quarta-feira, 28 de março de 2018

DO CAPITALISMO DEPENDENTE AO CAPITALISMO NEOCOLONIAL LATINO


José Paulo



NIILISMO, CINISMO, SEMBLÂNCIA

Todo discurso é acossado por três formas de abismo de ser: niilismo, cinismo e semblância. O discurso ingênuo desconhece tal problema ao operar com o fato como coisa cognoscível em si. Desde Kant, o fato é a coisa-em-si incognoscível. Então, o discurso que não é ingênuo trabalha com artefatos que são os fatos já dados como trabalho da interpretação. Assim, todo discurso encontra-se mergulhado no domínio da interpretação.

Fatos interpretados como ponto-de-partida remete a história para a história dos artefatos. A investigação histórica começa com a descoberta dos artefatos históricos. Porém, é preciso saber primeiro quem detém o monopólio da produção e circulação dos artefatos históricos na atualidade. Ou se a ideia soberana do fim da história faz algum sentido. Acabou-se a produção de artefato histórico? Se não, há a possibilidade de algum discurso possuir o monopólio da produção dos artefatos históricos?

De antemão descarta-se a historiografia como o conhecimento que detém o monopólio da produção dos artefatos históricos. Todo discurso universitário pode ser excluído da fábrica de produção de artefatos ou da circulação de artefatos. Para encurtar a narrativa, o discurso do capitalista é a fábrica e o próprio processo de produção e circulação de artefatos históricos. O discurso do capitalista como globalismo neoliberal determinou que a fabricação do capitalismo como artefato histórico chegará ao fim: fim da história do capitalismo; fim do significante capitalista; fim do conceito de sociedade capitalista.

As relações de produção e as forças produtivas (condensadas no capital versus trabalho) são máquina de produção desejante e técnica dos artefatos históricos na economia política do signo. Se tal máquina de economia política produz o artefato-signo o capitalismo deixou de existir, a cultura mundial dominante e a sociedade comunicação de massa deixam de falar em capitalismo. Quem fala em capitalismo é levado ao ostracismo cultural ou informacional.

Remar contra a corrente é uma posição solitária que requer uma alta dose de desprendimento. Marx estabelece a parte gramatológica da crítica das ideologias como produção de artefatos históricos. Encontrou na história dos séculos XIX e XX forças práticas que transformaram a crítica das ideologias burguesas em artefatos históricos: sociedade capitalista das lutas de classes, partido político marxista e revolução social na Comuna de Paris, na Rússia e na China.

A burguesia respondeu a Marx com o uso do niilismo de Nietzsche que significou a destruição da revolução socialista na Europa ocidental, a I Guerra Mundial e o fascismo alemão cum II Guerra mundial.

Fazendo pendant com o niilismo, a burguesia desenvolveu o cinismo ilustrado contra a ideia de luta de classes (no fim o comunismo é também um modo de exploração do proletariado por uma elite burocrática burguesa estatal). A história é aquela das elites e das massas; as massas são estúpidas, tolas e ignorantes; a elite detém o saber sobre a história e produz os artefatos históricos. Trata-se da história da produção e circulação de artefatos cínicos da economia política do signo. Mas isto não era suficiente. Era preciso pôr um fim na história, pois o marxismo sustentava que a história era feita pelas massas revolucionárias. Tratava-se de acabar com o artefato revolução social.
                                                                                 II

O globalismo neoliberal foi um passo à frente na produção de artefato exemplar: massas cínicas. No Brasil, o significante massas cínicas surge com o fenômeno do bolivariano sem globalismo neoliberal. Massas operárias do capitalismo dependente e associado creem que governam o país com o PT (Partido dos Trabalhadores), Lula e Dilma Rousseff no poder brasileiro de 2003-2016. Quase o tempo que durou a Ditadura Militar ou Estado militar 1964.

No tempo do PT, o cinismo tomou conta da cultura como anulação da alta cultura (Sloterdijk. v. 1: 48) e fez pendant com a sociedade de comunicação do espetáculo de massa. Lula disse: não existe luta de classes e sim colaboração de classes; não existe oligarquia política. O cinismo de Lula se traduziu na corrupção da política e no entrelaçamento privatista do público com o privado. Cinicamente, Lula e a elite do PT ainda não haviam enriquecido. Quando o cinismo foi desmascarado, a cúpula marxista do PT foi condenada no Mensalão pelo STF na primeira década dos anos 2000.

No segundo governo através da corrupção público-privada, o cinismo continuou, pois, se falava em governo dos trabalhadores enquanto Lula e a elite do PT enriquecia privadamente usando o conluio empresa privada (grandes empreiteiras e empresa pública [Petrobrás]). Tal cinismo burguês (de Lula e dos ricos capitalistas) quase levou a destruição da Petrobrás como empresa pública. Note-se que o PT combinava um certo niilismo (destruição das empresas estatais e da política representativa liberal) com um cinismo semi ilustrado universitário. Trata-se da defesa cínica de um discurso para a juventude dos governos do PT como governo do trabalho enquanto Lula e Dilma Rousseff governavam de mãos dadas como Banco local e internacional. No segundo governo, Dilma se confundiu e entregou o poder econômico estatal para um agente da banca internacional. Aí começou o desmascaramento do cinismo do PT!   

Chamava-se a este fenômeno de hegemonia petista. Os intelectuais que ficassem de fora da hegemonia petista foram destruídos, ou realmente, ou simbolicamente. O niilismo associado ao cinismo gerou uma paz de cemitério para as ideias e estruturas de pensamento de alta cultura do inimigo do bolivariano.  
                                                                        III

Uma formulação de Lacan é aquela que diz: o sujeito é um efeito do discurso. (Lacan. 2008: 47). O sujeito é efeito do significante. O significante representa um sujeito para outro significante. O significante não é um mecanismo e o sujeito é determinado na relação na qual um significante (o significante-mestre) representa o sujeito para outro significante, ou seja, para o campo de saber, tesouros dos significantes, ou seja, o campo simbólico.

Se o sujeito se constitui como massas proletárias, o significante-mestre (bolivariano, por exemplo) representa o sujeito massas do capitalismo dependente e associado para o campo simbólico ou Grande Outro, isto é, para o próprio poder-saber brasileiro como poder vertical (de cima para baixo) e invertido (de baixo para cima) e horizontalmente (poder da soberania popular). Como campo simbólico (lugar do S-saber/poder), o capitalismo dependente e associado entrou em crise atingindo o real da industrialização paulista. Tal crise desfez a cadeia onde o significante-mestre bolivariano representava as massas para o campo de significantes brasileiro.

A crise econômica desarticulou o significante-mestre e fez das massas cínicas proletárias órfãos da morte do capitalismo dependente e associado. Sobrou na cadeia lulista da sociedade de significantes bolivariano as massas subproletárias do programa bolsa família (principalmente do Norte e Nordeste) mantidas pelo Estado ou aquelas massas emergentes para o andar da classe média baixa (a partir da economia política de FHC que prosperou no tempo de Lula) caídas em desgraça com a crise urbana da economia brasileira no governo Dilma Rousseff.
                                                                              IV

A queda de Dilma se deve a passagem do capitalismo industrial dependente e associado para o capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. Dilma começou a instalação da política de desarticulação da articulação da hegemonia do capitalismo dependente e associado gerando um vazio ideológico de saber com a saída das massas cínicas proletárias industriais do campo de poder bolivariano. Este fenômeno era inevitável.  

Sem a ideologia industrial paulista Dilma não podia apelar para a ideologia do capitalismo de commodities? O problema é claro! O capitalismo de commodities não gerou uma ideologia capitalista, deixando Dilma solta no ar. Ao flertar com a hegemonia do Banco, Dilma entrou numa viagem neoliberal desvinculada do globalismo.

O neoliberalismo de Rousseff fez ataques econômicos à classe média (principalmente à universidade estatal federal) que era a base social e intelectual da gramática do bolivariano. Fez ataques a outros setores do bolivariano enfraquecendo o laço gramatical entre o poder petista e os de baixo. Mas aí já nos encontramos no segundo governo Dilma.

Em 2013, um artefato histórico foi produzido pela passagem do capitalismo dependente para o capitalismo neocolonial latino, antecipadamente. Nas grandes capitais, massas sujeito gramatical grau zero bolivariano se movimentaram contra a sua condição urbana dentro do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo latino. Dilma não entendeu que estas massas iriam substituir as massas cínicas proletárias no campo da gramática de poder do bolivariano. A política de Dilma não permitia criatividade, pois, era uma política inercial. Se deixava levar pela correnteza!    

Dilma atacou as massas contra neocoloniais autênticas e junto com a oligarquia política fez uma legislação definindo policial-judicialmente as massas contra neocoloniais como terroristas. Assim, Rousseff perdeu a fonte de energia política dos de baixo que reconfiguraria a gramática do bolivariano. O erro de Dilma foi aproveitado pela oligarquia política que já se via como vanguarda política do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo latino em sua luta com as massas contra neocoloniais.

Causou estranheza o neoliberalismo selvagem do PMDB carioca aliado ao PMDB de São Paulo e do Nordeste. Pensada pelo grupo de conjuntura do PMDB de Brasília, um globalismo neoliberal selvagem foi festejado pela sociedade do espetáculo de comunicação de massa ligada ao decadente capitalismo dependente em decomposição e ao capital fictício (mercado) local e mundial. Tal neoliberalismo selvagem nada tem a ver com o globalismo neoliberal digital da década de 1990.

Trata-se, rigorosamente, da gramática neoliberal do globalismo da articulação da hegemonia mundial do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.

O artefato surge da consideração de aparências. (Lacan. 2009: 15). Se é significante, todo discurso é idêntico ao status como tal do semblante. (Idem: 15). AS massas urbanas contra o capitalismo neocolonial do terceiro-mundo aparecem na decomposição do capitalismo dependente industrial urbano. Olhando as aparências não há massas no capitalismo de commodities. Por outro lado, não há, portanto, como o poder brasileiro se refazer como gramática a partir de um proletariado rural dos de baixo.

A semblância das massas contra neocoloniais apostava para um aprofundamento da democracia e a retomada para um capitalismo industrial do segundo-mundo. A oligarquia política entendeu tal gramática como um impossível freudiano. (Freud: 282). Para a oligarquia política a única gramática razoável é a de aprofundamento em direção ao terceiro-mundo do globalismo neoliberal do capitalismo neocolonial latino.

Na gramática do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo da América Latina, a política desfaz a fronteira entre o lumpesinal de elite e o lumpesinal dos de baixo.  Em tal tela gramatical em narrativa lógica, o Estado legal se dobra à oligarquia política criminal após quatro anos de lutas espetaculares. A corrupção público-privada torna-se a norma para a classe política protegida pela Constituição oligárquica 1988.  

A aparência do capitalismo neocolonial latino diz que o governo dos países da América Latina deve constituir uma semblância na qual o governo legal do lumpesinato criminal respire em uma atmosfera tolerável mantida pela aparência de ordem do discurso do direito.

No entanto, as pressões atmosféricas lumpesinais (dos de cima e dos de baixo armados) sobre a democracia liberal já se traduziram na substituição desta por uma democracia lumpesinal representativa. O efeito mais espetacular é o colapso do poder civil e sua substituição por um poder lumpesinal que abre caminho para a ascensão do poder militar ameaçado de decomposição.
                                                                                         V

Jovens universitários de esquerda veem no poder militar um antagonista do poder neoliberal. Como eles desconhecem o artefato histórico Estado militar 1964, se iludem com a ideia de um poder militar desenvolvimentista nacionalista. Para esses jovens inteligentes e ingênuos da classe média, o poder militar ocuparia o lugar das massas 2013 contra o capitalismo neocolonial latino

47% da população querem um Estado militar-já. Auto iludidos pela falsa consciência (erro, mentira e ideologia) das aparências da conjuntura 2019, os jovens universitários não veem na universidade pública a morada de um saber gramatológico em busca de uma força prática humana capaz de defender uma alternativa ao capitalismo neocolonial latino que não seja o poder militar astuto. Eles não conseguem ver que mesmo nas aparências o capitalismo neocolonial é um poder dissolvente da classe média nos países sem nação.

Se o poder militar conquistar ao poder brasileiro, ele erguerá o primeiro Estado militar lumpesinal do capitalismo neocolonial latino do terceiro-mundo.


FREUD. Obras Completas. Análise terminável e interminável. RJ: Imago, 1975
LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008                          
---------------------------------------- Livro 18. De um discurso que não fosse semblante. RJ: Zahar, 2009
LTOTERDIJK, Peter. Crítica de la razón cínica. v. 1. Madrid: Taurus, 1989            

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