José Paulo
A RELAÇÃO entre
técnica e relação social se altera na época do mercantilismo do capital
asiático, paradigma do capitalismo mundial.
A relação social é subssumida `pela técnica
“A técnica só é dominada de um modo tal que lhe é dado espaço
até mesmo no aparentemente não técnico (isto significa aqui maquinal), o poder
da <organização> é escravo da técnica e <domina>esta última, assim
como o escravo liga o senhor a si próprio através da plena submissão”.
(Heidegger: 155).
O poder da relação social de produção é escravo da técnica
[das relações técnicas de produção] e estabelece uma estrutura de dominação da
sociedade de classes sociais que domina as relações técnicas - como o escravo
no discurso do mestre faz laço social com o senhor através da sua plena
submissão.
A fronteira virtual entre relação social e relação técnica se
atualiza com a emergência do discurso do mestre da sociedade da classe
dominante, isto é, da sociedade como escravo da técnica da cultura política
econômica do capital [do general intellect gramatical]. Como fenômeno social das
relações técnicas de produção, o general intellect gramatical é o escravo que
submete a si [como escravo da técnica] ao senhor/capital.
Na Tela gramatical
estética da antiguidade, a obra de arte era um saber pressuposto que poderia
fundar a verdade:
“Este fim da <arte>, o fim da pressuposição de que uma
obra de arte pode fundar a verdade, não há perda”. (Heidegger:122). Passamos
para “O pensamento e a poetização sem-arte”. (Heidegger: 123). A obra de arte da tela gramatical estética da
época além da época posmoderna não é um saber pressuposto que funda e refunda a
verdade.
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A revolução burguesa europeia põe e repõe o problema da
relação da técnica com sociedade:
“Dissemos que a causa de uma revolução, duma passagem
violenta dum tipo de sociedade a outro, deve ser procurada no conflito que
estala entre as forças produtivas seu crescimento, de um lado, e a estrutura
econômica da sociedade, isto é, as relações de produção, do outro”. (Bukharin:
289).
A sociedade aparece como:
“1, a propriedade territorial feudal; 2, o regime das
corporações na indústria em formação; 3, os monopólios comerciais. Tudo isso
era sustentado, com outras tantas coisas, por inúmeras normas jurídicas”>
(Bukharin: 296).
Um outro modo de falar da revolução social é pensar a
sociedade como escrava da técnica, a sociedade como escravo da técnica que se submete ao discurso do capitalista como discurso do senhor. Tal
fenômeno remete para a revolução como cultura política econômica:
“uma modificação pela qual o indivíduo [revolução],
como efetividade especial e como conteúdo peculiar, se opõe àquela efetividade
universal [tela gramatical existente em um campo político/estético].
Essa oposição vem a tornar-se crime quando o indivíduo suprassume essa
efetividade de uma maneira apenas singular; ou vem a tornar-se um outro mundo –
outro direito, outra lei e outros costumes, produzidos em lugar dos presentes –
quando o indivíduo o faz de maneira universal e, portanto, para todos”.
(Hegel:194).
Na gramática marxista barroca:
Segue-se entre outras coisas que não existe revolução
<puramente política>; toda revolução é uma revolução social, isto é,
desloca classes; a toda revolução social é uma revolução política. Isto porque
não é possível derrubar as relações de produção sem derrubar a força política
destas relações; inversamente, derrubar o poder político significa derrubar o
poder de uma classe no domínio econômico, pois, <a política é a expressão
condensada da economia”. (Bhukarin: 294).
A cultura política econômica do capital é a política como
conciliação com a sociedade de classe dominante; o Estado nacional aparece como
poder político e aparelho de Estado na cultura política econômica do capital.
No além da época posmoderna, o Estado nacional aparece como um artefato
jurídico/político/estético em diferentes culturas políticas econômicas
nacionais.
O general intellect gramatical aparece como junção de
sociedade e relações técnicas de produção:
“Se abordamos por esse lado a questão da acumulação
intelectual, veremos sem esforço que esta acumulação tem precisamente lugar sob
formas concretas, e de certa forma se precipita em depósito palpável, material.
Tanto maior é o domínio da cultura intelectual, é rico, mais grandioso, mais
amplo o domínio desses <fenômenos sociais materializados>. Para falar por
metáfora [e sem esquecer que se trata apenas de uma analogia], a carcaças
material da cultura intelectual constitui o <capital de base> desta
cultura; é tanto mais rica, quanto ele é mais considerável, o que novamente,
<em última análise>, depende do nível de evolução das forças produtivas
materiais. Inscrições ingênuas, máscaras, ídolos grosseiros, desenhos sobre
pedra, monumentos artísticos, manuscritos de papiros, ‘livros’ de pergaminho
etc. – e mais tarde galerias, museus, jardins botânicos, laboratórios, jornais
etc. – tudo isto é a experiência acumulada, materializada da humanidade. As
novas prateleiras de livros, com os livros novos que constantemente se juntam
aos que já lá estão, mostra-nos, de uma forma concreta, a colaboração de uma
quantidade de gerações que se sucedem umas às outras numa sequência
ininterrupta”. (Bukharin: 319-20).
Aí se encontra o general intellect gramatical como parte das
relações técnicas de culturas políticas econômicas que se sucedem na Europa,
especialmente.
3
A lógica do significante de Lacan cancelou a gramática da
significação de Hegel na época posmoderna. Como estamos no além da época
pós-moderna, a gramática hegeliana pode ser objeto de novas interpretações. Antes
disso, Zizek fez sua leitura lacaniana de Hegel. Até onde ele chegou:
“A inexistência do grande Outro indica que cada edifício moral e/ou ético
tem de ser fundamentado em um ato abissal que é, no sentido mais radical que se
possa imaginar, político. A política é o verdadeiro espaço em que, sem nenhuma
garantia externa, as decisões éticas são tomadas e negociadas. A ideia de que
se pode fundamentar a política na ética, ou de que a política é, em última
análise, um esforço estratégico para realizar ´posições éticas anteriores, é
uma versão da ilusão do grande Outro”. (Zizek: 597).
Rigorosamente, não existe a política, e sim o campo
político/estético. A ética do campo é o ajudar o amigo e prejudicar o outro. É
a ética da tirania. A tela gramatical estética da tirania/cesarismo encontra-se
em Hegel. A tirania é a natureza da natureza estética do campo político:
“É o universal em si e para si, que é representado como a
potência objectiva que domina tudo o que existe, quer porque este Uno, na sua
tendência explicitamente negativa, seja posto em oposição com que é criado,
quer porque, na sua imanência positiva e panteísta, se oferece á consciência e
à representação no seio do que é criado. Mas a dupla falta desta maneira de
ver, do ponto de vista da arte, consiste, em primeiro lugar em que esse Uno e
Universal que constitui a significação básica, ainda não atingiu um grau de
precisão e diferenciação, ou seja, e de personalidade e individualidade
suficiente para poder ser concebido como espírito e representado numa forma
sensível tão conforme a seu conteúdo espiritual como a seu conceito”.
(Hegel:242).
A <subjetividade> espiritual hegeliana é a tela
gramatical que submete a gramática da tirania:
“deste ponto de vista, podemos mencionar, ao ado do sublime,
uma outra concepção do mundo que também nasceu no Oriente: é, ao contrário da
substancialidade de um só Deus, o reconhecimento da liberdade interior, da
autonomia, da independência da pessoa individual, na medida em que esta ideia
era possível no Oriente. Como concepção dominante encontramo-la sobretudo entre
os árabes que, nos desertos, nas imensas extensões planas cobertas de um céu
puro e queimadas por um sol ardente, só podiam contar, para se defenderem, com
sua coragem e a força do seu braço, com os seus camelos, cavalos, lanças e
espadas. [...] A este sentimento de independência individual liga-se então um
conjunto de qualidades que dela são corolários: a amizade livre, a
hospitalidade generosa, a nobre distinção nas atitudes e nas relações
quotidianas, e também defeitos tais como a sede infinita de vingança, a
lembrança inapagável de um ódio que alimenta uma paixão implacável e uma
crueldade sem qualquer sentimento. O que se passa neste domínio parece
puramente humano e no círculo humano encerrado; são atos de vingança, relações
amorosas, dedicações à prova de todos os sacrifícios, factos de onde desaparece
qualquer elemento9 maravilhoso e fantástico, de tal modo que tudo acontece de
maneira firme precisa tendo em conta as relações necessárias que existem entre
as coisas”. (Hegel: 242-43).
Hegel apresenta o judeu fazendo pendant com o árabe:
“Já antes encontramos entre os Hebreus a mesma concepção dos
objetos reais, quer dizer, a mesma redução das coisas à sua medida e às suas
relações firmes e estáveis, o mesmo reconhecimento da sua liberdade e não
apenas da sua utilidade. Uma firme independência de caráter e a crueldade na
vingança e no ódio, eram também traços inerentes à primitiva nacionalidade
judaica, mas com a diferença de que, entre os Judeus, as manifestações e os
fenômenos mais poderosos da natureza são considerados e representados menos por
si mesmos do que por serem testemunhos do poder de Deus em face do qual toda a
independência desaparece; e até o ódio e as perseguições, em vez de serem
pessoais, quer dizer, dirigidas contra pessoas, voltam-se contra povos
inteiros, como vingança nacional ao serviço de Deus. É assim que, por exemplo,
certos salmos do último período e certos profetas só sabem implorar a Deus a
desgraça e a desintegração de outros povos e usam de uma violência
extraordinária nas maldições que lançam sobre eles”. (Hegel: 243).
A gramática árabe e/ou judaica articula o campo político do
indivíduo com suas afecções com o campo político/estético do povo nacional. Há
semelhanças entre as culturas políticas econômicas dos dois povos, contudo, o Deus
judaico no campo político estético faz a diferença nacional.
A gramática desses dois povos se estabelece como grau zero da
relação entre técnica e tela? Como não há discurso do mestre, a sociedade não é
escrava da técnica, pois não há sociedade de classes sociais. A relação entre
técnica e subjetividade é simples: no caso do árabe é a relação entre o
guerreiro e seu braço forte, sua coragem, seus camelos, cavalos, lanças e
espadas. É uma sociedade sem general intellect gramatical. No caso do judeu, a
<escritura> parece apontar para um general intelecto gramatical bíblico
que não indica a sociedade escrava da técnica. Os fenômenos mais poderosos da
natureza representados como testemunho do poder de Deus se traduzem em uma
relação do general intellect gramatical bíblico como escravo da técnica, ou
seja, a subjetividade judaica escrava da técnica da escritura, ou seja, de Deus
no campo político/estético?
4
Há a desintegração da tela gramatical clássica da antiguidade
europeia:
“Examinemos de mais perto as situações concretas que
correspondem ao princípio que acabamos de formular. Desde logo encontramos
aquilo que já conhecemos, isto é, que os deuses gregos tinham como conteúdo o
aspecto substancial da vida e acções do home real. Contemplando os deuses, o
homem podia assim possuir uma ideia da mais alta determinação da existência, do
seu interesse geral e do seu fim supremo, como estando assentes na realidade”.
(Hegel: 286).
Clara relação da realidade virtual mitológica com a realidade
do campo político do homem.
Segue:
“Uma das características essenciais da arte grega era
representar a forma espiritual como unida à realidade exterior, e por isso a
absoluta determinação espiritual do homem acabara por se apresentar no aspecto
de uma realidade objectiva e por impor ao indivíduo o dever de realizar a
concordância entre si e a substância e universalidade dessa determinação. Para
o grego, tal fim residia numa conciliação com o interesse do Estado, os deveres
do9 cidadão e num patriotismo vivo. Fora destes interesses, outros não havia
mais altos e mais verdadeiros”. Hegel:286).
O Estado é o Estado lacaniano da administração da mais-valia
pública ou dinheiro público que constrói a polis obra-de-arte.
Segue:
Mas a vida política compõe-se de manifestações que, como
tais, têm uma existência passageira. Não é difícil ver que um Estado onde reina
uma tal liberdade, que se identifica tão diretamente com todos os cidadãos aos
quais está entregue a função mais activa em todos os negócios públicos, só pode
ser fraco e pequeno e está condenado a desaparecer, quer por causas internas
quer por causas externas, puramente históricas”. (Hegel: 286).
A pólemos [guerra entre estados-polis etc.] e a stásis
[motim, rebelião, insurreição, guerra civil (Derrida: 110-111) e a revolução
política concorrem para a desintegração da forma de governo da politeia ou
república democrática constitucional.
Segue:
“Com efeito, numa ligação tão intima do indivíduo com a
generalidade da vida pública, não há meios de o particular e o subjetivo se
afirmarem sem mais ou menos lesar os interesses do Estado. Assim separada do
substancial, não estando completamente absorvida nele, a particularidade
subjectiva degenera num egoísmo natural, limitado, que segue o seu próprio
caminho e só vai atrás dos seus interesses que nada têm a ver com os do todo, e
se torna uma causa da decadência do Estado logo que conquiste a força subjetiva
que lhe permita assumir perante ele uma atitude de franca oposição. Além disso,
no seio desta mesma liberdade, e por causa dela, o sujeito sente nascer em si o
desejo de uma liberdade mais elevada, o desejo de ser livre, não apenas no
Estado, como todo substancial, não apenas em face da moral e das leis
existentes, mas na sua própria vida interior de modo a poder extrair do seu
próprio saber subjectivo os critérios do belo e do justo”. (Hegel:
286-87).
Na tela gramatical estética da subjetividade hegeliana, os
jogos de gramática dialéticos do belo e do justo, da liberdade do sujeito e do
fim da forma de governo politeia e seu Estado lacaniano, do sujeito livre da
multidão barroca soberana põem e repõem a relação do virtual com o atual,
relação do velho com o novo, do antigo com o moderno.
Segue:
“Quer o sujeito afirmar-se como sendo ele mesmo de natureza
espiritual e daí provém, no seio daquela liberdade, um novo divórcio entre os
fins que ao Estado interessam e os do sujeito como indivíduos livres. Esta
oposição iniciou-se na época de Sócrates enquanto, por outro lado, a vaidade, o
egoísmo e os excessos da democracia e da demagogia de tal modo perturbavam o
Estado que homens como Platão e Xenofonte não escondiam o desgosto que lhes
causava a situação da sua cidade natal onde a direção dos negócios públicos era
entregue a homens frívolos e irresponsáveis”. (Hegel: 287).
Há uma mudança na forma de governo que transita da república
democrática constitucionalista do clássico para uma democracia da multidão
grotescamente tirânica.
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Na transição da
soberania do Estado para a soberania do sujeito, da soberania do campo político/estético
da polis para o campo político/estético do indivíduo:
“É, pois, a oposição entre o espírito autônomo em si e a existência
exterior que caracteriza o fenômeno da transição de que nos ocupamos. Nesta
separação da realidade onde já não se encontra, o espiritual passa a ser um
espiritual abstrato sem que seja no
entanto o uno abstrato Deus oriental, mas pelo contrário, o sujeito real, consciente
de si mesmo, que na interioridade subjectiva descobre toda a universalidade do
pensamento, a beleza, a verdade e o bem, e isso, em vez de o enriquecer com o
conhecimento do mundo real, deixa-o face a face com as suas ideias e convicções”.
(Hegel: 287).
O fantasma virtual do campo político do indivíduo é o pressuposto
saber do sujeito sem conciliação com a realidade fatos e artefatos no campo
político/estético.
Segue:
“Por outro lado9, está-se profundamente insatisfeito com a
vida presente, a vida política real da época, manifesta-se uma tendencia para
abandonar as antigas maneiras de pensar, o patriotismo e a sabedoria política
dos tempos passados, e isso não pode deixar de criar uma oposição entre a
interioridade subjectiva e a realidade exterior”. (Hegel: 297).
O antagonismo entre a vida do campo político do sujeito e
a vida da polis gera o ciclo histórico, após duzentos anos, de um tempo circular
curto de mudanças das formas de governo: monarquia, aristocracia, república
democrática constitucional, tirania/cesarismo, oligarquia, democracia negra.
Segue:
Na base disso, há um anseio íntimo que, ao exprimir-se de um
modo rigoroso e firme, esbarra com um mundo já constituído e que se lhe opõe,
com uma realidade corrompida e decadente oposta ao bem e à verdade. A arte é
que assume a tarefa de vencer a oposição. Nasce então uma nova forma artística
na qual a luta contra oposição, uma vez de ser guiada pelo pensamento, é
conduzida de um modo tal que a própria realidade é representada em todo o seu
absurdo, em toda a sua concepção, como se se destruísse a si mesma. Procura-se
através desta autodestruição, mostrar a verdade como uma potência firme e permanente,
e tirar, ao absurdo e ao irracional a força de se oporem diretamente ao que é
verdadeiro em si. Tal é missão do gênero cômico que Aristófanes aplicou aos
aspectos essenciais da realidade do seu tempo, empregando-o sem cólera, com
sereno bom humor!”. (Hegel: 287).
A tela gramatical da comédia da antiguidade não é a tela
gramatical da comédia do bonapartismo [tirania/cesarismo] estudada por Marx. (Marx:372).
A comédia bonapartista é uma paródia da comédia da antiguidade.
BUKHARIIN, N. Tratado do materialismo histórico. RJ: Centro
do Livro Brasileiro, sem data
DERRIDA, Jacques. Politique de l’amitié. Paris: Galilée, 1994
HE3IDEGGER, Martin. Nietzsche. Metafísica e niilismo. RJ:
Relume Dumará, 2000
HEGEL. Fenomenologia do Espírito. Parte 1. Petrópolis; Vozes,
1992
HEGEL. Estética. Lisboa: Guimarães Editores, 1993
INWOOD, Michael. Dicionário Hegel. RJ: Zahar, 1997
MARX. Os Pensadores. O
18 Brumário de Luís Bonaparte. SP: Abril Cultural, 1974
ZIZEK, Slavoj. Menos que nada. Hegel e a sombra do
materialismo histórico. SP: Boitempo, 2013
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