José Paulo
Seguindo a exposição do livro
“Criatividade e dependência na civilização industrial”, o leitor pode se
espantar com a falta de spaltung que caracteriza o mundo atual ocidental. Isto
consiste que a organização do mundo tem como ponto-de-partida da história
econômica da grande empresa do capitalismo organizado, planificado
setorialmente pelas corporações capitalistas
mundiais.
O que é a grande empresa?
“Em síntese :a grande empresa é
um conjunto organizado hierarquicamente de relações sociais que é posto a
serviço de uma vontade programada para condicionar o comportamento de segmentos
da sociedade”. (Furtado. 1978/2008: 44).
A história econômica da grande empresa se encaminhava para a criação da sociedade capitalista industrial do futuro ocidental:
“Se deixarmos de lado a visão
economicista do capitalismo industrial como simples forma de organização da
produção e o observarmos como sistema de organização social, captamos sem
dificuldade o real significado da
considerável concentração de poder que hoje o caracteriza”. (idem\: 43-44).
A sociedade industrial capitalista é a sociedade civil industrial no comando da economia, da cultura, da política e do Estado. Como uso racional e planificado do excedente público, a política econômica do Estado passa a ser um efeito técnico das disputas entre a sociedade industrial e o Estado nacional social (Furtado. 2008: 45;44).
Estudo a gramática da ciência econômica de Celso Furtado desde a década de 1980. Em meu livro de 2002 “Capitalismo corporativo mundial” falo da CEPA de Celso:
“O cepalismo é a vontade de saber
de uma classe dirigente periférica e ocidentalista. Na década de cinquenta, a
Comissão Econômica para a América Latina ocupa o lugar do maître no discurso político latino-americano. A CEPAL será o
agente, o poder como agenciamento de inscrição de um saber no lugar do Outro (sociedade
como campo dos saberes de um dispositivo industrial). Ela tornar-se o
protagonista de uma vontade de saber-poder industrializante. Não se trata
apenas de um grupo intelectual orgânico de uma burguesia industrial periférica;
este grupo não representa na esfera ideológica os interesses da burguesia
industrial periférica; ele é a atividade de uma considerável vontade de saber
preocupada com o desenvolvimento autônomo de países periféricos. Para a cepal,
a industrialização periférica só pode ser o motor de um desenvolvimento
integral: econômico, social e político.
Esta vontade de saber nacional é também um efeito do modo de articulação
hegemônico no século XX: hegemonia com burocracia”. (Bandeira da Silveira: 106).
Uma mudança qualitativa na natureza do poder econômico em junção com a nova sociedade da técnica da comunicação anuncia a aurora da nova sociedade capitalista industrial capitalista:
“Mas a concentração do poder
econômico, reforçada pelo avanço nas técnicas de comunicação, acarretaria modificações
de monta nas chamadas relações econômicas internacionais, cuja especificidade
apenas começa a ser objeto de estudo”. (Furtado. 2008: 45).
A natureza neocolonial do “capitalismo corporativo mundial” não escapa a Celso:
“A expansão das empresas, fora
das fronteiras nacionais dos países em que se origina, assumiu historicamente
uma multiplicidade de formas. O controle das operações comerciais
internacionais com frequência prolongou-se em atividades industriais
complementares da produção primário-exportadora. Assim, os frigoríficos, as
usinas beneficiadoras de algodão, produtoras de azeites vegetais e outras
similares servem para consolidar o controle pelos interesses comerciais dos
fluxos de produtos primários destinados `exportação. Em casos especiais esse
controle ganhou profundidade, estendendo-se às atividades produtoras, dando
origem ao sistema de ‘plantações’ característico dos regimes coloniais”.
(Furtado. 2008: 46).
A era Lula quis se articular ao modo de produção capitalista industrial mundial pela forma de capitalismo neocolonial de “plantação”.
A história econômica mundial da aurora da sociedade industrial do capitalismo corporativo mundial produz efeitos ciclópicos na política planetária:
“O capitalismo corporativo
mundial já alterou a nova topografia política internacional. Esta nova topografia
política mundial será um fator determinante nas políticas nacionais? Para o
leitor interessado, esta nova topografia política é uma produção histórica. Primeiro,
o capitalismo corporativo mundial derrotou o socialismo burocrático europeu. Este
fenômeno suprimiu um dos três polos da axiomática mundial. O Fim da URSS e do Leste socialista europeu é
um acontecimento que tem um agente histórico: o modo de produção capitalista corporativo
mundial”. (Bandeira da Silveira: 267-268).
Na periferia neocolonial do terceiro-mundo superficial da ordem capitalista corporativa mundial jazia adormecidos fenômenos que despertam, retroativamente, em 2018 no Brasil:
“O discurso racista é o cimento institucional
e ideológico do Estado brasileiro. Foucault fala de um racismo de Estado no
início do novecentos. Todavia, este discurso racista é um reagenciamento
conjuntural do discurso racial da guerra”. (Bandeira da Silveira: 192).
Há uma guerra racial em curso no nosso país; trata-se
da guerra racial dos de baixos formada por pelotões de mestiços e pretos ou “negros’; guerra contra a sociedade ariana
do rico; o governo Bolsonaro é um governo de generais e de uma militarização do
poder civil como fato inédito da política brasileira; os generais messiânicos (de
Jair Messias Bolsonaro) vão comandar
intelectual e politicamente a guerra racial urbana; um ensaio geral já foi
realizado no Rio com o governo de
intervenção nacional de Temer comandado por generais do primeiro exército. Esta
conjuntura militarizada da política em extensão acera em 2019.
Avançando na questão do discurso racial:
“O discurso do
racista é o discurso revolucionário pelo avesso. Com esta fórmula, Foucault
explica o uso do discurso racista no neocolonialismo, no nazismo e no
Estado soviético. No caso alemão, a explicação fica incompleta. Os nazistas
criaram uma cultura política estetizante.
Esta cultura é o simulacro da cultura política populista”. (Bandeira da Silveira: 195).
O cyberpopulismo racialista de estrema direita do clã Bolsonaro afronta a nação da brasilidade com os dizeres que transformam a sociedade tribal do Xingu e de Roraima em um inimigo da política de Estado. O índio como inimigo do poder de Estado introduz na política brasileira a racialização política acelerada da nossa sociedade. Trata-se da política como dialética amigo (economia de commodities) e inimigo (índio). Vindo da cultura racional da guerra dos generais, uma gramática da política de Carl Schmitt passa a nos dominar:
“A distinção especificamente
política a que podem reportar-se as ações e os motivos políticos é a
discriminação entre amigo e inimigo. Ela fornece uma determinação
conceitual no sentido de um critério, não como definição exaustiva ou
especificação de conteúdo. Na medida em que ela é derivável de outros critérios,
corresponde, para o político, aos critérios relativamente independentes das
demais contraposições: bom mau, no moral; belo e feio, no estético etc". (Schmitt:
51-52).
Há spaltung (quebra de mundo) com a vitória do clã Bolsonaro nas urnas, em 2018. O discurso racialista da política nacional e a gramática militarista da política de Carl Schmitt viram o Brasil pelo avesso.
Fazendo junção com os efeitos da história econômica capitalista mundial sobre o Brasil, nossa história nacional retoma uma linha gramatical de força (colonial) cujo fio parecia ter sido rompido:
“No Brasil, o discurso do racista
é um cimento ideológico da sociedade colonial; ele é o efeito de múltiplas determinações
e da luta das subjetividades raciais agregadas no processo de colonização.
No século XIX, o discurso do racista vira, abertamente, a ideologia aristocrática da classe dominante brasileira”. (Bandeira ad Silveira: 196).
No século XIX, o discurso do racista vira, abertamente, a ideologia aristocrática da classe dominante brasileira”. (Bandeira ad Silveira: 196).
O nosso funesto destino de terceiro-mundo superficial do capitalismo neocolonial foi escrito na gramática, virtualmente, que hoje nos assombra como um pesadelo messiânico:
“Há um grupo de significantes –
aristocratismo versus populismo; Estado ético e Estado imoral; público versus
privado; moderno versus tradicional; universitário e oligárquico; civilização e
barbárie – que articulam a repressão da cultura política populista pela
ideologia brasileira. Esta ideologia política guiou a governabilidade FHC na
transição para o modo de produção corporativo mundial. Todavia, a crise
brasileira pode implodir a ideologia brasileira e dificultar o funcionamento
político do modo de produção corporativo mundial no Brasil”. (Bandeira da
Silveira: 197-198).
Na era FHC e na era Lula, tratou-se de conduzir o país para o caminho do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo superficial com aparência de mundo ocidental. O governo Temer rasgou as aparências de semblância de mundo civilizado europeu entre nós. A era Bolsonaro aparece como um aprofundamento da era Temer.
Enquanto a Ásia seguia a linha de força gramatical da sociedade cyberindustrial capitalista, o Ocidente escolheu o caminho do cyberBanco no comando da economia, cultura e política. Donald Trump resolveu retomar o caminho da nova sociedade industrial capitalista que Obama ajudou a desenvolver no Oriente.
Trump ainda não gramaticalizou que o mundo não é mais das nações; as nações são do mundo do capitalismo corporativo mundial.
Bandeira da Silveira, José Paulo.
Capitalismo corporativo mundial. RJ: Papel e Virtual: 2002
FURTADO, Celso. Criatividade e dependência
na civilização industrial. SP: Companhia das letras, 2008 (1978).
SCHMITT, Carl. O conceito do
político. Petrópolis: VOZES, 1992
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