sexta-feira, 8 de março de 2024

PLATÃO - gramática do Phédon

 

José Paulo 

 

 

No Fédon, a ESTRUTURA de dominação da gramática são duas. A dialética e a mitologia. (Kierkegaard: 47, 49). A mitologia é a realidade virtual ao lado da dialética, da ética, do trágico e do cômico; ela é a realidade virtual da ironia.

O Fédon começa com a mitologia do Minotauro. (Platão. 1972: 63; 1950: 765-764). Na mitologia política, Teseu é o herói que vai ao labirinto matar o Minotauro. Que entrava no Labirinto não encontrava o caminho de volta. Teseu faz com que a princesa de Creta Ariadne se apaixone por ele. ela lhe dá um novelo de lã vermelho para que Teseu possa voltar. Ele amarra o novelo em uma pedra na posta do Labirinto, mata o Minotauro e retorna. O Dinossauro é um monstro mitológico que devorava jovens atenienses, uma dívida de promessas para Creta após esta derrotar Atenas.

O labirinto é a alegoria de todo e qualquer campo político. Há uma realidade heteróclita virtual [produção de monstros] no campo político, em sua superfície profunda. A realidade heteróclita é o contrário da realidade da ética do renascimento grego; esta é o viver bem e para o bem, enfim, uma realidade do agradável.

A realidade heteróclita faz pendant com o grotesco do brutalismo:

“Algumas coisas são agradáveis por natureza, e dessas umas são irrestritamente agradáveis, enquanto outras o são em relação a determinadas classes de animais ou de pessoas; por outro lado, outras não são naturalmente agradáveis, mas algumas dessas se tornam agradáveis por causa de aberrações, outras por causa de hábitos e outras ainda por causa de taras. (Aristóteles: 137).

A vida heteróclita pode ser agradável para que vive na superfície profunda do campo político por causa da relação do heteróclito com o grotesco do brutalismo:

“Sendo assim, é possível descobrir em relação a cada uma das espécies da segunda classificação disposições de caráter semelhantes às identificadas a respeito do primeiro caso; refiro-me às disposições bestiais, como no caso da mulher que, segundo relato, abria o ventre das mulheres grávidas e devorava os fetos; ou das coisas com que3, de acordo com certos relatos, algumas tribos selvagens do litoral do mar Negro tinham por hábito deleitar-se – com alimentos crus ou carne humana, ou com a troca de crianças entre as tribos para serem seviciadas em suas festas – ou como na narrativa sobre Fálaris”. (Aristóteles: 137).

Aristóteles trata de mitologia como realidade realmente existente. A estrutura de dominação da gramática aristotélica põe e repõe a fronteira entre civilização e barbárie [realidade heteróclita]. Civilização versus barbárie é uma distinção introduzida no campo político/estético grego em analogia época do renascimento versus época mitológica do realismo brutalista?

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A gramática só existe como estrutura de dominação se ela funcionar em uma tela gramatical de fenômenos político/estéticos. Assim, dialética, mitologia, ética são gramáticas de3 estrutura de dominação funcionando no campo político/estético Ocidental e Oriental. A dialética existe como gramática de estrutura de dominação na tela gramatical do campo político/estético da China, por exemplo.

A tela gramatical cria e recria indivíduo, multidão, personagem, ator, poeta e agente. Em analogia com Kierkegaard:

“Podemos dizer que ou é a palavra que cria o indivíduo, ou é o silencio que o nutre e produz”. (Kierkegaard: 38).

Como estrutura de dominação, a mitologia faz do poeta um agente público na tela gramatical de fenômenos político/estéticos:

“Depois de haver prestado a minha homenagem ao Deus, julguei que um poeta para ser verdadeiramente um poeta deve empregar mitos e não raciocínios”. (Platão. 1972:67; 1950:770).

Mulher de Sócrates, Xantipa aparece como efeito da cultura política do homem ateniense:

“Entramos, pois, e encontramos junto a Sócrates, que acabava de ser desagrilhoado, Xantipa, [tua a conheces!], que segurava o filho mais novo, sentada ao lado do marido. Assim que ela nos viu, choveram maldições e palavrórios como só as mulheres sabem proferir: ‘Vê Sócrates, essa é a última vez que conversam contigo os teus amigos, e tu com eles!’. Sócrates lançou um olhar na direção de Críton: ‘Críton, disse, faze com que a conduzam para casa!’. E, enquanto era levada pela gente de Críton, ela se debatia e gritava”. (Platão. 1972:66; 1950: 768).

 Lacan diz:

“Isso nos mostra a que ponto a linguagem traça em sua própria gramática os chamados efeitos de sujeito”. (Lacan. S. 19: 150).

A fêmea é um efeito do sujeito homem na gramática de Platão como estrutura de dominação na tela platônica gramatical do campo político/estético ateniense; Xantipa não é da tela gramatical ética de fenômenos agradáveis do renascimento grego.

A morte de Sócrates habita a tela gramatical mitológica:

“- Eu, também [diz Sócrates] o que digo é por ouvir dizer, e seguramente nada impede que se transmita o que dessa forma me foi dado aprender. E, com efeito, talvez convenha particularmente aos que devem transladar para o além a tarefa de empreender uma investigação sobre essa viagem e de narrar, num mito, o que julgamos ser tal lugar. E por que não? Que poderíamos fazer senão isso durante o tempo que nos separa do pôr do sol?”. (Platão. 1972: 68; 1950:771).

 O sujeito posto na gramática da mitologia é:

“do sujeito que um discurso sujeita como tal à produção, desse sujeito que há matemáticos que qualificam de criativo. Resta deixar claro que é realmente de sujeito que se trata, o que é corroborado pelo fato de que, na minha lógica, o sujeito se exaure ao se produzir como efeito de significante [...]!” )(Lacan. S. 19: 166).

O significante é aquele sujeito Sócrates da gramática de Platão, isto é, na tela gramatical platônica do campo político/estico ateniense. A morte de Sócrates exaure o sujeito como herói intelectual na tela gramatical mitológica da epopeia.

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Alain Badiou fala do sujeito:

“A desintegração é essa figura de enraizamento do sujeito onde a perda ne fait pas seulement, du manque, cause, mais consistance d’un excès”. (Badiou: 158).

Sócrates é o sujeito de desejo diante da finitude na tela gramatical mitológica, Sócrates fala:

“Pois bem, vamos a isso! E, procuremos sobretudo apresentar diante de vós uma defesa mais convincente do que a que fiz perante os  juízes! Sim, confesso-o, Simias e Cebes: eu cometeria um grande erro não me irritando contra a morte, se não possuísse a convicção de que depois dela vou encontrar-me, primeiro, ao lado de outros Deuses,, sábios, e bons; e, segundo, junto a homens que já morreram e que valem mais do que os daqui. Mas, com efeito, ficai sabendo que, se não me esforço por justificar a esperança de dirigir-me para junto de homens que são bons, em troca hei de envidar todo o esforço possível para defender a esperança de ir encontrar, depois da morte, um lugar perto de Deus, que são amos em tudo excelentes, e, se há coisa a que eu me dedique com todas as minhas energias, será essa!”. (Platão. 1972:70; 1950:773).

O efeito do desejo sobre o sujeito, em finitude,  é um fenômeno extraordinário de energia:

“A energea é a ideia-afecção no campo político do indivíduo e no campo político da ´polis? Heidegger fala do ser sem força e do ser-força, ser força é o Eros barroco como energea? Ele tem relação com as pulsões do real do campo político do indivíduo? Com os desejos como motor das afecções do campo político da polis? O desejo não é o real apenas o real, pois, ele é pulsão com gramática, fato com teoria”:

“’Todo fato é já teoria, como diz Goethe. (Hegel: 23)’”. (Bandeira da Silveira. 2024: cap. 22).

“- Deixa-o falar! – prossegui Sócrates. – a vós, todavia, que sois meus juízes, devo agora prestar-vos contas, expor as razões pelas quais considero que o homem que realmente consagrou sua vida à filosofia é senhor de legítima convicção no momento da morte, possui esperança de ir enco90ntrar para si, no além, excelentes bens quando estiver morto! Mas como pode ser assim? Isso será Simias e Cebes, o que me esforçarei por vos explicar. Receio, porém, que, quando uma pessoa dedica à filosofia no sentido correto do termo, os demais ignoram que sua única ocupação consiste em preparar-se para morrer4, e em estar morto! Se isso é verdadeiro, bem estranho seria que, assim pensando, durante toda sua vida, que não tendo presente ao espírito senão aquela preocupação, quando a morte vem, venha a irritar-se com a presença daquilo que até então tivera presente no pensamento e de que fizera sua ocupação!”. (Platão. 1972: 71; 1950:774).

A ser agente de criação da tela gramatical filosófica ateniense faz de Sócrates um herói intelectual e, mais, ainda, um imortal na gramática da cultura política da antiguidade.

 

ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Brasíli8a: EDUNB, 1992

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época posmode4rna. EUA: amazon, 2024

BADIOU, Alain. Théorie du sujet. Paris: Seuil, 1982    

 KIERKEGAARD, S. A. O conceito de ironia constantemente referido a Sócrates. Petrópolis: Vozes, 1991

LACAN, Jacques. O Seminário...ou pior. Livro 19. RJ: Zahar, 2012

PLATÃO. Os Pensadores. Diálogos. Fédon. Abril Cultural, 1972

 PLATON. Oeuvres Complètes. Paris: Gallimard, 1950          

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