domingo, 3 de março de 2024

DOMINAÇÃO E PODER - WEBER e NIETZSCHE

 

José Paulo

 

A dominação é uma forma particular de um mundo como plurivocidade de poder.  Weber fala de 2 tipos de estrutura de dominação, antagônicos. (Weber. V. 2:188). A dominação segundo uma constelação de interesses, sendo paradigma o mercantilismo do capital em um contraponto ao capitalismo liberal. A dominação do mercantilismo do capital é da época da sociologia weberiana na Alemanha. Seu amigo e companheiro Werner Sombart fala de <neomercantilismo> europeu, claro. (Sombart: 83).

A dominação do mercantilismo do capital asiático é a tela gramatical dos fenômenos econômicos ou estrutura do capitalismo planetário, tomando hegemonia como estrutura de dominação:

“No ´posfordismo, a hegemonia é da multinacional em aliança com o capital fictício. No regime mercantilista capitalista, a hegemonia é a aliança da multinacional mercantilista com o general intelect industrial”

“O general intelect empresarial torna-se uma fração do capital na posição de hegemonia no bloco no poder. Este fenômeno define a distinção entre semiocapitalismo e o mercantilismo capitalista”. (Bandeira da Silveira.2021: Cap. 2).

O mercantismo do capital asiático é a estrutura de dominação ou poder asiático que traça um caminho alternativo ao fim do capitalismo, fim do Estado nacional, fim da política e outros milenarismos.

A outra gramática da dominação é a estrutura autoritária funcionando pela relação de mandonismo e obediência passiva, ou seja, sem crítica da gramática. Essa estrutura de dominação caracteriza no campo político a gramática do cesarismo        

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Na sociologia da dominação weberiana ou é anarquia ou dominação, mas não há a estrutura de dominação como tela gramatical estética no campo político. Nietzche diz que os polos glaciais da gramática da vida são, caos ou estética:

“Mas o caráter do mundo é, ao contrário, o de um caos eterno, não pelo fato da falta de uma necessidade, porém pela falta de ordem, fde um encadeamento de forma, do belo, de sabedoria, em resumo, de toda a estética humana”. (Nietzche1977. 130; 1982: 138).

O universo não é uma tela gramatical estética e a natureza não tem gramática estética política:

“Ora como poderemos permitir-nos censurar ou louvar o universo! Defendamo-nos de lhe censurar uma falta de afeto ou de razão ou o contrário destas coisas: não é nem perfeito, nem belo, nem nobre, e não quer transformar-se em nada disso; não procura de forma alguma imitar o homem! Não é tocado por nenhum dos nossos juízos estéticos e éticos! Não possui instinto de conservação, não possui qualquer instinto e ignora toda a espécie de lei. Defendamo-nos de dizer que eles existem na natureza. Essa só conhece necessidades: nela não há ninguém que ordene, que obedeça, que infrinja”. (Nietzsche.1977: 130).

A natureza é o grau zero da dominação estético/política. A extrema direita das Américas quer fazer do campo político um retorno á natureza, ao campo das necessidades como grau zero da dominação estético/política. A extrema direita quer tornar a natureza o divino da vida política que não é mais um campo político/estético. Contudo:

“Quando deixaremos de ser obscurecidos por todas estas sombras de Deus? Quando teremos completamente <desdivinizado> a natureza? Quando nos será permitido, enfim, começarmos a nos tornar naturais, a <naturizarmos-nos>, nos homens, com a pura natureza, a natureza reencontrada, a natureza liberta?”. (Nietzsche. 1987: 131).

Quando não será mais necessário a estrutura de dominação estético/política?

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Nietzsche pensa a estrutura de dominação estético política a partir da relação Renascimento/Barroco?

A tela gramatical estética é a pintura do mundo:

“A mais ínfima parcela do mundo é uma cosa infinita!”.

“Dele só pinta aquilo que lhe agrada. E o que é que lhe agrada: aquilo que sabe pintar!”. (Nietzsche. 1987: 29).

Sobre o barroco o iluminismo classicista:

“Do recalque das paixões. Se é constantemente proibida a realização das paixões  como algo <vulgar> que é necessário deixar ás naturezas grosseiras, aos burgueses, aos camponeses, se portanto se quer não refrear as próprias paixões, mas apenas a linguagem de seus gestos, nem por isso deixa de se alcançar, ao mesmo tempo, aquilo que se não quer: refreiam-se as próprias paixões , ou ao menos saem elas enfraquecidas e transformadas; foi assim que ocorreu, exemplarmente, à corte de Luís XIV e a tudo o que dela dependia. A época seguinte, educada no hábito de refrear a realização das paixões, perdeu mesmo a própria paixão; foi ela substituída pela graça, pela frivolidade, pela ligeireza; foi uma época marcada pela incapacidade de se mostrar descortês: a tal ponto que só se dirigia e só se conseguia ofender com considerações delicadas. Talvez a nossa época forneça a mais curiosa contrapartida desse século: vejo por toda parte na vida, no0 teatro, e, do mesmo modo, em tudo o que se escreve, o prazer que se tem diante de qualquer fulgor grosseiro e de qualquer gesto malsão da paixão,... por preço nenhum a própria paixão! No entanto há-de acabar-se assim por encontrá-la e os nossos netos terão uma sincera selvageria, e não só a das maneiras ou grosseria do tom”. (Nietzsche: 1987: 76; 1982:86-87).   

“O solitário. Detesto seguir alguém assim como detesto conduzir. Obedecer? Não! E governar, nunca! Quem não se mete medo não consegue metê-lo a ninguém, E só aquele que o inspira pode comandar. Já detesto guiar-me a mim próprio! Gosto, como os animais das florestas e dos mares, De me perder durante um grande pedaço, Acocorar-me a sonhar num deserto encantador, E forçar-me a regressar de longe aos meus penates, Atrair-me a mim próprio...para mim”. )(Nietzsche: 1987: 23).

O grau zero da domi8nação é o anacoreta?

O campo político estético do indivíduo nada é sem as aparências de semblância do campo político da sociedade:

“Egoísmo estelar. Se como um tonel que rola, Eu girasse sem cessar em volta de mim, Como é que não havia de arder? A correr atrás do sol ardente?”. (Nietzsche. 1987: 22).

Ou:

“Todos os esgotados amaldiçoam o sol; Para eles o valor das árvores está ...na sombra”. (Nietzsche: 1987: 26).

Buscar a escuridão do campo político barroco é um fenômeno que faz parte da nossa classe política. Ora, o campo político barroco:

“<Ele desce, ele cai>, troçai vós; A verdade é que desce sobre vós. O seu excesso de felicidade foi a sua desgraça, O seu excesso de luz acompanha a vossa escuridão”> (Nietzsche: 26-27).

A relação entre doença do corpo/espírito absoluto e tela gramatical no campo político:

“Qualquer filosofia que ponha a paz mais alta do que a guerra, qualquer ética que conceba negativamente a felicidade, qualquer metafísica, qualquer física que encarem um final, um qualquer estado definitivo, qualquer aspiração, sobretudo estética ou religiosa, possuindo um ao-lado, um para-além, um de-fora, um por-cima, autorizam a que se procure saber se não foi a doença que inspirou o seu filósofo. Dissimulam-se inconscientemente as necessidades fisiológicas do homem, sobrecarregam-se com a capa de objetividade do ideal, da ideia pura,; leva-se a coisa tão longe que acaba  por meter medo; e muitíssimas vezes me perguntei se a filosofia, em geral, não foi até agora uma simples exegese do corpo, um simples erro do corpo. Atrás das mais altas evoluções éticas que guiaram até agora a história do pensamento ocultam-se mal-entendidos nascidos da conformação física tanto dos indivíduos como das classes, e finalmente deraças inteiras”. (Nietzsche.1987: 10-11).

  As estruturas de dominação [filosofia, ética, metafísica, milenarismo, física, religião, estética política etc.] não são apenas associadas à doença no campo político do indivíduo e/ou do corpo/alma da sociedade. Mas ao sofrimento nos campos supracitados do discurso político da filosofia:

“Os pensadores doentes se deixam arrastar precisamente porque sofrem”. (Nietzsche. 1987: 10).          

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Nietzsche estabelece a gênese do campo político do indivíduo na cultura política ocidental:

“Os índices da corrupção. – Observai os sintomas destas circunstâncias sociais, necessárias de tempos e tempos, que se designam pelo termo de <corrupção>. Logo que a corrupção penetra em qualquer parte, vê-se reinar uma plurivocidade de superstição, em face da qual a crença geralmente adotada até então pelo povo empalidece e se torna impotente: porque a superstição é um livre pensamento de segunda categoria; quem se lhe entrega elege certas formas, certas fórmulas que lhe agradam; concede-se o direito de escolher. O supersticioso tem qualquer coisa de mais <pessoal> do que o crente; uma sociedade supersticiosa será aquela onde se encontram já muitos indivíduos e prazer em tudo o que é individual”. (Nietzsche. 1977: 59;1982: 71-72).

O campo político do indivíduo inviabilizou a forma de governo republicana constitucional grega como estrutura de dominação hegemônica. Ele funcionou como um sintoma da <corrupção> permanente dessa forma de governo.

Antigo/moderno. Como a forma de governo presidencialista das Américas é calcada no grande indivíduo [presidente da república}, ela aparece como um estado permanente de forma de governo como corrupção cesarista.

Assim:

“Em quarto lugar, quando os costumes se <corrompem. É o momento em que surgem esses seres a que se dá o nome de <tiranos>: são os precursores, são por assim dizer as precoces guardas-avançadas do indivíduo (...). Quando a decomposição chegar ao apogeu, assim como a luta de tiranos de todas as qualidades, vê-se sempre chegar o César, o tirano definitivo que vibra o golpe de misericórdia à luta enfraquecedora dos concorrentes preponderantes fazendo trabalhar o cansaço em seu proveito. Quando parece o indivíduo, em geral, é no momento da sua maturidade perfeita, estando a <cultura> por consequência no zênite de sua fecundidade..., mas não é graças a ele , não é por via do tirano, se bem que as pessoas de cultura muito grande gostem de lisonjear o César, fazendo-se passar por obra sua. A verdade é que eles têm necessidade de paz exterior porque trazem a sua inquietação dentro deles, porque o seu trabalho é uma coisa interior. É o grande momento da traição, da corruptibilidade: porque o amor ao eu descoberto de fresco é então muito mais poderoso do que o amor à <pátria>, velho conceito roto, enterrado sob excessos de vocabulário (...)”. (Nietzsche. 1961: 60-61).

A relação do campo político do indivíduo com o campo político da sociedade tem esse ponto sensível [fantasia, objeto real] que é o indivíduo como tirano. A cultura política de Roma fez do tirano o César e da tirania o cesarismo, uma forma de governo em estado permanente de corrupção na cultura política ocidental e, talvez, em outras civilizações. A forma de governo cesarismo é o agente de corrupção da juventude nas Américas, ao ponto de fazer desaparecer o jovem [como fenômeno histórico] como agente político [no campo político] de mudança da forma de governo. A tela gramatical estético/político do jovem foi desintegrada.

Sobre o futuro no cesarismo:

“O futuro é tão incerto que as pessoas vivem dia a dia, estado de alma que favorece o jogo [de poder] dos tentadores de todas as espécies: porque também não se deixa seduzir, e corromper, senão por <um dia>, reservando-se um futuro de virtude!”. (Nietzsche. 1977: 61).

O que é o indivíduo cesarista:

“Sabe-se que o indivíduo, esse autêntico homem <em si>, pensa mais nas coisas do momento do que o seu antípoda, o homem do rebanho, porque não pensa contar mais consigo do que conta com o futuro; liga-se do mesmo modo aos tiranos, porque se julga capaz de ações e de investigações que não contar nem com a inteligência nem com o perdão da multidão, ... uma vez que o tirano ou o César compreendem o direito do indivíduo, mesmo nas suas aberrações [...]”. (Nietzsche. 1977: 61).

O campo político do cesarismo cria e recria, põe e repõe, o mundo como produção política do heteróclito: de aberrações, de monstros políticos.     

A figura de Napoleão Bonaparte é o agente heteróclito perfeito da modernidade da Europa:

“Porque pensa dele, e quer que o pensem, aquilo que Napoleão exprimiu um dia da forma clássica que lhe era particular: <Tenho o direito de responder a todos os vossos queixumes com um eterno EU. Estou apartado de toda a gente, não aceito as condições de ninguém. Deveis submeter-vos a toas as minhas fantasias e achar muito simples que me dê semelhantes distrações>. Foi o que ele disse à mulher um dia em que ela tinha razões para duvidar da sua fidelidade”. (Nietzsche. 1977: 62).  

Napoleão é a fantasia, por excelência, como objeto real na junção do campo político do indivíduo com o campo político da Europa:

“As épocas de corrupção são aquelas em que as maçãs caem da árvore: quero dizer os indivíduos, aqueles que carregam em si o sémen do futuro, os promotores da colonização intelectual, os que querem modificar as relações entre o Estado e a sociedade. A palavra corrupção é só um termo injurioso quando designa os outonos de um povo”. (Nietzsche. 1977: 62).

No campo político/estético, o indivíduo aparece como uma prática política molecular que, fora o outono de um povo, aparece como agente de mudança do presente em direção ao futuro. Ele não aparece como antípoda da multidão barroca que trás o futuro.  

 

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Mundialização do mercantilismo capitalista. EUA: amazon, 2021

NIETZSCHE. A gaia ciência. Lisboa: Guimarães, 1977

NIETZSCHE. Le gai savoir. Paris; Gallimard, 1982

SOMBART, Werner. El apogeo del capitalismo. México: Fondo de Cultura Económica, 1946

WEBER, Max. Economia e sociedade. Volume 2. Brasília: UNB, 1999     

  

  

                 

 

 

    

   

  

 

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