José Paulo
A Grande Depressão e o lançamento do primeiro Plano
Quinquenal da URSS, em princípios da década de 1930, abalaram a cultura
econômica do mundo, profundamente. A depressão anunciava o fim da ordem
capitalista liberal do século XIX. O Plano Quinquenal aparecia como um artefato
econômico de um novo Estado industrial pós--capitalista. Aí, a dialética do mundo se estabeleceu como
dialética agônica entre capitalismo e socialismo.
A ascensão do nazismo e a Segunda Guerra Mundial confirmaram
que o capitalismo liberal (o capital privado no comando da economia, política e
cultura) era incapaz de resolver os problemas do mundo pelo método capitalista.
Todavia, o capitalismo sobreviveu à Segunda Guerra e, sob a
hegemonia dos Estados Unidos, entrou em um período de expansão vigorosa. Após
as revelações feitas por kruschev, no XX Congresso do PCC da URSS, sobre os
crimes de Stalin, a URSS entrou em uma época de ruptura com o marxismo russo, e
com o marxismo de Marx e Engels, que resultou no conflito sino-soviético. O
abandono da dialética marxista pela URSS é um fato crucial para se entender
como a China se tornou o centro da gramática marxista internacional. Daí, o
marxismo de Mao Tse-Tung se tornar hegemônico no movimento marxista ocidental,
inclusive.
A dialética histórica de Mao chegou à sua forma acabada com a
dialética da sintetização entre socialismo e capitalismo, na década de 1970:
“Até agora, a análise e a síntese não foram claramente
definidas. A análise é mais clara, mas pouco foi dito sobrea síntese. Tive uma
conversa com Ai Ssu-ch’i. Ele disse que eles só falam sobre síntese e análise
conceituais, e não falam sobre síntese e análise práticas objetivas. Como
analisamos e sintetizamos o Partido Comunista com Kuomintang, o proletariado
com a burguesia, os proprietários de terras e os camponeses, os chineses e os
imperialistas?”. (Zizek: 219).
Hoje, a dialética prática objetiva caminha para a construção
de um modelo de <planificação capitalista globalizada>? A covid-19 aparece com o fato exterior ao capitalismo
neoliberal globalizado que é a causa de uma nova ordem mundial pós-neoliberal?
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O Plano Quinquenal da URSS é um artefato econômico que
estabelece como força prática a gramática economicista acabada. Tal gramática
da história consiste na economia produtivista no comando da economia, cultura e
política.
Consiste na sociedade subordinada à economia.
A gramática economicista faz pendant com uma planificação
autoritária e um Estado pós-capitalista despótico oriental. A gramática
economicista não é aquela da lógica dos interesses a longo prazo da população.
Ela obedece à lógica de interesses de grupos sociais particulares. Eis uma
questão crucial do futuro da humanidade nas próximas décadas.
A covid-19 inaugura a época de um tempo de plurivocidade de crise:
humanitária, sanitária, econômica, crise no campo dos sujeitos/pessoas,
ambiental. A gramática do capitalismo neoliberal não é provida de recursos
estratégicos e táticos para enfrentar a época que se anuncia. Daí, a
necessidade da planificação capitalista, planificação democrática, na concepção
do método de seleção da classe dirigente. Hoje, o Estado cientista social é
fruto do método de seleção científica da classe dirigente da planificação
capitalista ou planificação democrática, na concepção de Mannheim. (Mannheim:
124-126).
A planificação autoritária foi um resultado da Revolução
Bolchevique, na época de Stalin. O stalinismo é o marxismo autoritário sob
domínio do economicismo russo. Algumas palavras sobre economicismo russo.
Charles Bettelheim escreveu o livro seminal sobre o
economicismo russo como fenômeno da história do século XX:
“Na ideologia econômica stalinista, a categoria de
planificação designa atividades estatais tendendo, por sua vez, à <elaborar> <planos econômicos> e <aplicá-los>”. (Bettelheim: 43).
A planificação economicista é um método de uma gramática da sociedade
produtivista. Ela acaba impondo o primado da acumulação de capital na frente da
lógica de interesses a longo prazo da população e da natureza. A planificação
capitalista se choca com o Keynes economicista que apoiava a desigualdade na
distribuição da riqueza como o melhor meio para uma grande acumulação de
capital. (Mattick:12).
Em uma época de
plurivocidade de crise humanitária etc, o economicismo se apresenta como
gramática do capitalismo subdesenvolvido neoliberal, como artefato econômico da
lei da concorrência fática do capitalismo corporativo mundial e da anarquia da
produção.
A economia mista da ordem mundial pós-neoliberal hoje tem
como partner o Estado-cientista social. Assim, a planificação democrática do
capitalismo misto encontra na sociedade científica cibernética o fundamento de
um Estado capitalista planificado democrático, cibernético, é claro.
A panificação capitalista é o fenômeno próprio de uma época
na qual a democracia representativa não pode ser mais a democracia do
capitalismo subdesenvolvido neoliberal. Orientação e prioridades voltadas para
o campo de sujeitos/pessoas definem a democracia representativa gramatical da
planificação da economia capitalista sob comando dos interesses a longo prazo
da humanidade e da vida no planeta.
A gestão do capitalismo planificado ainda é um problema a ser
resolvido. Porém, a gestão do capitalismo humanitário não pode ficar nas mãos
dos <funcionários do capital> ou dos partidos políticos dos
funcionários do capital. Por exemplo, nos Estados Unidos, há de acontecer a
quebra do monopólio da política pelos partidos republicano e democrata,
partidos políticos da burguesia oligárquica americana financeirizada.
Joe Biden ainda representa a política do capitalismo
neoliberal, subdesenvolvido, industrial, financeirizado, e de seu Estado
neoliberal fiscal. A sociedade americana está tomando decisões dramáticas sobre
qual história há de prevalecer, na política em 2020. Decide entre um
capitalismo planificado, humanitário realmente existente, cibernético ou pela
continuação da dominação hegemônica do capitalismo neoliberal subdesenvolvido:
do petróleo, da mineração, do complexo industrial militar nuclear,
financeirizado, modelado pela técnica cibernética.
O Estado-cientista social é a planificação democrática
mundial da vida humana e animal. Ele se encontra sob a intervenção direta das
organizações de base do partido político (Lenin:270, 267) da ciência. Trata-se
de um partido que funciona em um ambiente de redes tecno-científicas políticas
mundiais.
No início do século XIX, temos a junção da ciência natural
com a gestão científica da organização do trabalho, mola propulsora da
produtividade do trabalho assalariado, base da mais-valia relativa, da
subsunção real do trabalho ao capital, e da expansão ciclópica do capitalismo
liberal do século em tela. Hoje, o Estado-cientista é a junção de economia,
política e ciência cibernética. O Estado-cientista social é o motor do
capitalismo planificado, humanitário, democrático da terceira década do século
XXI.
A história do século XXI pode tomar um rumo autoritário se
uma intelligentsia científica aristocrática, uma elite científica (Bakunin:33) vir
a exercer o monopólio da vida política no campo de poderes/saberes do
capitalismo planificado. O partido político da ciência significa uma dominação
hegemônica absolutista se a política tout court não funcionar como freio e
contrapeso.
Como parte da classe dominante, o primeiro Estado-cientista
planificador surgiu na URSS no início da década de 1930. Uma classe média
científica vindo de baixo existe como governo da sociedade na economia e na
política. (Bettelheim:198-204)
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A produção capitalista está orientada não pelas necessidades
de consumo senão pela necessidade da produção de capital? Em algum momento, Keynes
diz que o capital não é uma entidade autossuficiente, e que o consumo é o único
fim da produção. No entanto, o consumo pode ser produtivo e improdutivo, como o
consumo improdutivo da esfera da publicidade e do complexo industrial militar
no capitalismo monopolista de Estado (CME). Trata-se da irracionalidade econômica
do capitalismo no uso do excedente capitalista que não está circunscrito à
relação normal entre oferta e demanda.
O consumo improdutivo do CME é uma parte significativa da
acumulação de capital no capitalismo neoliberal. O CME militar opera como um
capitalismo subdesenvolvido industrial de reprodução ampliada de capital nos
países desenvolvidos do capitalismo industrial cibernético.
A planificação capitalista democrática cibernética
consiste em eliminar o CME militar da sociedade capitalista mundial, coisa
impossível de se fazer no capitalismo neoliberal cibernético. Para o
capitalismo neoliberal, a guerra é um modo de acumulação capitalista
indispensável. Todavia, para o capitalismo pós-neoliberal, a acumulação de
capital deve eliminar a contradição entre o método capitalista de produção de
riqueza e a lógica de interesses a longo e curto prazo da humanidade.
A planificação capitalista globalizada não significa a
hegemonia do capitalismo burocrático de Estado na economia global. O modelo econômico
chinês é um modelo de panificação autoritário, pois existe em função da
hegemonia do capitalismo corporativo de Estado chinês, vinculado ao capitalismo
subdesenvolvido industrial militar mundial.
A nova ordem capitalista pós-neoliberal terá que colocar o
consumo cibernético e o capital cibernético em função das necessidades da
sociedade do trabalho e do não-trabalho, e não em função da reprodução ampliada
de capital industrial subdesenvolvido.
A inversão de capital em função do campo de sujeitos/pessoas,
da demanda efetiva, significa a necessidade da panificação capitalista. Não se
abole a propriedade privada, mas esta deve conviver com outras formas de
propriedade (estatal, comunitária, pessoal etc.), sem que a lógica da
propriedade privada se torne dominante.
Há épocas e países nos quais os capitalistas se recusaram a
correr riscos; quando em lugar de investir seu dinheiro e de outras pessoas
preferiram guardá-lo, atitude que Keynes chama de <preferência por liquidez>. Não investir na economia da
sociedade industrial não é uma opção para os capitalistas em uma sociedade planificada
capitalista.
Quanto ao pleno emprego, na teoria de Keynes o pleno emprego
não tinha que implicar a guerra, a destruição de capital ou a produção supérflua,
senão que podia ser conseguido por meios de obras públicas de utilidade já
grande ou já duvidosa que aumentariam o lucro sem acrescentar o arrojo, e desta
forma manter ocupado aos trabalhadores.
O Brasil vive a crise do capitalismo neoliberal
subdesenvolvido usando “métodos socialistas” como o de redução de salários por
decreto governamental. A contradição lógica entre o capitalismo neoliberal e o método
socialista é própria da inconsistência objetiva prática da elite econômica e
governamental subdesenvolvida. Trata-se de um flerte com a planificação estatal
autoritária da economia.
Reconhece-se aí crença de que o capitalismo perdeu há muito
tempo sua habilidade para superar depressões e que o estancamento é o estado “normal”
de sua existência, na ausência de intervenções governamentais no mercado de
inversões?
Não é o caso do capitalismo subdesenvolvido brasileiro. As
elites econômicas não estão preocupadas com o fim da sociedade industrial
urbana. Elas se tornaram elites rentistas vivendo de seus investimentos na rica
sociedade do capital fictício neoliberal.
A crise capitalista do covid-19 não aparece como uma crise
humanitária para a tosca psicologia da elite governamental. Esta segue os
economistas profissionais que julgam impossível atribuir causas objetivas as
crises capitalistas. Os únicos dados em que se baseiam são os relativos à
psicologia da classe capitalista.
Para o governo de Bolsonaro, trata-se de assegura que a
psicologia neoliberal continue no comando da economia, política e cultura. Esta
psicologia se explica a partir dos movimentos reais da produção de capital;
porém, por outro lado, ela não pode explicar os movimentos do capital
industrial.
Um capitalismo subdesenvolvido sem sociedade industrial
urbana não se explica pela psicologia dos capitalistas. Trata-se de um fenômeno
econômico objetivo da ordem capitalista globalizada subdividida entre sociedade
econômica desenvolvida, industrial, cibernética e sociedade econômica subdesenvolvida
ligada às redes cibernéticas econômicas do capitalismo industrial, globalizada,
avançado.
A plurivocidade de crise na ordem capitalista mundial sob a
hegemonia do capitalismo fictício neoliberal faz da relação do capital com o
campo de sujeitos/pessoas um fenômeno estratégico para a subsistência do
capitalismo de gregos e troianos.
Um governo subdesenvolvido como brasileiro se depara com a
necessidade de planificação da economia e da sociedade para enfrentar a
covid-19. Aos trancos e barrancos, estados e municípios ensejam a planificação
da sociedade para diminuir a taxa de mortalidade da população. Já Bolsonaro se
recusa a usar o método da planificação da sociedade para enfrentar a covid-19. Esta
contradição mobiliza a política nacional e local em um movimento browniano.
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Os economistas liberais antigos apelam ao governo econômico,
envergonhadamente, para ele usar o método da planificação capitalista
democrática. Eles não querem recorrer ao velho lema usada nas crises
capitalista: “ora, afinal, todos somos keynesianos”.
A crise do capitalismo brasileiro pariu uma estranha economia
de guerra keynesiana/neoliberal com seu método socialista de cortar salários
privado e público. Trata-se da famosa socialização das perdas do capitalismo
subdesenvolvido neoliberal.
Um capitalismo articulado por um discurso econômico paradoxal
fusiona neoliberalismo e keynesianismo, a céu aberto. A inconsistência de
nossos melhores economistas é assimilada como fato normal pela sociedade iletrada
em cultura econômica.
A nossa cultura econômica inconsistente é a superestrutura de
um capitalismo subdesenvolvido aberto às loucas intervenções governamentais de
Bolsonaro. Com sua política de massas das
<carretas da morte>, para acabar com o confinamento, Bolsonaro
acredita que está salvando o capitalismo brasileiro para a sociedade do rico rentista
paulista e carioca. Analfabeto em cultura econômica, Bolsonaro faz oposição ao
Estado-cientista mundial e à direção intelectual e moral das grandes economias
capitalistas na condução da crise do capitalismo neoliberal globalizado.
Bolsonaro é a figura macabra que personifica a lógica do
capital que trata a vida humana pelo cálculo da reprodução do capital. Somente um
governante de um país subdesenvolvido exporia como política governamental a
gramática dos jogos do capital com a vida humana.
Uma época que se abre com uma crise humanitária devastadora
para a população dos países, para os povos, é um fato incompreensível para
Bolsonaro e a elite brasileira em geral.
Uma nova ordem mundial advirá da planificação capitalista no
Oriente e Ocidente ou, então, caminharemos para o fim da história como a
conhecemos como fato e artefato e método de soluções de problemas econômicos.
A crise do capitalismo neoliberal é, também, a crise da ciência
econômica dos profissionais funcionários do capital. Na terceira década do
século XXI, ocorre um apagão simbólico no campo de saberes da ordem capitalista
neoliberal.
No entanto, a tagarelice dos economistas brasileiros (e jornalistas)
não para de funcionar na sociedade de comunicação de massa. O Brasil jamais
conheceu um espaço procedural voltado para organizar a sociedade nacional por
via da hegemonia moral e intelectual.
Eis a tragédia nacional em poucas palavras.
BAKUNIN, Mikhail. Deus e o Estado. SP: Cortez, 1988
BETTELHEIM, Charles. Les luttes de classes em URSS. 3ème
période. 1930-1941. Les dominants. Paris: Seul/Maspero, 1983
LENIN. Materialismo y empiriocriticismo. Barcelona: Grijalbo,
1975
MANNHEIM, Karl. Liberdade e poder. Planificação democrática.
SP: Mestre Jou,1972
MATTICK, Paul. Marx y Keynes. Madrid: Ediciones Era, 1975
ZIZEK, Slavoj (apresenta). Mao. Sobre a prática e a
contradição. RJ: Zahar,2008
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