sábado, 19 de dezembro de 2015

AFUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO WITZ


Na América Latina e especialmente no Brasil a lei não é levada a sério. Isto é um problema da cultura política continental que a comunidade jurídica deveria investigar para mudar tal axioma de nossa cultura política intelectual. Todavia, não levar a sério a forma política é um problema que a física lacaniana historial pode começar a fruir.
A forma republicana brasileira foi confeccionada por um ersatz de revolução republicana. O golpe de Estado do marechal Deodoro e do relutante, inescrutável, general comandante da tropa imperial Floriano Peixoto pode entrar para os anais da cultura witz latino-americana. Machado de Assis transformou em witz o golpe de Estado ao dizer que o único sinal notável da revolução republicana foi a mudança do nome da farmácia de sua rua, no Rio de Janeiro, de imperial para republicana. A república brasileira começa como um simulacro republicano, um witz que é o avesso do sério como comédia histórica vulgar com o marechal clown quase caindo do imponente cavalo branco ao proclamar a República. Ele estava com 41°de febre!
A forma republicana deixou de ser uma comédia histórica vulgar ao destruir o povo encantado de duas rebeliões camponesas. A revolução da contramáquina de guerra mestiça Canudos (Nordeste) e a quase revolução camponesa sertaneja do Contestado (Sul). Para deixar de ser um simulacro, o Exército brasileiro se repeti como a máquina de guerra freudiana da guerra do Paraguai, que usa violência física sem limite e sem um pingo de ética contra os povos: paraguaio, nordestino e sulista.
Na República Velha, a forma republicana torna-se o simulacro democrático oligárquico do café-com-leite (para os mineiros foi a era do ouro da política republicana) combatido pela Coluna Miguel Costa/Prestes e desintegrada pela Revolução de 1930. No comando político e militar da Revolução de 30, encontrava-se um homem biologicamente pequeno, que se tornou o gigante espiritual da cultura política republicana populista clássica brasileira. Abordei em um outro texto a relação entre o grotesco (homem pequeno) e o herói populista (gigante espiritual). Mas ainda falta reler o Getúlio trágico como witz, como personagem da comédia histórica populista vulgar. Impossível denegar toda a violência terrorista de Getúlio no início da década de 1930 e no Estado Novo. Getúlio foi mais violento do que a violência com seu terrorismo transpolítico que funda não o estado e exceção, simplesmente, mas o modelo de Urstaat republicano populista na América Latina do século XX: “Mais violento do que o violento, assim é o terrorismo cuja espiral transpolítica corresponde à mesma escalada até aos extremos, na ausência de uma regra de jogo” (Baudrillard: 30-31). Não se trata, portanto, do terrorismo da revolução islâmica mundial do século XXI.
A cultura política do simulacro é o avesso da cultura política do sério. Sua percepção imediata pelas massas (e pela sociedade) significa que não se deve, não se pode levar a sério a forma política condensada nas instituições (pública e privada), nas práticas em geral e na biografia dos grandes homens do mundo público ou privado. Os paulistas levaram a sério Getúlio e se levantaram em armas na Revolução Constitucionalista de 1932 que produziu entre os  efeitos sérios a Assembleia Nacional Constituinte, que confeccionou a Constituição hiperliberal de 1934.
Getúlio se aproveitou, oportunisticamente, da conjuntura mundial baseada no antagonismo fascismo versus comunismo (no Brasil na luta política e militar do PCB da revolução vermelha e da luta do Partido Integralista de Plínio Salgado para tomar o poder político) para destruir a democracia formalmente hiperliberal de 1934. A comédia histórica vulgar populista criou, então, uma forma política que era o ersatz de um Estado fascista, em 1937.
A conjuntura da Segunda Guerra Mundial se encerrou com a derrota do fascismo para a democracia ocidental-americana. No Brasil, a FEB se transformou em um nano movimento de massas dos pracinhas-heróis do campo de batalha italiano contra o Estado Novo fascista. Transformando a história universal de comédia histórica em comédia histórica vulgar, Getúlio Varga e o PCB (Luís Carlos Prestes) criaram o “queremismo”. Tratou-se de um movimento de massas que gritava nas ruas do Rio de Janeiro (capital política do país) “queremos Getúlio”. Prestes passou anos preso como um animal vira-lata na prisão varguista e teve sua esposa assassinada pelos nazistas em um campo de concentração. Getúlio entregou Olga Benário Prestes para os fascistas alemães.  A conciliação de Prestes com Getúlio é um momento alto da cultura política witz da história do comunismo brasileiro. O leitor deve saber que Getúlio foi deposto por um golpe militar. A democracia populista de 1946 se origina na farda verde-oliva. Esta foi um símbolo glorioso da cultura política brasileira até os militares (com a ajuda intelectual de Delfim Neto) erguerem o Urstaat militar/68 (de 1968).
Os comunistas levaram a sério esta forma política e a combateram com as armas do terrorismo urbano e da guerrilha rural. Foram esmagados como a revolução vermelha do capitão Luís Carlos Prestes. Mas o povo não levou a sério o terrorismo transpolítico do Urstaat/68 (o transformou em witz). No ocaso da ditadura militar, Geisel e Golbery escolheram um general witz para governar: o general Figueiredo. Tratou-se de um general-presidente clown que impossibilitou a continuação da ditadura militar por outros meios. O meio era o vice-presidente da República de Figueiredo, o mineiro civil boa-gente Aureliano Chaves. Outro mineiro, um Macunaíma da oligarquia liberal mineira, o herói maquiavélico Tancredo Neves (para o general Figueiredo Tancredo Never) desenvolveu as contradições biográficas e faccionais da ditadura militar e ajudou a autodissolver, no Colégio Eleitoral da ditadura militar, tal forma política. Trata-se de um momento sublime da história brasileira como comédia histórica vulgar.
 O povo também não levou a sério o governo autocrático de Sarney. A classe política witz e os intelectuais escreveram a comédia histórica vulgar da forma política sarneysista como transição verdadeiramente séria (interminavelmente witz na realidade)  para a democracia de 1988. A classe política, a comunidade jurídica e o jornalismo conjuram aquela forma autocrática como democrática e Sarney como campeão da democracia de 1988.
Com o Império oligárquico Constitucional erguido no papel na Sessão 17 do STF (sessão do dia 17/12/2015), o pai da oligarquia moderna brasileira (José Sarney, do Maranhão) pode ser tomado como o símbolo tardio de tal império. A fundação do Império Oligárquico Constitucional é o último capítulo da história republicana como comédia histórica vulgar populista. Mas se trata do populismo em sua forma islâmica, populismo sobredeterminado pela revolução islâmica mundial.
O último livro da sociologia paulista de Brasílio Sallum Jr. não trabalha com a distinção entre cultura do sério e cultura do simulacro. Ele faz um retrato de Sarney como campeão da democracia e não consegue perceber que o governo Collor de Mello é um momento trágico, para a democracia de 1988, da comédia histórica brasileira vulgar da década de 1990. A sociologia da USP sempre pensou a história e a cultura política brasileiras como lógica do sério. Assim, eles se levavam a sério como modernistas. O eu trans-subjetivo uspiano é witz por se levar grotescamente a sério. Por isso, eles odiavam e desprezavam Mário de Andrade e, principalmente, Oswald de Andrade. Ambos modernistas pensaram a cultura brasileira como comédia histórica e a nossa cultura intelectual como witz, incluindo Machado de Assis e a sua Academia Brasileira de Letras (ABL). Não foi só a burguesia paulista que gritou: “abaixo a Semana de Arte Moderna”!    
Dando um salto livre para o presente, a corrupção é um tema corriqueiro do Grupo Globo. Afundação Roberto Marinho é um livro de um auditor do Grupo Globo, Romério C. Machado. Tal auditor fez uma radiografia da corrupção - desta corporação da cultura eletrônica informacional - na época do patriarca oligárquico do mundo subcapitalista. Romério escreveu que Roberto Marinho nunca levou a sério o modelo de corrupção institucional privado do Grupo Globo. Roberto via a sua própria corrupção [havia uma identidade absoluta ente a corporação e a biografia (eu trans-subjetivo) de Roberto Marinho] como witz.
Algo mudou da era Marinho para a era do Grupo Globo de 2015? A campanha para as massas de telespectadores sobre corrupção parte do axioma de que todo o povo brasileiro (a sociedade brasileira) é corrupto. Por isso, a classe política é corrupta e os funcionários estatais são corruptos. Identidade absoluta entre a sociedade corrupta e sua classe política corrupta. O jornalismo global foraclui que a classe empresarial é corrupta. Claro que a campanha da corrupção do Grupo Globo é a comédia histórica vulgar eletrônica informacional vulgar que domina a cultura política intelectual brasileira de 2015. O significante eletrônico informacional corrupção do Grupo Globo é uma arma RSI (Real/Simbólica/Imaginária) voltada para a articulação do Império Oligárquico Constitucional da Okhrana na América Latina!       
O Grupo Globo bolivariano da oligarquia peemedebista do Museu do Amanhã da Praça Mauá participou ativamente e alegremente do golpe de Estado do STF/17. Tal golpe transformou a forma republicana em um espectro - uma alma penada à procura de um corpo político na Terra. Em Belém do Pará da minha infância feliz, a alma penada habitava as ruas, casas e cemitérios da polis ao lado dos simples mortais. Quando descobri a teoria política concreta do espectro em Marx (vivia na prosaica, quase vulgar e witz, cidade do Rio de Janeiro), tive um reencontro com os fantasmas do inconsciente nietzschiano da Floresta Amazônica, inconsciente da polis na qual vive minha infância banhada em mitos. Para não parecer uma paródia da fala dos juízes do STF, não vou acabar este texto com uma citação em latim da missa negra da sociedade alternativa do filósofo inglês John Gray.  
BIBLIOGRAFIA
BAUDRILLARD, Jean. As estratégias fatais. Lisboa: Editorial Estampa, 1991
MACHADO, Romério C.. Afundação Roberto Marinho. Porto Alegre: Editora Tchê!, 1988
SALLUM JR, Brasilio. O impeachment de Fernando Collor. Sociologia de uma crise. SP: Editora 34, 2015             
  

           

Um comentário:

  1. O quê eu gosto mais? "...Em Belém do Pará da minha infância feliz, a alma penada habitava as ruas, casas e cemitérios da polis ao lado dos simples mortais." Dava um excelente romance.

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