho. Desta maneira, a violência, longe de dominar a situação econômica, foi posta, como se vê, ao serviço desta. Tinha-se descoberto a escravatura. (Engels: 53).

A interpretação materialista histórica da violência parece submetê-la à economia do trabalho escravo.

Segue:

‘A escravatura não tardou em transformar-se na forma predominante da produção em todos os povos cujo desenvolvimento já tinha ultrapassado as fronteiras das comunidades primitivas, para acabar por transformar-se, por fim, numa das causas pri8ncipais da sua decadência. Só a escravatura tornou possível a divisão do trabalho em maior escala entre a agricultura e a indústria, e graças a isso pôde florescer a cultura do mundo antigo, o helenismo”. (Engels: 53).

Parece que com o helenismo a violência é submetida à cultura política econômica escravocrata grega do Estado lacaniano administrador da mais-valia pública produtora da polis obra-de-arte

Segue:

“Sem a escravatura, não pode conceber-se o Estado grego, nem a arte e a ciência da Grécia; sem escravatura, não teria existido o império romano. E sem as bases do helenismo e do Império romano, também não chegaria a formar-se a Europa moderna. Nunca deveríamos esquecer-nos de que todo o nosso desenvolvimento econômico, político e intelectual teve como condição prévia um regime em que a escravatura era uma instituição tão necessária como reconhecida de modo geral [...]”. (Engels: 53-54).       

A relação entre violência e economia escravista só é inteligível na  cultura política econômica grega. Na época moderna dos 1500, a escravatura de outros povos pelo europeu gerou um estado de violência permanente sobre os povos escravizados nas Américas. A gramática da violência nas Américas estabeleceu-se como a guerra racial permanente contra o escravo.

Indo ao Oriente, na China:

“O ambiente político era largamente propício à prática dos talentos de peritos de qualquer especialidade, com interesse especial para os estrategistas de profissão. Entre 450 e 300 a,C., gerações sucessivas foram exterminadas com metódica regularidade, tendo-se a guerra transformado numa <ocupação fundamental>. Qualquer pretensão de aderência ao idílico código moral, reputadamente praticado nos reinados dos Reis Sábios, fora há muito abandonada. A diplomacia baseava-se no suborno, na fraude e no ludibrio. A espionagem e a intriga pululavam. Procedimentos traiçoeiros não eram vistos como anormais por parte dos generais, que, sem pejo, rompiam as suas alianças, nem dos ministros de Estado, facilmente corrompíveis”. (Sun Tzu: 46-47)   

A gramática da guerra asiática da antiguidade inclui o <general intellect gramatical> como fenômeno social das relações técnicas de produção da guerra. Sun Tzu diz:

“A guerra é um assunto de importância vital para o Estado; o reino da vida e a morte; o caminho para a sobrevivência ou a ruína. É indispensável estudá-la profundamente”. (Sun Tzu: 91).

Na época moderna, a gramática da guerra é mediada pelo direito natural moderno. (Strauss: 154).

“E contando-me a mim clarissimamente por razões que já expus, que existia entre os povos algum direito comum que valia pra as guerras e nas guerras [...]. ((Grocio: 22-23).

A etimologia do significante:

“Não repugna a origem deste nome”.

“Porque a guerra (bellum) vem da voz antiga duelo (duellum), como dueno (duonus se converte em bueno, e duis en bis”. (Grocio: 45).

A gramática do direito da guerra justa ou injusta põe o problema:

“Se há alguma guerra justa, e logo que é justo na guerra”.

“pois direito não significa aqui outra coisa que o que é justo: negando, más bien por el significado que de palabra, que seja direito o que não é injusto”.

“Mas é injusto o que repugna a essência da sociedade de los que gozão de razão”. (Grocio: 46).

A tela gramatical do logos natural define o que é a guerra justa ou injusta no campo político/estético internacional.

Na Europa, há a tela gramatical estética da guerra:

“A <arte da guerra>, tal como se concebia no século dezoito, era em grande parte uma arte de manobra. Nela se incluíam elementos importantes de estética e protocolo. Um exército era julgado tanto pela sua aparência no campo de batalha como pela sua perícia e bravura. Para que fosse assim, algumas exigências <estéticas> chegavam a ser defendidas em terrenos pragmáticos”. (Clausewitz: 14).

A guerra política é a <guerra como simples continuação da política por outros meios>. (Clausewitz: 87). Assim, a guerra é um ato de violência, com a finalidade de fazer nosso inimigo obedecer à nossa vontade. Por esta razão, o desarmamento ou destruição do inimigo ou ameaça disto deve ser sempre o objetivo da guerra. A guerra é um ato político e também um eficiente instrumento político, uma continuação do intercâmbio político e uma forma diferente de executá-lo. A guerra é uma trindade maravilhosa, composta da violência original de seus agentes, do jogo das probabilidades e da sorte (o que a torna uma atividade do espírito), e de sua natureza secundária de instrumento político: o que a coloca no domínio da razão”. (Gallie: 57).

A guerra é um agente que ergue uma tela gramatical do general intellect gramatical no campo político/estético internacional. Na atualidade, o agente desse campo é o Estado suicidário nuclear hitleriano (Virilio: 46) sob uma nova versão.       

 

 

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Brasil profundo. EUA: amazon, 2021

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época posmoderna. EUA: amazon, 2024

CLAUSEWITZ, Carl von. Da guerra. SP: Martins Fontes, 1979-

DERRIDA, Jacques. Politique de l’amitié. Paris: Galilée, 1994

ENGELS, Friedrich. Temas militares. Lisboa: Estampa, 1976

ENZENSBERGER, Hans Magnus. Guerra Civil. SP: Companhia das Letras, 1995  

GALLIE, W. B. G. Os filósofos da paz e da guerra. Brasília: UNB, sem data GROCIO, Hugo. Del derecho de la guerra e de la paz. Volume 1. Madrid: Reus, 1925

GODIN, Christian. La totalité. Volume 1. Paris: Champ Vallon, 1998  

SCAHILL, Jeremy. Guerras sujas. O mundo é um campo de batalha. SP: Companhia das Letras, 2014 

PLATT, Stephen. capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017 

SCHMITT, Carl. O conceito de político. Petrópolis: Vozes, 1992      

STRAUSS, Leo. Droit naturel et histoire. Paris: Flammarion, 1954

SUN TZU. L’art de la guerre. Paris: Flammarion, 1972

VIRILIO. Paul. L’insécurité du territoire. Paria: Galilée, 1976

  

    

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