José Paulo
Pensar a justiça como um problema da gramática da cultura
política, eis algo que os gregos fizeram: a justiça em relação à alma do
indivíduo. Por analogia entre o antigo e o moderno, a alma é o pensar da inteligência
como sujeito ou subjetividade. Se esse fenômeno se encontra no campo
político/estético do indivíduo, a justiça será a conciliação da alma ou
subjetividade justa com a gramática da cultura política da politeia ou
democracia constitucional. A alma injusta é o antagonismo permanente com a
gramática da cultura política da democracia.
A verdade da justiça tem estrutura de ficção. Ela parece no
campo político do indivíduo da alma justa em conciliação com a gramática da
democracia. A alma injusta não tem acesso à verdade, pois, ela vive em uma
condição de antagonismo com democracia.
Há o laço social gramatical entre o campo político do
indivíduo e o campo político da polis ou sociedade, uma condição de
possibilidade para a existência de ambos os campos. A tela gramatical faz
pendant com a verdade da justiça? Como estrutura de ficção, a verdade da
justiça funciona na tela gramática do campo político democrático
constitucional. Ela é a imagem virtual especular ampliada do estado justo da
subjetividade moderna ou da alma da antiguidade na cultura política democrática
constitucional.
Como fantasma ou objeto virtual no campo político do
indivíduo, o presidencialismo/cesarista produz e reproduz a alma injusta como
soberana. Assim, o campo político do indivíduo soberano não tem uma fantasia
como objeto real na cultura política para se conciliar.
O colapso do presidencialismo/cesarista vai arrastando para o
abismo da meia-noite as almas justas da democracia constitucional nas Américas?
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A CULTURA POLÍTICA grega faz a junção do campo político do
indivíduo com o campo político da polis:
“Platão busca solucionar essa dificuldade de uma forma que
confere `a teoria da alma por ele desenvolvida sua marca característica; faz
com que a alma – concebida no Fédon ainda inteiramente como uma – consista em
três regiões. Ele chega a isso deslocando para a alma o sensível, os desejos –
tidos originariamente apenas como representante do Mal, e que, segundo o
Fédon, têm sede no corpo, e não na alma -, e distinguindo duas espécies de
desejos, das quais só uma é má, e a outra, como porção <colérica> situando-se
convenientemente entre o logos, que representa o Bem, e os desejos maus”.
(Kelsen. 1995: 361).
A relação entre o campo político do indivíduo e a polis
aparece claramente:
“E não é certo que o homem tirânico é semelhante à polis
tiranizada, o democrático à polis governada democraticamente”. (Platão. Sem
data: 334).
A verdade da justiça não faz parte do cesarismo:
“- E, portanto, não são em toda a sua vida amigos de ninguém,
mas sempre déspotas de algum ou escravo de outro; a natureza tirânica jamais
sente o gosto da verdadeira liberdade ou amizade”. (Platão. Sem data: 333).
Há uma analogia entre a tirania grega e o cesarismo da
gramática da cultura políticas romana?
“A tirania é um perigo que não cessa de acompanhar a vida
política. a análise da tirania é, por consequência, tão antiga como a própria
ciência política”. (Leo Strauss: 37).
A tirania ou cesarismo é fazer o Mal, e esquecer de fazer o
Bem:
“aquele que se mostrar o mais perverso não se mostrará também
o mais infeliz; e o que por mais tempo exercer a tirania, mais constantemente e
verdadeiramente infeliz. (Platão. Sem data: 334).
O tirano não é homem (Platon. 1950: 1181), pois, ele é o
homem lobo do homem, conforme Plauto; ele é do domínio tem sua origem na região
do heteróclito da superfície profunda do campo político - como grau zero
estético.
Alain Badiou fala do cesarismo na cultura política da metade
do século XX como fascismo. (Badiou. 2014: 295). A subjetividade injusta é,
portanto o grau zero da verdade da justiça na gramática da cultura política;
portanto, uma cultura política que já não é propriamente uma cultura política
com gramática. Pode ser uma cultura política anarcoempirista, ou agente do caos.
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Na cultura política de Roma cabe a analogia entre tiranismo e
cesarismo como jogos de linguagem; a cultura p0olítidca, afinal, é jogos de
linguagem sem território determinado; os jogos de linguagem são parte da razão
linguística, e não do logos da ciência da natureza:
“Júlio César é a tempestade em Roma. Mas qual tempestade?
Cássio diz que o cesarismo é <diabólico>. [trata-se de uma analogia do
heteróclito com a cultura política do cristianismo]. O diabo é a figura do
monstro-rei, por excelência, do campo político da estética brutalista, estética
política descoberta e inventada como objeto estético no Livro 1, de “O capital.
A imagem alegórica máxima do brutalismo é as criancinhas da classe operária
inglesa tendo os dedinhos decepados pelas máquinas na fábrica do capital.
Enquanto o sangue delas escorre na mercadoria, a máquina não para de funcionar.
O campo político/estético do capital inglês é o objeto real ou fantasia ou
espírito que domina a vida inglesa em uma parte do século XIX. O campo estético
do capital brutalista, em analogia, sobredetermina o passado europeu no campo
político do cesarismo romano. A questão que se põe e repõe é se César é um
monstro do brutalismo tirânico. (Bandeira da Silveira. 2024: cap. 2).
A gramática da cultura como jogos de linguagem aparece nas
entrelinhas:
“Assim explicitamente que <Serpia> é a cor da
Serpia-padrão conservada em Paris hermeticamente fechada. Então, não terá
qualquer sentido afirmar, acerca deste padrão, que tem esta cor ou que não a
tem”. (Wittgenstein: 215).
Os fenômenos políticos da tela gramatical/estética têm um
padrão de cor? Na superfície profunda o fenômeno político é negro ou cinza,
conforme se aproxime da superfície i8nundad por luz. Assim, a gramática da
cultura política não tem um padrão central nos jogos de linguagem da história:
“podemos exprimir isto desta maneira: este padrão é um
instrumento da linguagem com o qual fazemos afirmações acerca de cores. Neste
jogo de linguagem o padrão não é nada de representado, mas um meio de
representação. – E o mesmo se pode dizer de um elemento no jogo de linguagem,
quando pronunciamos a palavra <E> para o designar: com isso demos a esta
coisa um papel no nosso jogo de linguagem; passa a ser um meio de
representação. E dizer-se: <se não existisse não poderia ter um nome>,
diz tanto ou tão pouco como: se esta coisa não existisse então não poderíamos
usá-la no nosso jogo de linguagem> - O que parece ter de existir, pertence à
linguagem. É um paradigma no nosso jogo de linguagem, uma coisa com a qual se
podem efetuar comparações. E constatá-lo pode significar que se faz uma constatação
importante; mas é, entretanto, uma constatação acerca do nosso jogo de
linguagem, do nosso modo de representação”. (Wittgenstein: 215). 54).
Os jogos de linguagem da gramática da cultura política
regulam, produzem e reproduzem os fenômenos da tela gramatical no campo
político/estético.
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O marxista universitário polonês Adam Schaff fala do sujeito:
“O sujeito que conhece ‘fotografa’ a realidade com a ajuda de
um mecanismo específico, socialmente produzido, que dirige a ‘objetiva’ do
aparelho. Além disso, ‘transforma1 as informações obtidas segundo o código
complicado das determinações sociais que penetram no seu psiquismo mediante a
língua em que pensa, pela mediação da sua situação de classe e dos interesses
de grupo que a ela se ligam, pela mediação das suas motivações conscientes ou
subconscientes e, sobretudo, pela mediação da sua prática social sem a qual o
conhecimento é uma ficção especulativa”. (Schaff: 82)
O sujeito-fotógrafo fala da realidade a partir a verdade
estruturada factualmente e artefactualmente? Lacan diz que averdade tem
estrutura de ficção. (Lacan. S. 16:186) . Para Scahff, a verdade é um problema
filosófico. (Schaff: 91):
“no nosso texto, entendemos por <verdade> um <juízo
verdadeiro> ou uma <proposição verdadeira> [...] limitamos nitidamente
a extensão semântica do termo <verdade> [...]. Quanto à expressão
<juízo verdadeiro>, adotamos a definição clássica da verdade: é
verdadeiro um juízo do qual se pode dizer que o que ele enuncia é na realidade
tal como o enuncia”. (Shaff: 92).
Lacan fala da verdade em um outro modo:
“Se a experiência analítica acha-se implicada, por receber
seus títulos de nobreza do mito edipiano, é justamente por preservar a
contundência da enunciação do oráculo, eu diria ainda, porque a interpretação
permanece sempre nesse mesmo nível. Ela só é verdadeira por suas consequências,
tal como no oráculo. A interpretação não é submetida à prova de uma verdade que
se decida por sim ou não, mas desencadeia a verdade como tal. Só é verdadeira
na medida em que é verdadeiramente seguida”. (Lacan. S.18:13).
A verdade não é mais um problema filosófico. Há a tela
gramatical mitológica [ou qualquer outra tela] ou oráculo no campo
político/estético mundial [é uma verdade verdadeiramente universal]. A verdade
passa a ser um problema de ciência política, pois, ela existe na cultura
política grega e por analogias em toda formação social regida por uma
plurivocidade de cultura política.
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.Em Freud, a política da democracia constitucional é agente
de produção de um futuro de ilusões. (Freud: 47). Badiou diz que a democracia constitucional
europeia deixa de ser a política freudiana:
“que se trata de um cenário agora destinado a outros fins, do
qual podemos provem certos signos, porém signos cuja uniformidade é tal que
nela somente pode gerar um sujeito automático, despojado de desejo”. (Badiou. 1990:7).
Vai além:
“as categorias fundadoras entre as quais se escolhia [direita/esquerda
[...], liberdade e autoridade são cada vez mais obsoletas” . (Badiou. 1990: 7).
A ideologia pode ser acrescenta ao rol das categorias obsoletas
- extemporâneas?
Althusser diz:
“As ideologias práticas são formações complexas de montagem
de noções-representações-imagens nos comportamentos-condutas-atitudes-gestos. O
conjunto funciona com normas práticas
que governam a atitude e a tomada de posição concreta dos homens em relação a
objetos reais e problemas reais da sua existência social e individual, e da
sua história”. (Althusser. 1974: 26).
Normas práticas implica uma gramática, uma tela gramatical de
fenômenos ideológicos.
Em outro texto, ele retoma a categoria de ideologia em geral:
“A estrutura especular duplicada da ideologia garante ao
mesmo tempo:
1 a interpelação dos <indivíduos> como sujeito,
2 sua submissão ao Sujeito. (Althusser. 1976:120).
O sujeito é assujeitamento ao campo das ideologias: sujeito
ou subjetividade ideológica. Porém, há o assujeitamento ao Sujeito, este como
tela gramatical de fenômenos no campo político/estético. A tela gramatical cria
e recria a subjetividade [alma para os antigos] ideológica ou outras. A tela
faz pendant com a gramática d cultura política na produção e reprodução dos
sujeitos:” a existência da ideologia e a interpelação dos indivíduos como
sujeitos são uma única e mesma coisa”. (Althusser. 1976:114).
Em Althusser, a ideologia é o deserto que está em toda parte:
“culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura,
ainda virgens dessas há lá. O gerais corre em volta. Esses gerais são
sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão, ou pães, é
questão de opiniães...O sertão está em toda a parte”. (Rosa:11).
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