sábado, 23 de março de 2024

Evangelismo neoconservador, revolução e guerra civil

 

J.osé Paulo 

 

O campo político/estético é dirigido e regulado por uma plurivocidade de tela gramatical. Um fenômeno do regime constitucional de 1988 é o evangelismo radical neoconservador do americanismo.

O evangelismo radical invade o campo político-88 ao se constituir como uma cultura política econômica que ergue uma tela gramatical neoconservadora radical. Como o evangelismo significa dezenas de milhões de ´pessoas [sendo maioria mulheres] é preciso todo cuidado na análise desse fato/artefato.

O evangelismo é a massa religiosa habitando o campo político/estético através da soberania popular e rua. O pastor se tornou um agente da política brasileira que levou ao governo nacional Jair Messias Bolsonaro e quase o reelegeu, em 2022. O evangelismo é um fenômeno que se define como negação do campo da esquerda lulista/petista. Lula o derrotou em outubro de 2022, ao jogar Bolsonaro para a superfície profunda da meia-noite do campo político/estético-88.

Começo análise pela relação do evangelismo com a Constituição de 1988.  O evangelismo neoconservador tem uma posição dentro das <quatro linhas> da Constituição?

“VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. (Constituição: 18).

O evangelismo radical aparece como uma religião das classes populares brancas que estabelecem a guerra civil racial contra as classes populares pobres negra e mestiça. No campo político religioso/estético, o evangelismo faz das religiões afro-brasileira um objeto de ataque [inimigo no território do sagrado], em uma guerra de posição religiosa cujo objetivo é jogar para a superfície profunda da meia-noite a cultura política econômica religiosa afro-brasileira.

Qual a relação do evangelismo radical com o direito penal?  já que este é a nova gramática de inteligibilidade das relações sociais. (Garapon: 14).

“XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar”. (Constituição: 19).

No campo político/estético religioso, o evangelismo radical aparece como franja paramilitar e, assim passa a fazer parte da guerra civil da meia-noite no campo político/estético-1988.

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No campo político neoconservador da América de Tocqueville, Donald Trump representa o evangelismo radical da guerra civil religiosa. A guerra civil  trumpista é uma vontade de poder de produzir a transformação da forma de governo. Donald se apresenta como partidário de uma forma de governo cesarista/tirânica brutalista de um Estado teológico, como no Brasil, Bolsonaro é o agente de uma forma de governo teológica neogrotesca secundado pelo pastor Malafaia e Michele Bolsonaro.

Qual a relação do evangelismo neoconservador brasileiro com o campo da direita liberal radical?

O neoconservador neopentecostal se caracteriza por uma relação diferente do evangélico tradicional. Este quer conservar a tradição de costumes e hábitos da moralidade familiar no campo político religioso. O evangélico radical é um agente de mudança no campo político que usa a tradição da moralidade familiar como arma religiosa de intervenção na soberania popular. Ele fala em <teologia do domínio> como concepção política de vida de assalto ao Estado secular. Ele põe e repõe abertamente a vontade de substituir o Estado brasileiro laico da Constituição de 1988 por um Estado teológico. A tradição do neoconservadorismo é a política teológica do americanismo neoconservador.

O evangelismo radical neoconservador é a abolição no campo político/estético religioso da Constituição-88 - com sua teologia da prosperidade-, que é a ideia de desintegração do Estado-88:

Capítulo II, Direitos sociais

“Parágrafo único. Todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direto a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária”. (Constituição: 23). 23

Este parágrafo é o coração da gramática social da constituição-1988. Contra ele se levanta uníssono o campo ideológico da direita que se apresenta como uma estrutura de dominação hegemônica na política nacional, através do Congresso e do poder judiciário.  

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O livro “Para além da esquerda e da direita”, põe o problema do fim da ideologia no campo político/estético inglês. Ele fala da relação entre democracia e autoritarismo na década de 1990:

“De repente, todo mundo descobriu a democracia! Uma paixão pelo governo democrático tem sido há muito tempo a marca registrada das filosofias políticas liberais, mas o Velho Conservadorismo e o socialismo revolucionário sempre se mantiveram a distância. No entanto, existe atualmente algum pensador político que não seja, em um sentido ou outro, um democrata? (Giddens: 121).

No regime 1988, o poder governamental caiu nas mãos da esquerda no início dos anos 2000. Assim, a esquerda abandonou a revolução socialista e se inscreveu na tradição do populismo de esquerda de um João Goulart e Brizola.

O campo político barroco aparece como uma evolução política do domínio da esquerda populista até 2013. Em junho de 2013, a revolução barroca dentro da ordem constitucional passou do real para o campo político da rua. 

A tela gramatical viva da multidão-13 aparece como a gramática do aprofundamento da democracia lulista. A presidente lulista Dilma Rousseff entrou em choque traumático com a multidão e passou a tratá-la pela legislação penal de exceção, jogando a multidão para a superfície profunda da meia-noite, com a legislação penal antiterrorista. Assim, o lulismo se desvinculou da necessidade de                  desintegrar a estrutura de dominação <capitalismo subdesenvolvido> (Bandeira da Silveira; 2019), a bandeira principal, invisível, virtual, de 2013. O lulismo decidiu governar com a estrutura de dominação da tela gramatical subdesenvolvida. Em 2023, Lula e o PT retomam o governo nacional segundo o modelo ideológico de governar sem nada fazer para mudar o subdesenvolvimento.

Leo Strauss ensina;

“Para compreender o problema do direito natural, se faz necessário partir de uma inteligência não <científica> mais <natural> das coisas políticas, isto é, da maneira como se apresentam na vida política e nos atos da vida cotidiana, cada vez que se torna necessário tomar decisões”. (Strauss: 83).

Substituir o logos científico pela razão linguística do campo político é descer do céu do paradigma científico para a terra da tela gramatical político/estética de uma conjuntura. Nos encontramos na conjuntura de junho de 2013, aceite a esquerda esse fato  ou não. Esta situação concreta é da revolução barroca dentro da ordem ou da contrarrevolução da direita:

‘A esquerda clássica governa para o capital e para o pobre. Em um período, no qual o Estado se encontra sob o domínio do capital fictício, governar para o pobre e os assalariados se tornou um problema revolucionário. O governo Temer e o Centrão fizeram a reforma trabalhista contra os trabalhadores. O governo Bolsonaro fez a reforma da previdência contra os aposentados e pensionistas. Aí funda-se o campo da direita neobarroca cibernética”. (Bandeira da Silveira: 2023).

Rigorosamente, se estabelece a região da direita como guerra civil aberta da meia-noite na superfície profunda do campo político/estético do <Brasil Profundo>. (Bandeira da Silveira; 2021). 

Bem. Lula venceu a última eleição contra Bolsonaro evocando a revolução barroca a ´partir do governo nacional:

“A história caminhou para uma conjuntura na qual a revolução barroca dentro da ordem se tornou a revolução barroca contra a gramática do capitalismo subdesenvolvido brasileiro. A situação concreta é a da transição de Forças Armadas do capital para aquelas de classe média. A burocracia pública existe como uma categoria social de classe média. Porém, a ideologia do exército como exército do capital ou poder moderador é uma sobrevivência de um fenômeno da ditadura militar no regime-1988”. (Bandeira da Silveira: 2023, capítulo 37).      

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A república começa com um ersatz de guerra civil de generais ligados à família real que desintegra a monarquia. Dois governos iniciais da guerra civil dos generais foram substituídos pelo pode civil oligárquico. De 1910 a 1920, a luta de classe do proletariado manufatureiro habitou o campo político/estético da República Velha. A luta de classe foi tratada como questão de polícia. Antes, uma guerra civil popular de Canudos e Contestado foi esmagada pelo exército da guerra civil dos generais.

Na década de 1920, a classe média pública em armas se apresenta contra a ordem política da república velha. Em 1930, da oligarquia estancieira do Sul, Getúlio Vargas foi o condottiere de tropas armadas que destruíram a democracia representativa da república velha. O capitão do exército brasileiro Luís Carlos Prestes fez sua própria guerra civil particular com a <Coluna Prestes> do tenentismo de esquerda.

Em 1932, São Paulo fez sua guerra civil armada contra o estado de exceção getulista, instalado em 1930. Foram derrotados, mas os efeitos desse acontecimento político redundaram na democracia de 1934 - criada por uma Assembleia Nacional Constituinte. Nessa democracia, viveu-se a guerra civil comunista, em 1935, e despois a guerra civil fascista ou integralista. Getúlio aproveitou a conjuntura de guerra civil aberta para destruir a democracia-34, a segunda que ele desintegrou. No lugar da democracia fabricou um Estado totalitário, em 1937.

Getúlio foi derrubado pelos generais em um ersatz de guerra civil militar. Na democracia (19436-1964), a guerra civil aparece por insurreições militares no governo JK. Um ersatz de rebelião dos generais havia derrubado Getúlio. Na década de 1960, o presidente João Goulart foi derrubado por uma guerra civil da classe média privada e pública do Rio e São Paulo. Na conjuntura de 1964-68, a luta de massas provoca um golpe de Estado na forma de governo ditatorial oligárquico liberal iluminista. No lugar desse governo, entra uma forma de governo tirânica/cesarista brutalista. A classe média da esquerda moderna da juventude RJ/SP se choca com a ditadura em uma guerra civil armada - e é aniquilada.

A luta de massas contribui para o fim da ditadura. No lugar desta, temos a forma de governo democrático liberal moderna de 1988. Após algumas décadas de governo lulista, Dilma Rousseff foi derruba pela guerra civil branca de Michael Temer, seu vice-presidente. Depois, um fenômeno judiciário conhecido como Lava Jato se transformou em uma guerra civil judicial para levar a direita ao governo via eleição. Como deputado federal, Jair Bolsonaro evocava a guerra civil suja da meia-noite como solução capaz de acabar com o campo da esquerda com uma bala de prata. Se tornou presidente da república e fez do Estado nacional um instrumento político de sua guerra civil suja, que assassinou 300 mil pessoas na era da covid.

Perdeu a eleição para Lula em 2022, mas sua estratégia de transformar a eleição em guerra civil lhe rendeu 48% dos votos. Fora do governo usou a guerra civil para impedir que Lula assumisse o governo legítimo, pois, pacífico.  A guerra civil suja é uma guerra injusta, a injustiça berrada aos quatro cantos do país. Um Bolsonaro inelegível para 2026 continua sua guerra civil no campo eleitoral como guerra de posição ´para tomar de assalto as principais prefeituras em 2024.  

A república dos generais se define por ter substituído a luta de classe pela guerra civil político/civil, público/privada. No fim da época pós-moderna e no além da época posmoderna (Bandeira da Silveira; 2024), o que será do campo político/estético-1988?

 

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Subdesenvolvimento hoje. Lisboa: Chiado, 2019

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Brasil Profundo. EUA: amazon, 2021

 BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Crítica da dialética barroca. EUA: amazon, 2023

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época posmoderna. EUA amazon, 2024

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SP: EDIPRO, 2022

GARAPO0N E SALAS. La république pénalisée. Paris: Hachette, 1996

GIDDENS, Anthony. Para além da esquerda e da direita. SP: UNESP, 1996

STRAUSS, Leo. Droit naturel et histoire. Paris: Flammarion, 1954

 

 

           

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