sábado, 1 de dezembro de 2018

SUBLEVAÇÃO DA HISTÓRIA ECONÔMICA CAPITALISTA - PARTE 2



 José Paulo


Na Parte 1 do Sublevação da história econômica capitalista...

Uma experiência em uma sala ou caixote fechado. No interior desta um gato (vivo) e um frasco de gás venenoso, tudo disposto de modo a que se a desintegração radioativa ocorresse o frasco seria quebrado e o gato morreria. No mundo cotidiano, a morte do gato tem 50% de probabilidades de ocorrer, e, sem olhar para o interior do caixote, podemos dizer com segurança que o gato ou estava vivo ou morto.

No mundo quântico, a realidade objetiva estremece. Segunda a teoria, nenhuma das duas possibilidades de concretização (gato vivo ou morto) tem realidade a não ser que seja observada. Assim, a desintegração nem aconteceu nem não aconteceu e o gato não morreu nem sobreviveu até que um observador tenha olhado para o interior do caixote, obviamente aberto. Os teóricos que aceitam a versão pura da Mecânica Quântica dizem que o gato existe em um estado indeterminado que não é vida ou morte, até que um observador olhe para dentro do caixote: “Nada é real se não é observado”. (Gribbin:13).

 Na experiência, o observador pode ser um vulgata (jornalista)? Ou tem que ser um físico quântico? Ou um psicanalista gramatical? O real observado encontra-se em uma relação determinada com o observador; o gato (fato) do vulgo não é o mesmo gato do cientista; o real  do vulgo não é o mesmo real do cientista; o real do vulgo não é o Real  do R.S.I. em psicanálise em gramática marxista. Aqui é o real da gramática da realidade objetiva como materialidade  do fenômeno econômico capitalista no qual se define pela relação capital/trabalho ou gato fechado na caixa em uma situação indeterminada de existência.

O real da relação capital/trabalho é a produção da mais valia, do excedente econômico no sobretrabalho. Trata-se de uma existência complexa.  A determinação da mais valia depende da existência da quantidade de trabalho investido como valor como forma de trabalho social; isto é o  que faz que o dinheiro apareça como a verdadeira forma do valor (Marx. Sem Data:15) ; o valor da mercadora corresponde a quantidade relativa de trabalho contido nela; o valor do trabalho se determina pelos meios de vida necessários para a existência  do trabalhador; o excedente é o trabalho que sobra, parte da produção de valor econômico que sobra, e que cai no bolso do capital depois de cobrir o necessário para a subsistência do trabalhador. (Marx. Sem Data: 12).

A produção da mais valia ocorre em um estado de indeterminação no qual não se sabe se o trabalho é o gato vivo ou morto. O gato vivo é aquele observado por Marx, no século XIX da sociedade industrial, como luta de classe tout court. No final do século XX, a luta de classe econômica do trabalho cessou; o gato está novamente dentro da caixa fechada historial.

O gato novamente dentro da caixa significa a sociedade industrial como fenômeno insignificante no Ocidente. Neste afundar do Ocidente, a sociedade industrial encontra-se em estado de subsunção real (Marx. 1978: 55) em relação à sociedade bancaria. Nesta curva da estrada, a história econômica não tem como contradição principal o capital versus o trabalho; ao contrário, tem como contradição principal a sociedade bancária versus a sociedade industrial subsumida; esta contradição tem no lado direito o Ocidente e no avesso o Oriente asiático em uma geopolítica econômica planetária.        

 A sociedade industrial asiática não é homóloga à do modo de produção especificamente capitalista do século XIX europeu. Hoje, as forças produtivas sociais do trabalho  são cyberforças. No entanto, a realidade capitalista objetivada asiática pode ser tomada como o próximo da realidade objetiva europeia relatada por Marx;
“As forças produtivas sociais do trabalho, ou as forças produtivas diretamente social, socializado (coletivizado) por força da cooperação; a divisão do trabalho na oficina, a aplicação da maquinaria, e em geral a transformação  do processo produtivo em aplicação consciente das ciências naturais, mecânica, química etc. para fins determinados, a tecnologia etc. assim como os trabalhos em grande escala correspondente a tudo isso (só esse trabalho socializado está em condições de utilizar no processo imediato de produção os produtos gerais do desenvolvimento humano, como a matemática etc. assim como, por outro lado, o desenvolvimento dessas ciências pressupõe determinado nível de processo material de produção); esse desenvolvimento da força produtiva do trabalho objetivado, por oposição ao trabalho mais ou menos isolado dos indivíduos dispersos etc. e com ele a aplicação da ciência – esse produto geral do desenvolvimento social – ao processo imediato de produção; tudo isso se apresenta como força produtiva do capital, não como força produtiva do trabalho; ou como força produtiva do trabalho apenas na medida em que este é idêntico ao capital, e em todo caso nunca como força produtiva quer do operário individual, quer dos operários associados no processo de produção. A mistificação implícita na relação capitalista em geral, desenvolve-se agora muito mais do que podia ou teria podido se desenvolver no caso da subsunção puramente formal do trabalho ao capital”. Marx. 1978: 55).  

Há uma sublevação na história econômica capitalista.  Trata-se da sublevação da sociedade industrial asiática contra a subsunção real da história industrial à sociedade bancária no Ocidente. A sublevação econômica ocorre por dentro do processo de globalização econômica inventado pelo Ocidente; é uma sublevação pacífica. Aqui, a sublevação aponta para uma  quebra ou spaltung (Labica: 113) do mundo  ocidental; a sublevação econômica aparece como spaltung historial mundial; e a contradição econômica entre sociedade industrial e sociedade  bancária  aparece como uma contradição em gramática marxista na história - Ocidente versus Oriente.

No capitalismo weberiano, a burocracia privada (fábrica) é um aparelho equivalente à burocracia estatal. O domínio da burocracia privada no século XIX faz pendant com a sociedade industrial liberal no comando da economia, cultura e política.

No século XX, aparece a soberania da burocracia bancaria, ou seja, a sociedade bancária  assume o comando da economia, política e cultura em conluio (mas em contradição) com a burocracia estatal. A sociedade fictícia (de capital fictício) é a propriedade fundamental da gramática do capitalismo sob domínio da oligarquia financeira internacional. Sem fundamento gramatical industrial, a política do Estado nacional serve à narrativa lógico-ficcional do Banco. Esta narrativa bancária fala de uma sociedade de serviço (do emprego pouco qualificado) no lugar da sociedade industrial com sua divisão profissional de trabalho manual e intelectual simbólico. A sociedade das profissões modernas é substituída por uma sociedade do trabalho precário, como trabalho simbólico. Assim, o lugar da ciência e da técnica moderna na forças produtivas industriais é jogada para o canto escuro do quarto de dormir, em um hotel barato  da Lapa carioca.      

Em uma profecia racional (Weber. 1968: 316), Weber fala do fim do capitalismo e no nascimento de um Egito antigo ultraracional:
“Una vez eliminado el capitalismo privado, la burocracia estatal dominaría ella sola. Las burocracias privada y pública, que ahora trabajan una ao lado de la otra y, por lo menos posiblemente, una contra otra, manteniéndose, pues, hasta cierto punto mutuamente en jaque, se fundirían en una jerarquía única; a la manera, por ejemplo, del Egipto antiguo, sólo que en forma incomparablemente más racional y, por tanto, menos evitable”. (Weber. 1984: 1074).

A sociedade asiática da contemporaneidade se define pela complementariedade da burocracia estatal em junção com a burocracia privada? Ou melhor seria falar da sintetização da burocracia estatal com a burocracia privada em uma profecia racional de Mao?

Mao diz:
“até agora, análise e a síntese não foram claramente definidas. A análise é mais clara, mas pouco foi dito sobre a síntese. Tive uma conversa com Ai Ssu-ch’i. Ele disse que hoje eles só falam sobre síntese e análise conceituais, e não falam sobre síntese e análise práticas objetivas. Como analisamos e sintetizamos o Partido Comunista e o Kuomintang, o proletariado e a burguesia, os proprietários de terras e os camponeses, os chineses e os imperialistas?”. (Zizek. 2008: 219).

A gramática maoista é uma bússola para a compreensão da sociedade asiática industrial do presente?  É razoável dizer que existe uma realidade objetiva como sintetização das burocracias privada e estatal? Trata-se de uma prática objetiva em narrativa lógica de sintetização do capitalismo com o socialismo asiático que se articula como a nova sociedade industrial; a produção da contemporaneidade tem a gramática industrial asiática como um fundamento irrevogável?  

A profecia de Weber e a dialética da sintetização de Mao não são suprassumidos pela sociedade cybernética? A sociedade burocrática moderna é hoje um suplemento da cybersociedade do século XXI. A cadeia de significantes do presente é: cybersociedade civil que socializa desde a infância o ser humano via mundo digital; cybersociedade política representada na América por Donald Trump e no Brasil por Jair Messias Bolsonaro; cyberEstado nacional articulado por redes internacionais de comércio, ciência, cultura, técnica digital;  cybercapitalismo  industrial das grandes corporações capitalista da internet e mais ainda; mundo da cybersociedade das relações internacionais tout court, onde a polícia secreta (Okhrana) e o complexo industrial militar são os sujeitos políticos na dimensão invisível da tela cybergramatical.

A consciência da história do presente vive em um mundo onde se diz que a consciência histórica inexiste:
“Sería más justo no tomar la  consciência histórica como un fenómeno radicalmente nuevo, caso verdaderamente extremo de la investigación histórica, sino como una transformación relativa, aunque ‘revolucionaria’, en el interior de aquello que constituye desde siempre el  comportamiento del hombre cara a cara con su pasado”.(Gadamer:80).

A crise mundial se caracteriza pelo seguinte  gozo: o velho (passado) não quer morrer e o novo (futuro) não quer nascer. O comportamento do homem cara a cara com seu passado morto faz necessário incluir na cybersociedade a consciência histórica para que o passado não fabule, (com seus fantasmas ou espectros) como um pesadelo o cérebro dos vivos.

Como a realidade observada da contemporaneidade, o gato de Schrödinger, para o vulgo (jornalista), ainda se encontra na caixa lacrada historial para a consciência histórica. Para a psicanálise em gramática marxista, a realidade observada(gato com a caixa aberta)  é aquela da sociedade industrial  que nasce e da sociedade bancária como spaltung do mundo ocidental.

  BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et simulation. Paris: Galilée, 1981
BAUDRILLARD, Jean. Les stratégies fatales. Paris: Éditions Grasset & Fasquelle, 1983
BAUDRILLARD, Jean. Da sedução. Campinas: Papirus, 1991
FAYE, Jean-Pierre. A razão narrativa. A filosofia heideggeriana e o nacional-socialismo. SP: Editora 34, 1990
FIORAVANTI, Eduardo. El capital monopolista internacional. Barcelona: EdicionesPenínsula,  1976
GADAMER, Hans-Georg.  El problema de la conciencia histórica. Madrid: Tecnos, 1993
GLUCKMANN, André. Le discours de la guerre. Paris: Union Générale D’Éditions, 1974
GRIBBIN, John. À procura do gato de Schrödinger. Lisboa: Editorial Presença, 1988
LABICA, Georges. As “Teses sobre Feuerbach” de Karl Marx. RJ: Jorge zahar editor, 1990
LÉNINE, V. Oeuvres. Tome 22.  L’Imperialisme, Stade suprême du capitalisme. Paris/Moscou: Editions Sociales/Editions du Progrès, 1977
MARX, Carlos. Teorias de la plusvalia. V. 1. Madrid: Alberto Corazon Editor,Sem Data
MARX. Pensadores. SP:  Abril Cultural, 1974a
MARX. Karl. O capital. Livro 1. Capítulo VI.  Inédito. SP: Editora Ciências Humanas, 1978      
WEBER, Max. História geral da economia.  SP: Editora Mestre Jou, 1068
WOLTON, Dominique.  Penser la communication.  Paris: Flammarion, 1997
WEBER, Max.  Economia y sociedade. México:  Fondo de Cultura Económica, 1984
ZIZEK, Alavoj. (org). Mao.Sobre a prática e a contradição. RJ:  Zahar, 2008  
        

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