José Paulo
A universidade nas Américas se debruçou sobre o modelo
político corporativista na época da passagem das economias subdesenvolvidas
para as economias industriais na América Latina. Alfred Stepan apareceu como um
autor de ponta desse debate pública procedural.
No que me diz respeito, extraio de Stepan uma instituição
econômica corporativista presente na passagem do subdesenvolvimento sem
indústria para o subdesenvolvimento com sociedade industrial. A elite
subdesenvolvida usou o modelo econômico corporativista (a junção de elites
técnicas, militares e multinacionais) para construir um modelo econômico
industrial dependente:
“Isto é assim precisamente porque muitas das novas elites que
Wiarda considera como desfiando o corporativismo cultura, tais como técnicos,
os militares orientados para o desenvolvimento, até as corporações
multinacionais (Stepan. 1980: 81), encontram um caminho “político útil para
seus projetos de desenvolvimento orientados em relação às crises”. (idem: 81).
O modelo econômico corporativista industrial dependente
exigia que as elites usassem o poder político para reconstruir a sociedade
civil segundo novas linhas de gramática social. A paz social com o mundo do
trabalho é o elemento basal da gramática ao lado da abertura econômica para o
desenvolvimento das forças produtivas. O capitalismo privado corporativo
estrangeiro e o capitalismo burocrático de Estado se constituem como as duas
grandes forças históricas da gramática capitalista em tela. (Stepan: 82).
Um outro elemento é a criação de grupos econômicos de
composição da demanda de bens de consumo duráveis. Assim, o capitalismo
corporativista se define como um capitalismo para a minoria da sociedade,
excluindo enormes massas da sociedade de consumo. Devemos falar de uma classe
media corporativista?
No entanto, temos aí um capitalismo corporativista inclusivo,
capitalismo com hegemonia, pois, ele cria um bloco no poder das classes
dominantes com massas de apoio, integradas na hegemonia. (Stepan. 1980: 77). A
sociedade corporativista capitalista se distingue das velhas sociedades
tradicionais baseadas na coerção clânica e/ou estatal.
Uma ligação do capitalismo corporativo subdesenvolvido com o
capitalismo corporativo mundial do presente encontra-se na estrutura do <capitalismo de compadrio> que é uma forma reinventada de
estrutura clânica.
O capitalismo corporativo das multinacionais foi reinventado
como capitalismo corporativo subdesenvolvido na formação social
latino-americana. A corporação multinacional não tem a mesma função econômica
no país desenvolvido e no país subdesenvolvido. Nesse último, ela se torna
tecnologicamente atrasada; a técnica industrial se desliga do desenvolvimento
das forças produtivas e da produtividade do trabalho como veículo de
estabelecimento do preço dos bens industriais. A sociedade industrial não faz
pendant com uma sociedade de consumo para a maioria da classe trabalhadora e
classe média. Por exemplo, a classe média baixa é excluída do mercado de bens
de consumo duráveis como o do automóvel e outros bens de consumo de luxo.
Qual é o lugar da hegemonia no capitalismo corporativo
mundial?
A gramática capitalista corporativista possui uma ideologia
na qual o bem-estar do grupo corporativista toma o lugar da ideologia liberal
baseada no bem-estar do indivíduo. (Stepan.1980:86-87). Na gramática em tela, a
corporação capitalista assume o lugar do estado-nação. Há uma mudança na
passagem do capitalismo corporativista da multinacional para o capitalismo
corporativista mundial. Neste, a corporação capitalista mundial assume, na economia
mundial o lugar do estado-nação (ersatz de estado-nação) no processo de
globalização do capitalismo corporativo globalizado.
O desenvolvimento da medicina privada corporativa é um
domínio empírico onde a corporação capitalista passa a funcionar como ersatz de
estado-nação pela lógica de aliar fazer o bem-comum corporativo com obtenção de
lucro, enfim, de reprodução ampliada de capital corporativo. Na Europa, a
corporação capitalista como ersatz de estado-nação é uma história econômica de
destruição do capitalismo social e seu Estado-nação do bem-estar individual da
sociedade salarial.
O caso chinês altera o modelo capitalista corporativo
mundial. A China faz a passagem do subdesenvolvimento para o desenvolvimento
associando o capitalismo corporativo de Estado (CCE) com o capitalismo
corporativo privado. O CCE substitui o capitalismo burocrático de Estado e
altera a natureza da planificação. A planificação socialista cede seu lugar
para a planificação capitalista. Com a China, o Estado-nação volta a ter uma
posição estratégica na acumulação de capital através da aliança do CCE com o
Estado-cientista cibernético, natural.
No século XXI, a União
Europeia se estabelece como uma política voltada para a globalização do
capitalismo corporativo privado neoliberal. O modelo corporativista europeu não
tem CCE e/ou Estado-cientista cibernético, natural.
A crise sanitária da covid-19 leva a elite europeia a pensar
a construção de um nomo modelo econômico com CCE e Estado-cientista. Trata-se
de uma ruptura com a história econômica europeia do americanismo neoliberal.
A elite europeia dominante será capaz de adotar um modelo de
capitalismo corporativo oriental?
A hegemonia do modelo capitalismo corporativo oriental sobre
os países desenvolvidos e subdesenvolvidos se materializará com o capitalismo
europeu utópico oriental pós-covid-19 como a forma do capitalismo globalizado
na terceira década do século XXI, no Ocidente e Oriente.
2
Uma característica do Capitalismo corporativo mundial é a
transformação do campo de poderes mundial regulado pela dialética capital
versus trabalho. Simplificando o funcionamento do campo de poderes, o trabalho
deixa de ser um centro de lutas contra o capital cibernético. A luta de classes
desaparece da sociedade capitalista que abole a necessidade de controle
político do trabalho pelo Estado. (Stepan: 94).
Aliás, a luta de classes desaparece na sociedade capitalista
subdesenvolvida industrial relacionada a dois fenômenos. O primeiro é a
diminuição da sociedade industrial. O segundo é a emergência do <príncipe cibernético>.
Nos países desenvolvidos a luta de classes deixa o centro do
palco com o desenvolvimento da sociedade industrial corporativa cibernética seu
príncipe cibernético.
A história econômica mundial do capitalismo globalizado
cibernético altera a gramática do capitalismo corporativo mundial, pois há o
deslocamento do capital cibernético produtivo do ocidente para a Ásia oriental.
A história econômica oriental industrial do século XXI é
aquela do príncipe cibernético no lugar da política das classes sociais.
O problema político do capitalismo corporativo mundial
cibernético globalizado diz respeito à existência e funcionamento na sociedade
civil mundial do príncipe cibernético como política de uma hegemonia,
fortemente, sedutora e de coerção tendendo para o grau zero.
A ideia de <inteligência coletiva mundial> é um outro nome para o príncipe cibernético:
“Mas é preciso também entender a inteligência no sentido de
união e conformidade de sentimentos. A inteligência coletiva também pressupõe,
portanto, a capacidade de criar e de desenvolver a confiança, a aptidão para
tecer laços duráveis. Ora, o ciberespaço oferece um poderoso suporte de
inteligência coletiva, tanto em sua faceta cognitiva como em seu aspecto
social. Já falei bastante a respeito do tema da inteligência coletiva neste
livro e irei abordá-lo uma última vez para terminar este capítulo. É com a
escolha desse caminho, que representa aquilo que a cibercultura tem de mais
positivo para oferecer nos planos econômico, social e cultural, que os Estados
poderão <recuperar em potência real e na defesa dos interesses
de suas populações> aquilo que perdem pela
desterritorialização e pela virtualização”. (Levy: 213).
O príncipe cibernético é uma forma de plurivocidade da
realidade, pois, ele é político, econômico e cultural, simultaneamente. Em
Gramsci, a ideia do príncipe moderno é o partido político no lugar do <condottiero>:
“O caráter fundamental do <Príncipe> consiste em que ele não é um trabalho sistemático, mas um
livro ‘vivo’ em que a ideologia política e a ciência política fundem-se na
forma dramática do ‘mito’. Entre a utopia e o tratado escolástico, as formas
através das quais se configurava a ciência política até Maquiavel, este deu à
sua concepção a forma fantástica e artística, pela qual o elemento doutrinal e
racional incorpora-se num <condottiero>, que representa plasticamente e antropoformicamente o
símbolo da vontade coletiva. O processo de formação de uma determinada vontade
coletiva, para um determinado fim político, é representado não através de
disquisições e classificações pedantescas de princípios e critérios de um
método de ação mas como qualidade, traços característicos, deveres,
necessidades de uma pessoa concreta, tudo o que faz trabalhar a fantasia
artística de quem se quer convencer e dar forma mais concreta às paixões
políticas. O Príncipe de Maquiavel poderia ser estudado como uma exemplificação
histórica do ‘mito’ soreliano, ou melhor, de uma ideologia política que se
apresenta não como fria utopia, nem como raciocínio doutrinário, mas como uma
criação da fantasia concreta que atua sobre um povo disperso e pulverizado para
despertar e organizar a sua vontade coletiva”. (Gramsci. V. 3: 1555).
O primeiro fenômeno de formação de uma vontade coletiva
cibernética é a política do Estado-cientista cibernético, natural (OMS, China)
para combater a covid-19. Temos a produção de uma ideologia cibernética mundial
como fantasia concreta que atua sobre povos dispersos e pulverizado para
despertar e organizar sua vontade coletiva na luta contra a covid-19:
“Acrescentemos que esse novo espaço de comunicação é
suficientemente vasto e tolerante para que projetos que apareçam mutuamente
exclusivos sejam executados simultaneamente ou mostrem-se <também> complementares”. (Levy: 216).
A plurivocidade em rede da história econômica do príncipe
cibernético é um fenômeno de uma realidade mundial:
“Se é verdade que a rede tem tendência a reforçar ainda mais
centros atuais de potência científica, militar e financeira, se é certo que o <cyberbusiness> deve conhecer uma expansão
vertiginosa nos próximos anos, ainda assim não podemos, como muitas vezes faz a
crítica, reduzir o advento do novo espaço de comunicação à aceleração da
globalização econômica, à acentuação das dominações tradicionais, nem mesmo ao
surgimento de formas inéditas de poder e de exploração. Pois o ciberespaço também
pode ser colocado a serviço do desenvolvimento individual ou regional, usado
para a participação em processos emancipadores e abertos de inteligência coletiva.
Além disso, as duas perspectivas não são, necessariamente, mutuamente exclusivas.
Podem até mesmo, em um universo cada vez mais interconectado e interdependente,
apoiar-se uma na outra. Como mostrarei, todo o dinamismo da cibercultura está
relacionado ao entrelaçamento e à manutenção de uma verdadeira dialética da
utopia e dos negócios”. (Levy: 227).
3
A hegemonia cibernética do capitalismo corporativo cibernético
mundial abrange países desenvolvidos e subdesenvolvidos. As grandes corporações
cibernéticas da sociedade de comunicação se constituem como o aspecto da
integração cibernética entre Ocidente e Oriente, países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Os EUA é um centro econômico da sociedade de comunicação
cibernética. Países como China e Rússia falam de uma dominação cibernética da
América sobre o planeta. Assim, procuram bloquear o funcionamento da corporação
cibernética do americanismo neoliberal da comunicação em suas nações.
Com a crise da covid-19, a hegemonia do capitalismo corporativo
cibernético do americanismo neoliberal é posta em questão. No Entanto, na
América Latina, a hegemonia em tela não sofre abalos ensurdecedores, como na
Europa.
A hegemonia cibernética põe e repõe o problema da
desterritorialização do Estado nacional moderno:
“De fato, o ciberespaço é desterritorializante por natureza,
enquanto o Estado moderno baseia-se, sobretudo, na noção de território”. (Levy:
210).
A liberdade de expressão se desterritorializa e põe em xeque
o Estado como poder legislativo coativo e de controle sobre a liberdade do
exercício do pensamento publicado. (Levy: 210-211).
Portanto, um campo de luta do século XXI é aquele entre o Estado
e o príncipe cibernético. Por isso, a China tem as suas próprias corporações
cibernéticas da comunicação. O PCC procura através do Estado nacional manter um
controle relativo sobre o príncipe cibernético asiático.
A corporação capitalista cibernética da comunicação funciona
como ersatz de estado-nação. Isto põe o problema do centro de poder e
centralização no campo de poderes/saberes cibernético.
A hegemonia cibernética não tem um centro ideológico como a
hegemonia do Estado moderno feita no espaço procedural do intelectual hegemônico.
A hegemonia cibernética se realiza como anarco-hegemonia, anarco-empirismo. Isso
põe o problema da legitimidade nacional da hegemonia em tela.
O conflito entre o príncipe cibernético e a política nacional
aparece de forma macabra na política de Bolsonaro contra a orientação intelectual
e moral do Estado-cientista contra a covid-19.
O Brasil faz a política do subdesenvolvimento econômico caminhando
para uma desvinculação total do capitalismo corporativo mundial? O projeto de
capitalismo subdesenvolvido neoliberal é o projeto da governabilidade da elite bolsonarista
que controla o parlamento e o <príncipe eletrônico>, do sociólogo marxista Octavio Ianni.
A contradição crescente entre o príncipe cibernético e o
príncipe eletrônico na luta pela hegemonia nacional é um fenômeno que faz
pendant com a contradição entre o príncipe cibernético e o Estado nacional.
O modelo oriental de
capitalismo corporativo se define pela aliança entre o capitalismo corporativo
privado mundial e o capitalismo corporativo de Estado. Tal modelo redefine o
lugar do Estado nacional na história pós-covid-19.
Na nova história mundial, o príncipe cibernético fará parelha
com a hegemonia restaurada do Estado nacional. Um exemplo desse acontecimento,
é a nova forma e capitalismo globalizado corporativo que surge na elite europeia.
A elite europeia parece estar convencida que o melhor é adotar o modelo
oriental de capitalismo corporativo mundial.
A Europa surge como a nova fronteira e continente econômico de
desenvolvimento das forças produtivas cibernéticas e, portanto, como território
de reprodução ampliada de capital cibernético e acumulação mundial do capitalismo
corporativo mundial.
Uma revolução europeia no domínio do capitalismo corporativo
cibernético da sociedade de comunicação significará uma transformação formidável
do príncipe cibernético.
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Capitalismo corporativo mundial. RJ: Papel & Virtual, 2002
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Gramáticas do capitalismo. Lisboa: Chiado Books, 2019
GRAMSCI, Antonio. Quaderni del carcere v. 3. Torino: Einaudi, 1977
LEVY, Pierre. Cibercultura. SP: Editora 34, 1999
STEPAN, Alfred. Estado, corporativismo e autoritarismo. RJ:
Paz e Terra, 1980
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