sexta-feira, 15 de maio de 2020

DO PRÍNCIPE CIBERNÉTICO


José Paulo



A universidade nas Américas se debruçou sobre o modelo político corporativista na época da passagem das economias subdesenvolvidas para as economias industriais na América Latina. Alfred Stepan apareceu como um autor de ponta desse debate pública procedural.
No que me diz respeito, extraio de Stepan uma instituição econômica corporativista presente na passagem do subdesenvolvimento sem indústria para o subdesenvolvimento com sociedade industrial. A elite subdesenvolvida usou o modelo econômico corporativista (a junção de elites técnicas, militares e multinacionais) para construir um modelo econômico industrial dependente:
“Isto é assim precisamente porque muitas das novas elites que Wiarda considera como desfiando o corporativismo cultura, tais como técnicos, os militares orientados para o desenvolvimento, até as corporações multinacionais (Stepan. 1980: 81), encontram um caminho “político útil para seus projetos de desenvolvimento orientados em relação às crises”. (idem: 81).
O modelo econômico corporativista industrial dependente exigia que as elites usassem o poder político para reconstruir a sociedade civil segundo novas linhas de gramática social. A paz social com o mundo do trabalho é o elemento basal da gramática ao lado da abertura econômica para o desenvolvimento das forças produtivas. O capitalismo privado corporativo estrangeiro e o capitalismo burocrático de Estado se constituem como as duas grandes forças históricas da gramática capitalista em tela. (Stepan: 82).
Um outro elemento é a criação de grupos econômicos de composição da demanda de bens de consumo duráveis. Assim, o capitalismo corporativista se define como um capitalismo para a minoria da sociedade, excluindo enormes massas da sociedade de consumo. Devemos falar de uma classe media corporativista?
No entanto, temos aí um capitalismo corporativista inclusivo, capitalismo com hegemonia, pois, ele cria um bloco no poder das classes dominantes com massas de apoio, integradas na hegemonia. (Stepan. 1980: 77). A sociedade corporativista capitalista se distingue das velhas sociedades tradicionais baseadas na coerção clânica e/ou estatal.
Uma ligação do capitalismo corporativo subdesenvolvido com o capitalismo corporativo mundial do presente encontra-se na estrutura do <capitalismo de compadrio> que é uma forma reinventada de estrutura clânica.
O capitalismo corporativo das multinacionais foi reinventado como capitalismo corporativo subdesenvolvido na formação social latino-americana. A corporação multinacional não tem a mesma função econômica no país desenvolvido e no país subdesenvolvido. Nesse último, ela se torna tecnologicamente atrasada; a técnica industrial se desliga do desenvolvimento das forças produtivas e da produtividade do trabalho como veículo de estabelecimento do preço dos bens industriais. A sociedade industrial não faz pendant com uma sociedade de consumo para a maioria da classe trabalhadora e classe média. Por exemplo, a classe média baixa é excluída do mercado de bens de consumo duráveis como o do automóvel e outros bens de consumo de luxo.    
Qual é o lugar da hegemonia no capitalismo corporativo mundial?  
A gramática capitalista corporativista possui uma ideologia na qual o bem-estar do grupo corporativista toma o lugar da ideologia liberal baseada no bem-estar do indivíduo. (Stepan.1980:86-87). Na gramática em tela, a corporação capitalista assume o lugar do estado-nação. Há uma mudança na passagem do capitalismo corporativista da multinacional para o capitalismo corporativista mundial. Neste, a corporação capitalista mundial assume, na economia mundial o lugar do estado-nação (ersatz de estado-nação) no processo de globalização do capitalismo corporativo globalizado.
O desenvolvimento da medicina privada corporativa é um domínio empírico onde a corporação capitalista passa a funcionar como ersatz de estado-nação pela lógica de aliar fazer o bem-comum corporativo com obtenção de lucro, enfim, de reprodução ampliada de capital corporativo. Na Europa, a corporação capitalista como ersatz de estado-nação é uma história econômica de destruição do capitalismo social e seu Estado-nação do bem-estar individual da sociedade salarial.   
O caso chinês altera o modelo capitalista corporativo mundial. A China faz a passagem do subdesenvolvimento para o desenvolvimento associando o capitalismo corporativo de Estado (CCE) com o capitalismo corporativo privado. O CCE substitui o capitalismo burocrático de Estado e altera a natureza da planificação. A planificação socialista cede seu lugar para a planificação capitalista. Com a China, o Estado-nação volta a ter uma posição estratégica na acumulação de capital através da aliança do CCE com o Estado-cientista cibernético, natural.   
 No século XXI, a União Europeia se estabelece como uma política voltada para a globalização do capitalismo corporativo privado neoliberal. O modelo corporativista europeu não tem CCE e/ou Estado-cientista cibernético, natural.
A crise sanitária da covid-19 leva a elite europeia a pensar a construção de um nomo modelo econômico com CCE e Estado-cientista. Trata-se de uma ruptura com a história econômica europeia do americanismo neoliberal.
A elite europeia dominante será capaz de adotar um modelo de capitalismo corporativo oriental?
A hegemonia do modelo capitalismo corporativo oriental sobre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos se materializará com o capitalismo europeu utópico oriental pós-covid-19 como a forma do capitalismo globalizado na terceira década do século XXI, no Ocidente e Oriente.   
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Uma característica do Capitalismo corporativo mundial é a transformação do campo de poderes mundial regulado pela dialética capital versus trabalho. Simplificando o funcionamento do campo de poderes, o trabalho deixa de ser um centro de lutas contra o capital cibernético. A luta de classes desaparece da sociedade capitalista que abole a necessidade de controle político do trabalho pelo Estado. (Stepan: 94).
Aliás, a luta de classes desaparece na sociedade capitalista subdesenvolvida industrial relacionada a dois fenômenos. O primeiro é a diminuição da sociedade industrial. O segundo é a emergência do <príncipe cibernético>.
Nos países desenvolvidos a luta de classes deixa o centro do palco com o desenvolvimento da sociedade industrial corporativa cibernética seu príncipe cibernético.
A história econômica mundial do capitalismo globalizado cibernético altera a gramática do capitalismo corporativo mundial, pois há o deslocamento do capital cibernético produtivo do ocidente para a Ásia oriental.
A história econômica oriental industrial do século XXI é aquela do príncipe cibernético no lugar da política das classes sociais.
O problema político do capitalismo corporativo mundial cibernético globalizado diz respeito à existência e funcionamento na sociedade civil mundial do príncipe cibernético como política de uma hegemonia, fortemente, sedutora e de coerção tendendo para o grau zero.
A ideia de <inteligência coletiva mundial> é um outro nome para o príncipe cibernético:
“Mas é preciso também entender a inteligência no sentido de união e conformidade de sentimentos. A inteligência coletiva também pressupõe, portanto, a capacidade de criar e de desenvolver a confiança, a aptidão para tecer laços duráveis. Ora, o ciberespaço oferece um poderoso suporte de inteligência coletiva, tanto em sua faceta cognitiva como em seu aspecto social. Já falei bastante a respeito do tema da inteligência coletiva neste livro e irei abordá-lo uma última vez para terminar este capítulo. É com a escolha desse caminho, que representa aquilo que a cibercultura tem de mais positivo para oferecer nos planos econômico, social e cultural, que os Estados poderão <recuperar em potência real e na defesa dos interesses de suas populações> aquilo que perdem pela desterritorialização e pela virtualização”. (Levy: 213). 
O príncipe cibernético é uma forma de plurivocidade da realidade, pois, ele é político, econômico e cultural, simultaneamente. Em Gramsci, a ideia do príncipe moderno é o partido político no lugar do <condottiero>:
“O caráter fundamental do <Príncipe> consiste em que ele não é um trabalho sistemático, mas um livro ‘vivo’ em que a ideologia política e a ciência política fundem-se na forma dramática do ‘mito’. Entre a utopia e o tratado escolástico, as formas através das quais se configurava a ciência política até Maquiavel, este deu à sua concepção a forma fantástica e artística, pela qual o elemento doutrinal e racional incorpora-se num <condottiero>, que representa plasticamente e antropoformicamente o símbolo da vontade coletiva. O processo de formação de uma determinada vontade coletiva, para um determinado fim político, é representado não através de disquisições e classificações pedantescas de princípios e critérios de um método de ação mas como qualidade, traços característicos, deveres, necessidades de uma pessoa concreta, tudo o que faz trabalhar a fantasia artística de quem se quer convencer e dar forma mais concreta às paixões políticas. O Príncipe de Maquiavel poderia ser estudado como uma exemplificação histórica do ‘mito’ soreliano, ou melhor, de uma ideologia política que se apresenta não como fria utopia, nem como raciocínio doutrinário, mas como uma criação da fantasia concreta que atua sobre um povo disperso e pulverizado para despertar e organizar a sua vontade coletiva”. (Gramsci. V. 3: 1555).
O primeiro fenômeno de formação de uma vontade coletiva cibernética é a política do Estado-cientista cibernético, natural (OMS, China) para combater a covid-19. Temos a produção de uma ideologia cibernética mundial como fantasia concreta que atua sobre povos dispersos e pulverizado para despertar e organizar sua vontade coletiva na luta contra a covid-19:
“Acrescentemos que esse novo espaço de comunicação é suficientemente vasto e tolerante para que projetos que apareçam mutuamente exclusivos sejam executados simultaneamente ou mostrem-se <também> complementares”. (Levy: 216).  
A plurivocidade em rede da história econômica do príncipe cibernético é um fenômeno de uma realidade mundial:
“Se é verdade que a rede tem tendência a reforçar ainda mais centros atuais de potência científica, militar e financeira, se é certo que o <cyberbusiness> deve conhecer uma expansão vertiginosa nos próximos anos, ainda assim não podemos, como muitas vezes faz a crítica, reduzir o advento do novo espaço de comunicação à aceleração da globalização econômica, à acentuação das dominações tradicionais, nem mesmo ao surgimento de formas inéditas de poder e de exploração. Pois o ciberespaço também pode ser colocado a serviço do desenvolvimento individual ou regional, usado para a participação em processos emancipadores e abertos de inteligência coletiva. Além disso, as duas perspectivas não são, necessariamente, mutuamente exclusivas. Podem até mesmo, em um universo cada vez mais interconectado e interdependente, apoiar-se uma na outra. Como mostrarei, todo o dinamismo da cibercultura está relacionado ao entrelaçamento e à manutenção de uma verdadeira dialética da utopia e dos negócios”. (Levy: 227).
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A hegemonia cibernética do capitalismo corporativo cibernético mundial abrange países desenvolvidos e subdesenvolvidos. As grandes corporações cibernéticas da sociedade de comunicação se constituem como o aspecto da integração cibernética entre Ocidente e Oriente, países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Os EUA é um centro econômico da sociedade de comunicação cibernética. Países como China e Rússia falam de uma dominação cibernética da América sobre o planeta. Assim, procuram bloquear o funcionamento da corporação cibernética do americanismo neoliberal da comunicação em suas nações.
Com a crise da covid-19, a hegemonia do capitalismo corporativo cibernético do americanismo neoliberal é posta em questão. No Entanto, na América Latina, a hegemonia em tela não sofre abalos ensurdecedores, como na Europa.
A hegemonia cibernética põe e repõe o problema da desterritorialização do Estado nacional moderno:
“De fato, o ciberespaço é desterritorializante por natureza, enquanto o Estado moderno baseia-se, sobretudo, na noção de território”. (Levy: 210).
A liberdade de expressão se desterritorializa e põe em xeque o Estado como poder legislativo coativo e de controle sobre a liberdade do exercício do pensamento publicado. (Levy: 210-211).
Portanto, um campo de luta do século XXI é aquele entre o Estado e o príncipe cibernético. Por isso, a China tem as suas próprias corporações cibernéticas da comunicação. O PCC procura através do Estado nacional manter um controle relativo sobre o príncipe cibernético asiático.
A corporação capitalista cibernética da comunicação funciona como ersatz de estado-nação. Isto põe o problema do centro de poder e centralização no campo de poderes/saberes cibernético.
A hegemonia cibernética não tem um centro ideológico como a hegemonia do Estado moderno feita no espaço procedural do intelectual hegemônico. A hegemonia cibernética se realiza como anarco-hegemonia, anarco-empirismo. Isso põe o problema da legitimidade nacional da hegemonia em tela.
O conflito entre o príncipe cibernético e a política nacional aparece de forma macabra na política de Bolsonaro contra a orientação intelectual e moral do Estado-cientista contra a covid-19.
O Brasil faz a política do subdesenvolvimento econômico caminhando para uma desvinculação total do capitalismo corporativo mundial? O projeto de capitalismo subdesenvolvido neoliberal é o projeto da governabilidade da elite bolsonarista que controla o parlamento e o <príncipe eletrônico>, do sociólogo marxista Octavio Ianni.
A contradição crescente entre o príncipe cibernético e o príncipe eletrônico na luta pela hegemonia nacional é um fenômeno que faz pendant com a contradição entre o príncipe cibernético e o Estado nacional.
 O modelo oriental de capitalismo corporativo se define pela aliança entre o capitalismo corporativo privado mundial e o capitalismo corporativo de Estado. Tal modelo redefine o lugar do Estado nacional na história pós-covid-19.
Na nova história mundial, o príncipe cibernético fará parelha com a hegemonia restaurada do Estado nacional. Um exemplo desse acontecimento, é a nova forma e capitalismo globalizado corporativo que surge na elite europeia. A elite europeia parece estar convencida que o melhor é adotar o modelo oriental de capitalismo corporativo mundial.
A Europa surge como a nova fronteira e continente econômico de desenvolvimento das forças produtivas cibernéticas e, portanto, como território de reprodução ampliada de capital cibernético e acumulação mundial do capitalismo corporativo mundial.  
Uma revolução europeia no domínio do capitalismo corporativo cibernético da sociedade de comunicação significará uma transformação formidável do príncipe cibernético.

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Capitalismo corporativo mundial. RJ: Papel & Virtual, 2002
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Gramáticas do capitalismo. Lisboa: Chiado Books, 2019
GRAMSCI, Antonio. Quaderni del carcere v. 3. Torino: Einaudi, 1977
LEVY, Pierre. Cibercultura. SP: Editora 34, 1999
STEPAN, Alfred. Estado, corporativismo e autoritarismo. RJ: Paz e Terra, 1980        
  

      
    
 

    

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