José Paulo
Em 2002, publiquei meu livro “Capitalismo corporativo
mundial”. Hoje, a crise capitalista mundial só se torna inteligível a partir do
domínio da corporação capitalista sobre a economia do Ocidente e Oriente.
A crise capitalista diz respeito à reprodução ampliada de
capital. Diz respeito ao aumento contínuo da produção de capital sem acumulação
capitalista? Daí, não seria mais produção capitalista. Esta condição leva Zizek
a falar da produção não-capitalista como actrator em um horizonte mundial
comunista.
A crise mundial põe e repõe o problema da hegemonia econômica,
mundialmente. Ou melhor, a crise será superada por uma nova expansão e
reprodução ampliada de capital corporativo privado? Esta era a hipótese do
capitalismo neoliberal como a impossível expansão do capital privado
corporativo para as regiões subdesenvolvidas. Nas regiões desenvolvidas a
expansão do capital corporativo privado atingiu seu limite geohistórico.
Como solução da crise mundial, resta a expansão do
capitalismo corporativo de Estado, fato que a Europa diz que vai transformar em
artefato econômico.
O desenvolvimento das forças produtivas cibernéticas é o
outro fenômeno histórico que fará da Europa o caminho para a solução da crise
econômica mundial. Ao lado deste fenômeno, a internacionalização do capitalismo
corporativo de Estado é o outro aspecto da solução da crise capitalista da
covid-19. Assim, o capitalismo encontrará um novo princípio de rentabilidade
para a extração da mais-valia irrealizável nas condições econômicas atuais.
A crise capitalista: é sempre a pobreza e a capacidade
restringida de consumo das massas, com as que contrasta a tendência de produção
capitalista a desenvolver as forças produtivas como se não houvesse mais
limites que a capacidade absoluta de consumo da sociedade.
Mas de qual consumo estamos falando?
Trata-se do consumo de bens industriais cibernéticos. O
departamento II, como departamento de capital cibernético, definirá a nova
expansão do capitalismo globalizado com a internacionalização do capital
ampliado cibernético de Estado.
A nacionalização mundial avançada do capital cibernético de
Estado faz pendant com uma nova era do capitalismo globalizado. A contradição
econômica entre o nacional e a globalização é uma aparência que se desfaz na
solução da crise mundial.
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O período que começa na década de 1990 é descrito como uma
época de revolução capitalista. Trata-se da revolução que tem na globalização
sua força produtiva prática de desenvolvimento econômico com retórica de
crescimento econômico.
A globalização é o capitalismo globalizado. É a autoexpansão
de capital, de acumulação pela acumulação mesma; se refere a urgência
compulsiva e sem pausa das relações de cambio como valor econômico. Esta
urgência, ao mesmo tempo que converte o capitalismo em um sistema social de
produção mais produtivo que tem existido, também é responsável por todas as
suas dificuldades sociais e econômicas.
O capitalismo globalizado neoliberal do americanismo irrefreável
faz do campo dos sujeitos, da esfera do trabalho, um inimigo a ser derrotado
irrevogavelmente. A estratégia de deslocamento das cadeias produtivas para a
Ásia cria uma sociedade industrial na qual a sociedade de classes não existe
como luta de classes.
O modelo da sociedade industrial asiática leva ao
desenvolvimento do capitalismo corporativo industrial fora do Ocidente ou do
extremo-ocidente. Países subdesenvolvidos da Ásia se desenvolvem como sociedade
industrial cibernética enquanto regiões subdesenvolvidas como a América Latina
(organizadas como campo de lutas do trabalho contra o capital) permanecem como
o mundo atrasado do capitalismo globalizado.
Para o capitalismo globalizado, a luta de classes existia
como bloqueio ao desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo cibernético.
A luta de classes se constituía como uma tendência a paralisar as forças
produtivas sociais de produção em qualquer momento e lugar em que seu
desenvolvimento se choque com as relações de produção especificamente
capitalista. O princípio da acumulação é responsável tanto pela ascensão como
pela decadência do capitalismo globalizado. As contradições da formação de
capital (capital cibernético desenvolvido e capital subdesenvolvido
ciberneticamente) tanto propiciam como retardam o desenvolvimento geral das
forças produtivas da sociedade.
Com a crise econômica da covid-19, a contradição entre as
forças produtivas e as formas de propriedade assume o palco principal. O
desenvolvimento das forças produtivas corporativas privadas se torna um
obstáculo para a expansão do capital cibernético. Como elas não podem se
realizar como exportação de capital corporativo privado para os países e
continentes subdesenvolvidos do extremo-ocidente, o capitalismo globalizado
privado encontra aí seu limite geoistórico.
A propriedade privada age como uma barreira ao
desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo globalizado cibernético. Assim,
a propriedade corporativa industrial necessita da forma de propriedade estatal
para retomar o desenvolvimento das forças produtivas.
O resultado na história econômica mundial é a passagem da
hegemonia do capitalismo corporativo mundial privado ocidental para o
capitalismo corporativo de Estado asiático. A violenta aniquilação de capital
gerada pela crise econômica da covid-19, ou seja, por uma situação
contingencial, acaba funcionando como condição da autoconservação do
capitalismo globalizado.
Como globalização do capital cibernético, a expansão
espetacular do capitalismo corporativo de Estado corresponde à última etapa da existência
do capitalismo tout court?
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O desenvolvimento das forças produtivas mundiais significa a
adoção do modelo econômico de capitalismo asiático na qual o capitalismo
corporativo de Estado é hegemônico em relação ao capitalismo corporativo
privado?
Assim, a China é a Inglaterra do século XXI e os Estados
Unidos neoliberal. Seria mais proveitoso restringir o desenvolvimento
industrial cibernético na parte do mundo onde se encontra instalado? Ou seja,
na Ásia Oriental?
O modelo econômico cibernético é projetado e construído
visando um mercado mundial em expansão; a capacidade produtiva das nações
capitalistas avançadas excede o alcance de seus mercados nacionais. O mercado
mundial é constituído por países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
A China saiu de uma situação de país subdesenvolvido para
país desenvolvidos industrial, avançado. Seu modelo econômico de economia mista
combina o capitalismo corporativo de Estado (aspecto principal da história
econômica) com o capitalismo corporativo privado mundial (aspecto secundário).
Mas, há algo novo na história capitalista desse modelo econômico.
O modelo econômico chinês tem um Estado-cientista,
cibernético, natural como força produtiva do desenvolvimento capitalista. O
Estado-cientista é um fenômeno em junção com o capitalismo corporativo de
Estado cibernético, natural.
O Estado-cientista vai aparecendo como parte da necessidade
social capitalista de internacionalização de um Estado que é a junção de
economia, política e ciência. O Estado-cientista no comando da economia,
política e cultura definirá a sociedade industrial cibernética dos países
desenvolvidos, avançados.
Os países subdesenvolvidos se integrarão ao capitalismo
cibernético acabado como esfera de circulação. Uma característica genérica do
capitalismo é aquela do processo de produção de capital ser também um processo
de concentração e centralização de capital em determinadas regiões do planeta.
Isto impede a extensão espacial da produção de capital, porque os capitalistas
corporativos se tornam cada vez mais incapazes e menos desejosos de capitalizar
a produção mundial.
A lógica capitalista conhecida e praticada diz que a produção
capitalista tem como objetivo o lucro e o capital. A produção de mercadorias
como valores de uso concretos é somente o meio para a produção de capital como
valor de cambio abstrato.
Uma nova lógica surge com a gramática do capitalismo
corporativo chinês. A ideia da produção de bens econômicos que salvam vidas mostra
que há uma nova relação entre o campo de poderes/saberes econômico e o campo de
sujeitos. O modelo econômico chinês é um
modelo econômico humanitário.
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A história da hegemonia do capitalismo chinês é uma repetição
histórica da hegemonia romana?
A repetição romana é a repetição do eterno retorno:
“Tudo esteve aí inúmeras vezes, na medida em que a situação
global de todas as forças sempre retorna. Se alguma vez, <sem levar isso em conta>, algo igual esteve aí, é
inteiramente indemonstrável. Parece que a situação global forma as <propriedades> de modo novo, até nas mínimas
coisas, de modo que duas situações globais diferentes não podem ter nada igual.
Se em uma situação pode haver algo de igual, por exemplo, <duas folhas>? Duvido: isso pressuporia que tiveram
uma gênese absolutamente igual, e com isso teríamos de <admitir> que, <até em toda a eternidade para trás>, subsistiu algo de igual, a despeito de todas as alterações
de situações globais e de toda criação de novas propriedades – uma admissão
impossível! (Nietzsche: 439).
A hegemonia da China significa que os países industrialmente
mais desenvolvidos não fazem mais que por diante dos países menos desenvolvidos
o espelho de seu próprio futuro?
Ao contrário, a história chinesa exporta seu modelo econômico,
mas não exporta seu modelo político ou cultural. O mandarim não se tornará a
língua universal do capitalismo corporativo do século XXI. Este é um elemento
diferencial entre a hegemonia de Roma e a hegemonia chinesa. A China não criará
um moeda nacional que substitua a hegemonia do dólar no comércio internacional.
Um capitalismo com plurivocidade de língua, política e
cultura, eis o que significa a construção da nova ordem mundial inspirada na
história chinesa.
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Um elemento significativo da história mundial econômica de
amanhã de manhã é o retorno do desenvolvimento capitalista marxista no lugar do
crescimento econômico dos saberes econômicos neoliberais.
A partir da dialética da sintetização de capitalismo com
socialismo, de Mao Tse Tung, (Zizek: 219), da <planificação capitalista> do socialismo de mercado, uma nova ordem econômica mundial
aparece como algo para além da contradição capitalismo versus socialismo, para
além da hegemonia do capitalismo neoliberal do americanismo, baseada na ideia
de crescimento econômico.
A dialética maoísta é um artefato econômico que descontrói a
Guerra Fria. Ela é um pensamento econômico de uma cultura econômica que
subordina o complexo industrial militar (do capitalismo subdesenvolvido em
sociedades desenvolvidas) à lógica da paz mundial.
Hoje, a China desenvolvida encontra-se em contradição com A
China subdesenvolvida por causa da história do complexo industrial-militar
americano. Ao contrário do capitalismo americano, o capitalismo chinês não
necessita acumular capital (ou usar o excedente de capital chinês), se valendo da
economia subdesenvolvida do complexo militar mundial.
O complexo industrial-militar é um fenômeno da acumulação de
capital da era do capitalismo monopolista americano. O militarismo americano
funcionou como absorção de excedente de capital americano. Ao contrário, a
hegemonia econômica chinesa pode nos trazer de volta a <Pax Britannica>:
“Com um líder indiscutido ocupando o alto e estabilizando
todo o sistema através de sua própria força e de um sistema flexível de
alianças, a ênfase sobre o militarismo e a necessidade de força armada declinou
acentuadamente por todo o mundo capitalista”. (Baran: 182).
Na história do século XXI, o líder indiscutível não necessita
manter uma clara superioridade militar monocrática. A aliança com os países do
capitalismo desenvolvido da Europa é suficiente para a construção da nova ordem
mundial hegemônica. A Europa pode adotar o modelo econômico chinês mantendo, se
for necessário um equilíbrio hegemônico entre o capitalismo corporativo de
Estado e o capitalismo corporativo privado. retomo este problema mais adiante.
O que se abandona?
Os Estados Unidos terão enormes dificuldades objetiva e
subjetiva para a metabolização da nova ordem mundial. Sua resistência à adesão na nova ordem
mundial se deve a o fenômeno da tradição americana da história antagônica
capitalismo versus socialismo:
“Os criadores oficiais e não-oficiais da opinião pública –
dos Presidentes e Secretários de Estado aos editorialistas de jornais de
pequenas cidades – têm uma única resposta: os Estados Unidos devem estar
preparados para protegerem o ‘mundo livre’ contra a ameaça da agressão soviética
(ou chinesa)”. (Baran: 186).
A história dissolveu o antagonismo socialismo versus
capitalismo com a história econômica chinesa. Assim, a China aparece como nosso
modelo de história do futuro e a América como modelo de história do passado. O
nosso presente tem que escolher entre o passado e o futuro. Parece que caberá à
Europa a decisão ou pelo passado (aliança com os Estados Unidos) ou pelo
futuro: adoção do modelo econômico invertido chinês com modelo político
democrático liberal.
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A Ásia hegemônica fornece o modelo da Coreia do Sul.
A Coreia do Sul é um país da Ásia oriental. Ela faz parte do
sistema de Estados nacionais neomercantilista do capitalismo corporativo
mundial cibernético da Ásia.
A pandemia da covid-19 mostrou para o mundo que a Coreia do
Sul possuiu um modelo de Estado-cientista público/privado capaz de controlar a
pandemia sem isolamento social. A Coreia em tela construiu um modelo de
planificação capitalista democrático que é algo alternativo ao modelo de
planificação capitalista (“socialismo de mercado”) autoritário chinês.
Na história econômica mundial do futuro pós-crise econômica
da covid-19, a Coreia do Sul pode ser tomada como paradigma de desenvolvimento
do capitalismo corporativo mundial. Estudar a gramática corporativa industrial
coreana é uma premência do presente.
A nossa Coreia é o exemplo de que o modelo econômico mundial
deve ser misto com Estado-cientista. Os Estados Unidos forçaram a Coreia a
aderir ao modelo de capitalismo neoliberal tout court. A Coreia cedeu, mas não
cedeu no essencial. Ela se manteve um capitalismo corporativo mundial com
características coreanas, uma economia entrelaçada em redes produtivas
cibernéticas com a China e o Japão. Ela é um Estado nacional do sistema
neomercantilista asiático do capitalismo globalizado, já muito além do
globalismo neoliberal do americanismo.
A sociedade corporativa industrial da Ásia gerou uma razão
corporativa industrial que é essencial para a nova ordem econômica mundial. No
essencial, a hegemonia mundial passa a ter uma dupla face – ela será, daqui
para frente, hegemonia oriental e hegemonia ocidental?
Com a Coreia supracitada, o capitalismo corporativo mundial
privado resguarda seu lugar na nova ordem econômica mundial pós-covid-19 em
combinação com o capitalismo corporativo de Estado com Estado-cientista
cibernético, natural.
Não há de se embaralhar crise econômica do capitalismo
neoliberal com anarquia econômica nas nações ou no espaço transnacional das
cadeias produtivas do capitalismo corporativo. Hoje, o fenômeno cadente é a
internacionalização, nas relações de produção da formação capitalista, em curso
do capitalismo corporativo de Estado asiático.
A América Latina precisa, urgentemente, continentalizar a
investigação sobre os modelos econômicos fáticos que aparecem como fundamento
da nova ordem mundial já em produção histórica acelerada. Senão, os grandes
países do Continente permanecerão do lado de fora da nova ordem mundial. Ou
melhor serão integrados à esta ordem como países do subdesenvolvimento da velha
razão burocrática weberiana/cepalina.
A globalização corporativa asiática substitui a globalização
neoliberal do americanismo.
A economia mundial funciona em redes produtivas que fazem uma
conexão globalista entre as formas de capitalismo no Ocidente e Oriente. Tolos
falam no fim da globalização, pois, o modelo de economia mista parece que vai
se tornar hegemônico no mundo, desbancando o capitalismo neoliberal privado do
americanismo. Eles confundem globalização com americanismo neoliberal.
A Europa vai adotando o modelo de economia mista (capitalismo
corporativo mundial privado e capitalismo corporativo de Estado com Estado
cientista cibernético, natural) enquanto os Estados Unidos querem persistir no
grande erro da história econômica do século XX - que é o capitalismo neoliberal
privado no comando da vida americana e mundial.
A hegemonia econômica mundial se divide em hegemonia oriental
e hegemonia ocidental na nova ordem mundial. No andar da carruagem, a América
vai perdendo o lugar da hegemonia econômica ocidental, se tornando uma potência
militar ainda ameaçadora. No entanto, os Estados Unidos não possuem mais a
hegemonia militar no planeta como necessidade histórica.
A derrocada da América acontece com o país sendo derrotado
pela covid-19. Trump fala em panaceias médicas para curar a doença e em vacina
pronta em pouco tempo. Ele é o campeão do capitalismo neoliberal que não quer
abrir mão da medicina privada no comando da saúde da população. Para Trump, a
vida americana só faz sentido se atividades como saúde (e educação) servirem à
reprodução do capital americano privado.
Metade dos estados americanos aderem ao discurso de Trump de
flexibilização da atividade econômica produtiva (e vida escolar?), do comércio,
da sociedade do espetáculo, enfim, de legitimar a aglomeração como estilo de
vida em plena pandemia. Assim, os Estados Unidos rompem com a política de
isolamento social sob orientação da OMS e do Estado-cientista.
Os Estados Unidos põem e repõem o capitalismo neoliberal
privado no comando da vida dos americanos. O país se nega a adotar o modelo de
medicina pública para combater pandemias. A América de Trump faz do capitalismo
um fenômeno abjeto, odioso, indefensável.
A hegemonia mundial é aquilo que está em questão na crise
econômica da covid-19. Os Estados Unidos vão perdendo o lugar de liderança
intelectual e moral sobre os outros povos do planeta. A Europa vai
reconquistando essa posição hegemônica sobre os povos ocidentais e
extremo-ocidentais.
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Capitalismo corporativo
mundial. RJ: Papel & Virtual (PUC/RJ), 2002.
BARAN E SWEEZY, Paul e Paulo. Capitalismo monopolista. RJ:
Zahar Editores, 1974
NIETZSCHE. Os Pensadores. Obras Incompletas. SP: Nova
Cultural, 1999
ZIZEK, Slavoj. Mao. Sobre a prática e a contradição. RJ:
Zahar, 2008
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