domingo, 10 de março de 2024

"REPUBLICA" - cesarismo, verdade, Althusser

 

José Paulo 

 

Pensar a justiça como um problema da gramática da cultura política, eis algo que os gregos fizeram: a justiça em relação à alma do indivíduo. Por analogia entre o antigo e o moderno, a alma é o pensar da inteligência como sujeito ou subjetividade. Se esse fenômeno se encontra no campo político/estético do indivíduo, a justiça será a conciliação da alma ou subjetividade justa com a gramática da cultura política da politeia ou democracia constitucional. A alma injusta é o antagonismo permanente com a gramática da cultura política da democracia.

A verdade da justiça tem estrutura de ficção. Ela parece no campo político do indivíduo da alma justa em conciliação com a gramática da democracia. A alma injusta não tem acesso à verdade, pois, ela vive em uma condição de antagonismo com democracia.

Há o laço social gramatical entre o campo político do indivíduo e o campo político da polis ou sociedade, uma condição de possibilidade para a existência de ambos os campos. A tela gramatical faz pendant com a verdade da justiça? Como estrutura de ficção, a verdade da justiça funciona na tela gramática do campo político democrático constitucional. Ela é a imagem virtual especular ampliada do estado justo da subjetividade moderna ou da alma da antiguidade na cultura política democrática constitucional.

Como fantasma ou objeto virtual no campo político do indivíduo, o presidencialismo/cesarista produz e reproduz a alma injusta como soberana. Assim, o campo político do indivíduo soberano não tem uma fantasia como objeto real na cultura política para se conciliar.

O colapso do presidencialismo/cesarista vai arrastando para o abismo da meia-noite as almas justas da democracia constitucional nas Américas?

                                                                 2

A CULTURA POLÍTICA grega faz a junção do campo político do indivíduo com o campo político da polis:

“Platão busca solucionar essa dificuldade de uma forma que confere `a teoria da alma por ele desenvolvida sua marca característica; faz com que a alma – concebida no Fédon ainda inteiramente como uma – consista em três regiões. Ele chega a isso deslocando para a alma o sensível, os desejos – tidos originariamente apenas como representante do Mal, e que, segundo o Fédon, têm sede no corpo, e não na alma -, e distinguindo duas espécies de desejos, das quais só uma é má, e a outra, como porção <colérica> situando-se convenientemente entre o logos, que representa o Bem, e os desejos maus”. (Kelsen. 1995: 361).

A relação entre o campo político do indivíduo e a polis aparece claramente:

“E não é certo que o homem tirânico é semelhante à polis tiranizada, o democrático à polis governada democraticamente”. (Platão. Sem data: 334).

A verdade da justiça não faz parte do cesarismo:

“- E, portanto, não são em toda a sua vida amigos de ninguém, mas sempre déspotas de algum ou escravo de outro; a natureza tirânica jamais sente o gosto da verdadeira liberdade ou amizade”. (Platão. Sem data: 333).

Há uma analogia entre a tirania grega e o cesarismo da gramática da cultura políticas romana?

“A tirania é um perigo que não cessa de acompanhar a vida política. a análise da tirania é, por consequência, tão antiga como a própria ciência política”. (Leo Strauss: 37).

A tirania ou cesarismo é fazer o Mal, e esquecer de fazer o Bem:

“aquele que se mostrar o mais perverso não se mostrará também o mais infeliz; e o que por mais tempo exercer a tirania, mais constantemente e verdadeiramente infeliz. (Platão. Sem data: 334).

O tirano não é homem (Platon. 1950: 1181), pois, ele é o homem lobo do homem, conforme Plauto; ele é do domínio tem sua origem na região do heteróclito da superfície profunda do campo político - como grau zero estético.   

Alain Badiou fala do cesarismo na cultura política da metade do século XX como fascismo. (Badiou. 2014: 295). A subjetividade injusta é, portanto o grau zero da verdade da justiça na gramática da cultura política; portanto, uma cultura política que já não é propriamente uma cultura política com gramática. Pode ser uma cultura política anarcoempirista, ou agente do caos.  

                                                                       3

Na cultura política de Roma cabe a analogia entre tiranismo e cesarismo como jogos de linguagem; a cultura p0olítidca, afinal, é jogos de linguagem sem território determinado; os jogos de linguagem são parte da razão linguística, e não do logos da ciência da natureza:

“Júlio César é a tempestade em Roma. Mas qual tempestade? Cássio diz que o cesarismo é <diabólico>. [trata-se de uma analogia do heteróclito com a cultura política do cristianismo]. O diabo é a figura do monstro-rei, por excelência, do campo político da estética brutalista, estética política descoberta e inventada como objeto estético no Livro 1, de “O capital. A imagem alegórica máxima do brutalismo é as criancinhas da classe operária inglesa tendo os dedinhos decepados pelas máquinas na fábrica do capital. Enquanto o sangue delas escorre na mercadoria, a máquina não para de funcionar. O campo político/estético do capital inglês é o objeto real ou fantasia ou espírito que domina a vida inglesa em uma parte do século XIX. O campo estético do capital brutalista, em analogia, sobredetermina o passado europeu no campo político do cesarismo romano. A questão que se põe e repõe é se César é um monstro do brutalismo tirânico. (Bandeira da Silveira. 2024: cap. 2).

A gramática da cultura como jogos de linguagem aparece nas entrelinhas:

“Assim explicitamente que <Serpia> é a cor da Serpia-padrão conservada em Paris hermeticamente fechada. Então, não terá qualquer sentido afirmar, acerca deste padrão, que tem esta cor ou que não a tem”. (Wittgenstein: 215).

Os fenômenos políticos da tela gramatical/estética têm um padrão de cor? Na superfície profunda o fenômeno político é negro ou cinza, conforme se aproxime da superfície i8nundad por luz. Assim, a gramática da cultura política não tem um padrão central nos jogos de linguagem da história:

“podemos exprimir isto desta maneira: este padrão é um instrumento da linguagem com o qual fazemos afirmações acerca de cores. Neste jogo de linguagem o padrão não é nada de representado, mas um meio de representação. – E o mesmo se pode dizer de um elemento no jogo de linguagem, quando pronunciamos a palavra <E> para o designar: com isso demos a esta coisa um papel no nosso jogo de linguagem; passa a ser um meio de representação. E dizer-se: <se não existisse não poderia ter um nome>, diz tanto ou tão pouco como: se esta coisa não existisse então não poderíamos usá-la no nosso jogo de linguagem> - O que parece ter de existir, pertence à linguagem. É um paradigma no nosso jogo de linguagem, uma coisa com a qual se podem efetuar comparações. E constatá-lo pode significar que se faz uma constatação importante; mas é, entretanto, uma constatação acerca do nosso jogo de linguagem, do nosso modo de representação”. (Wittgenstein: 215). 54).

Os jogos de linguagem da gramática da cultura política regulam, produzem e reproduzem os fenômenos da tela gramatical no campo político/estético. 

                                                                     4

O marxista universitário polonês Adam Schaff fala do sujeito:

“O sujeito que conhece ‘fotografa’ a realidade com a ajuda de um mecanismo específico, socialmente produzido, que dirige a ‘objetiva’ do aparelho. Além disso, ‘transforma1 as informações obtidas segundo o código complicado das determinações sociais que penetram no seu psiquismo mediante a língua em que pensa, pela mediação da sua situação de classe e dos interesses de grupo que a ela se ligam, pela mediação das suas motivações conscientes ou subconscientes e, sobretudo, pela mediação da sua prática social sem a qual o conhecimento é uma ficção especulativa”. (Schaff: 82)

O sujeito-fotógrafo fala da realidade a partir a verdade estruturada factualmente e artefactualmente? Lacan diz que averdade tem estrutura de ficção. (Lacan. S. 16:186) . Para Scahff, a verdade é um problema filosófico. (Schaff: 91):

“no nosso texto, entendemos por <verdade> um <juízo verdadeiro> ou uma <proposição verdadeira> [...] limitamos nitidamente a extensão semântica do termo <verdade> [...]. Quanto à expressão <juízo verdadeiro>, adotamos a definição clássica da verdade: é verdadeiro um juízo do qual se pode dizer que o que ele enuncia é na realidade tal como o enuncia”. (Shaff: 92).  

Lacan fala da verdade em um outro modo:

“Se a experiência analítica acha-se implicada, por receber seus títulos de nobreza do mito edipiano, é justamente por preservar a contundência da enunciação do oráculo, eu diria ainda, porque a interpretação permanece sempre nesse mesmo nível. Ela só é verdadeira por suas consequências, tal como no oráculo. A interpretação não é submetida à prova de uma verdade que se decida por sim ou não, mas desencadeia a verdade como tal. Só é verdadeira na medida em que é verdadeiramente seguida”. (Lacan. S.18:13).

A verdade não é mais um problema filosófico. Há a tela gramatical mitológica [ou qualquer outra tela] ou oráculo no campo político/estético mundial [é uma verdade verdadeiramente universal]. A verdade passa a ser um problema de ciência política, pois, ela existe na cultura política grega e por analogias em toda formação social regida por uma plurivocidade de cultura política.

                                                                                  5

.Em Freud, a política da democracia constitucional é agente de produção de um futuro de ilusões. (Freud: 47). Badiou diz que a democracia constitucional europeia deixa de ser a política freudiana:

“que se trata de um cenário agora destinado a outros fins, do qual podemos provem certos signos, porém signos cuja uniformidade é tal que nela somente pode gerar um sujeito automático, despojado de desejo”. (Badiou. 1990:7).

Vai além:

“as categorias fundadoras entre as quais se escolhia [direita/esquerda [...], liberdade e autoridade são cada vez mais obsoletas” . (Badiou. 1990: 7).

A ideologia pode ser acrescenta ao rol das categorias obsoletas - extemporâneas?

Althusser diz:

“As ideologias práticas são formações complexas de montagem de noções-representações-imagens nos comportamentos-condutas-atitudes-gestos. O conjunto funciona com  normas práticas que governam a atitude e a tomada de posição concreta dos homens em relação a objetos reais e problemas reais da sua existência social e individual, e da sua história”. (Althusser. 1974: 26).

Normas práticas implica uma gramática, uma tela gramatical de fenômenos ideológicos.

Em outro texto, ele retoma a categoria de ideologia em geral:

“A estrutura especular duplicada da ideologia garante ao mesmo tempo:

1 a interpelação dos <indivíduos> como sujeito,

2 sua submissão ao Sujeito. (Althusser. 1976:120).

O sujeito é assujeitamento ao campo das ideologias: sujeito ou subjetividade ideológica. Porém, há o assujeitamento ao Sujeito, este como tela gramatical de fenômenos no campo político/estético. A tela gramatical cria e recria a subjetividade [alma para os antigos] ideológica ou outras. A tela faz pendant com a gramática d cultura política na produção e reprodução dos sujeitos:” a existência da ideologia e a interpelação dos indivíduos como sujeitos são uma única e mesma coisa”. (Althusser. 1976:114).

Em Althusser, a ideologia é o deserto que está em toda parte:

“culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, ainda virgens dessas há lá. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão, ou pães, é questão de opiniães...O sertão está em toda a parte”. (Rosa:11).

 

 

ALTUSSER, Louis. Philosophie et philosophie spontanée de4s savants. (1967). Paris: Maspero, 1974

ALTHUSSER, Louis. Positions. Idéologie et appareils idéologiques d’Etat. Paris: Editions Sociales, 1976

BADIOU. Alain. Se puede pensar la politica? Buenos Aires: Nueva Visión, 1990

BADIOU, Alain. A República de Platão recontada por Alain Badiou. RJ: Zahar, 2014   

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época pós-moderna. EUA: amazon, 2024

FREUD. O futuro de uma ilusão. Obras Completas. V. 21. RJ: Imago, 1974

KELSEN. A ilusão da justiça. SP: Martins Fontes, 1995

LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008

LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 18. De um discurso que não fosse semblante. RJ: Zahar, 2009

PLATÃO. Diálogos. A República. RJ: Edições de Ouro, sem data

PLATON. Oeuvres. Completes. V. 1. La République. Paris: Gallimard, 19500

ROSA, João Guimarães. Ficção Completa. Volume 2. RJ; nova Aguilar, 1994

SCHAFF, Adam. História e verdade. SP: Martins Fontes,1983                

STRAUSS, Leo. De la tyrannie. Paris: Gallimard, 1997

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Lisboa: Gulbenkian, 1987

 

 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário