José Paulo
Em Sua bíblia sobre o capítulo do Maquiavel de Leo Strauss,
Claude Lefort não parte da distinção cancelada no “O Principe” entre tirano e
rei. Leo Strauss vê nesse cancelamento a fundação da ciência política moderna
em antagonismo com a ciência política da antiguidade.
Para a ciência política moderna da linhagem de Maquiavel,
falar de tirania é um juízo de valor {não é ciência moderna]; é uma mitologia
política, uma realidade virtual que nada tem a ver com a realidade factual e
artefactual da história. (Strauss: 39). A ciência política socrática funda o
domínio de conhecimento virtual no campo político/estético da antiguidade
grega. (Strauss: 43).
A sociedade tende a tiranizar o pensar; a ciência política
socrática se dedica a frustrar a transformação do pensar a política em
cesarismo. A verdade na tela gramatical do campo político cesarista não tem o
hábito de ser inofensiva. (Strauss: 43). A estrutura de dominação da verdade
despreza qualquer uso responsável socialmente do funcionamento da ideologia. A
ideologia é a forma da ciência política moderna que gera uma estrutura de
dominação cesarista. [Strauss: 38) Em outros textos já mostrei quer de Marx a
Althusser, o campo das ideologias funciona como estrutura de dominação
cesarista. Para Marx e Althusser, todas as formas do espírito [religião,
direito, política, arte etc.] são formas ideológicas. (Marx. 1974: 136).
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Marx e Althusser sustentam a fronteira entre ciência e
ideologia. A crítica das ideologias é a ciência de Marx. Althusser fala de um
marxismo com corte epistemológico em relação ao campo ads ideologias.
Fundador do marxismo ocidental, Gramsci desaparece com
fronteira ente ciência e ideologia. Assim a própria ciência é um fenômeno do
campo das ideologias. Portanto, a ideologia é transformada em uma estrutura de
dominação totalitária irrevogável:
“A questão mais importante a ser resolvida com relação ao
conceito de ciência é a seguinte: se a ciência pode dar, e de maneira, a
‘certeza’ da existência objetiva da chamada realidade exterior. Para o senos
comum , esta questão nem se quer existe, mas de onde se originou a certeza do
senso comum? Essencialmente da religião (...) a religião é uma ideologia, a
ideologia mais enraizada e difundida, não um aprova ou demonstração. É possível
demonstrar que é um erro exigir da ciência como tal a prova da objetividade do
real, já que essa objetividade é uma concepção de mundo, uma filosofia, não
podendo ser um dado científico (...). (Gramsci. V. 1: 173).
Gramsci completa:
“’Objetivo’ significa precisamente e apenas o seguinte: que
se afirma ser objetivo, realidade objetiva, aquela realidade que é verificada
por todos os homens, e que é independente de todo ponto de vista que seja
puramente particular ou de grupo. Mas, no fundo, também esta é uma concepção
particular do mundo, uma ideologia”. (Gramsci. V. 1: 173).
O campo das ideologias abarca todas as práticas incluindo a
ciência, insisto. Tal ruptura epistemológica com Marx e Althusser faz do
marxismo não uma ciência da história, mas uma ideologia sobre a história. Temos
assim, uma concepção política de mundo tirânica, da sociedade produzindo um
efeito cesarista sobre o campo de conhecimento científico em geral. A ideologia
é o pressuposto saber do homem, mulher, criança. A psicanálise é uma estrutura
ideológica assim como a ciência do homem e a física. Gramsci acaba com a
ciência como ilusão de um conhecimento objetivo da realidade realmente
existente. A ciência se diferencia das outras ideologias por seu método, ela é
uma ideologia científica:
“O trabalho científico tem dois aspectos principais: um que
retifica incessantemente o modo de conhecimento, retifica e reforça os órgãos
sensoriais, elabora princípios novos e complexos de indução e dedução, isto é,
aperfeiçoa os próprios instrumentos de experiência e de sua verificação; outro
que aplica este complexo instrumental
[de instrumentos materiais e mentais] para determinar, nas sensações, o
que é necessário e o que é arbitrário, individual transitório”. (Gramsci. V. 1:
173).
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A política como tirania foi excluída da ciência política
moderna: “é substituída pela política como atividade constitutiva da existência
coletiva”. (Châtelet: 38). Para a modernidade: É preciso observar que o
detentor (individual ou coletivo) do poder de Estado, que pode e deve fazer
tudo para assegurar tal poder, não pode ser assimilado a um tirano”. (Châtelet:
39).
Walter Benjamim faz uma ciência política moderna na qual o
Príncipe tem por obrigação evitar ao cesarismo. Na época barroca, o estado de
exceção, a ditadura real, requer para emergir situações catastróficas como
guerra entre Estados etc. (Benjamin: 65-66).
Quentin Skinner faz
uma enciclopédia para a o ensino da ciência políticas na universidade
anglo-americana. Assim, ele mostra que Maquiavel supera o contexto humanista e
a cultura política católica. Porém, a concepção política de mundo do livro “O
Príncipe” não se define por um antagonismo com a cultura política cristã.
Skinner ignora que a cultura política maquiavélica se define pela identidade
absoluta entre rei e tirano. O cesarismo não é um fenômeno da ciência política
universitária. Ora, Gramsci tratou desse fenômeno. Mas também ignorou o
problema da relação entre rei e tirano da antiguidade. Esta relação definia
duas formas de governos antagônicas: a forma monárquica constitucional e a
forma cesarista inconstitucional. (Gramsci. V. 3: 77). A monarquia
constitucional e o cesarismo são dois campos políticos/estéticos com
plurivocidade de tela gramatical.
Ao investigar a democracia nos EUA, Tocqueville rompe com a
ciência política moderna europeia e volta à ciência política socrática. A
tirania ou cesarismo ou despotismo é um fenômeno da realidade virtual na
América:
“Observei, durante minha temporada nos Estados Unidos, que
uma situação social semelhante à dos americanos poderia oferecer singulares
facilidades à implantação do despotismo, e mostrei, ao regressar à Europa, como
a maior parte dos nossos príncipes já se tinham servido das ideias, dos
sentimentos e das necessidades que essa mesma situação social fazia surgir,
para estender a esfera do seu poder”. (Tocqueville: 431).
Como Kant (Rawls;121-122), Montesquieu faz uma ciência política
como conciliação de iluminismo e barroco. Ele não opera com o corte republicano
de Maquiavel em relação à antiguidade:
“Há três espécies de governo; a República, a Monarquia, e o Despótico
[..]. Eu suponho três definições, ou em vez de três fatos: Um, que o governo
republicano é aquele onde o povo en corps, ou somente uma parte do povo, tem a
soberania puissance; a monarquia, aquela onde um só governa, mais pelas leis fixas
e determinadas; au lie que, dans despotique, um só, sem lei e sem regra, leva
tudo por sua vontade e por seus caprichos. (Montesquieu: 131).
O campo de ideias políticas de Montesquieu fala da tirania ou
despotismo como um domínio do uno, sem gramática, sem Constituição. Vimos acima,
que a tirania moderna aparece como uma forma ideológica amparada na ciência que
controla a natureza humana no campo político/estético. Seria a ciência do homem
um conhecimento voltado para o controle da natureza humana?
BENJAMIN, Walter. Origine du drame baroque allemand. Paris:
Flammarion, 1974
CHATELET E PISIER-KOUCHNER. História das ideias políticas.
RJ: Zahar, 1985
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. V. 1. RJ: Civilização
Brasileira, 2015
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. V. 3. RJ: Civilização
Brasileira, 2014
MARX. Os pensadores. SP: Abril Cultural, 1974
MONTESQUIEU. De l’esprit des lois. Volumo 1. Paris: Flammarion,
1979
RAWLS, John. História da filosofia moral. SP: Martins Fontes,
2005
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político
moderno. SP: Companhia das Letras, 1996
STRAUSS, Leo. De la tyrannie. Paris: Gallimard, 1997
TOCQUEVILLE, Alex. De la démocratie en Amérique. V. 2. Paris:
Gallimard, 1961
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