sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

DA TIRANIA NOS TRÓPICOS


José Paulo



1988 é a data da democracia constitucional brasileira depois de um longo período de ordem militar autoritária. Como vivi na ordem autoritária, 1988 significava a esperança de viver em uma ordem democrática civil. Em 2018, uma maioria eleitoral elegeu um homem branco do exército cuja propaganda dizia que ele se eleito implantaria uma tirania criptomilitar. Este acontecimento á a mola propulsora da reflexão sobre o tirano nos trópicos que se segue. 

No livro “Da tirania” de Leo Strauss, o tirano Hiéron responde a interrogação de por que homens comuns da vida privada (e mulheres, é claro) desejam ser tiranos. A resposta é que eles (e elas) imaginam que o tirano desfruta do máximo de prazer e do mínimo de desprazer ou castigo da vida prática. (Strauss: 10).

No que concerne ao espetáculo que nos proporciona a vista, o tirano não pode assistir, pois, é mais fraco que o público. Sendo assim, o espetáculo proporciona um estado de insegurança e uma faca pode despojar o poder do tirano. A viagem põe o problema dramático de conferir a um outro o poder. O tirano não se encontra seguro com tal situação, pois, pode ser despojado do poder, e se encontra impotente para reparar esta injustiça. (Strauss: 11). A viagem do tirano pode ter muitas facetas gramaticais.

O presidente Jair Messias Bolsonaro foi esfaqueado no espetáculo da multidão que o acompanhava na campanha eleitoral. Depois de se recuperar do atentado, Bolsonaro foi jogado à condição de tirano que não pode fazer parte do espetáculo de massas. A faca que perfurou Bolsonaro (real ou teatral) é o signo carnal que funda a pessoa Messias como tirano.

O chefe da polícia secreta do governo que se encerra diz que tem informações  verdadeiras de que Bolsonaro poderá sofrer um outro atentado na festa da posse. Sugere que Jair não pode desfilar em carro aberto, uma tradição da festa da posse. O chefe-general da polícia secreta diz que Bolsonaro é um tirano.

O tirano vive em um estado permanente de insegurança temendo por sua vida. Este elemento da gramática da tirania significa que a vida privada é negada ao tirano. Osa indivíduos que se imaginam no lugar do tirano nada sabem sobre a diferença entre vida privada e vida tirânica.

Ao desejarem a vida tirânica para si, os indivíduos de um país parecem não pautar sua existência pela vida democrática assegurada a eles pela Constituição. A Constituição democrática é uma abstração e a tirania mexe com os desejos carnais das massas.

A democracia é a primazia da lei constitucional sobre os poderes estatal e privado. A tirania faz parelha com o absolutismo. No século XXI, uma sociedade tirânica se define por poderes absolutistas acima da lei. Os poderes absolutistas governam o país ao arrepio da lei.

1988 é a gramática virtual que diz que o equilíbrio de poder na sociedade nacional deve ser construído a partir dos direitos individuais. Tal elemento gramatical põe e repõe o indivíduo definido como protegido contra os poderes realmente existentes. Ao contrário, o equilíbrio da sociedade segundo o governo dos poderes absolutistas caminha para a soberania do eucrata:
“As diferentes ideias sobre o relacionamento que existe ou deveria existir entre o próprio Estado e os outros Estados são estreitamente ligadas às teorias da natureza do Estado, compatíveis, respectivamente, com os tipos democrático e autocrático de personalidade. Este último, com sua autoconsciência hipertrófica baseada em sua identificação com um autocrata poderoso, está predestinado a defender a doutrina de que o Estado é uma entidade diferente da massa de seres humanos individuais, uma realidade supra-individual e, de certo modo, coletiva, um organismo místico e, como tal, uma autoridade suprema, a realização do valor absoluto. É o conceito de soberania que efetua a absolutização, a divinização do Estado, representado, em sua totalidade, pelo governante divino. O absolutismo filosófico, como foi mostrado, pode resultar de uma concepção que, em sua tentativa de conceber o mundo, parte do eu mas ignora o tu, recusa-se a admitir a reivindicação deste de ser também um eu e, desse modo, leva a uma absolutização do eu único e soberano em cuja concepção e vontade está incluído todo o universo, juntamente com todos os outros que, em vão, firmam sua condição de eus”. (Kelsen.1993: 192).

A eucracia ou culto do eucrata é a condição para que a tirania reine na sociedade formalmente democrática?  A propaganda de Jair metabolizada pelas massas como o verdadeiro estado da política nacional se fez sobre o signo: ele é o mito. Os oponentes tomaram esse como um signo-clown, uma brincadeira política de mau-gosto do filho cibernauta propagandista do capitão reformado do Exército. Ao contrário, “ele é o mito” significa o anuncio da política como governo do eucrata em um país dominado por personalidades eucráticas, ou na terminologia de Kelsen personalidades autocráticas.  

Em um país de eucratas, a democracia permanece no papel que contém a letra da Constituição 1988. Pela letra ambiciosa 1988, a vida política deve ser organizada pelos artigos “Dos Direito e garantias fundamentais”. Algo tão óbvio nunca foi metabolizado pelos indivíduos ou massas como sujeito grau zero eucrático.

Para a democracia 1988 acontecer e fazia necessário a gramaticalização da gramática 1988. O Artigo 5°diz:
Todo são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos da lei”.

 Poderes absolutistas como a polícia estatal e milícias retiram do indivíduo a inviolabilidade do direito à vida. O poder absolutista é aquele que funciona acima da lei (e contra ela).

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.
É subtraído de uma considerável parcela da população a proteção do III.
XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, verdade a de caráter paramilitar.
Entre nós, o urbano se define pela quase supremacia na vida cotidiana de poderes paramilitares absolutistas. O governo Bolsonaro faz parelha com a vontade das massas messiânicas de se organizarem como força prática paramilitar.

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
Tribunais do crime organizado (e milícias) exercem o “direito” fático de julgar e sentenciar à morte brasileiros e estrangeiros residentes no país. A vereadora carioca Marielle Franco foi condenada à morte por um tribunal  de organizações criminosas privada e estatal.  

LXXV – o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.
Massas de indivíduos estão presos como efeito da ação da polícia sem que esta ação se torne um processo de legal condenatório. Os indivíduos incluídos no LXXV não recebem indenização.

LIV – ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
O poder policial absolutista priva os indivíduos de sua liberdade física sem o e devido processo legal.

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

O STF age como um poder absolutista ao relativizar o LVII e usurpar o direito constitucional do poder legislativo de mudar ou não a Constituição. A vontade absolutista do STF se impõe à vontade democrática do legislativo.


XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.
O XLI é letra morta. E sem ele a democracia é um faz de conta.

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
A televisão é um poder absolutista pois, prega a violação abjeta da ordem 1988, diariamente. Ele faz propaganda para que o governo Bolsonaro funcione como um governo tirânico violando o direito econômico adquirido por milhões de pessoas.
XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.
O sistema penitenciário é governado por facções criminosas que rasgam, todo dia, o XLIX.  

                                                                              III
A gramática 1988 pode ser considerada um texto utópico? É verdade! No entanto, ou a sociedade se submete à supremacia da letra da lei ou ela é governada por poderes absolutistas. A gramática 1988 foi posta de lado com a ordem corrupta lulista. A partir dessa ordem, emergiram poderes absolutistas considerados uma necessidade histórica para a moralidade da vida nacional.

A LavaJato é o poder absolutista estatal fazendo pendant com o poder absolutista mass media. Sem o espetáculo proporcionado (prisões, ameaças de prisões, indivíduos grafados como corruptos por delações premiadas etc.) pelo poder absolutista mass media não haveria LavaJato.  
A violação permanente do LVII (trânsito em julgado) pelo poder do juiz tem ancoragem nas massas reais, da televisão e cibernautas.
                                                                                   IV

O republicanismo pode se constituir como poder absolutista acima da lei, da Constituição:
“Foram os homens da Revolução Francesa que, intimidados com o espetáculo da multidão, exclamaram com Robespierre: “La République? La Monarchie? Je ne connais que la question sociale”.; e eles perderam, juntamente com as instituições e constituições que são ‘a alma da República (Saint Just), a própria revolução. (Arendt: 49)   

“Á transformação da questão social numa força, efetuada por Marx” (Arendt: 49) é o elemento gramatical copiado como transformação da questão da corrupção como força política pela LavaJato como espetáculo da multidão. Rigorosamente, a LavaJato deixou de existir como força prática judicial da multidão com a transformação do juiz Sergio Moro em ministro da Justiça do governo Bolsonaro.  

A Lavajato mass media serve a um novo senhor, ao governo nacional bolsonarista. O espetáculo da multidão lavajato funcionará como legitimação do governo Bolsonaro pelas massas sujeito grau zero democráticas.  Há a passagem da ordem autoritária excepcional instalada pela Lavajato à ordem de uma formação política de massas tirânicas nos trópicos.

Voltarei ao objeto tirania mais vezes, pois, está claro para mim que uma época de tirania irremediável (ainda não definida como gramática em história econômica) invadirá o Brasil.

ARENDT, Hannah. Da revolução. SP/Brasília: Ática/UNB, 1988     
KELSEN, Hans. A democracia. SP: Martisn Fontes, 1993   
 STRAUSS, Leo. De la tyrannie. Correspondance avec Alexandre Kojève (1932-1965). Paris: Gallimard, 1997    
        

Nenhum comentário:

Postar um comentário