quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

O DESTINO PATOLÓGICO NOS AGUARDA?

José Paulo


A filosofia e a psicanálise abandonaram o eu como essência ou substância. Assim, o eu pode ser uma instancia como sede de técnicas que lidam com os fluxos da libido, fluxos dos desejos regulados pelos princípio do prazer e princípio da realidade.

Parto da observação do eu em suas formas existenciais nos socius: família, etnia, povos, nações, países. O eu pode ser visto como conjunto articulado existencialmente nas formações colonizador/colonizado, nacional/globalizado, centro/periferia, e na atualidade da formação neocolonialista do capitalismo corporativo mundial que vai se constituindo nas relações Oriente/Ocidente.

O eu dominante encontra-se associado ao capitalismo corporativo mundial e sua sociedade industrial cyber oriental. O eu corporativo cyber governa a história econômica material do planeta. Ele é o eu de uma classe social gramatical que governa a economia mundial em velocidade cyber.

O cyber provém o planeta com a tela gramatical digitalis onde cotidianamente uma relação plural, fragmentada, de narrativa sgrammaticatura (como no Whatsapp) sustenta a existências do eu no espelho cyber. Começo assim pelo espelho, pois, a cultura técnica moderna já forneceu vário tipos de espelhos para o homem na modernidade: imprensa, televisão, internet como espelho da realidade do eu.

No espelho técnico, o eu mantem relações artificiais com outros eus regulados pelos princípios do prazer e realidade em um sentido fraco no campo dos afetos e animus. No sentido forte, o eu mantem relações com eus vivos, presenciais na vida da família, comunidade de amigos ou vizinhos, instituições (profissional, confessional). 

A filosofia pensava o eu como sede da consciência e Freud também antes de pensar o eu como instancia psíquica. As reações conflitivas com o eu geram histerias, ideias obsessivas, confusões alucinatórias, e paranoia. O eu pode ser a sede de pulsões distintas das pulsões sexuais; as pulsões do eu servem à autoconservação do indivíduo, incluindo a totalidade das necessidades primárias orgânicas não sexuais.

Entrando em cena o narcisismo, o eu torna-se a sede de um investimento libidinal, como qualquer objeto externo. A libido do eu faz com que o eu deixa apenas de ser mediador entre o principio do prazer e o princípio da realidade, pois, se torna objeto de amor: amor pelo maître!

Freud pensa o eu em relação à moral implodindo a ideia de um psiquismo com autonomia absoluta em relação ao socius. Seguindo esse caminho, parte do eu se torna instância moral (o supereu sem moralismo) , instalada numa posição crítica diante da parte restante do eu.

Como fenômeno elementar, o supereu é a gramaticalização pelo processo de identificação com a autoridade. (Freud. v. 21: 148). Assim, os fenômenos da consciência alcançam um estágio mais avançado. A autoridade pode ser o professor, o padre, o pastor, o presidente da república. O desenvolvimento completo da consciência na política civilizatória se realiza como supereu cultural:
“o supereu de uma  época de civilização tem origem semelhante à do supereu do indivíduo. Ele se baseia na impressão deixada atrás de si pelas personalidades dos grandes líderes – homens de esmagadora força de espírito ou homens em que um dos impulsos humanos encontrou sua expressão mais forte e mais pura e, portanto, quase sempre, mais unilateral”. (Freud. v. 21: 166).  Aliás, o eu investido pelo narcisismo pode ser observado como o fenômeno do socius “narcisismo das pequenas diferenças”:
“É sempre possível unir um considerável número de pessoas no amor, enquanto sobrarem outras pessoas para receberem as manifestações de sua agressividade. Em outra ocasião, examinei o fenômeno no qual são precisamente comunidades, com territórios adjacentes, e mutuamente relacionadas  também sob outros aspectos, que se empenham em rixas constantes, ridicularizando-se umas as outra, como os espanhóis e os portugueses, por exemplo, ao alemães do Norte e os alemães do Sul, os ingleses e os escoceses, e assim por diante. Dei a esse fenômeno o nome de ‘narcisismo de pequenas diferenças”. (Freud. v. 21: 136).

O narcisismo de pequenas diferenças fica mais claro com o eu caracterizado pelo dualismo pulsional, que opõe as pulsões de vida (eros) às pulsões de morte (thanatos). Como sede da consciência, cabe ao  eu evitar a manifestação da agressividade pilotada pelo principio de prazer substituindo pelo principio de realidade da boa convivência entre indivíduos ou grupos. Tarefa impossível em um país sob domínio da societas sceleris.

O eu “não é senhor em sua própria casa”. Há forças que agem sobre ele que tornam o eu a sede da consciência como miséria humana. As forças são; o mundo externo, a libido, o inconsciente freudiano e o supereu.
                                                                        III
A técnica moderna inventou espelhos para o eu. Lacan diz que o eu se distingue como núcleo da instancia imaginária, na fase do espelho. A criança se reconhece em sua própria imagem, caucionada nesse movimento pela presença e pelo olhar do outro (a mãe ou um ersatz dela), que a identifica, que a reconhece simultaneamente nessa imagem. O eu [je] é captado por esse eu [moi] imaginário; com efeito, o sujeito, que não sabe o que é, crê ser aquele eu [moi] a quem vê no espelho; o discurso desse eu [moi] é um discurso da consciência como sede da produção das aparências de semblância como o fenômeno do narcisismo das pequenas diferenças, identificação com o presidente da república ou líderes políticos, culturais  e religioso, o supereu cultural. 

Lacan resume:
“Basta compreender o estádio do espelho como uma identificação, no sentido pleno que a analise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem -cuja predestinação para esse efeito da fase é suficientemente indicada pelo uso, na teoria, do antigo, termo imago.   
A assunção jubilatória de sua imagem especular por esse ser ainda mergulhado na impotência motora e na dependência da amamentação que é o filhote do homem nesse estágio de infans parecer-nos-á pois manifestar, em uma situação exemplar, a matriz simbólica em que o [eu] se precipita numa forma primordial, antes de se objetivar na dialética da identificação com o outro e antes que a linguagem lhe restitua, no universal, sua função de sujeito”. (Lacan. 1966:94).

A relação com a técnica estabelece a forma de eu no  socius. A televisão é o eu do estágio do espelho, e a imprensa é o eu objetivado na dialética de identificação com o outro (pai, professore, presidente, líder em geral) e no domínio da linguagem no qual lhe é restituída, no campo simbólico, sua função de sujeito. Na televisão, a audiência não existe como sujeito, ao contrário do leitor da imprensa. O telespectador é o infans entretido com  sua própria imago jubilatória (alegria crescente eletrônica) como ‘linguagem” da vida real da Mãe.  

Se todo o recalcado é inconsciente, o isso não coincidia inteiramente com o recalcado; a existência de uma parte inconsciente no eu, oposta por clivagem ao eu racional, pede que se gramaticalize um inconsciente dependente do eu, distinto do recalcado.  O eu é um platô giratório que participa da consciência e das percepções externas, engloba o pré-consciente e comporta uma parte do inconsciente: o eu como isso. O eu representa a razão e o bom senso em um contraponto ao isso, que se abre para os fluxos do campo dos afetos e animus, ou seja como depositário de forças irracionais.

A relação com o supereu nos envia para a problemática da identificação. A identificação com a mãe põe e repõe uma catexia de objeto sexual e direta com a mãe, como se observa na audiência da televisão. A identificação com o pai (e ersatz: professor, padre, pastor, líder político, líder cultural, presidente da república) faz o sujeito o tomar como modelo. (Freud. v. 18: 133).

A conciliação com o pai ou modelo assenta a relação do eu do sujeito com o socius. Se o eu paterna é periférico a normalidade se encontra no sujeito se perceber como eu periférico e caminhar para uma situação anedipiana de fluxos de desejo na própria terra do Édipo periférico. (Deleuze. 1972/1973: 82).
                                                                 III 

A consciência joga um papel nesse acontecimento?

O eu é um platô giratório que participa da consciência e das percepções externas. Na sociedade industrial capitalista, vê-se a consciência de classe:
“la consciencia de clase es la reacción racionalmente adequada que se atribuye de este modo a una determinada situación típica en el proceso de la preoducción. Esa consciencia no es, pues, ni la suma ni la media de lo que los indivíduos singulares que componen la clase piensan, sienten, etc. Y, sin embargo, la actuación históricamente significativa de la clase como totalidad está determinada en última instancia por esa consciência, y no por el pensamento, etc., del individuo, y sólo puede reconecerse por esa consciência”. (Lukács: 55).

Uma periferia do capitalismo corporativo mundial em desindustrialização do capitalismo dependente e associado (como já venho dizendo há quase uma década) se vê despossuída da consciência de classe burguesa ou operária da década de 1980 na política. Esta é a causa dos fenômenos da patologia do eu que tomam de assalto a vida do país na terceira década do século XXI.

Se o eu como sede da razão/consciência é determinado pela história econômica capitalista, a falta de uma sociedade industrial capitalista faz do Brasil uma territorialização de fenômenos patológicos como a impossibilidade de sair do domínio do eu colonizador tupiniquim das nossas  elites fazendo pendant com a dominação dos mass media e seitas evangélicas sobre a nossa consciência histórica, como o discernimento compreensivo como a virtude de saber julgar equitativamente a situação do outro . (Gadamer: 94).

Gadamer diz;
“Sería más justo no tomar la consciencia histórica como um fenómeno radicalmente nuevo, caso vedaderamente extremo de la investigación histórica, sino como una transformación relativa, aunque ‘revolucionaria’, en el interior de aquello que constituye desde siempre el comportamento del hombre cara a cara con su pasado. Se trata, en otros términos, de familiarizarse con el papel que desempeña la tradición en el interior del comportamento histórico”. )Gadamer: 80).


“A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”. (Marx. 1974: 335). O pesadelo significa um estado persistentes de patologias do eu como o eu colonial tupiniquim das elites no comando da economia, política, cultura. Na Venezuela, o pesadelo se transformou em apocalipse econômico e demográfico migratório. Na Venezuela, a criança foi jogada para fora da bacia junto com a água suja.

O Brasil vive a tradição do capitalismo dependente e associado industrial como seu pesadelo geracional. Como sair do pesadelo conservado e perpetuado pelo eu colonizador tupiniquim? Fenômeno este como sede da falsa consciência (Lukásc: 53), consciência patológica, do bloco histórico em decomposição formado pela velha indústria do automóvel e o Banco no comando da economia, política e cultura e no comando de homes, mulheres e crianças?  




DELEUZE & GUATTARI. Capitalisme et schizophrénie v. 1. L”anti-oedipo. Paris: Minuit, 1972/1973
FREUD. OBRAS COMLETAS. V. 18. RJ: Imago, 1976
FREUD. OBRAS COMPLETAS. V. 21. RJ: Imago, 1974
GADAMER, Hans-Georg.  El problema de la conciencia histórica. Madrid: Tecnos, 1993
LACAN, Jacques. Écrits. Paris:  Seuil, 1996
LUKÁCS, Georg. Historia y consciência de clase. Barcelona: Grijalbo: 1975  
MARX. Pensadores. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. SP: Abril Cultural, 1974
      






  

     

      


                                                                              II
O eu transindividual se forma como sede da consciência na reunião de pulsões voltadas para a conservação do grupo ou vontade de poder. O eu transindividual é sede da consciência de classe. Citar p. 55 lukacs
  


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