sexta-feira, 15 de março de 2024

TELA GRAMATICAL DA COMUNICAÇÃO

 

José Paulo 

 

Há camadas e camadas de discurso circulando na internet. Um deles ainda tem a televisão como modelo de julgar a realidade dos fatos e artefatos. O livro “Sociedade do espetáculo” ainda é o guia de uma camada de jornalistas e professores universitários. A televisão ainda oferece o consumo de cultura para diversas classes sociais:

“O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. (Debord: 16).

Debord fala da tela gramatical da televisão de fenômenos imagéticos:

“Sob todas as formas particulares – informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimento – o espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade”. (Debord: 17).

As relações técnicas de produção da comunicação têm como dominante não mais a sociedade do espetáculo, e sim a tela gramatical cibernética: computador e celular. Ora, Debord fala da sociedade do espetáculo como o meio de irradiação do campo de ideologias:

“Ele é uma Weltanshauung que se tornou efetiva, materialmente traduzida. É uma visão de mundo que se objetivou”. (Debord: 17).

No Brasil, Muniz Sodré pensou a televisão não apenas como prática de forma ideológica, e sim, sobretudo, como tela gramatical neogrotesca. (Sodré: 1992). 

No <além da época posmoderna>, a sociedade do espetáculo continua oferecendo o espetáculo de música presencial para as massas de consumidores. É apenas um fenômeno econômico de gozo corporal que não se inscreve no campo político/estético? Atualmente, a sobredeterminação da plurivocidade de tela gramatical da comunicação transforma o espetáculo de música em uma tela gramatical narrativa para as massas vivas, atualizando-as como fragmentos em carne e osso [das classes sociais virtuais] urbanos político/estéticos.     

Internet, televisão e rádio são os meios materiais de existência da cultura política econômica da sociedade de comunicação. (Wolton: 1997). O <mass media>  é o senso comum dos grupos e classes sociais estético/políticos. Umberto Eco estudou tal senso comum como gramática. (Eco; sem data).

No <além da época ´posmoderna>, há telas gramaticais que desbancaram a tela posmoderna. Esta é:

“ – simulacres de simulation, fondé sur l’infrormation, le modèle, le jeu cybernétique – opérationnalité totale, hyperréalité, visée de contrôle total”. (Baudrillard: 177).   

Além do neogrotesco, há na atualidade o grotesco neoconcretista:

“Uma compulsão à repetição traz do passado imperial o campo político cesarista/oligárquico. No entanto, ele é um outro fenômeno, pois, um campo político/oligárquico Grotesco. Ferreira Gullar inventou a estética do <grotesco> na América Latina”. (Bandeira da Silveira. 2024: cap. 15, parte 4).     

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A tela de fenômenos ideológicos tem agente, personagem, ator, instituições [pública e privada] em seu domínio. O melhor livro universitário sobre ideologia é de Terry Eagleton. Ele fala da ideologia como ilusão, como corpo de ideias de um determinado grupo ou classe social [como concepção política de mundo?], confusão entre realidade linguística e realidade de fenômenos etc. (Eagleton: 15).

Ele fala da ideologia como fenômeno da oclusão semiótica. Mas falta a forma ideológica como estrutura de dominação de uma cultura política econômica da comunicação e da política.   

A oclusão semiótica é a tela ideológica sgrammaticatura (Gramsci:2341), isto é, anarcoempirista funcionando como estrutura de dominação em um campo político/estético. A oclusão é o fechamento da percepção de grupos e classes sociais para os fenômenos da tela gramatical estético/político.

Olhei para a tela gramatical da modernidade dos fenômenos no campo político. A estrutura de dominação do discurso do universitário deixa de ser um referente hegemônico no campo político ocidental. Ele é a estrutura de dominação <tudo saber>. (Lacan. S. 17: 34). O logos moderno da ciência natural é a fantasia ou objeto real no campo político em geral:

“A roupagem de ideias da ‘matemática e ciência matemática da natureza’, ou a roupagem dos símbolos, das teorias simbólico-matemáticas, abrange tudo aquilo que, para os cientistas, assim como para os homens instruídos, substitui o mundo da vida e o mascara - como natureza ‘objetivamente efetiva e verdadeira’”. (Husserl: 41).

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A plurivocidade de tela gramatical moderna caracteriza a modernidade no campo político de fenômenos da cultura:

“Se quisermos ter presente este ritmo, seguindo o seu modo de trabalhar, veremos que o flaneur de Baudelaire não é tanto um aurto-retrato com se poderia supor. Um traço importante do verdadeiro Baudelaire – aquele que deu à sua obra – não aparece neste retrato. É o estado de devaneio. No flaneur é muito evidente o prazer de olhar. Este pode concentrar-se na observação – daqui resulta o detetive amador; ou pode estagnar no simples curioso – e então o flaneur se transforma no badaud”. (Benjamin. 1975: 8).   

Um universitário de Paris diz que os europeus jamais foram modernos, ele muito paparicado nas universidades do rio e de São Paulo:

“A modernidade possui tantos sentidos quanto forem os pensadores ou jornalistas. Ainda assim, todas as definições apontam, de uma forma ou de outra, para a passagem do tempo. Através, do adjetivo moderno, assinalamos um novo regime, uma aceleração, uma ruptura, uma revolução do tempo”. (Latour: 15).

A revolução do tempo consiste na transformação da gramática do tempo (Boaventura Santos; 2021) da cultura política econômica em um campo político/estético nacional ou internacional.

A gramática do Youtube é um continente cibernético da comunicação com pouca reflexão na América Latina. O jornalismo do Youtube se distancia do jornalismo de papel, do rádio e da televisão. Ora, o jornalista do Youtube é um flaneur que acaba na oclusão semiótica como badaud?    O jornalista é um espectador da realidade? Mas de qual realidade?

Ele é um espectador das estruturas de dominação dos fenômenos ideológicos. Ele dá as costas para o gravíssimo:

“O gravíssimo é que, todavia, não pensamos; nem na atualidade, a pensar de que o estado do mundo instiga cada vez mais o que pensar”. (Heidegger: 10).

 Não pensar nos fenômenos da ´plurivocidade de tela gramatical narrativo/analógica, eis o que é gravíssimo.  Tal acontecimento do não pensar é próprio do jornalista, do professor universitário, do intelectual das formas ideológicas esquerda/direita.

Os fenômenos gramaticais da tela estético/política têm forma e conteúdo: ‘através de sua forma a obra de arte é um centro vivo de reflexão”. (Benjamin: 81).   

Como pensar?

“Courbet anunciara seu programa desde 1847: realismo integral, abordagem direta da realidade, independente de qualquer poética previamente constituída. Era a superação simultânea do <clássico> e do <romântico> como poéticas destinadas a mediar, condicionar e orientar a relação do artista com a realidade”. (Argan:75).

 

A tela gramatical do jornalismo do Youtube é análoga a tela courbetiana. Ela não faz mediação poética entre a realidade dos fenômenos ideológicos e o consumidor. O jornalista é o artista realista  da modernidade brasileira em analogia com a realidade do Brasil.

A tela realista do Youtube é um fenômeno cibernético estético/político do além da época posmoderna. Ela se distancia da tela da televisão, pois, esta mediava poeticamente a realidade como a estética política neogrotesca ou neobarroca. (Calabrese; 1988).

Lucien Sfez diz:

“Nessa polissemia os objetos de comunicação se constituem ciências particulares, cada uma das quais enaltece o seu percurso teórico como o que deve dominar (por sua importância, amplitude de ponto de vista, rigor), todos os outros; assim, a linguística pareceu ser por muito tempo a ciência que melhor podia dar conta dos fenômenos de comunicação, já que a linguagem é um laço irrefutável e evidente entre os membros de uma sociedade, um laço <falante>, se podemos nos permitir esse jogo de palavras. Só a linguagem pode ligar. A comunicação seria, antes de tudo, linguística”. (Sfez: 38).

Na tela gramatical da comunicação de massa: “O tempo volta-se sobre si mesmo. Tornar-se circular. Deixa de haver desenvolvimento linear”. (Sfez: 51).

A tela gramatical do mass media tradicional opera com o tempo circular da Cundaline. A serpente mágica que morde o próprio rabo. Todavia, a gramática da cultura política econômica da comunicação se contrapõe à sociedade de comunicação:

“trata-se de um tempo reversível, no sentido de que não acarreta mudança na composição interna dos elementos. Parra os defensores do Creatura, o tempo do ser vivo e da física contemporânea é irreversível”. (Sfez; 63).  

Sfez fala da gramática da comunicação:

“E a formação através de um contexto surge enfim pelo que é: uma gramática. Nova gramática da comunicação, sem relação com a antiga, analítica, substancialista, desagregadora”. (Sfez: 53).

 A atualidade complementa a crítica da comunicação de Sfez  falando de plurivocidade de tela gramatical da comunicação, funcionando em um campo de fenômenos político/estéticos.

 

ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. SP: Companhia das Letras, 1992

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época posmoderna. EUA: amazon, 2024

BENJAMIN, Walter. A modernidade e os modernos. RJ: Tempo Brasileiro, 1975

BENJAMIN, Walter. O conceito de crítica de arte no Romantismo alemão. SP: EDUSP, 1993

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS. A gramática do tempo. Par uma nova cultura política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021    

BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et simulation. Paris: Galilée, 1981

CALABRESE, Omar. A idade neobarroca. Lisboa: Edições 70, 1988

DEBORD, Guy. La société du Spectacle. Paris: Gallimard, 1967

EAGLETON, Terry. Ideologia. SP: UNESP, 1997

ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. SP: Perspectiva, sem data

GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. v. 3. Torino: Einaudi, 1977

HEIDEGGER, Martin. Que significa pensar? Buenos Aires: Nova,1972

HUSSER, Edmund. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental. RJ: Forense, 2012

LACAN, Jacques. Le Séminaire. Livre 17. L’envers de la psychanalyse. Paris: Seuil, 1991              

LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. SP: 34, 1994

SFEZ, Lucien. Crítica da comunicação. SP: Loyola, 1994

SODRÉ, Muniz. O social irradiado.: violência urbana, neogrotesco e mídia. SP: Cortez, 1992

WOLTON, Dominique. Penser la communication. Paris: Flammarion, 1997

   

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