sábado, 14 de novembro de 2015

PARIS SOCIALISTA- PODER POLÍTICO CIVIL MILITARIZADO


Um problema cadente da filosofia e das ciências naturais é o VER. A biologia precisou de um aparelho-prótese do olhar científico (o microscópio) para constituir a natureza como realidade do real. Mas o senso comum dessa realidade natural só a conhece através dos efeitos maléficos sobre o corpo humano que tem como causa as quase-coisas: vírus, bactéria etc. Ou conhece através do combate dada a elas pela medicina: remédios. A astrofísica precisou do telescópio para constituir o cosmo celestial como algo inteligível para a ciência moderna.
A política mundial é uma realidade micro e macro. E não existe aparelho-prótese que seja a alavanca da investigação científica no campo da ciência política lacaniana. Então, como desenvolver a cultura do VER neste campo de pensamento? A filosofia é conciliação com a realidade (filosofia hegeliana do Estado) ou é conciliação da realidade com a filosofia (o fascismo como conciliação com a filosofia nietzschiana).
A contraciência política lacaniana trabalha com o tempo na história mundial. Se o tempo fático é um impossível freudiano, o tempo artefático é um raio em um céu azul. O artefato é o fato articulado como lógica de sentido do mundo; o artefato é o fato (real) como realidade do real, isto é, articulado como lógica de sentido do real: lógica fática. O artefato é o fenômeno como realidade do real; como lógica do sentido, a coisa fatual se dissolve no fenômeno. Como realidade mundial, o artefato é o fenômeno constituído pelo poder simbólico que articula o real da coisa como lógica do sentido da realidade do real.

A história universal tem sido a história da luta pela posse do poder simbólico sobre as coisas e as pessoas. A luta se faz no terreno da cultura política intelectual mundial, em geral. A partir da antiguidade greco-romana, o paradigma de poder simbólico é o poder metafísico. Como o poder simbólico constitui a elite, a elite greco-romana é a forma de elite aristocrática (metafísica): Príncipe Philosophia. Na era moderna, o poder simbólico europeu se constituiu a partir das ciências modernas que tem suas raízes na filosofia e, talvez, na cultura política intelectual cristã medieval. Em Maquiavel, o Príncipe renascentista já é o Príncipe da quase ciência política moderna. Em Montesquieu, o Príncipe moderno/representativo é o Príncipe da física historial. Tais escritores são parte da cultura política intelectual que inscreveu o poder simbólico na realidade mundial. Eles fazem parte da construção da elite europeia ocidental moderna. Inglaterra e Alemanha também se constituíram como cultura política intelectual de articulação do poder simbólico e da elite moderna: Hobbes, Hegel e outros. Mas foi a economia política liberal capitalista inglesa que constituiu o Príncipe capitalista que reinou na política mundial a partir do século XIX: elite capitalista ocidental!
A Inglaterra foi hegemônica na política mundial até a Segunda Guerra Mundial. Esta foi um choque entre os Príncipes nacionais europeus (Inglês versus alemão) e deste último com o Príncipe asiático (russo/soviético). Com o fim da guerra, a Europa devastada cedeu a hegemonia para os EUA na política mundial. O poder político americano é o poder articulado por um subpoder simbólico (ersatz de poder simbólico), poder de uma subelite americana. O modelo deste subpoder simbólico se constituiu pela junção do discurso da universidade com a cultura política informacional. A televisão e o jornalismo são as instituições-coisas ativas deste subpoder. Tal poder significou a derrocada final do poder simbólico metafísico ocidental. Marcuse não estabeleceu que os EUA possuem um subpoder simbólico que articula, a partir da década de 1960, uma realidade do real como lógica de sentido totalitária?   
Na América Latina, um subpoder simbólico foi constituído a partir da CEPAL, com o argentino Raul Prebisch e o brasileiro Celso Furtado. Trata-se de um subpoder simbólico populista que está na origem do subpoder simbólico bolivariano do século XXI. Tal poder tem um elemento que o faz um fenômeno da história mundial. Trata-se da militarização como laço social, militarização de grandes cidades como o Rio de Janeiro para combater o narcotráfico e militarização da sociedade civil na Venezuela. Ao defender a militarização da Europa, Zizek é o bolivariano da esquerda europeia que bebe na fonte bolivariana da esquerda latino-americana na qual ele possui muitos amigos.
Os atentados terroristas islâmicos em Paris (Charlie Hebdo e Bataclan) fizeram da França o centro concreto da política mundial em um choque de civilizações. Mas o americano Samuel Huntington jamais disse nada sobre a natureza deste choque. Trata-se de um choque que se define no estado de guerra aberta oligárquico pela posse do poder simbólico mundial entre o Oriente e o Ocidente. Na história universal, tal choque não é uma novidade! Hoje, o Islã se constitui como uma vontade política (uma cultura política intelectual) que quer o poder simbólico mundial. Não se trata da hegemonia política sobre a realidade mundial, simplesmente. O poder simbólico islâmico quer uma existência territorial; note-se que o islã não ataca as instituições do capital corporativo mundial; ele ataca instituições e população civil das cidades, no Oriente e no Ocidente. A guerra islâmica não faz distinção entre alvo militar e alvo civil.
O islã político é um fenômeno totalitário? Há alguma ligação, no campo simbólico, dele com o fascismo alemão? O Estado Islâmico é uma junção de Oriente e Ocidente? Trata-se de um subpoder simbólico que nos remete para a origem da civilização arcaica na qual o discurso do mestre totalitário articula-se ao Urstaat arcaico? Como fenômeno totalitário, o islã político é uma vivencia intencional de constituição de Urstaat islâmico mundial. O islã político não oculta tal intenção. O Urstaat é constituído por máquinas de guerra divinas que instalam o estado de guerra para estabelecer a paz permanente. O Egito imperial arcaico teve mil anos de paz! Por isso, a violência da máquina de guerra islâmica é divina para os muçulmanos como a violência do Urstaat primordial era divina, na civilização arcaica, para a população civil. A violência divina tem como finalidade a paz na história universal.
 O Presidente socialista François Hollande disse que a França está em guerra com o Estado islâmico. O Estado francês vai passar a caçar, perseguir, captura e matar terroristas islâmicos no território francês e alhures. As fronteiras foram fechadas; Hollande diz que será impiedoso. Paris foi militarizada. Isto pode parecer algo banal para os brasileiros que já são um efeito intersubjetivo do subpoder simbólico bolivariano que militarizou a vida da sociedade civil. Mas para um europeu ocidental isto não é uma excrescência? O europeu quer viver em paz; quer segurança na cidade; quer que Paris seja uma festa! Mas Paris hoje não foi o espetáculo da militarização do poder político civil? O parisiense está entre cila e caríbdis?  
A contraciência política lacaniana trabalha na interseção do tempo fático com o tempo artefático. Ela observa a borboleta voando. E o Partido Socialista Francês é a borboleta voando em direção a uma floresta. Qual floresta? A militarização do poder político civil não é a borboleta morta fixada na parede do gabinete do presidente Hollande. Isto não é um fenômeno político singular francês. O Partido Socialista aparece como um fenômeno especial. Ele é a vanguarda da constituição do Urstaat mundial ocidental: a Floresta! A militarização do poder político ocidental se faz ex nihilo; ele tem o complexo industrial militar mundial e a Okhrana mundial como base de sua história universal. Por que a comunidade de informação mundial estacionada em Paris não se antecipou ao atentado do Bataclan? No 11 de Setembro, a comunidade de informação americana também nada sabia sobre a engenharia do atentado terrorista islâmico. Um promotor de Paris disse que o Estado Islâmico está preparando um 11 de Setembro francês.
Hoje, a cultura política informacional existe na Comunidade de informação mundial, na televisão mundial, no jornalismo mundial, nos Estados nacionais e instituições do capitalismo mundial, como o complexo industrial militar. Mas as pessoas não conseguem VER tal fenômeno. Elas também não conseguem VER que o choque de civilizações é um choque entre civilizações que querem possuir o poder simbólico mundial articulando-o ao poder político do Urstaat. Não conseguem VER! Não querem VER! O PCPT prega no deserto mundial de homens e ideias?              

                                                          

Um comentário:

  1. Muito bom! Mas calma, o PCPT não prega no deserto! Aos poucos as pessoas começam a ver. Talvez valesse a pena falar mais da ideia da militarização como laço social. Quanto ao Urstaat, para mim, já faz mais sentido. Andei lendo que o Deleuze fala sobre o tema em o Anti-Édipo. Sobre o Urstaat em Nietzsche, que você comentou em mensagem, ainda não li. Vou "ver".
    O que mais gostei? "Ela [a contraciência politica lacaniana] observa a borboleta voando. E o Partido Socialista Francês é a borboleta voando em direção a uma floresta. Qual floresta?" Ficou poético. Ainda continuo com o tema de que "a floresta anda"!
    O que não gostei? Esta coisa de o capitalismo, o capitalismo... Claro, este não é um defeito seu. Lacan, Deleuze, Baudriallard, etc.... falam sempre do capitalismo...o capitalismo...o discurso do capitalista. É preciso um nome novo para isso. O "capitalismo" chinês, o "capitalismo" árabe, "o capitalismo" brasileiro (risos) são a mesma coisa? Esta coisa da internalização da autoridade paterna, da Lei, é "um universal"? Esta "castração" é a mesma em Édipo e Hamlet? Há alternativas para a "acumulação incessante", este retorno constante, esta espécie de objeto "a" que não satisfaz nunca? O "capitalismo...capitalismo" é uma prisão ao referente Marx?
    E eu, que pensava nunca mais pensar sobre estes temas, hein?! Só você mesmo...!

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