sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

CAPITALISMO E CIVILIZAÇÃO INDUSTRIAL-CELSO FURTADO


José Paulo
                                    


Seguindo a exposição do livro “Criatividade e dependência na civilização industrial”, o leitor pode se espantar com a falta de spaltung que caracteriza o mundo atual ocidental. Isto consiste que a organização do mundo tem como ponto-de-partida da história econômica da grande empresa do capitalismo organizado, planificado setorialmente pelas corporações capitalistas  mundiais. 

O que é a grande empresa?
“Em síntese :a grande empresa é um conjunto organizado hierarquicamente de relações sociais que é posto a serviço de uma vontade programada para condicionar o comportamento de segmentos da sociedade”. (Furtado. 1978/2008: 44).

A história econômica da grande empresa se encaminhava para a criação da sociedade capitalista industrial do futuro ocidental:
“Se deixarmos de lado a visão economicista do capitalismo industrial como simples forma de organização da produção e o observarmos como sistema de organização social, captamos sem dificuldade o  real significado da considerável concentração de poder que hoje o caracteriza”. (idem\: 43-44).

A sociedade industrial capitalista é a sociedade civil industrial no comando da economia, da cultura, da política e do Estado. Como uso racional e planificado do excedente público, a política econômica do Estado passa a ser um efeito técnico das disputas entre a sociedade industrial e o Estado nacional social (Furtado. 2008: 45;44).

Estudo a gramática da ciência econômica de Celso Furtado desde a década de 1980. Em meu livro de 2002 “Capitalismo corporativo mundial” falo da CEPA de Celso:
“O cepalismo é a vontade de saber de uma classe dirigente periférica e ocidentalista. Na década de cinquenta, a Comissão Econômica para a América Latina ocupa o lugar do maître no discurso político latino-americano. A CEPAL será o agente, o poder como agenciamento de inscrição de um saber no lugar do Outro (sociedade como campo dos saberes de um dispositivo industrial). Ela tornar-se o protagonista de uma vontade de saber-poder industrializante. Não se trata apenas de um grupo intelectual orgânico de uma burguesia industrial periférica; este grupo não representa na esfera ideológica os interesses da burguesia industrial periférica; ele é a atividade de uma considerável vontade de saber preocupada com o desenvolvimento autônomo de países periféricos. Para a cepal, a industrialização periférica só pode ser o motor de um desenvolvimento integral: econômico, social e político.  Esta vontade de saber nacional é também um efeito do modo de articulação hegemônico no século XX: hegemonia com burocracia”. (Bandeira da Silveira: 106).

Uma mudança qualitativa na natureza do poder econômico em junção com a nova sociedade da técnica da comunicação anuncia a aurora da nova sociedade capitalista industrial capitalista:
“Mas a concentração do poder econômico, reforçada pelo avanço nas técnicas de comunicação, acarretaria modificações de monta nas chamadas relações econômicas internacionais, cuja especificidade apenas começa a ser objeto de estudo”. (Furtado. 2008: 45).

A natureza neocolonial do “capitalismo corporativo mundial” não escapa a Celso:
“A expansão das empresas, fora das fronteiras nacionais dos países em que se origina, assumiu historicamente uma multiplicidade de formas. O controle das operações comerciais internacionais com frequência prolongou-se em atividades industriais complementares da produção primário-exportadora. Assim, os frigoríficos, as usinas beneficiadoras de algodão, produtoras de azeites vegetais e outras similares servem para consolidar o controle pelos interesses comerciais dos fluxos de produtos primários destinados `exportação. Em casos especiais esse controle ganhou profundidade, estendendo-se às atividades produtoras, dando origem ao sistema de ‘plantações’ característico dos regimes coloniais”. (Furtado. 2008: 46).

A era Lula quis se articular ao modo de produção capitalista industrial mundial pela forma de capitalismo neocolonial de “plantação”.  

A história econômica mundial da aurora da sociedade industrial do capitalismo corporativo mundial produz efeitos ciclópicos na política planetária:
“O capitalismo corporativo mundial já alterou a nova topografia política internacional. Esta nova topografia política mundial será um fator determinante nas políticas nacionais? Para o leitor interessado, esta nova topografia política é uma produção histórica. Primeiro, o capitalismo corporativo mundial derrotou o socialismo burocrático europeu. Este fenômeno suprimiu um dos três polos da axiomática mundial.  O Fim da URSS e do Leste socialista europeu é um acontecimento que tem um agente histórico:  o modo de produção capitalista corporativo mundial”. (Bandeira da Silveira:  267-268).

Na periferia neocolonial  do terceiro-mundo superficial da ordem capitalista corporativa mundial  jazia adormecidos fenômenos que despertam, retroativamente, em 2018 no Brasil:
“O discurso racista é o cimento institucional e ideológico do Estado brasileiro. Foucault fala de um racismo de Estado no início do novecentos. Todavia, este discurso racista é um reagenciamento conjuntural do discurso racial da guerra”. (Bandeira da Silveira: 192).
Há uma  guerra racial em curso no nosso país; trata-se da guerra racial dos de baixos formada por pelotões de mestiços e pretos  ou “negros’; guerra contra a sociedade ariana do rico; o governo Bolsonaro é um governo de generais e de uma militarização do poder civil como fato inédito da política brasileira; os generais messiânicos (de Jair Messias Bolsonaro) vão comandar intelectual e politicamente a guerra racial urbana; um ensaio geral já foi realizado no Rio com o  governo de intervenção nacional de Temer comandado por generais do primeiro exército. Esta conjuntura militarizada da política em extensão acera em 2019.

Avançando na questão do  discurso racial:
“O  discurso do  racista é o discurso revolucionário pelo avesso. Com esta fórmula, Foucault explica o uso  do discurso  racista no neocolonialismo, no nazismo e no Estado soviético. No caso alemão, a explicação fica incompleta. Os nazistas criaram uma cultura política estetizante.  Esta cultura é o simulacro da cultura política populista”.  (Bandeira da Silveira: 195).

O cyberpopulismo racialista de estrema direita do clã Bolsonaro afronta a nação da brasilidade com os dizeres que transformam a sociedade tribal do Xingu e de Roraima em um inimigo da política de Estado. O índio como inimigo do poder de Estado introduz na política brasileira a racialização política acelerada da nossa sociedade. Trata-se da política como dialética amigo (economia de commodities) e inimigo (índio).  Vindo da cultura racional da guerra dos generais, uma gramática da política de Carl Schmitt passa a nos dominar:
“A distinção especificamente política a que podem reportar-se as ações e os motivos políticos é a discriminação entre amigo e inimigo. Ela fornece uma determinação conceitual no sentido de um critério, não como definição exaustiva ou especificação de conteúdo. Na medida em que ela é derivável de outros critérios, corresponde, para o político, aos critérios relativamente independentes das demais contraposições: bom mau, no moral; belo e feio, no estético etc". (Schmitt: 51-52).

spaltung (quebra de mundo) com a vitória do clã Bolsonaro nas urnas, em 2018. O discurso  racialista da política nacional e a gramática militarista da política de Carl Schmitt viram o Brasil pelo avesso.

Fazendo junção com os efeitos da história econômica capitalista mundial sobre o Brasil, nossa história nacional  retoma uma linha gramatical de força (colonial) cujo fio parecia ter sido rompido:
“No Brasil, o discurso do racista é um cimento ideológico da sociedade colonial; ele é o efeito de múltiplas determinações e da luta das subjetividades raciais agregadas no processo de colonização.
No século XIX, o discurso do racista vira, abertamente, a ideologia aristocrática da classe dominante brasileira”. (Bandeira ad Silveira: 196).

O nosso funesto destino de terceiro-mundo superficial do capitalismo neocolonial foi escrito na gramática, virtualmente, que hoje nos assombra como um pesadelo messiânico:
“Há um grupo de significantes – aristocratismo versus populismo; Estado ético e Estado imoral; público versus privado; moderno versus tradicional; universitário e oligárquico; civilização e barbárie – que articulam a repressão da cultura política populista pela ideologia brasileira. Esta ideologia política guiou a governabilidade FHC na transição para o modo de produção corporativo mundial. Todavia, a crise brasileira pode implodir a ideologia brasileira e dificultar o funcionamento político do modo de produção corporativo mundial no Brasil”. (Bandeira da Silveira: 197-198).

Na era FHC e na era Lula, tratou-se de conduzir o país para o caminho do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo superficial com aparência de mundo ocidental. O governo Temer rasgou as aparências de semblância de mundo civilizado europeu entre nós. A era Bolsonaro aparece como um aprofundamento da era Temer.

Enquanto a Ásia seguia a linha de força gramatical da sociedade cyberindustrial capitalista, o Ocidente escolheu o caminho do cyberBanco no comando da economia, cultura e política. Donald Trump resolveu retomar o caminho da nova sociedade industrial capitalista que Obama ajudou a desenvolver no Oriente.

Trump ainda não gramaticalizou que o mundo não é mais das nações; as nações são do mundo do capitalismo corporativo mundial.

Bandeira da Silveira, José Paulo. Capitalismo corporativo mundial. RJ: Papel e Virtual: 2002
FURTADO, Celso. Criatividade e dependência na civilização industrial. SP: Companhia das letras, 2008 (1978).
SCHMITT, Carl. O conceito do político. Petrópolis: VOZES, 1992        

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